Carga da doença e análise da situação de saúde: resultados da rede de trabalho do Global Burden of Disease (GBD) Brasil

Maria de Fatima Marinho de Souza Elisabeth Barboza França Adeilson Cavalcante Sobre os autores

As informações e os indicadores de saúde têm sido descritos como os olhos dos responsáveis pela formulação das políticas de saúde11. AbouZahr C, Adjei S, Kanchanachitra C. Data to policy: good practices and cautionary tales. The Lancet 2007; 369: 1039-46.. Observar e descrever a ocorrência de doenças, incapacidades e mortes na população, com uso de dados que alimentam as estatísticas de saúde, possibilita medir, tornando visível o problema de saúde e os resultados da política de saúde. Entretanto, com frequência os gestores são incapazes de ver através da névoa provocada pela ausência do dado ou por dados de má qualidade, que dificultam a elaboração de indicadores, válidos e confiáveis, que expressem a situação de saúde e avaliem o desempenho de políticas e programas.

Para impulsionar o uso do dado e a utilização de novas métricas em saúde, o Ministério da Saúde tomou a decisão de aderir à rede de estudos da Carga Global de Doenças (Global Burden of Disease - GBD), a fim de inserir o Brasil nas estimativas e análises da carga de doença em nível subnacional.

A publicação do estudo GBD, há cerca de 20 anos, representa um esforço científico sistemático para quantificar a magnitude comparativa da perda de saúde decorrente de doenças, lesões e fatores de risco por idade, sexo e tempo22. Murray C, Lopez A. Evidence-based health policy - lessons from the global burden of disease study. Science 1996; 274(5288): 740-3..

Em outubro de 2014, foi realizada oficina sobre “Carga de Doenças no Brasil”, coordenada pelo Ministério da Saúde. Na ocasião, foram apresentados os objetivos e a metodologia do GBD Brasil, e diversos profissionais e pesquisadores de saúde pública puderam manifestar interesse na participação no estudo.

O projeto GBD Brasil 2015 foi resultado do acordo entre o Ministério da Saúde, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) da Universidade de Washington, visando constituir uma rede de colaboradores, com participação de pesquisadores brasileiros e técnicos do Ministério da Saúde, com o objetivo de dar apoio metodológico e avaliar as estimativas do estudo GBD em nível subnacional, bem como compilar e analisar a carga da doença no país e nos estados brasileiros.

O Brasil conta com profissionais de alto nível nas diversas expertises necessárias, o que permitiu a construção de uma rede multidisciplinar, que está inserida na rede de colaboração internacional coordenada pelo Dr. Christopher Murray, Diretor do IHME.

Com o desenvolvimento do projeto, várias iniciativas têm sido realizadas para apoiar a difusão da metodologia do estudo no Brasil, tanto no meio acadêmico quanto nos serviços de saúde, por meio de cursos de capacitação presenciais na UFMG e em várias outras instituições do país, com a colaboração de vários pesquisadores do IHME, em particular do Prof. Mohsen Naghavi.

A UFMG reafirma, assim, seu compromisso de contribuir com a melhoria de qualidade dos serviços de saúde. A crescente parceria com o IHME e com o Ministério da Saúde, mediante o Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, com participação de várias instituições acadêmicas do país, tem possibilitado a oportunidade ímpar de incentivar análises epidemiológicas mais qualificadas sobre a carga de doença nos estados brasileiros, importante passo para a constituição de uma força-tarefa para identificação e enfrentamento das questões de saúde mais prementes.

A informação em saúde é prioridade da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente com a introdução dos processos de pactuação de indicadores de saúde - Pacto pela Saúde33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Série Pactos pela Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. v. 1., Pacto da Vigilância em Saúde, etc. - estratégias que fortalecem a informação e a análise da situação de saúde e valorizam os sistemas de informações com a ampliação do seu uso. Apesar das dificuldades na produção do dado ainda existentes, como falta de estrutura (recursos materiais e humanos, por exemplo), que, muitas vezes, tornam precária a informação, muito se tem avançado no Brasil com a melhora importante na cobertura e na qualidade das informações em saúde.

