Internações e reinternações psiquiátricas em um hospital geral de Porto Alegre: características sociodemográficas, clínicas e do uso da Rede de Atenção Psicossocial

Gabriela Lemos de Pinho Zanardo Luísa Horn de Castro Silveira Cristianne Maria Famer Rocha Kátia Bones Rocha Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

O fenômeno da porta giratória é caracterizado por repetidas e frequentes reinternações psiquiátricas.

Objetivo:

Investigar as características sociodemográficas, clínicas e de acompanhamento em serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) associadas às internações e às reinternações psiquiátricas de usuários de um hospital geral de Porto Alegre.

Métodos:

Estudo transversal realizado com uma amostra de 96 participantes.

Resultados:

Mais da metade da amostra (53,1%) era do sexo feminino, 51% eram solteiros e a idade média foi de 44,33 anos. Dos dados clínicos, 36,5% (n = 35) dos usuários estavam em sua primeira internação e 36,5% (n = 35) preencheram o critério para reinternação frequente. Os resultados mostraram que usuários com reinternações frequentes referiam um número significativamente menor de pessoas com as quais consideravam que poderiam contar. Já os usuários de primeira internação viviam com um número significativamente maior de pessoas que o restante da amostra e possuíam, com menor frequência, vínculo com serviço de saúde, utilizando o hospital como porta de entrada para o cuidado em saúde mental. Em relação ao acompanhamento na rede, 34,4% da amostra não frequentava nenhum serviço da RAPS antes da internação à época do estudo e somente 4,1% fazia uso de serviços de reabilitação psicossocial.

Conclusão:

Destacamos a importância do hospital como ponto articulador da rede e estratégico para realizar a ponte com os serviços da RAPS. Apesar de a literatura internacional investigar e registrar o fenômeno da porta giratória, percebe-se que esse é um campo que necessita de maiores investigações no território brasileiro.

Palavras-chave:
Saúde mental; Hospitalização; Readmissão do paciente; Serviços de saúde mental; Transtornos mentais; Unidade hospitalar de psiquiatria

INTRODUÇÃO

Dez anos após a implementação da Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil (Lei nº 10.216)11. Brasil. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília: Diário Oficial da União; 2001., refletindo um movimento de unificação dos dispositivos criados para atenção à saúde mental, foi publicada a Portaria nº 3.08822. Brasil. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Diário Oficial da União; 2013., que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Ela agrega os diferentes serviços em uma rede territorializada, incluindo desde os cuidados na atenção primária à saúde até a atenção hospitalar, reforçando sua articulação como forma de garantir a efetividade do cuidado. Destaca a importância da assistência integral e da reinserção social - realizadas por equipe multiprofissional - e, quando necessária a indicação de internação, esta deve ser de curta duração até a estabilidade clínica do usuário22. Brasil. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Diário Oficial da União; 2013..

Em relação à internação, ela é considerada um recurso necessário e estratégico para o cuidado em momentos nos quais os usuários se encontrem fragilizados e podem colocar a si e outros em risco. Sua indicação é feita somente quando os recursos extra-hospitalares não são suficientes nesse suporte. Nesse sentido, o posicionamento do Ministério da Saúde é de destacar os dados referentes aos leitos dispostos nos hospitais gerais que, diferente dos hospitais psiquiátricos, oferecem suporte em internações de curta duração, possibilitando o manejo de situações de crise e a atenção às questões clínicas, por meio de recursos multidisciplinares e com suporte de outras tecnologias hospitalares33. Brasil. Saúde Mental em Dados - 12, Ano 10, nº 12, outubro de 2015. Informativo eletrônico de dados sobre a Política Nacional de Saúde Mental. Brasília; 2015.. Levando em conta a necessidade de articulação com os demais pontos da RAPS, o hospital é considerado um “ponto estratégico para o fortalecimento do modelo baseado na atenção psicossocial. São serviços geograficamente localizados no contexto da vida social, territorializados e de fácil acesso, presentes em inúmeros municípios” (p. 21)33. Brasil. Saúde Mental em Dados - 12, Ano 10, nº 12, outubro de 2015. Informativo eletrônico de dados sobre a Política Nacional de Saúde Mental. Brasília; 2015..

Em estudo ecológico44. Horta RL, Costa JSD, Balbinot AD, Watte G, Teixeira VA, Poletto S. Hospitalizações psiquiátricas no Rio Grande do Sul de 2000 a 2011. Rev Bras Epidemiol 2015;18(4):918-29. analisando as taxas de internações psiquiátricas no Rio Grande do Sul entre 2000 e 2011, foi observado aumento das taxas de hospitalizações devido aos transtornos mentais e comportamentais por uso de substâncias, assim como dos demais transtornos mentais. Em relação aos transtornos mentais não decorrentes do uso de substâncias, encontrou-se uma taxa de 159,2 hospitalizações a cada 100 mil habitantes, em 2000, aumentando para 193,4, em 2011, porém não foram feitas distinções entre as internações que caracterizavam reincidências. Da mesma forma, não são encontrados dados sobre as taxas de reinternações psiquiátricas nos boletins do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde (Estadual e Municipal), mas diversos estudos apontam para a ocorrência de um fenômeno chamado revolving door ou “porta giratória”.

