RESUMO:
Objetivo:
Estimar as tendências da autoavaliação de saúde em relação ao excesso de peso na população adulta residente nas capitais da região Centro-Oeste e no Distrito Federal.
Método:
Estudo transversal com população entre 20 e 59 anos, utilizando dados de inquéritos telefônicos de base populacional do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (VIGITEL), realizados entre os anos de 2008 e 2014. As estimativas foram feitas considerando o planejamento amostral complexo, utilizando-se regressão linear simples, gráficos de tendência e Boxplot.
Resultados:
As categorias “ruim” e “muito ruim” não tiveram alteração no período analisado. Observou-se aumento médio de 0,5 ponto percentual para as categorias “regular” e “bom”, e diminuição média de 1,0 ponto percentual na categoria “muito bom”. Na análise de tendência das médias do índice de massa corporal, verificou-se aumento progressivo em todas as cidades. Nas piores percepções de saúde, constatou-se valores mais elevados do índice de massa corporal em ambos os sexos. Observou-se a existência de pessoas obesas autoavaliando sua saúde de maneira positiva.
Conclusão:
A autoavaliação de saúde se manteve relativamente constante enquanto o índice de massa corporal seguiu tendência crescente entre 2008 e 2014 nas capitais do Centro-Oeste e no Distrito Federal. A autoavaliação de saúde dos indivíduos com índice de massa corporal elevado (> 30 kg/m2) parece não ter relação direta com seu peso. É importante analisar a associação dessas duas variáveis, controlando-as por morbidades, comportamentos de saúde (etilismo e tabagismo, atividade física e alimentação) e fatores sociodemográficos.
Palavras-chave:
Sobrepeso; Obesidade; Autoavaliação; Indicadores básicos de saúde; Entrevista por telefone
INTRODUÇÃO
A autoavaliação de saúde (AAS) é um importante indicador de saúde levantado nos inquéritos populacionais. O tema começou a ser estudado na década de 1970, como uma demanda da área da Sociologia, para verificar sua associação com a mortalidade11. Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1):21-37.,22. Mossey JM, Shapiro E. Self-rated health: a predictor of mortality among the elderly. Am J Public Health 1982; 72(8):800-8.. Pesquisas epidemiológicas e qualitativas trouxeram resultados consistentes que apontaram a AAS como um indicador útil para o diagnóstico do estado de saúde de populações33. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação de saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saúde Pública 2009; 43(Suppl 2):27-37.,44. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, et al. Auto-avaliação de saúde em adultos no sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2010; 44(5): 901-11..
Sendo um indicador de saúde global, obtido da percepção dos indivíduos e que provém de signos e significados a partir de aspectos multidimensionais da vida humana55. Pavão MA, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 723-34., há que se considerar sua relação com fatores que podem determinar o grau de estado de saúde. Na literatura encontram-se estudos sobre a relação entre a AAS e a morbimortalidade, assim como sua associação com fatores socioeconômicos, demográficos, comportamentais, entre outros11. Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1):21-37.,22. Mossey JM, Shapiro E. Self-rated health: a predictor of mortality among the elderly. Am J Public Health 1982; 72(8):800-8.,33. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação de saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saúde Pública 2009; 43(Suppl 2):27-37.,44. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, et al. Auto-avaliação de saúde em adultos no sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2010; 44(5): 901-11.,55. Pavão MA, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 723-34.,66. Barreto SM, Figueiredo RCD. Doença crônica, auto-avaliação de saúde e comportamento de risco: diferença de gênero. Rev Saúde Pública 2009; 43(Suppl 2): 38-47.,77. Guimarães JMN, Chor D, Werneck GL, Carvalho MS, Coeli CM, Lopes CS, et al. Association between self-rated health and mortality: 10 years follow-up to the Pro-saúde cohort study. BMC Public Health 2012. [Internet]. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/12/676 (Acessado em: 21 de julho de 2013).,88. Kondo N, Sembajwe G, Kawachi I, Dam RM, Subramanian SV, Yamagata Z. Income inequality, mortality, and self-rated health: meta-analysis of multilevel studies. BMJ 2009; 339: 1-9.,99. Luppa M, Weyerer S, Konig HH, Braher E, Rieder-Heller SG. Health status and risk for depression among the elderly: a meta-analysis of published literature. Age Ageing 2010; 39: 31-8.,1010. Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Sócio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saúde Pública 2005; 21(Suppl): 554-64.. A autopercepção do estado de saúde perpassa pelo mundo social e pelas experiências psicológicas, por um lado, e pelo mundo biológico, por outro, evidenciando-se a influência do fluxo cognitivo nas respostas à única pergunta que compõe esse indicador, feita em geral da seguinte maneira: “Como é sua saúde em geral: excelente, muito boa, boa, regular ou ruim?”. O indivíduo primeiramente avalia o que é saúde e quais são seus componentes mais relevantes; depois, leva em consideração alguns aspectos, como a idade, a situação de pessoas conhecidas, seu histórico de saúde e o desenvolvimento esperado de sua saúde; e, finalmente, decide qual é a opção que melhor descreve a sua situação1111. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med 2009; 69: 307-16..
