Mortalidade por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool: Carga Global de Doenças no Brasil, 1990 e 2015

Ana Paula Souto Melo Elisabeth Barboza França Deborah Carvalho Malta Leila Posenato Garcia Meghan Mooney Mohsen Naghavi Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

O uso de álcool é um dos principais fatores de risco preveníveis para mortalidade ou incapacidade prematuras.

Objetivo:

Descrever as estimativas de mortalidade e anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool no Brasil e suas unidades da federação (UFs), em 1990 e 2015.

Métodos:

Estudo descritivo com dados do estudo de Carga Global de Doenças (2015) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Modelos estatísticos foram empregados para obter estimativas corrigidas de mortalidade pelas causas selecionadas. As taxas de mortalidade foram padronizadas por idade (TMPI).

Resultados:

Em 1990, foram estimados 16.226 óbitos para as 3 condições (17,0/100 mil habitantes), enquanto em 2015 foram 28.337 (15,7/100 mil habitantes). Houve redução da mortalidade (por 100 mil habitantes) por cirrose (de 11,4 para 9,5) e estabilidade por câncer hepático (1,5 e 1,9) e transtornos devidos ao uso de álcool (4,1 e 4,3). As TMPI foram 5,1 vezes maiores entre os homens, e as 5 UFs com maiores TMPI e YLL foram da Região Nordeste: Sergipe, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. As taxas de mortalidade e de YLL pelas três condições estudadas ascenderam no ranking das causas de óbito, em ambos os sexos, exceto a cirrose no feminino.

Conclusão:

As três condições estudadas são responsáveis por importante carga de mortalidade prematura no Brasil, principalmente entre homens e residentes na região nordeste. Esses resultados reforçam a necessidade de políticas públicas para o enfrentamento ao consumo nocivo do álcool no Brasil.

Palavras-chave:
Etanol; Cirrose hepática; Neoplasias hepáticas; Transtornos relacionados ao uso de álcool; Mortalidade prematura; Epidemiologia descritiva

INTRODUÇÃO

O uso nocivo do álcool é responsável por elevada carga de doenças, com importantes consequências sociais e econômicas. Nos países com menor renda, os riscos de morbidade e mortalidade são maiores por litro de álcool consumido do que naqueles com maior renda11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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. Dados do estudo sobre Carga Global de Doenças (Global Burden of Diseases - GBD) de 2015 indicaram que, de 1990 a 2015, o consumo abusivo do álcool passou da décima primeira para a nona posição no ranking dos fatores de risco que mais contribuíram, no mundo, para anos de vida perdidos por morte ou incapacidade (Disability-Adjusted LifeYears - DALYs)22. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388: 1459-544.. Do total de mortes em 2012, 5,9% foram atribuíveis ao álcool, sendo 7,6% entre os homens e 4,0% entre as mulheres. Do total de DALYs, estima-se que 5,1% foram atribuíveis ao álcool, com maior proporção de carga de doença atribuível ao álcool entre os homens (7,4%) em comparação com as mulheres (2,3%)11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (2013) mostraram que a prevalência do consumo abusivo de álcool foi 13,7% na população adulta - 3,3 vezes superior entre os homens (21,6%) em relação às mulheres (6,6%)33. Garcia LP, Freitas LRS. Heavy drinking in Brazil: results from the 2013 National Health Survey. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2015 Jun.; 24(2): 227-37. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222015000200227&lng=en (Acessado em 7 de janeiro de 2017).
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. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o Brasil, em 2010, indicam uma prevalência de abuso/dependência de álcool de 5,6% para ambos os sexos, 8,2% entre os homens e 3,2% entre as mulheres11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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. O álcool ocupava a quinta posição no ranking dos fatores de risco que mais contribuíram para o total de DALYs, para ambos os sexos, no Brasil em 201544. Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). Data Visualization. Disponível em: Disponível em: http://www.healthdata.org/results/data-visualizations (Acessado em 22 de outubro de 2016).
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Rehm et al.55. Rehm J, Baliunas D, Borges GL, Graham K, Irving H, Kehoe T, et al. The relation between different dimensions of alcohol consumption and burden of disease: an overview. Addiction 2010; 105(5): 817-43. discutem que o maior volume médio de álcool consumido está associado a um risco aumentado para muitas doenças crônicas e infecciosas. Além disso, o padrão do consumo, como uso pesado de álcool (heavy drinking), agrega um risco adicional ao volume médio para determinadas categorias de doenças e lesões. Os autores argumentam que o álcool pode ser uma causa necessária (agravos que ocorrem somente como resultado do consumo de álcool) para mais de 30 condições listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, 10ª Revisão (CID-10). Além disso, o álcool pode ser uma causa componente para mais de 200 condições listadas na CID-10, dentre elas as doenças cardiovasculares e neoplasias, além de ser importante fator de risco para acidentes de transporte e outros tipos de acidentes, violências, suicídios, dentre outras11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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,66. Malta DC, Bernal RTI, Silva MMA, Claro RM, Silva Júnior JB, Reis AAC. Consumo de bebidas alcoólicas e direção de veículos, balanço da lei seca, Brasil 2007 a 2013. Rev Saúde Pública 2014; 48(4): 692-6.,77. Mascarenhas MDM, Malta DC , Silva MMA , Gazal-Carvalho C, Monteiro RA, Morais Neto OL. Consumo de álcool entre vítimas de acidentes e violências atendidas em serviços de emergência no Brasil, 2006 e 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14(5): 1789-96..