Esse fenômeno é caracterizado por repetidas e frequentes reinternações psiquiátricas, que ocorrem em pouco tempo após a hospitalização. Essas reinternações são caracterizadas por diferentes critérios de frequência - número de internações e intervalo entre elas -, não existindo consenso entre os autores. Um estudo brasileiro considera a frequência de duas ou mais internações em um ano55. Parente CJS, Mendes LPF, Souza CNS, Silva DKM, Silva JC, Parente ACBV, et al. O fenômeno de revolving door em hospitais psiquiátricos de uma capital do nordeste brasileiro. REME 2007;11(4):381-6., assim como alguns estudos internacionais66. Martínez-Ortega JM, Gutiérrez-Rojas L, Jurado D, Higueras A, Diaz FJ, Gurpegui M. Factors associated with frequent psychiatric admissions in a general hospital in Spain. Int J Soc Psychiatry 2012;58(5):532-5.,77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85.. Outros autores consideraram três ou mais internações, podendo ser no período de 1288. Dahlan R, Midin M, Sidi H, Maniam T. Hospital-based community psychiatric service for patients with schizophrenia in Kuala Lumpur: a 1-year follow-up study of re-hospitalization. Asia Pac Psychiatry 2013;5(1):127-33. ou 1899. Schmutte T, Dunn CL, Sledge WH. Predicting time to readmission in patients with recent histories of recurrent psychiatric hospitalization: a matched-control survival analysis. J Nerv Ment Dis 2010;198(12):860-3.,1010. Sledge WH, Lawless M, Sells D, Wieland M, O'Connell MJ, Davidson L. Effectiveness of peer support in reducing readmissions of persons with multiple psychiatric hospitalizations. Psychiatr Serv 2011;62(5):541-4. meses ou até 5 anos1111. Graca J, Klut C, Trancas B, Borja-Santos N, Cardoso G. Characteristics of frequent users of an acute psychiatric inpatient unit: a five-year study in Portugal. Psychiatr Serv 2013;64(2):192-5.. Ou, ainda, utilizam-se critérios combinados: três ou mais internações durante a vida, ao menos uma internação no último ano e estar recebendo cuidados na internação no início do estudo1212. Bowersox NW, Saunders SM, Berger BD. Predictors of rehospitalization in high-utilizing patients in the VA psychiatric medical system. Psychiatr Q 2012;83(1):53-64..

Alguns dos fatores relacionados ao fenômeno são a falta ou insuficiência de serviços substitutivos e comunitários e a dificuldade de aderência ao tratamento medicamentoso e/ou ambulatorial, sobretudo após a internação, que, por vezes, é a via de acesso aos cuidados em saúde mental1313. Dimenstein M, Amorin AKA, Leite J, Siqueira K, Gruska V, Vieira C, et al. O atendimento da crise nos diversos componentes da rede de atenção psicossocial em Natal/RN. Polis Psique 2012;2(3):95-127.,1414. Ramos DKR, Guimarães J, Enders BC. Análise contextual de reinternações frequentes de portador de transtorno mental. Inferface - Comunic Saúde Educ 2011;15(37):519-27.,1515. Salles MM, Barros S. Reinternação em hospital psiquiátrico: a compreensão do processo saúde/doença na vivência do cotidiano. Rev Esc Enferm USP 2007;41(1):73-81.. Outros fatores considerados preditores da porta giratória são:

  1. usuários mais jovens1616. Boaz TL, Becker MA, Andel R, Van Dorn RA, Choi J, Sikirica M. Risk factors for early readmission to acute care for persons with schizophrenia taking antipsychotic medications. Psychiat Serv 2013;64(12):1225-9.,1717. Byrne SL, Hooke GR, Page AC. Readmission: a useful indicator of the quality of inpatient psychiatric care. J Affect Disord 2010;126(1-2):206-13.;

  2. solteiros ou que vivem sozinhos55. Parente CJS, Mendes LPF, Souza CNS, Silva DKM, Silva JC, Parente ACBV, et al. O fenômeno de revolving door em hospitais psiquiátricos de uma capital do nordeste brasileiro. REME 2007;11(4):381-6.,1212. Bowersox NW, Saunders SM, Berger BD. Predictors of rehospitalization in high-utilizing patients in the VA psychiatric medical system. Psychiatr Q 2012;83(1):53-64.,1818. Batalla A, Garcia-Rizo C, Castellví P, Fernandez-Egea E, Yücel M, Parellada E, et al. Screening for substance use disorders in first-episode psychosis: implications for readmission. Schizophr Res 2013;146(1-3):125-31.,1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8.,2020. Pfiffner C, Steinert T, Kilian R, Becker T, Frasch K, Eschweiler G, et al. Rehospitalization risk of former voluntary and involuntary patients with schizophrenia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2014;49(11):1719-27.,2121. Sánchez R, Jaramillo LE, Herazo MI. Factors associated with early psychiatric rehospitalization. Biomedica 2013;33(2):276-82.; e

  3. os que possuem menor contato com a família1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8.,2222. Bezerra CG, Dimenstein M. O fenômeno da reinternação: um desafio à Reforma Psiquiátrica. Mental 2011;9(16):303-26.,2323. Roick C, Heider D, Kilian R, Matschinger H, Toumi M, Angermeyer MC. Factors contributing to frequent use of psychiatric inpatient services by schizophrenia patients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2004;39:744-51..

Em relação à ocorrência das reinternações frequentes, em estudos realizados na Espanha66. Martínez-Ortega JM, Gutiérrez-Rojas L, Jurado D, Higueras A, Diaz FJ, Gurpegui M. Factors associated with frequent psychiatric admissions in a general hospital in Spain. Int J Soc Psychiatry 2012;58(5):532-5. e em Portugal1111. Graca J, Klut C, Trancas B, Borja-Santos N, Cardoso G. Characteristics of frequent users of an acute psychiatric inpatient unit: a five-year study in Portugal. Psychiatr Serv 2013;64(2):192-5. foram encontradas taxas de 10% de internações de usuários frequentes. Já estudo realizado nos Estados Unidos1212. Bowersox NW, Saunders SM, Berger BD. Predictors of rehospitalization in high-utilizing patients in the VA psychiatric medical system. Psychiatr Q 2012;83(1):53-64. mostrou que 79,8% desses pacientes tiveram nova internação nos dois anos de seguimento da pesquisa. No Brasil, a maioria das pesquisas acerca do tema não utiliza um critério para caracterizar as reinternações frequentes, como é o caso de estudos realizados em Ribeirão Preto1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8. e no Rio Grande do Norte2222. Bezerra CG, Dimenstein M. O fenômeno da reinternação: um desafio à Reforma Psiquiátrica. Mental 2011;9(16):303-26., que, no período de dois anos, encontraram, respectivamente, taxas de 34 e 60,3% de reinternações. Em estudo realizado em São Paulo2424. Loch AA. Stigma and higher rates of psychiatric re-hospitalization: São Paulo public mental health system. Rev Bras Psiquiatr 2012;34(2):185-92., 42,6% dos participantes tiveram nova admissão no ano seguinte à alta. Enquanto no Piauí, em pesquisa que utilizou critério de duas ou mais internações em um ano, Parente et al.55. Parente CJS, Mendes LPF, Souza CNS, Silva DKM, Silva JC, Parente ACBV, et al. O fenômeno de revolving door em hospitais psiquiátricos de uma capital do nordeste brasileiro. REME 2007;11(4):381-6. averiguaram que 55,7% dos pacientes apresentaram reinternações frequentes.

