RESUMO:
Objetivo:
Estimar a prevalência e analisar os fatores associados ao handicap auditivo autorreferido por trabalhadores do setor da construção do estado de Mato Grosso, Brasil.
Métodos:
Foi realizado estudo transversal com 866 trabalhadores da construção civil e pesada. Os trabalhadores responderam a um inquérito epidemiológico subdividido em: dados de identificação; dados sociodemográficos; estilo de vida; características do ambiente de trabalho; fatores de exposição ocupacional; medidas de proteção auditiva; e questionário de handicap auditivo para quantificar as consequências psicossociais da perda auditiva relacionada ao trabalho.
Resultados:
A prevalência do handicap auditivo entre os trabalhadores do setor da construção foi de 14,43% (n = 125). Foram referidas 311 queixas emocionais e sociais em função dos problemas de audição. O handicap auditivo foi associado com: faixa etária de 60 anos ou mais (RP = 1,94; IC95% 1,01 - 3,71); etilismo (RP = 1,94; IC95% 1,38 - 2,73); exposição direta a ruídos (RP = 1,75; IC95% 1,03 - 2,97); exposição à poeira (RP = 1,59; IC95% 1,13 - 2,24); não uso de abafador do tipo inserção (RP = 1,39; IC95% 1,00 - 1,93); e não uso de boné do tipo árabe (RP = 1,52; IC95% 1,09 - 2,13).
Conclusão:
Os trabalhadores do setor da construção autorreferiram alta presença de handicap auditivo, sendo associada a: possuir 60 anos ou mais; etilismo; exposição a ruídos e poeira; não uso de abafador do tipo inserção; e não uso de boné do tipo árabe. Portanto, faz-se necessária a implementação de políticas que visem à conservação da saúde auditiva dos trabalhadores da construção civil e pesada.
Palavras-chave:
Perda auditiva; Impacto psicossocial; Qualidade de vida; Saúde do trabalhador; Exposição ocupacional; Indústria da construção
INTRODUÇÃO
Os trabalhadores do setor da construção são constantemente expostos a elevados índices de pressão sonora advindos do ruído de máquinas motoniveladoras, pás carregadeiras, tratores de esteira e outros equipamentos, além da exposição a solventes e tintas, bem como a certos tipos de vibração que podem danificar o sistema auditivo11. Leensen MC, Van Duivenbooden JC, Dreschler WA. A retrospective analysis of noise-induced hearing loss in the Dutch construction industry. Int Arch Occup Environ Health 2011 Jun; 84(5): 577-90..
Estudos mostram elevada prevalência de alterações auditivas nos trabalhadores do setor da construção, com variação de 13 a 70%, sendo maiores em profissionais com mais tempo de exposição22. Deacon C, Smallwood J, Haupt T. The health and well-being of older construction workers. International Congress Serie 2005; 1280: 172-7.,33. Ringen K, Dement J, Welch L, Dong XS, Bingham E, Quinn PS. Risks of a lifetime in construction. Part II: Chronic occupational diseases. Am J Ind Med 2014 Nov; 57(11): 1235-45.. No Brasil, foram registrados mais de 19 mil acidentes do trabalho relacionados à perda de audição nos trabalhadores do setor da construção entre 2002 e 201244. Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social. [Internet]. Brasília: Base de dados Históricos de Acidentes de Trabalho [s.d.] [cited on 2014 Nov 2014]. Available from: http://www3.dataprev.gov.br/AEAT/greg/reg04/reg04.PHP
http://www3.dataprev.gov.br/AEAT/greg/re... .
A deficiência auditiva adquirida em decorrência do trabalho tem sido um importante problema de saúde pública, uma vez que pode afetar o desenvolvimento da comunicação interpessoal, da linguagem, da fala e do convívio social, prejudicando a aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento profissional da população afetada55. Cruz MS, Oliveira LR, Carandina L, Lima MCP, César CLG, Barros MBA, et al. Prevalência de deficiência auditiva referida e causas atribuídas: um estudo de base populacional. Cad Saúde Pública 2009 May; 25(5): 1123-31..