O presente estudo objetivou estimar as tendências da AAS e do índice de massa corporal (IMC), bem como a relação entre ambos no período entre 2008 e 2014 na região Centro-Oeste do Brasil. Dos fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), ressalta-se a problemática do excesso de peso, já considerado uma epidemia global1212. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000 (Technical Report Series, 894)..
A região Centro-Oeste (CO) foi escolhida considerando algumas características particulares relacionadas aos fatores associados com a AAS encontrados na literatura, quando comparadas com as demais regiões brasileiras:
na década de 2000 a 2010, foi a região com a segunda maior taxa de crescimento populacional;
apresentou o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita;
foi a segunda maior região em renda média domiciliar per capita;
é a segunda maior região em nível de escolaridade;
até 2006, ocupava o terceiro lugar no ranking das taxas de mortalidade pelas principais causas associadas às DCNT, sempre em crescimento progressivo, ainda que, no ano supramencionado, tenha sido ultrapassada pela região Nordeste.
Observa-se, portanto, que a região CO encontra-se em posição intermediária em relação às outras nos aspectos destacados1313. Brasil. DATASUS, Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET), Inquéritos e pesquisas. [Internet]. Disponível em http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0207 (Acessado em: 1.º de fevereiro de 2014).
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index... . Ressalta-se, ainda, que Cuiabá foi líder no ranking de prevalência de obesidade nos anos de 2010 (18,7%) e 2013 (22,4%). Outro aspecto a destacar sobre a região estudada é o fato dela conter o Distrito Federal, que, por ser capital do país, possui certas particularidades em relação às outras unidades da federação.
MÉTODOS
O estudo apresenta delineamento transversal, de base populacional, abrangendo as três capitais da região Centro-Oeste e o Distrito Federal, utilizando dados da população adulta com idade entre 20 e 59 anos (n = 38.151) do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), do Ministério da Saúde no Brasil, referentes ao período de 2008 a 2014.
O VIGITEL tem coletado as percepções do estado de saúde dos indivíduos que compõem as amostras representativas da população das capitais brasileiras e do Distrito Federal desde 2006, juntamente com informações de comportamentos de saúde, situação socioeconômica, morbidades referidas e informações de peso e altura para obtenção do IMC1414. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2014: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasil: Ministério da Saúde; 2015..
As amostras foram compostas para se conseguir, no mínimo, 2.000 pessoas, maiores de 18 anos de idade e que residem no município, em domicílios com pelo menos uma linha de telefone fixo. O processo de amostragem é realizado em duas etapas. Na primeira, é feito o sorteio de cinco mil linhas por cidade, utilizando o cadastro das operadoras de telefonia. A amostra sorteada é dividida em réplicas de tamanho igual a 200 linhas que reproduzem a mesma proporção de linhas por região ou prefixo telefônico1414. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2014: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasil: Ministério da Saúde; 2015.. A segunda etapa é realizada no momento da entrevista, quando são identificadas as linhas residenciais ativas, elegíveis para o Sistema. A cada linha elegível é feita a consulta sobre a aquiescência dos usuários em participarem da pesquisa. Em caso positivo, realiza-se o sorteio de uma pessoa dentre as maiores de 18 anos de idade residentes no domicílio, a qual será a entrevistada1414. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2014: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasil: Ministério da Saúde; 2015..
Para a inferência das estimativas a partir da população com telefone fixo para o total da população adulta de cada cidade, foram atribuídos pesos da seguinte forma: considerou-se como peso inicial atribuído a cada indivíduo o produto do inverso do número de linhas telefônicas pelo número de adultos no domicílio do entrevistado. Posteriormente, atribuiu-se o peso de pós-estratificação, considerando-se as variáveis sociodemográficas sexo, faixa etária e nível de instrução por meio da técnica “rake”, processo interativo que gera pesos a fim de igualar a composição sociodemográfica da amostra à da população de cada cidade1414. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2014: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasil: Ministério da Saúde; 2015..