Em revisão sistemática sobre intervenções para prevenir readmissões psiquiátricas, Vigod et al.2525. Vigod SN, Kurdyak PA, Dennis C, Leszcz T, Taylor VH, Blumbenger DM, et al. Transitional interventions to reduce early psychiatric readmissions in adults: systematic review. Br J Psychiatry 2013;202(3):187-94. afirmam que essas reinternações apontam para a fragilidade dos sistemas de saúde em coordenar a assistência e oferecer apoio na transição entre o hospital e outros serviços. Além disso, as repetidas crises aumentam os riscos de deterioro cognitivo e cronicidade da doença e as internações estabelecem repetidas quebras dos vínculos do usuário, com sua família e comunidade1313. Dimenstein M, Amorin AKA, Leite J, Siqueira K, Gruska V, Vieira C, et al. O atendimento da crise nos diversos componentes da rede de atenção psicossocial em Natal/RN. Polis Psique 2012;2(3):95-127.,1414. Ramos DKR, Guimarães J, Enders BC. Análise contextual de reinternações frequentes de portador de transtorno mental. Inferface - Comunic Saúde Educ 2011;15(37):519-27.,2222. Bezerra CG, Dimenstein M. O fenômeno da reinternação: um desafio à Reforma Psiquiátrica. Mental 2011;9(16):303-26.,2626. Dimenstein M, Liberato M. Desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias: o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede. Cad Bras Saúde Mental 2009;1(1):1-10..

Tendo em vista a escassez de estudos brasileiros caracterizando o fenômeno da porta giratória, embora existam evidências de sua ocorrência em investigações realizadas em diferentes países, justifica-se a necessidade de investigar e caracterizar como vêm ocorrendo as reinternações psiquiátricas em um hospital geral. Sendo assim, esta pesquisa teve como objetivo geral investigar as características sociodemográficas, clínicas e de acompanhamento em serviços da RAPS associadas às internações e às reinternações psiquiátricas de usuários de um hospital geral de Porto Alegre.

MÉTODO

Este estudo teve delineamento quantitativo observacional, de caráter descritivo e analítico, de corte transversal. Foram aplicados questionários a 96 usuários internados em leitos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) em uma unidade psiquiátrica de um hospital geral de Porto Alegre, durante seis meses (junho a dezembro de 2015). Todos os usuários maiores de 18 anos foram convidados a participar da pesquisa após a segunda semana de internação (dada a necessidade de diminuição dos sintomas agudos). Foram excluídos aqueles que apresentaram dificuldades acentuadas em responder ao questionário (casos com graves déficits cognitivos ou com acentuada dificuldade de fala que inviabilizasse a compreensão das respostas), assim como usuários impossibilitados de dar consentimento escrito devido à gravidade dos sintomas. Além disso, não foram incluídos usuários com diagnóstico principal de transtornos mentais e comportamentais relacionados ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas, população destinada a outra unidade do hospital. Do total de 118 pessoas internadas nesse período, 22 não quiseram responder ou foram excluídas por algum dos motivos citados.

A participação teve caráter voluntário, foram explicados os objetivos da pesquisa, expostos os aspectos éticos e esclarecidas possíveis dúvidas; após, todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Nos casos em que os usuários eram considerados legalmente incapazes de concordar com a participação (interditados), mas que demonstraram interesse em participar, foi realizado contato com seu responsável legal (curador) para explicação a respeito da pesquisa e fornecimento de autorização.

Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e do hospital coparticipante, respeitando as diretrizes e normas reguladoras de pesquisas envolvendo seres humanos, conforme a Resolução nº 4662727. Brasil. Resolução nº 466, de 12 de dezembro 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Conselho Nacional de Saúde. Brasília: Diário Oficial da União; 2012..

O estudo utilizou como variáveis dependentes as reinternações psiquiátricas e as primeiras internações. Nas variáveis independentes analisadas foram considerados os seguintes dados:

  1. sociodemográficos: idade, sexo, raça autodeclarada, escolaridade, prática religiosa, estado civil, ocupação, região de procedência, com quem residia, fazia parte de população vulnerável (situação de rua, quilombola, indígena, outro), auxílio financeiro já recebido, além de pessoas com as quais considerava que poderia contar (apoio social) e classificação econômica2828. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil (versão preliminar 2015) [internet]. 2014 Available from: http://www.abep.org/criterioBrasil.aspx. (Acessado em: 14 jul. 2014).
    http://www.abep.org/criterioBrasil.aspx...
    ;

  2. clínicos: motivo da internação, hipótese diagnóstica (com base na Classificação Internacional de Doenças - CID-102929. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde - CID 10. 10ª ed. São Paulo: EDUSP; 2012.), comorbidades clínicas e psiquiátricas, tratamento realizado durante a internação, contato com serviço de referência e duração da internação, número de internações anteriores;

  3. utilização da RAPS anterior à internação à época do estudo: acompanhamento prévio em serviço de saúde, tipo de cobertura (pública, convênio, particular), tipo de serviço utilizado.