Para quantificar as consequências psicossociais da perda de audição, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a investigação do handicap auditivo66. Organização Mundial da Saúde. Rumo a uma Linguagem Comum para Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CIF [Internet]. Genebra: WHO; 2002 [cited on 2014 Nov 9]. Available from: http://www.paho.org/bracolab/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=105&Itemid=310
http://www.paho.org/bracolab/index.php?o... , que corresponde às desvantagens emocionais e sociais decorrentes da privação sensorial auditiva77. Menegotto IH, Soldera LCH, Anderle P, Anhaia TC. Correlation between hearing loss and the results of the following questionnaires: Hearing Handicap Inventory for the Adults - Screening Version HHIA-S e Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening Version - HHIE-S. Arq Int Otorrinolaringol 2011; 15(3): 319-26.. Dessa forma, indivíduos detectados com handicap auditivo podem apresentar sérios prejuízos psicossociais, levando-os ao isolamento, estresse, dificuldades nas relações familiares, ansiedade, diminuição de autoestima e depressão88. Alves AS, Fiorini AC. A autopercepção do handicap auditivo em trabalhadores de uma indústria têxtil. Distúrb comum 2012 Dec; 24(3): 337-49..
A obtenção dos resultados relacionados ao handicap auditivo se diferencia dos métodos tradicionais de avaliação da audição, pois é realizada por meio de questionários autorreferidos que visam compreender as desvantagens psicossociais em função da perda auditiva, sendo um importante instrumento de monitoramento da qualidade de vida do trabalhador66. Organização Mundial da Saúde. Rumo a uma Linguagem Comum para Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CIF [Internet]. Genebra: WHO; 2002 [cited on 2014 Nov 9]. Available from: http://www.paho.org/bracolab/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=105&Itemid=310
http://www.paho.org/bracolab/index.php?o... ,77. Menegotto IH, Soldera LCH, Anderle P, Anhaia TC. Correlation between hearing loss and the results of the following questionnaires: Hearing Handicap Inventory for the Adults - Screening Version HHIA-S e Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening Version - HHIE-S. Arq Int Otorrinolaringol 2011; 15(3): 319-26.. A obtenção dos resultados relacionados ao handicap auditivo é de baixo custo se comparada aos métodos tradicionais de avaliação auditiva, pois não necessita de equipamentos especializados e pode ser utilizada em larga escala em triagens auditivas ocupacionais ou mesmo na rotina clínica77. Menegotto IH, Soldera LCH, Anderle P, Anhaia TC. Correlation between hearing loss and the results of the following questionnaires: Hearing Handicap Inventory for the Adults - Screening Version HHIA-S e Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening Version - HHIE-S. Arq Int Otorrinolaringol 2011; 15(3): 319-26.,88. Alves AS, Fiorini AC. A autopercepção do handicap auditivo em trabalhadores de uma indústria têxtil. Distúrb comum 2012 Dec; 24(3): 337-49..
No presente estudo, a pesquisa do handicap auditivo mostrou-se útil para fornecer pistas sobre: a prevalência das consequências da deficiência auditiva entre os trabalhadores do setor da construção; identificar áreas e subgrupos de populações sob risco; e caracterizar a dimensão subjetiva da deficiência auditiva que não aparece nos exames convencionais. Dessa forma, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência e analisar os fatores associados ao handicap auditivo autorreferido por trabalhadores do setor da construção no estado de Mato Grosso.
MÉTODOS
Esta pesquisa apresenta abordagem quantitativa, observacional, de corte transversal. As entrevistas foram realizadas nos canteiros de obras do estado de Mato Grosso entre os meses de setembro e novembro de 2014, conforme agendamento prévio com os trabalhadores da construção vinculados aos sindicatos de classe.
Foram incluídos os trabalhadores que estavam em pleno exercício profissional no setor da construção de Mato Grosso, de ambos os sexos, com idade a partir de 18 anos. Foram excluídos todos os que estavam em licença ou afastamento e os que não falavam português do Brasil.