A variável AAS foi obtida por meio da seguinte questão: “O Sr(a). classificaria seu estado de saúde como muito bom, bom, regular, ruim, muito ruim, não sabe ou não quis informar”. As categorias “não sabe” e “não quis informar” foram excluídas das análises. A variável IMC foi construída a partir dos dados de peso e altura referidos, com a seguinte fórmula: peso (kg)/altura (m)². Os pontos de corte para classificar os indivíduos das amostras foram: baixo peso (IMC < 18,5 kg/m2); eutrófico (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2); sobrepeso (IMC entre 25,0 e 29,9 kg/m2) e obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2)1515. World Health Organization. Global Status Report on noncommunicable diseases 2010. Geneva: World Health Organization; 2010.. Foram excluídos os registros correspondentes aos indivíduos menores de 20 anos e maiores ou iguais a 60 anos e às gestantes. Primeiramente, foi construído um banco único, elaborado a partir da junção de cada um dos bancos de dados do VIGITEL referentes aos anos de 2008 a 2014. Para isso, todas as variáveis utilizadas foram categorizadas e nomeadas da mesma forma nos sete bancos. Os registros correspondentes às idades menores de 20 anos e maiores ou iguais a 60 anos, neste caso, também foram excluídos.
Para cada ano, foram calculados os percentuais das categorias de AAS e as médias de IMC, segundo sexo e capitais da região Centro-Oeste, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para o cálculo das médias de IMC, foram excluídos, inicialmente, os registros de IMC > 50 (n = 58), a fim de verificar seu impacto na média, o que não aconteceu; portanto, foram mantidos esses valores discrepantes no cálculo final.
O comportamento das tendências da média de IMC e das categorias de AAS do período estudado foi analisado por meio de gráficos de linhas de tendência. Para a AAS foi utilizado eixo vertical na escala logarítmica a fim de evitar distorções e fazer as comparações relativas entre as diversas categorias dessa variável. Já para o IMC, optou-se por um gráfico com os IC95% para mostrar a tendência temporal, bem como permitir as comparações entre as médias no período.
Com o objetivo de estimar a variação da AAS no período de 2008 a 2014, essa variável foi agrupada em duas categorias: “ruim/muito ruim” e “muito bom/bom/regular”. Em seguida, foi aplicado um modelo de regressão linear simples, tendo como desfecho - variável dependente - o percentual de adultos que declaram o estado de saúde como “ruim/muito ruim” e como variável explicativa o ano de estudo, expresso como variável quantitativa.
Foram elaborados gráficos de Boxplot com a distribuição do IMC, segundo as categorias da AAS para homens e mulheres em cada ano considerado. A verificação de possíveis diferenças entre as categorias foram analisadas com a realização do teste não paramétrico de Kruskal-Wallis.
Para as análises dos dados utilizou-se o software Stata versão 11, considerando as variáveis de delineamento do plano complexo de amostragem e nível de significância de 0,05.
O consentimento livre e esclarecido para a realização das entrevistas do VIGITEL foi obtido oralmente no momento do contato telefônico com os entrevistados. O estudo do VIGITEL foi aprovado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (CONEP - Parecer nº 355.590, de 26 de junho de 2013, CAAE: 16202813.2.0000.008)1414. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2014: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasil: Ministério da Saúde; 2015.. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Júlio Muller em Cuiabá, Mato Grosso, sob o parecer nº 568.889, de 26 de março de 2014.
RESULTADOS
O banco de dados completo foi composto por 38.151 pessoas, sendo 47,52% homens, considerando a distribuição percentual ponderada e a média de idade de 36,7 anos (IC95% 36,5 - 36,9).
Na análise de tendência da AAS (Figura 1) verificou-se que, para o total das capitais da região Centro-Oeste, as categorias “ruim” (p = 0,495) e “muito ruim” (p = 0,133) não tiveram alteração no período analisado. Entretanto, observou-se aumento médio de 0,5 ponto percentual no período para as categorias “regular” (p = 0,010) e “bom” (p = 0,027), enquanto a categoria “muito bom” apresentou diminuição significativa média de 1,0 ponto percentual por ano (p < 0,001), passando de 21,51% (20,18 - 22,90%) em 2008 para 17,07% (15,45 - 18,82%) em 2014. Ao se estratificar por sexo, a AAS ruim ou muito ruim permaneceu sem alteração no período, tanto no sexo feminino (p = 0,416) quanto no masculino (p = 0,303), bem como para cada uma das capitais (p > 0,05).