O instrumento foi aplicado individualmente por psicólogas integrantes da pesquisa e foram acessados os dados clínicos do prontuário no caso de informações que o usuário não soube responder.

Os dados coletados foram codificados, digitados, armazenados e analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, para Windows. Inicialmente, foram feitas análises descritivas para conhecer os usuários internados no período de seis meses analisado. Posteriormente, foram comparados os grupos:

  1. usuários de primeira internação versus restante da amostra;

  2. usuários com reinternações frequentes (critério: duas ou mais internações em um período de 12 meses) versus restante da amostra, excluindo o grupo de primeira internação; comparando suas características sociodemográficas, clínicas e o acompanhamento na RAPS, mediante o teste exato de Fisher, para as variáveis categóricas, e o teste de Mann-Whitney, para analisar as variáveis quantitativas.

Tais análises objetivaram, além da caracterização da distribuição dos dados na amostra, o estabelecimento de análises de associação entre as variáveis.

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados primeiramente em relação à descrição da amostra como um todo, descrevendo as características sociodemográficas, clínicas e de acompanhamento na RAPS dos 96 usuários entrevistados. Posteriormente, serão apresentadas as análises comparativas entre os usuários de primeira internação (n = 35) e o restante da amostra (n = 61), que possuía duas ou mais internações ao longo da vida. E, entre esses usuários, serão comparados os que preencheram critério para reinternação frequentes (n = 35) e os que não apresentavam esse padrão (n = 26).

PERFIL DA AMOSTRA: VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS

Dos 96 usuários entrevistados, 51 (53,1%) eram mulheres e a idade média da amostra foi de 44,33 anos (desvio padrão - DP = 16,13), conforme dados da Tabela 1. Em relação à escolaridade, a média de anos de estudo foi de 9,29 (DP = 4,47), sendo que 46,9% ingressaram no 2º grau (8 a 11 anos de estudo). A maioria dos participantes se declarou da cor branca (70,8%) e afirmou possuir algum tipo de prática religiosa (78,1%).

Tabela 1:
Características sociodemográficas, clínicas e de acompanhamento da amostra.

A maioria dos participantes não possuía companheiro, sendo 51% solteiros e 26% separados ou viúvos. Em relação à renda, 66 usuários (68,8%) possuíam algum tipo de remuneração e 55,2% pertenciam à classe C, segundo o Critério de Classificação Econômica3030. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília; 2012.. Dos entrevistados, 69,8% consideravam-se responsáveis pela família.

Em relação à moradia, 80 participantes (83,3%) residiam em Porto Alegre e compartilhavam a moradia com uma média de 1,79 (DP = 1,3) pessoas, sendo que somente um participante se encontrava vivendo em situação de rua. Ao serem questionados sobre com quantas pessoas consideravam que poderiam contar caso necessitassem auxílio (apoio social), indicaram uma média de 2,64 (DP = 2,05) pessoas. Quando questionados mais especificamente com quem poderiam contar de sua família, comunidade, trabalho ou profissional de saúde, 91 participantes (94,8%) consideravam que podiam contar com familiares, 41 (42,75%) apontaram alguém da comunidade, 31 (32,3%) indicaram algum profissional de saúde e somente 5 (5,2%) relataram alguém do trabalho.

PERFIL DA AMOSTRA: VARIÁVEIS CLÍNICAS

Avaliando os fatores relacionados à atual internação, detalhados na Tabela 1, um dado que chamou a atenção foi o número de pessoas internadas pela primeira vez: 35 usuários (36,5%). Entre os participantes (63,5%) com duas ou mais internações ao longo da vida, cabe destacar que 36,5% (n = 35) preenchiam o critério para reinternação frequente (duas ou mais internações em 12 meses). A média de internações no último ano foi de 1,6 (DP = 1,73) e a média de internações ao longo da vida foi de 5,1 internações (DP = 6,46).

Em relação ao motivo da internação, 46 usuários (47,9%) foram internados devido ao risco ou à tentativa de suicídio, 29,2% por incapacidade grave de autocuidado (incluindo desorganização, sintomas depressivos incapacitantes, sintomas psicóticos, risco nutricional) e 15,6% por risco de heteroagressão ou exposição social. Quanto às hipóteses diagnósticas, 36,5% tiveram um episódio depressivo ou transtorno depressivo recorrente, 25% tinham esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo ou outro transtorno psicótico e 21,9% foram diagnosticados com transtorno afetivo bipolar. Já em relação à presença de comorbidades, 66,7% possuíam alguma comorbidade clínica, enquanto 36,5% foram diagnosticados com alguma comorbidade psiquiátrica.

O tratamento realizado durante a internação foi majoritariamente medicamentoso, 70,8% indicaram efetuar somente tratamento farmacológico (alguns participantes indicaram as atividades de recreação desenvolvidas na unidade [trabalhos manuais e lúdicos] e acompanhamento com a psicóloga [avaliação psicológica] como parte do tratamento), enquanto 17,7% se submeteram à eletroconvulsoterapia (ECT) e 11,5% realizaram reuniões com a família e de planejamento para a alta, ambos combinados ao tratamento farmacológico. A internação teve duração média de 36 dias.

Com relação ao contato realizado pela equipe da internação com os serviços da RAPS para acompanhamento após a alta, 69 participantes (71,9%) tinham relatos em seus prontuários de contato telefônico e encaminhamento para algum serviço da RAPS.

PERFIL DA AMOSTRA: CARACTERÍSTICA DO ACOMPANHAMENTO NA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

Analisando os dados referentes à utilização dos serviços da RAPS, constatou-se que 33 participantes (34,4%) não estavam realizando acompanhamento antes da internação à época do estudo. Entre os 63 usuários que recebiam acompanhamento: 76,2% o faziam em serviços públicos, os demais em serviços privados ou por intermédio de plano de saúde. Em relação ao tipo de serviço, 49,2% realizavam acompanhamento em serviço especializado (Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ambulatório ou equipe de saúde mental), enquanto 19% tinham vínculo somente com a atenção básica, conforme dados descritos na Tabela 1.