Na determinação do tamanho da amostra, para populações finitas99. Luiz RR, Magnanini MMF. A lógica da determinação do tamanho da amostra em investigações epidemiológicas. Cad Saúde Colet 2000; 8(2): 9-28., foi considerada uma população de 20 mil trabalhadores da indústria da construção civil e pesada de Mato Grosso no ano de 2014. Nesse cálculo, foram adotados: nível de significância de 5% (correspondendo a um intervalo de confiança de 95% (IC95%), z [α]/2 = 1,96); erro tolerável de amostragem de 5%; prevalência estimada de handicap auditivo de 50%; e 2% de efeito de desenho para inquéritos em grupo, resultando em uma amostra necessária de 754 participantes. Essa primeira estimativa de tamanho amostral foi aumentada em 10% no intuito de explorar associações ajustadas entre percepção de saúde e variáveis independentes, perfazendo uma amostra mínima necessária de 829 trabalhadores. Além disso, a amostra foi aumentada em mais 5% de questionários a fim de compensar eventuais perdas e recusas em virtude de o inquérito contemplar outras variáveis com menores desfechos. Dessa maneira, o número final de questionários calculados para a coleta foi de 866.
Para a coleta de dados, foi aplicado um inquérito epidemiológico, semiestruturado, com questões abertas e fechadas subdivididas em: dados de identificação; dados sociodemográficos; estilo de vida; características do ambiente de trabalho; fatores de exposição ocupacional; medidas de proteção auditiva; e Questionário de Handicap Auditivo (HHIE-S)1010. Ventry IM, Weinstein BE. Audiometric correlates of the hearing handicap inventory for the elderly. J Speech Hear Disord 1983; 48: 379-84., que tem adaptação transcultural para a língua portuguesa por Wieselberg1111. Wieselberg MB. A auto-avaliação do handicap em idosos portadores de deficiência auditiva: o uso do HHIE [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1997. e validação por Carvalho e Iório1212. Carvalho RM, Iório MCM. Eficácia da aplicação do questionário de handicap em idosos deficientes auditivos. Distúrb Comun 2007; 19(2): 163-72.. Esse questionário é composto de 10 questões em escala Likert (não = 0; às vezes = 2; sim = 4), com pontuação de 0 a 40, elaboradas para detectar problemas emocionais e sociais associados à perda auditiva. No presente estudo, para determinar a presença de handicap auditivo, foi considerado como ponto de corte dois pontos ou mais. Os dados foram inseridos por meio de dupla digitação independente, utilizando-se o software Epi Info versão 3.5.4. Após a verificação e o controle de erros e inconsistências, realizou-se a análise dos dados no software STATA versão 13.0.
Para a análise da prevalência do handicap auditivo e das desvantagens psicossociais, foram utilizadas frequências absolutas e relativas. Para a obtenção da medida de efeito de associação entre a variável dependente (handicap auditivo) e as variáveis independentes, foi utilizado o teste do χ² de Mantel-Haenszel (χ2 MH), adotando-se intervalo de confiança de 95% (IC95%). Na análise multivariada foi utilizada a regressão de Poisson, sendo incluídas todas as variáveis que apresentaram testes de significância com valor p < 0,20. Na análise final permaneceram apenas as variáveis com valor p < 0,05.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado por todos os participantes da pesquisa, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller, Mato Grosso, em conformidade com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Foram entrevistados 866 trabalhadores do setor da construção, com predomínio do sexo masculino (90,30%), média de idade de 34 anos (DP = ± 11,99 anos), idade mínima de 18 anos e idade máxima de 72 anos.
Na Tabela 1 verifica-se que a prevalência de handicap auditivo autorreferido foi de 14,43% (n = 125). Os trabalhadores reportaram 311 queixas psicossociais relacionadas a problemas auditivos adquiridos em função do trabalho. Quanto ao aspecto emocional, as queixas mais prevalentes foram: sentir-se constrangido em meio a pessoas estranhas (49,60%); sentir-se frustrado ou insatisfeito em meio à família (37,60%); e sentir-se prejudicado em função do problema auditivo (24%). Para o aspecto social, as queixas mais prevalentes foram: ter dificuldade para ouvir alguém sussurrando (50,40%); frequentar menos a igreja (18,40%); e ter dificuldade para ouvir televisão ou rádio (18,40%).