Linhas de tendência das categorias de autoavaliação de saúde nos anos de 2008 a 2014 nas capitais da região Centro-Oeste e no Distrito Federal, segundo dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico.
Na análise de tendência das médias do IMC detectaram-se diferenças no período de 2008 a 2014 (p < 0,001). Em 2008, a média de IMC nas quatro capitais do estudo foi de 24,99 kg m2, chegando a atingir 25,93 kg/m2 sete anos depois (p < 0,001). Ao observar a Figura 2, percebe-se um aumento de patamar significativo (p < 0,001) entre os anos de 2010 e 2011, tendo sido a partir deste ano (2011) que a região CO atingiu a faixa de sobrepeso, uma vez que o limite inferior do IC95% é superior ao valor 25 kg/m2.
Tendência da média de índice de massa corporal (com IC95% nos pontos) nos anos de 2008 a 2014 nas capitais da região Centro-Oeste e Distrito Federal segundo dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico.
Ao estratificar por cidade, as diferenças de IMC no período continuaram significativas para as quatro capitais (p < 0,001), e notou-se uma semelhança no crescimento médio do IMC para todas elas, porém em patamares diferentes. O par formado por Cuiabá/Campo Grande possui médias muito próximas para os anos 2008, 2010, 2011 e 2012, da mesma forma que Goiânia/Brasília apresentam médias semelhantes em praticamente todos os anos (Figura 3).
Tendência da média de índice de massa corporal nos anos de 2008 a 2014 segundo capitais da região Centro-Oeste e Distrito Federal, conforme dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico.
Na análise da relação entre as médias de IMC, segundo as categorias de AAS (Figura 4), os gráficos Boxplot apresentaram valores atípicos (outliers) em relação a quase todas as categorias nos sete anos analisados e em ambos os sexos, predominantemente acima do eixo superior. A distância interquartílica dos valores de IMC para o total das capitais foi maior nas piores percepções de saúde, indicando aumento na variabilidade dos dados nessa faixa central dos valores, nas piores categorias da AAS. Além disso, verificou-se por meio do teste de Kruskal-Wallis que a distribuição dos valores de IMC, de maneira geral, foi diferente entre as categorias da AAS em todos os anos, e nas piores percepções de saúde foram encontrados valores mais elevados de IMC em ambos os sexos nos períodos analisados (p < 0,05). No período analisado, destaca-se o ano de 2012, no qual foi identificada a maior diferença entre as médias de IMC para as pessoas com AAS muito boa (24,50 kg/m2 - IC95% 24,19 - 24,81) e muito ruim (33,13 kg/m2 - IC95% 27,45 - 38,82).
Boxplot do índice de massa corporal em relação às categorias de autoavaliação de saúde para ambos os sexos referente ao período de 2008 a 2014 a partir dos dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico.
DISCUSSÃO
A AAS manteve-se relativamente constante, enquanto o IMC seguiu tendência crescente entre 2008 e 2014 nas capitais do CO e no Distrito Federal.
Foi observada tendência de aumento das médias de IMC nas três capitais estudadas e no Distrito Federal. Esse aumento corrobora com o alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS)1515. World Health Organization. Global Status Report on noncommunicable diseases 2010. Geneva: World Health Organization; 2010. referente ao crescimento das taxas de prevalências de obesidade em todo o mundo, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, aumentando os riscos de DCNT. As quatro cidades da região CO apresentaram crescimento semelhante das médias de IMC, notando-se um salto significativo entre os anos de 2010 e 2011, atingindo a partir daí a categoria de sobrepeso. Destaca-se que o IMC pode ser considerado para fornecer a medida de obesidade em nível populacional, ainda que indireta, pois não mede o nível de gordura corporal, o que efetivamente define excesso de peso e obesidade1212. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000 (Technical Report Series, 894)..
Ressalta-se que, tanto em países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, a tendência de aumento de sobrepeso e obesidade tem sido atribuída ao chamado ambiente “obesogênico”, que essencialmente facilita a ingestão de alimentos com densa energia, enquanto restringe e inibe atividades que demandam alto gasto de energia. No Brasil, o maior aumento da obesidade adulta foi observado em famílias de menor renda, evidenciando a substituição da baixa nutrição pelo excesso nutricional1616. Monteiro CA, Conde WL, Popkin BM. Income-Specific Trends in Obesity in Brazil: 1975-2003. Am J Public Health 2007; 97(10): 1808-12.. As dietas urbanas são geralmente caracterizadas pelo consumo de grãos mais polidos e pela ingestão de maiores quantidades de gordura e produtos animais, açúcar refinado, alimentos processados e alimentos consumidos fora de casa, sobretudo nos países em desenvolvimento1717. Helman CG. Cultura, Saúde e Doença. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2009..