Em relação aos outros pontos de atenção da RAPS, 10 participantes (10,4%) referiram já ter utilizado algum tipo de serviço residencial (Serviço de Residencial Terapêutico (SRT) ou outras modalidades residenciais transitórias). Já em relação às estratégias de reabilitação psicossocial, somente dois participantes referiram participar da Oficina de Geração de Renda e dois faziam parte de cooperativas sociais.

VARIÁVEL DEPENDENTE: PRIMEIRA INTERNAÇÃO

Os pacientes de primeira internação correspondiam a 36,5% da amostra (n = 35), os demais (n = 61) já haviam sido internados alguma vez na vida. Encontrou-se que o número de pessoas com quem residem foi significativamente maior no grupo de primeira internação (média = 2,11; mediana = 2,00; p = 0,026) do que no com mais de uma internação (média = 1,60; mediana = 1,00) ), conforme Tabela 2.

Tabela 2:
Variáveis quantitativas.

Quanto às variáveis categóricas, descritas na Tabela 3, foi encontrada diferença significativa com relação ao acompanhamento na RAPS antes da internação analisada, pois somente 45,7% das pessoas com primeira internação tinham vínculo com algum serviço de saúde, quando comparados aos demais (72,1%, p = 0,003), o que mostra que mais de 50% dos usuários com primeira internação utilizaram o hospital como porta de entrada para o cuidado em saúde mental. Além disso, os pacientes com maior número de internações tinham mais comorbidades psiquiátricas (44,3%, p = 0,048) do que os de primeira internação (22,9%).

Tabela 3:
Variáveis qualitativas.

As demais variáveis não atingiram diferenças significativas estatisticamente, porém pode-se destacar que o grupo de primeira internação apresentou maior número de usuários que possuem companheiro(a) (31,4 versus 18%) e considerava que poderia contar mais com a comunidade, quando comparado ao grupo com mais internações (45,7 versus 41%). Por outro lado, o grupo com mais internações apontou que poderia contar mais com profissionais de saúde (34,2%) do que o grupo de primeira internação (28,6%), conforme dados da Tabela 3.

VARIÁVEL DEPENDENTE: REINTERNAÇÃO FREQUENTE

A porcentagem de reinternações frequentes, considerada como duas ou mais internações nos últimos 12 meses55. Parente CJS, Mendes LPF, Souza CNS, Silva DKM, Silva JC, Parente ACBV, et al. O fenômeno de revolving door em hospitais psiquiátricos de uma capital do nordeste brasileiro. REME 2007;11(4):381-6.,66. Martínez-Ortega JM, Gutiérrez-Rojas L, Jurado D, Higueras A, Diaz FJ, Gurpegui M. Factors associated with frequent psychiatric admissions in a general hospital in Spain. Int J Soc Psychiatry 2012;58(5):532-5.,77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85., foi de 36,5% (n = 35). Foi encontrado que o grupo com reinternações frequentes considerava que poderia contar com menos pessoas (média = 2,03; mediana = 2,00), quando comparado com os usuários com reinternações que não preenchiam esse critério (média = 3,31; mediana = 3,00; p = 0,016), conforme Tabela 2.

Em relação às variáveis categóricas, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa na comparação dos grupos. Porém, podemos destacar que, com relação ao acompanhamento na RAPS antes da internação investigada, usuários com reinternações frequentes apresentaram maior vínculo com serviços de saúde do que os demais (82,9 versus 69,2%). Em relação aos dados sociodemográficos, o grupo com reinternações frequentes eram majoritariamente homens (54,3 versus 34,6%); além disso, possuíam menor número de pessoas que tinham parceiros (14,3%) do que o grupo de usuários não frequentes (23%). Quanto às variáveis clínicas, o grupo de usuários não frequentes considerava que poderia contar mais com profissionais de saúde (46,2%) do que os usuários frequentes (25,7%), conforme dados da Tabela 3.

DISCUSSÃO

Neste estudo, foi encontrada uma ocorrência de 36,5% reinternações frequentes. Esse resultado é inferior ao de estudo desenvolvido no Piauí no qual se encontrou uma porcentagem de 55,7%55. Parente CJS, Mendes LPF, Souza CNS, Silva DKM, Silva JC, Parente ACBV, et al. O fenômeno de revolving door em hospitais psiquiátricos de uma capital do nordeste brasileiro. REME 2007;11(4):381-6.. Nesse último, os dados foram coletados cerca de dez anos atrás (2004), quando a proporção de serviços substitutivos era substancialmente menor no país, pois só em relação aos CAPS houve um aumento de 605 para 2.209 serviços nesse período33. Brasil. Saúde Mental em Dados - 12, Ano 10, nº 12, outubro de 2015. Informativo eletrônico de dados sobre a Política Nacional de Saúde Mental. Brasília; 2015., o que pode ter influenciado em uma maior porcentagem de reinternações.

Em relação a estudos internacionais, a taxa encontrada no presente estudo é semelhante à de estudo desenvolvido na Austrália, que evidenciou uma frequência de 46%77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85.. Por outro lado, muito superior a estudos desenvolvidos na Espanha e em Portugal, que contabilizaram 10% de reinternações frequentes66. Martínez-Ortega JM, Gutiérrez-Rojas L, Jurado D, Higueras A, Diaz FJ, Gurpegui M. Factors associated with frequent psychiatric admissions in a general hospital in Spain. Int J Soc Psychiatry 2012;58(5):532-5.,1111. Graca J, Klut C, Trancas B, Borja-Santos N, Cardoso G. Characteristics of frequent users of an acute psychiatric inpatient unit: a five-year study in Portugal. Psychiatr Serv 2013;64(2):192-5.. Essas diferenças podem estar associadas às disparidades nos critérios de reinternação frequente, bem como à forma como os serviços de saúde desses países se organizam para atender às demandas de saúde mental.