Na Tabela 2 observam-se as associações entre o handicap auditivo e as variáveis sociodemográficas e de estilo de vida. Ao se estabelecer a faixa etária de 17 a 29 anos como categoria de comparação, obtiveram-se maiores prevalências de handicap auditivo elevado apenas na faixa etária de 60 anos ou mais (RP = 1,94; IC95% 1,01 - 3,71) trabalhadores que se declararam etilistas, comparados aos demais (RP = 1,94; IC95% 1,38 - 2,73). Para as demais variáveis não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes.
Na Tabela 3 constam as informações sobre handicap auditivo conforme as variáveis relacionadas à ocupação e ao ambiente de trabalho. Observou-se que não houve diferença significativa para handicap auditivo conforme o tipo de construção (civil ou pesada) e a duração da jornada de trabalho. Porém, estabelecendo-se como grupo de comparação os profissionais da administração e outros trabalhadores indiretamente expostos aos ruídos, os encanadores (RP = 3,20; IC95% 1,38 - 7,42), engenheiros e arquitetos (RP = 3,20; IC95% 1,21 - 8,53), pedreiros (RP = 2,16; IC95% 1,18 - 3,94) e topógrafos (RP = 3,50; IC95% 1,45 - 8,46) apresentaram handicap auditivo mais elevado e com diferenças estatisticamente significantes. Ao se agrupar todos os trabalhadores diretamente e compará-los aos profissionais da administração e a outros indiretamente expostos aos ruídos, os primeiros apresentam maiores prevalências de handicap auditivo (RP = 2,16; IC95% 1,75 - 2,97).
Na Tabela 4 encontram-se as prevalências e razões de prevalência do handicap auditivo segundo os riscos ocupacionais e o uso de medidas de proteção auditiva. Observou-se que o handicap auditivo foi mais elevado entre os trabalhadores: expostos à poeira (RP = 1,59; IC95% 1,13 - 2,24); que não usavam abafadores do tipo inserção (RP = 1,39; IC95% 1,01 - 1,93); e que não faziam uso de bonés do tipo árabe (RP = 1,45; IC95% 1,03 - 2,04), todos com diferenças estatísticas significantes. Quanto à realização de exame admissional (audiometria), não houve diferença significativa entre os grupos analisados.
No modelo final (Tabela 5), as variáveis associadas à presença de handicap auditivo foram: pertencer à faixa etária de 60 anos ou mais; ser etilista; estar exposto diretamente a ruídos e poeira; e não fazer uso de boné do tipo árabe.
DISCUSSÃO
No presente estudo, a prevalência de handicap auditivo entre os trabalhadores do setor da construção foi de 14,43%. De acordo com o relato dos próprios entrevistados, verificaram-se diversos tipos de dificuldade emocional e social decorrentes do problema auditivo, dentre os quais: situações de constrangimento; frustração; dificuldade para ouvir fala em fraca intensidade (sussurro); e isolamento social.
A pesquisa da prevalência de handicap auditivo foi amplamente estudada em outras categorias cujos profissionais são constantemente expostos a ruídos, tais como: usuários de arma de fogo (10,60%)1313. Stewart M, Pankiw R, Lehman ME, Simpson TH. Hearing loss and hearing handicap in users of recreational firearms. J Am Acad Audiol 2002; 13(3): 160-8.; operários da indústria têxtil (24,10%)88. Alves AS, Fiorini AC. A autopercepção do handicap auditivo em trabalhadores de uma indústria têxtil. Distúrb comum 2012 Dec; 24(3): 337-49.; operadores de forno (11,07%)1414. Gomes J, Lloyd O, Norman N. The health of the workers in a rapidly developing country: effects of occupational exposure to noise and heat. Occup Med 2002; 52(3): 121-8.; trabalhadores de fundição (14,47%)1414. Gomes J, Lloyd O, Norman N. The health of the workers in a rapidly developing country: effects of occupational exposure to noise and heat. Occup Med 2002; 52(3): 121-8.; operadores de laminação (16,99%)1414. Gomes J, Lloyd O, Norman N. The health of the workers in a rapidly developing country: effects of occupational exposure to noise and heat. Occup Med 2002; 52(3): 121-8.; maquinistas (17,04%)1414. Gomes J, Lloyd O, Norman N. The health of the workers in a rapidly developing country: effects of occupational exposure to noise and heat. Occup Med 2002; 52(3): 121-8.; operários de fábricas (16,42%)1414. Gomes J, Lloyd O, Norman N. The health of the workers in a rapidly developing country: effects of occupational exposure to noise and heat. Occup Med 2002; 52(3): 121-8.; e trabalhadores de serviços gerais (10,37%)1414. Gomes J, Lloyd O, Norman N. The health of the workers in a rapidly developing country: effects of occupational exposure to noise and heat. Occup Med 2002; 52(3): 121-8.. Essas prevalências se aproximam do resultado obtido no presente estudo (14,43%), pois todos os trabalhadores eram expostos a elevados níveis diários de pressão sonora. Contudo, não foi possível comparar a prevalência de handicap auditivo encontrada no presente estudo com a dos demais trabalhadores do setor. Esse fato se deve à preocupação da literatura em descrever apenas os dados audiológicos convencionais e o nível de ruído nessa categoria profissional, não utilizando instrumentos que permitam conhecer as condições sociais e emocionais da privação sensorial auditiva.