Com relação à AAS, observou-se que os percentuais das categorias “ruim” e “muito ruim” permaneceram sem alterações significativas no período analisado. Entretanto, os percentuais das categorias “bom” e “regular” aumentaram, enquanto os da categoria “muito bom” diminuíram ao longo desses anos. Supõe-se que parte da população que julgava sua saúde como “muito boa” passou a considerá-la “boa” ou “regular”, possivelmente em razão de elevadas prevalências de doenças não transmissíveis, que também são decorrentes do aumento do IMC1212. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000 (Technical Report Series, 894).. A pesquisa evidencia que a categoria “bom” prevalece sobre as demais, provavelmente porque responder “bom” não exige um conhecimento tão rigoroso, além de ser menos comprometedor, se comparado com algum outro parâmetro de avaliação de saúde. Já as duas categorias de pior avaliação - “ruim” e “muito ruim” - tiveram os menores percentuais de resposta, o que não surpreende, visto se tratar de uma população de adultos, que incluem jovens em idade produtiva e em uma amostra representativa da população urbana. Pavão et al.55. Pavão MA, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saúde Pública 2013; 29(4): 723-34. indicam que melhores condições socioeconômicas, de comportamentos de saúde e ausência de morbidades contribuem para melhorar a percepção de saúde do indivíduo.
A partir dos resultados da relação da AAS com o IMC evidencia-se a existência de pessoas obesas com autoavaliação positiva da saúde. Dentre as 58 pessoas identificadas com IMC > 50 kg/m2, apenas 10 referiram sua saúde como “ruim” ou “muito ruim”. Provavelmente a autoavaliação de saúde dos indivíduos com IMC elevado (> 30 kg/m2) não tem relação com seu peso, mas sim com outras morbidades, especialmente as decorrentes desse excesso de peso, como diabetes e hipertensão. Estudos de regressão múltipla com as amostras analisadas poderão esclarecer essa questão.
As amostras provenientes de inquérito realizado por meio de telefones fixos podem suscitar uma limitação na representatividade devido ao fato de nem toda a população possuir telefone fixo. O tamanho da amostra e as novas ponderações estatísticas (rake) utilizadas neste trabalho, com base no censo demográfico e em projeções mais recentes, corrigem possíveis falhas de representatividade no VIGITEL. Estudos realizados para testar a validade de inquéritos telefônicos concluíram, com base na representatividade e confiabilidade das estimativas obtidas, que este instrumento é adequado e pode alcançar bom desempenho em áreas urbanas brasileiras1818. Monteiro CA, Moura EC, Jaime PA, Lucca A, Florindo AA, Figueiredo ICR, et al. Monitoramento de fatores de risco para doenças crônicas por entrevistas telefônicas. Rev Saúde Pública 2005; 39(1): 47-57.. Apesar de todas as informações serem autorreferidas, inclusive o peso e a altura, é considerada ferramenta relevante e eficiente para o monitoramento do excesso de peso da população1919. Radcliff TA, Bobroff LB, Lutes LD, Durning PE, Daniels MJ, Limacher MC, et al. Comparing costs of telephone versus face-to-face extended care programs for the management of obesity in rural settings. J Acad Nutr Diet 2012; 112(9): 1363-73..
O presente trabalho teve a vantagem de estudar amostras de base populacional de quatro cidades brasileiras, incluindo a capital federal. Para isso, utilizou-se um banco de dados de uma importante pesquisa de vigilância em saúde, que usa basicamente o mesmo questionário a cada ano, sendo possível estimar tendências. Apesar de sete anos ainda ser considerado um período curto do ponto de vista estatístico e epidemiológico para análise de tendências, a série estudada permitiu a verificação da evolução da AAS e do IMC
CONCLUSÃO
A AAS manteve-se relativamente constante, enquanto o IMC seguiu tendência crescente entre 2008 e 2014 nas capitais do Centro-Oeste e no Distrito Federal.
A AAS dos indivíduos com IMC elevado (> 30 kg/m2) parece não ter relação direta com seu peso. É importante, então, analisar a associação dessas duas variáveis controlando-as por morbidades, comportamentos de saúde (etilismo e tabagismo, atividade física e alimentação) e fatores sociodemográficos.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde pela cedência dos bancos de dados para a pesquisa.
REFERÊNCIAS
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- Fonte de financiamento: nenhuma
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2017
Histórico
- Recebido
30 Nov 2015 - Aceito
25 Out 2016