Além dos estudos que incluem critérios específicos para reinternação frequente, existem outros trabalhos brasileiros que descrevem as frequências de reinternações. Castro et al.1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8. encontraram uma taxa de 34% de reincidências em dois anos em Ribeirão Preto, enquanto Loch2424. Loch AA. Stigma and higher rates of psychiatric re-hospitalization: São Paulo public mental health system. Rev Bras Psiquiatr 2012;34(2):185-92. encontrou, em São Paulo, uma taxa 42,6% de readmissões no ano seguinte à alta dos participantes e Bezerra e Dimenstein2222. Bezerra CG, Dimenstein M. O fenômeno da reinternação: um desafio à Reforma Psiquiátrica. Mental 2011;9(16):303-26. mostraram que, no Rio Grande do Norte, a taxa foi maior que 60,3% nos dois anos avaliados.

Como apontado nos resultados, um número significativamente menor de pessoas em primeira internação tinha vínculo com serviços de saúde; desses, mais de 50% utilizaram o hospital como porta de entrada para o cuidado em saúde mental. Nesse sentido, podemos pensar que, se esses usuários tivessem vínculo com serviço de saúde, como serviços da atenção primária - considerada a porta de entrada do sistema3030. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília; 2012., talvez não fosse necessária uma internação psiquiátrica. Considerando que se estima que a atenção primária deva ser resolutiva em cerca de 70 a 80% dos casos atendidos3131. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002., o vínculo ao serviço poderia detectar necessidades de cuidados em saúde mental e ser um protetor para internações desnecessárias, além de possibilitar vinculação aos serviços especializados de saúde mental, importantes nos casos que demandam maior atenção.

Outro resultado importante encontrado foi a relação entre as internações e o apoio social3232. Gracia E, Herrero J, Musitu G. Evaluación de recursos y estresores psicosociales en la comunidad. Madrid: Síntesis; 2002., entendido como um conjunto de fatores percebidos ou recebidos pela pessoa, proporcionado por contatos de confiança (como amigos e familiares) ou pela comunidade. As pessoas que tiveram uma primeira internação residiam com uma média maior de pessoas do que os usuários que passaram por mais internações. Assim como os participantes com reinternações frequentes apontaram que tinham menor rede de apoio do que os que não passaram pela mesma situação. Esses dados estão de acordo com outros estudos que apresentam o baixo suporte familiar ou menor contato com a família como um dos fatores associados às reinternações1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8.,2222. Bezerra CG, Dimenstein M. O fenômeno da reinternação: um desafio à Reforma Psiquiátrica. Mental 2011;9(16):303-26.,2323. Roick C, Heider D, Kilian R, Matschinger H, Toumi M, Angermeyer MC. Factors contributing to frequent use of psychiatric inpatient services by schizophrenia patients. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2004;39:744-51., assim como Dahlan e colaboradores88. Dahlan R, Midin M, Sidi H, Maniam T. Hospital-based community psychiatric service for patients with schizophrenia in Kuala Lumpur: a 1-year follow-up study of re-hospitalization. Asia Pac Psychiatry 2013;5(1):127-33. encontraram o apoio social como único fator associado a menores taxas de reinternação.

Em relação à idade, a média da amostra foi de 44,33 anos, o que está de acordo com outros estudos em que constavam média maior do que 37 anos77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85.,1111. Graca J, Klut C, Trancas B, Borja-Santos N, Cardoso G. Characteristics of frequent users of an acute psychiatric inpatient unit: a five-year study in Portugal. Psychiatr Serv 2013;64(2):192-5.,1616. Boaz TL, Becker MA, Andel R, Van Dorn RA, Choi J, Sikirica M. Risk factors for early readmission to acute care for persons with schizophrenia taking antipsychotic medications. Psychiat Serv 2013;64(12):1225-9.,2020. Pfiffner C, Steinert T, Kilian R, Becker T, Frasch K, Eschweiler G, et al. Rehospitalization risk of former voluntary and involuntary patients with schizophrenia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2014;49(11):1719-27.,2121. Sánchez R, Jaramillo LE, Herazo MI. Factors associated with early psychiatric rehospitalization. Biomedica 2013;33(2):276-82.,2424. Loch AA. Stigma and higher rates of psychiatric re-hospitalization: São Paulo public mental health system. Rev Bras Psiquiatr 2012;34(2):185-92.,3333. Kikuchi H, Abo M, Kumakura E, Kubota N, Nagano M. Efficacy of continuous follow-up for preventing the involuntary readmission of psychiatric patients in Japan: a retrospective cohort study. Int J Soc Psychiatry 2013;59(3):288-95.,3434. Lin CH, Chen WL, Lin CM, Lee MD, Ko MC, Li CY. Predictors of psychiatric readmissions in the short- and long-term: a population-based study in Taiwan. Clinics 2010;65(5):481-9.. Nos achados do presente estudo, não foi evidenciada associação entre a idade e as reinternações frequentes, resultado que é corroborado por alguns estudos da área2424. Loch AA. Stigma and higher rates of psychiatric re-hospitalization: São Paulo public mental health system. Rev Bras Psiquiatr 2012;34(2):185-92.,3333. Kikuchi H, Abo M, Kumakura E, Kubota N, Nagano M. Efficacy of continuous follow-up for preventing the involuntary readmission of psychiatric patients in Japan: a retrospective cohort study. Int J Soc Psychiatry 2013;59(3):288-95.,3434. Lin CH, Chen WL, Lin CM, Lee MD, Ko MC, Li CY. Predictors of psychiatric readmissions in the short- and long-term: a population-based study in Taiwan. Clinics 2010;65(5):481-9..