Os prejuízos emocionais e sociais da deficiência auditiva adquirida se devem, entre outras causas, à dificuldade de o trabalhador se comunicar com seu grupo social1515. Francelin MAS, Motti TFG, Morita I. As Implicações Sociais da Deficiência Auditiva Adquirida em Adultos. Saúde Soc 2010; 19(1): 180-92.. Dessa forma, ao perceber a perda de audição, o indivíduo tende a se isolar e a se comunicar menos com os colegas de trabalho22. Deacon C, Smallwood J, Haupt T. The health and well-being of older construction workers. International Congress Serie 2005; 1280: 172-7.. Além disso, o trabalhador com handicap auditivo tem mais dificuldade para compreender regras, rotinas e obrigações, o que pode aumentar o risco de acidentes de trabalho88. Alves AS, Fiorini AC. A autopercepção do handicap auditivo em trabalhadores de uma indústria têxtil. Distúrb comum 2012 Dec; 24(3): 337-49.,1616. Lima II, Aiello CP, Ferrari DV. Correlações audiométricas do questionário de handicap auditivo para adultos. Rev CEFAC 2011 Jun; 13(3): 496-503..
Em relação à idade, os trabalhadores mais velhos referiram maiores prevalências de handicap auditivo. Tais achados foram obtidos em pesquisas anteriores33. Ringen K, Dement J, Welch L, Dong XS, Bingham E, Quinn PS. Risks of a lifetime in construction. Part II: Chronic occupational diseases. Am J Ind Med 2014 Nov; 57(11): 1235-45.,88. Alves AS, Fiorini AC. A autopercepção do handicap auditivo em trabalhadores de uma indústria têxtil. Distúrb comum 2012 Dec; 24(3): 337-49., as quais verificaram que trabalhadores de idade avançada do setor da construção apresentam de duas a seis vezes mais perda auditiva do que profissionais de outras atividades. Esse fato é compreensível, pois indivíduos mais velhos tendem a apresentar maior tempo de exposição ocupacional a fatores de risco para a audição, devendo ser considerada também a deterioração natural do sistema auditivo (presbiacusia)77. Menegotto IH, Soldera LCH, Anderle P, Anhaia TC. Correlation between hearing loss and the results of the following questionnaires: Hearing Handicap Inventory for the Adults - Screening Version HHIA-S e Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening Version - HHIE-S. Arq Int Otorrinolaringol 2011; 15(3): 319-26..