O Brasil tem vivenciado um processo de mudança do perfil de adoecimento e morte da população, com queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis, da mortalidade de menores de cinco anos44. GBD Child Mortality Collaborators, Wang H, Bhutta Z, Coates MM, Coggeshall M, Dandona L, et al. Global, regional, national, and selected subnational levels of stillbirths, neonatal, infant, and under-5 mortality, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet. 2016; 388: 1725-74. e redução significativa das causas evitáveis de morte55. Lindelow M, Nahrgang S, Dmytraczenko T, Marinho F, Alencar L. Assessing Progress toward Universal Health Coverage: Beyond Utilization and Financial Protection. In: Dmytraczenko T, Almeida G, organizers. Toward Universal Health Coverage and Equity in Latin America and the Caribbean: Evidence from Selected Countries. World Bank; 2015. p.147-184., o que impactou positivamente no aumento da expectativa de vida. Também vem ocorrendo aumento das doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, entre outras, e das mortes por violência, como os acidentes de trânsito.

Esse novo perfil de saúde-doença necessita de uma renovada atenção à saúde e uma política nacional de saúde que busque utilizar novas métricas do nível de saúde da população, informando e avaliando o cuidado em saúde, testando, construindo e agregando conceitos e métricas ainda não aplicados na gestão da saúde no SUS nos mais diversos níveis.

Após dois anos e meio do início do Projeto GBD Brasil, são apresentados resultados do estudo da carga de doença no Brasil. Os artigos dessa edição da Revista Brasileira de Epidemiologia são resultado dos esforços para estimar e analisar a carga de doença no Brasil e nos estados, nos seus diferentes aspectos, fazendo uso de métricas de saúde, como os anos potenciais de vida perdidos (YLL), anos de vida saudáveis perdidos (DALY), entre outros.

Os artigos nos brindam com uma apresentação da metodologia do estudo GBD em português, analisam a qualidade da informação sobre mortalidade disponível, desenvolvem análises sobre importantes causas de morte no Brasil, morbidade, incapacidade/limitações, fatores de risco e perda da saúde por várias causas.

O lançamento deste Suplemento não encerra o estudo. Esta publicação visa disseminar os conceitos e métodos do GBD no Brasil, acolher críticas, aprofundar as análises e ampliar a rede de colaboradores no país, em um processo contínuo de aprimoramento.

Aquilo que não é medido não é conhecido e, se não é conhecido, não é passível de ação.

É o conhecer que desencadeia a ação66. Editorial. GBD 2015: from big data to meaningful change. The Lancet. 2016; 10053: 1447.. Assim se começa uma boa ciência, e esse é o compromisso da Rede GBD Brasil.

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    AbouZahr C, Adjei S, Kanchanachitra C. Data to policy: good practices and cautionary tales. The Lancet 2007; 369: 1039-46.
  • 2
    Murray C, Lopez A. Evidence-based health policy - lessons from the global burden of disease study. Science 1996; 274(5288): 740-3.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Série Pactos pela Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. v. 1.
  • 4
    GBD Child Mortality Collaborators, Wang H, Bhutta Z, Coates MM, Coggeshall M, Dandona L, et al. Global, regional, national, and selected subnational levels of stillbirths, neonatal, infant, and under-5 mortality, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet. 2016; 388: 1725-74.
  • 5
    Lindelow M, Nahrgang S, Dmytraczenko T, Marinho F, Alencar L. Assessing Progress toward Universal Health Coverage: Beyond Utilization and Financial Protection. In: Dmytraczenko T, Almeida G, organizers. Toward Universal Health Coverage and Equity in Latin America and the Caribbean: Evidence from Selected Countries. World Bank; 2015. p.147-184.
  • 6
    Editorial. GBD 2015: from big data to meaningful change. The Lancet. 2016; 10053: 1447.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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