Em relação ao sexo, observa-se na amostra um número um pouco superior de mulheres (53,1%). Embora não tenha sido encontrada diferença significativa no grupo de reinternações frequentes, a porcentagem de homens (54,3%) era maior, enquanto no grupo de usuários não frequentes somente 34,6% eram homens, o que corrobora alguns estudos da literatura que apontam o sexo como uma variável significativa, na qual os homens possuíam maior número e maiores chances de apresentar reinternações1818. Batalla A, Garcia-Rizo C, Castellví P, Fernandez-Egea E, Yücel M, Parellada E, et al. Screening for substance use disorders in first-episode psychosis: implications for readmission. Schizophr Res 2013;146(1-3):125-31.,1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8.,2020. Pfiffner C, Steinert T, Kilian R, Becker T, Frasch K, Eschweiler G, et al. Rehospitalization risk of former voluntary and involuntary patients with schizophrenia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2014;49(11):1719-27.,3434. Lin CH, Chen WL, Lin CM, Lee MD, Ko MC, Li CY. Predictors of psychiatric readmissions in the short- and long-term: a population-based study in Taiwan. Clinics 2010;65(5):481-9..

A escolaridade média da amostra foi de 9,29 anos, o que indica que a maioria (46,9%) dos participantes cursou nível médio de ensino. Em relação a esse perfil, pode-se destacar que está na mesma direção de outros estudos que apontam que a maioria dos participantes tinha nível secundário de estudo ou baixa escolaridade77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85.,88. Dahlan R, Midin M, Sidi H, Maniam T. Hospital-based community psychiatric service for patients with schizophrenia in Kuala Lumpur: a 1-year follow-up study of re-hospitalization. Asia Pac Psychiatry 2013;5(1):127-33.,1818. Batalla A, Garcia-Rizo C, Castellví P, Fernandez-Egea E, Yücel M, Parellada E, et al. Screening for substance use disorders in first-episode psychosis: implications for readmission. Schizophr Res 2013;146(1-3):125-31.,1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8.,2020. Pfiffner C, Steinert T, Kilian R, Becker T, Frasch K, Eschweiler G, et al. Rehospitalization risk of former voluntary and involuntary patients with schizophrenia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2014;49(11):1719-27.. Essa não foi uma variável que apresentou diferença quando realizada comparação entre o grupo de reinternação frequente, o que corrobora a literatura3333. Kikuchi H, Abo M, Kumakura E, Kubota N, Nagano M. Efficacy of continuous follow-up for preventing the involuntary readmission of psychiatric patients in Japan: a retrospective cohort study. Int J Soc Psychiatry 2013;59(3):288-95.,3434. Lin CH, Chen WL, Lin CM, Lee MD, Ko MC, Li CY. Predictors of psychiatric readmissions in the short- and long-term: a population-based study in Taiwan. Clinics 2010;65(5):481-9..

Em relação ao estado civil, a maioria dos participantes deste estudo não possuía companheiro (77,1%), o que está de acordo com outras pesquisas que mostraram uma predominância de participantes sem parceiros em suas amostras77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85.,88. Dahlan R, Midin M, Sidi H, Maniam T. Hospital-based community psychiatric service for patients with schizophrenia in Kuala Lumpur: a 1-year follow-up study of re-hospitalization. Asia Pac Psychiatry 2013;5(1):127-33.,99. Schmutte T, Dunn CL, Sledge WH. Predicting time to readmission in patients with recent histories of recurrent psychiatric hospitalization: a matched-control survival analysis. J Nerv Ment Dis 2010;198(12):860-3.,2121. Sánchez R, Jaramillo LE, Herazo MI. Factors associated with early psychiatric rehospitalization. Biomedica 2013;33(2):276-82.,2424. Loch AA. Stigma and higher rates of psychiatric re-hospitalization: São Paulo public mental health system. Rev Bras Psiquiatr 2012;34(2):185-92.. Apesar de não ser encontrada significância estatística, o grupo de reinternações frequentes apresentou maior número de pessoas sem companheiro (85,7%) quando comparado ao grupo que não preenchia esse critério (77%), o que vai ao encontro da literatura revisada1212. Bowersox NW, Saunders SM, Berger BD. Predictors of rehospitalization in high-utilizing patients in the VA psychiatric medical system. Psychiatr Q 2012;83(1):53-64.,1818. Batalla A, Garcia-Rizo C, Castellví P, Fernandez-Egea E, Yücel M, Parellada E, et al. Screening for substance use disorders in first-episode psychosis: implications for readmission. Schizophr Res 2013;146(1-3):125-31.,1919. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Sociodemographic and Clinical Characteristics of Psychiatric Re-hospitalizations. Rev Latino-Am Enferm 2010;18(4):800-8.,2020. Pfiffner C, Steinert T, Kilian R, Becker T, Frasch K, Eschweiler G, et al. Rehospitalization risk of former voluntary and involuntary patients with schizophrenia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2014;49(11):1719-27.,2121. Sánchez R, Jaramillo LE, Herazo MI. Factors associated with early psychiatric rehospitalization. Biomedica 2013;33(2):276-82..

Entre os dados clínicos avaliados, a duração das internações desta amostra variou entre 5 e 130 dias, com média de 36 dias. Essa duração ainda é superior quando comparada a outros estudos que avaliam essa variável. Em estudo realizado em São Paulo2525. Vigod SN, Kurdyak PA, Dennis C, Leszcz T, Taylor VH, Blumbenger DM, et al. Transitional interventions to reduce early psychiatric readmissions in adults: systematic review. Br J Psychiatry 2013;202(3):187-94., foi encontrada uma média de 17,3 dias e, nos internacionais, duração média entre 10 e 20 dias de internação66. Martínez-Ortega JM, Gutiérrez-Rojas L, Jurado D, Higueras A, Diaz FJ, Gurpegui M. Factors associated with frequent psychiatric admissions in a general hospital in Spain. Int J Soc Psychiatry 2012;58(5):532-5.,77. Zhang J, Harvey C, Andrew C. Factors associated with length of stay and the risk of readmission in an acute psychiatric inpatient facility: a retrospective study. Aust N Z J Psychiatry 2011;45(7):578-85.,1111. Graca J, Klut C, Trancas B, Borja-Santos N, Cardoso G. Characteristics of frequent users of an acute psychiatric inpatient unit: a five-year study in Portugal. Psychiatr Serv 2013;64(2):192-5.,1616. Boaz TL, Becker MA, Andel R, Van Dorn RA, Choi J, Sikirica M. Risk factors for early readmission to acute care for persons with schizophrenia taking antipsychotic medications. Psychiat Serv 2013;64(12):1225-9.,2121. Sánchez R, Jaramillo LE, Herazo MI. Factors associated with early psychiatric rehospitalization. Biomedica 2013;33(2):276-82.,3434. Lin CH, Chen WL, Lin CM, Lee MD, Ko MC, Li CY. Predictors of psychiatric readmissions in the short- and long-term: a population-based study in Taiwan. Clinics 2010;65(5):481-9..