O presente estudo identificou maior prevalência de handicap auditivo entre trabalhadores que se declararam etilistas. Em duas revisões sistemáticas1717. Samokhvalov AV, Popova S, Room R, Ramonas M, Rehm J. Disability associated with alcohol abuse and dependence. Alcohol Clin Exp Res 2010 Nov; 34(11): 1871-8.,1818. Bellé M, Sartori SA, Rossi AG. Alcoholism: effects on the cochleo-vestibular apparatus. Braz J Otorhinolaryngol 2007; 73:110-6., o uso e o abuso de álcool foram associados à ocorrência de ototoxicidade, com danos ao sistema auditivo. Entretanto, alguns autores encontraram efeitos protetores da perda auditiva relacionados a baixos níveis de consumo de álcool, afirmando que a ingestão moderada de bebida alcoólica ativa mecanismos de proteção contra perturbações no fluxo sanguíneo coclear do ouvido1919. Fransen E, Topsakal V, Hendrickx JJ, Van Laer L, Huyghe JR, Van Eyken E, et al. Occupational noise, smoking, and a high body mass index are risk factors for age-related hearing impairment and moderate alcohol consumption is protective: a European population-based multicenter study. J Assoc Res Otolaryngol 2008; 9: 264-76.,2020. Popelka MM, Cruickshanks KJ, Wiley TL, Tweed TS, Klein BE, Klein R, et al. Moderate alcohol consumption and hearing loss: a protective effect. J Am Geriatr Soc 2000; 48: 1273-8.. Ainda em relação ao uso de álcool, outros estudos não detectaram qualquer associação significativa entre o consumo moderado ou pesado e a perda de audição2121. Curhan SG, Eavey R, Shargorodsky J, Curhan GC. Analgesic Use and the Risk of Hearing Loss in Men. Am J Med 2010; 123: 231-7.,2222. Curhan SG, Eavey R, Shargorodsky J, Curhan GC. Prospective Study of Alcohol Use and Hearing Loss in Men. Ear Hear 2011; 32(1): 46-52.. É importante destacar que, no presente estudo, foi obtida alta prevalência de etilismo (50%) entre os trabalhadores da construção, sendo fundamental o combate ao consumo de álcool, mesmo que não tenha sido esclarecido o mecanismo fisiológico que pode ter levado à instalação do handicap auditivo nesses profissionais.
Na presente pesquisa, pedreiros, encanadores e profissionais diretamente expostos aos riscos ocupacionais para a audição tiveram maiores prevalências de handicap auditivo se comparados aos demais trabalhadores. Leensen et al.11. Leensen MC, Van Duivenbooden JC, Dreschler WA. A retrospective analysis of noise-induced hearing loss in the Dutch construction industry. Int Arch Occup Environ Health 2011 Jun; 84(5): 577-90. estudaram prontuários médicos de exames periódicos ocupacionais de trabalhadores da construção na Holanda e verificaram que os pedreiros e encanadores estão entre os mais expostos quanto à duração e à intensidade de níveis de exposição sonora e perda auditiva. Outro estudo que utilizou essa mesma população como linha de base, e a acompanhou realizando exames audiométricos durante quatro anos, também encontrou a exposição direta ao ruído como principal variável preditora da perda auditiva2323. Leensen MC, Dreschler WA. Longitudinal changes in hearing threshold levels of noise-exposed construction workers. Int Arch Occup Environ Health 2015 Jan; 88(1): 45-60.. Em estudo audiométrico com trabalhadores da construção naval em Madri, na Espanha, Mur et al.2424. Mur PG, Bermúdez BP, Monroy AM. Pérdidas auditivas relacionadas con la exposición a ruido en trabajadores de la construcción. Med Segur Trab 2008 Dec; 54(213): 33-40. também demonstraram que os trabalhadores diretamente expostos ao ambiente de trabalho apresentaram prevalência 3,1 vezes maior de perda auditiva induzida por ruído do que os profissionais de cargos administrativos.
É interessante notar que categorias profissionais supostamente menos expostas aos ruídos e riscos químicos, como engenheiros, arquitetos e topógrafos, também foram associadas ao handicap auditivo elevado. Uma provável explicação é a de que esses profissionais, pela maior escolaridade, percebem com maior clareza determinadas condições de exposição ocupacional, ou mesmo seu estado de saúde, respondendo mais afirmativamente ao HHIE-S. Alves e Rodrigues2525. Alves L, Rodrigues RN. Determinantes da autopercepção de saúde entre idosos do Município de São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica 2005; 17(5/6): 333-41., em estudo sobre determinantes da saúde autorreferida, relatam que o nível de escolaridade, entre outras variáveis socioeconômicas, foi altamente associado à percepção de saúde. Além disso, engenheiros de segurança do trabalho são profissionais pertencentes aos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) que rotineiramente se preocupam com acidentes e doenças relacionados ao trabalho2626. Teixeira MC. A invisibilidade das doenças e acidentes do trabalho na sociedade atual. Rev Dir Sanitário 2012; 13(1): 102-31..