Por fim, considerando as variáveis de acompanhamento na RAPS, destaca-se o dado de 34,4% dos participantes do estudo que não realizavam acompanhamento antes da internação investigada, assim como mais da metade dos usuários de primeira internação, o que mostra que essa acaba sendo a via de acesso aos cuidados em saúde mental. O fato de a internação ser utilizada como porta de entrada para o cuidado pode estar ainda relacionado com a cultura que se instituiu acerca da internação como o tratamento tradicional e “resolutivo” para os transtornos mentais, prevalecendo a lógica hospitalocêntrica, centrada no atendimento médico1515. Salles MM, Barros S. Reinternação em hospital psiquiátrico: a compreensão do processo saúde/doença na vivência do cotidiano. Rev Esc Enferm USP 2007;41(1):73-81.,3535. Rinaldi DL, Bursztyn DC. O desafio da clínica na atenção psicossocial. Arq Bras Psicol 2008;60(2):32-9.. Salles e Barros1515. Salles MM, Barros S. Reinternação em hospital psiquiátrico: a compreensão do processo saúde/doença na vivência do cotidiano. Rev Esc Enferm USP 2007;41(1):73-81., em estudo com pacientes reinternados, mostraram que usuários e familiares traziam ainda um discurso em que a internação aparecia como a melhor forma de tratamento, além de relatar o desconhecimento sobre os demais serviços da rede. Outro fator que pode estar relacionado é a pouca disponibilidade de recursos extra-hospitalares ou sua distância do local de moradia dos usuários, o que dificulta o acesso.

Entre os usuários que realizavam acompanhamento na RAPS, a maioria realizava acompanhamento em serviços públicos, principalmente em serviços especializados. Em contrapartida, as estratégias de reabilitação psicossocial eram pouquíssimo utilizadas, fato que pode estar relacionado com a pouca oferta desse tipo de estratégia de cuidado, já que a cidade de Porto Alegre possui apenas uma oficina de geração de renda que atende a toda a região metropolitana.

Destacamos a importância desses componentes da rede, que tem como objetivo promover a autonomia e o protagonismo de usuários e familiares, no exercício da cidadania, a partir do desenvolvimento de ações que articulem diferentes recursos do território, no campo do trabalho, da economia solidária, da educação, da cultura e da saúde33. Brasil. Saúde Mental em Dados - 12, Ano 10, nº 12, outubro de 2015. Informativo eletrônico de dados sobre a Política Nacional de Saúde Mental. Brasília; 2015.. Esses são recursos importantes que, além de possibilitar a circulação e apropriação do território pelos usuários, junto aos serviços de saúde, podem compor a rede de apoio social e auxiliar no desenvolvimento da autonomia dessas pessoas. Dessa forma, os usuários podem, também, participar mais da sua comunidade, acessar os serviços e realizar o acompanhamento do seu tratamento, o que leva a diminuir a discriminação na comunidade, assim como criar ferramentas que auxiliem no cuidado continuado, na não interrupção do tratamento, buscando evitar ou reduzir as (re)internações e, eventualmente, ajudar nos momentos de crise.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dados de Porto Alegre3636. Porto Alegre. Plano Municipal de Saúde 2014-2017. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde; 2013. apontam que, entre 2011 e 2012, houve elevação de 8,2% nas internações psiquiátricas de adultos, sendo que os transtornos de humor e as esquizofrenias aumentaram 2,7 e 17%, respectivamente. Porém, destaca-se que não há uma contabilização das reincidências. Neste estudo foi possível identificar a ocorrência de reinternações frequentes em um hospital da cidade, dado pouco investigado em estudos brasileiros, apesar dos registros em literatura internacional. Isso aponta um dos pontos fortes deste estudo, devido à necessidade de maiores investigações no país. Por outro lado, o tamanho da amostra foi fator limitante, pois, em termos comparativos, somente foi possível identificar as diferenças entre os grupos que possivelmente não apresentaram significância estatística devido ao número restrito de usuários em cada grupo.

A falta de acompanhamento anterior à internação na RAPS enseja pensar que as internações poderiam ter sido evitadas se os usuários tivessem vínculo com serviços da rede, especialmente a Atenção Básica, que poderia detectar necessidades de cuidados em saúde mental e oferecer a atenção adequada, sem demandar uma internação. Nesse sentido, destaca-se a importância do hospital como articulador da rede e estratégico para realizar a ponte com os demais serviços, mesmo que isso não garanta o acesso a eles.

Salienta-se também a relação entre a falta de apoio social e as reinternações frequentes. Conforme discutido, pessoas com menor vínculo com a família e a comunidade têm maior risco de reinternações, o que produz repetidas quebras de vínculos, podendo gerar maior afastamento e perda do apoio. No mesmo sentido, alerta-se para o pouco acesso a outros serviços, principalmente às estratégias de reabilitação psicossocial. Esses serviços comunitários são dispositivos potentes no cuidado, associadas a outros recursos da rede, principalmente no sentido de promover a autonomia e otimizar aderências aos cuidados em saúde.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2016
  • Aceito
    30 Mar 2017
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br