As prevalências de handicap auditivo também foram maiores nos trabalhadores que lidam com poeira, geralmente oriunda do trabalho com cimento e de substâncias que compõem a argamassa, como areia, saibro e cal. Em seu estudo, Gerges2727. Gerges SNY. Critérios importantes. Rev Prot 2007; 183. observou menor eficácia da proteção do equipamento auricular pela presença de poeira nos lugares confinados. Algumas poeiras contidas no ambiente de trabalho, ao penetrarem no ouvido, seja por simplesmente obstruírem o canal auditivo, seja pelo grau da ototoxicidade de algumas substâncias químicas em sua composição, podem provocar perda auditiva, influenciando também para que o trabalhador refira um handicap auditivo mais elevado2828. Liao EC, Chang KC. Mites in the External Auditory Canal. N Engl J Med 2012 Oct; 367: e19..
Em relação ao uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), os trabalhadores que não usavam boné do tipo árabe e abafador de ruídos do tipo inserção apresentaram maiores prevalências de handicap auditivo. Apesar do estabelecimento da necessidade do uso de protetores auditivos, as temperaturas elevadas nos locais de estudo e o incômodo fazem com que os trabalhadores usem os EPIs de maneira inadequada. Além disso, não houve referência a Programas de Conservação Auditiva (PCAs) em nenhum canteiro de obras onde o estudo foi realizado. Diante dos resultados do presente estudo, sugere-se a implementação desses programas com o objetivo de: identificar e avaliar os riscos e exames auditivos; promover o uso de proteção individual e coletiva; e estabelecer programas de treinamento para prevenir a perda auditiva em trabalhadores2929. Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva. Boletim nº 6 [Internet]. Arq Fund Otorrinolaringol. 2000 [cited on 2000 Apr/June]; 4(2). Available from: http://arquivosdeorl.org.br/conteudo/acervo_port.asp?id=125
http://arquivosdeorl.org.br/conteudo/ace... ,3030. Oliveira WTGH, Andrade WTL, Teixeira CF, Lima MLLT. Audição de Trabalhadores Antes e Após o Programa de Conservação Auditiva. Rev Bras Ciên Saúde 2012; 16(4): 517-24..
Quanto à realização de exames auditivos, não houve diferença estatisticamente significante de handicap auditivo elevado entre os trabalhadores que realizaram a audiometria admissional e os demais. Porém, parte dos trabalhadores declarou nunca ter realizado qualquer tipo de exame auditivo admissional. Tal situação é preocupante, pois estudos revelam que o ambiente de trabalho no setor da construção apresenta níveis elevados de pressão sonora e outros agentes agressores do sistema auditivo, configurando um importante problema de saúde pública22. Deacon C, Smallwood J, Haupt T. The health and well-being of older construction workers. International Congress Serie 2005; 1280: 172-7.,33. Ringen K, Dement J, Welch L, Dong XS, Bingham E, Quinn PS. Risks of a lifetime in construction. Part II: Chronic occupational diseases. Am J Ind Med 2014 Nov; 57(11): 1235-45.,44. Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social. [Internet]. Brasília: Base de dados Históricos de Acidentes de Trabalho [s.d.] [cited on 2014 Nov 2014]. Available from: http://www3.dataprev.gov.br/AEAT/greg/reg04/reg04.PHP
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Os resultados deste estudo apontam para a necessidade do monitoramento da audição por meio da investigação do handicap auditivo entre trabalhadores da construção, conforme estabelecido pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), constante da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)3131. Brasília (Distrito Federal). Portaria nº 24, de 29 de dezembro de 1994. Aprova o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional. Diário Oficial da União. 30 dez 1994.. Assim, é importante reforçar a busca do handicap auditivo com rotina audiológica relacionada ao ambiente de trabalho para compreender a real dimensão do problema auditivo e suas consequências à qualidade de vida do trabalhador, bem como subsidiar medidas específicas de prevenção e promoção voltadas a sua saúde auditiva.
Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. Não foi possível realizar exames audiométricos devido às dificuldades para a aplicação de um inquérito epidemiológico com coleta de diversas outras informações sobre exposição e doenças relacionadas ao trabalho. Dessa maneira, optou-se pela aplicação do handicap auditivo autorreferido como informação proxy de perda auditiva. Nesse sentido, a utilização desse instrumento se justifica pela recomendação para rastreio em triagens auditivas, como complemento de avaliações audiológicas tradicionais e até mesmo como validação do processo de protetização auditiva77. Menegotto IH, Soldera LCH, Anderle P, Anhaia TC. Correlation between hearing loss and the results of the following questionnaires: Hearing Handicap Inventory for the Adults - Screening Version HHIA-S e Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening Version - HHIE-S. Arq Int Otorrinolaringol 2011; 15(3): 319-26.,88. Alves AS, Fiorini AC. A autopercepção do handicap auditivo em trabalhadores de uma indústria têxtil. Distúrb comum 2012 Dec; 24(3): 337-49..
É importante salientar que instrumentos de aferição direta de perda auditiva, como o exame audiométrico, não conseguem expressar definitivamente os reais prejuízos emocionais e sociais da deficiência no cotidiano do indivíduo3232. Rosis ACA, Souza MRF, Iório MCM. Questionário Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening version (HHIE-S): estudo da sensibilidade e especificidade. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2009; 14(3): 339-45., o que faz a pesquisa do handicap auditivo ser um diferencial neste trabalho.
Quanto ao desenho de estudo, pesquisas do tipo transversal determinam simultaneamente fatores de exposição e o desfecho (handicap auditivo), tornando-se difícil estabelecer uma relação temporal entre os eventos. Dessa maneira, recomenda-se parcimônia na interpretação de causalidade. Em relação ao tipo de amostragem do presente estudo, tem-se como limitação o fato de não ter sido probabilística, podendo ter pequena validade externa de resultados. Outra limitação se refere ao fato de o exame admissional para detecção de alterações auditivas ser realizado no momento do ingresso do trabalhador no setor da construção, selecionando-se apenas os indivíduos mais saudáveis para trabalhar nas empresas. Essa seleção pode propiciar a ocorrência do “viés do trabalhador saudável”, por meio do qual trabalhadores com perda auditiva instalada não são contratados logo no ato dos exames admissionais3333. Hardman CM, Barros SSH, Oliveira ESA, Nahas MV, Barros MVG. Inatividade nos deslocamentos para o trabalho e fatores associados em industriários. Saúde Soc 2013 Sep; 22(3): 760-72.,344. Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social. [Internet]. Brasília: Base de dados Históricos de Acidentes de Trabalho [s.d.] [cited on 2014 Nov 2014]. Available from: http://www3.dataprev.gov.br/AEAT/greg/reg04/reg04.PHP
http://www3.dataprev.gov.br/AEAT/greg/re... . Também não se exclui a ocorrência de um possível viés de memória, por se tratar da aplicação de questionário sobre o recordatório dos participantes, no qual os trabalhadores mais expostos podem ter se lembrado melhor das atividades de risco para deficiência auditiva.
CONCLUSÃO
O estudo mostrou que houve presença de handicap auditivo autorreferido, com queixas emocionais e sociais, entre os trabalhadores do setor da construção. Devido à presença de alterações auditivas, os trabalhadores referiram ter passado por diversos problemas psicossociais, dificuldade para ouvir e até mesmo isolamento social.
A investigação do handicap auditivo foi importante para o monitoramento da audição do trabalhador. Faz-se necessária a efetiva implementação de políticas públicas para a promoção e prevenção da perda auditiva induzida por níveis elevados de pressão sonora e a conservação da saúde auditiva dos trabalhadores do setor da construção.
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» http://www.paho.org/bracolab/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=105&Itemid=310 - 7Menegotto IH, Soldera LCH, Anderle P, Anhaia TC. Correlation between hearing loss and the results of the following questionnaires: Hearing Handicap Inventory for the Adults - Screening Version HHIA-S e Hearing Handicap Inventory for the Elderly - Screening Version - HHIE-S. Arq Int Otorrinolaringol 2011; 15(3): 319-26.
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- Fonte de financiamento: Ministério Público do Trabalho - Processo nº 000003/2013
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2017
Histórico
- Recebido
14 Jul 2016 - Aceito
18 Maio 2017