Entre os agravos atribuídos ao consumo de álcool, a cirrose hepática merece destaque como uma importante morbidade crônica fatal. Estima-se que 48% das mortes e 47% do DALYs por cirrose são atribuídos ao consumo de álcool88. Rehm J, Taylor B, Mohapatra S, Irving H, Baliunas D, Patra J, et al. Alcohol as a risk factor for liver cirrhosis: a systematic review and meta-analysis. Drug Alcohol Rev 2010; 29: 437-45.,99. Mokdad AA, Lopez AD, Shahraz S, Lozano R, Mokdad AH, Stanaway J, et al. Liver cirrhosis mortality in 187 countries between 1980 and 2010: a systematic analysis BMC Medicine 2014 Set. 18; 12(1): 145.,1010. Roerecke M, Rehm J. Alcohol use disorders and mortality: a systematic review and meta-analysis. Addiction 2013 Set.; 108(9): 1562-78.. Por sua vez, o câncer hepático é uma neoplasia na qual o consumo de álcool é uma importante causa componente88. Rehm J, Taylor B, Mohapatra S, Irving H, Baliunas D, Patra J, et al. Alcohol as a risk factor for liver cirrhosis: a systematic review and meta-analysis. Drug Alcohol Rev 2010; 29: 437-45.,1010. Roerecke M, Rehm J. Alcohol use disorders and mortality: a systematic review and meta-analysis. Addiction 2013 Set.; 108(9): 1562-78.. Os transtornos relacionados ao uso de álcool e à dor lombar foram as causas de DALYs que apresentaram maior crescimento entre os homens, de 1990 a 2010, segundo o estudo GBD Brasil 20101111. Marinho F, Passos VMA, França EB. Novo século, novos desafios: mudança no perfil da carga de doença no Brasil de 1990 a 2010. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2016 Dez.; 25(4): 713-24. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n4/2237-9622-ress-25-04-00713.pdf (Acessado em 6 de janeiro de 2017).
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Perante a relevância desses agravos como causas de morte, o objetivo deste estudo é descrever as estimativas de mortalidade e anos de vida perdidos por morte prematura (Years of Life Lost - YLLs) por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool no Brasil e suas 27 unidades da federação (UFs), em 1990 e 2015.

MÉTODOS

Foi realizado estudo descritivo com dados do estudo GBD 2015 coordenado pelo Instituto Métricas e Avaliação em Saúde, da Universidade de Washington. As estimativas das cargas de doenças foram obtidas de acordo com o método definido pelo IHME, aplicado em 2015.

O estudo GBD contemplou a realização de mapeamento das fontes de dados para doenças, fatores de risco e lesões. A principal fonte de informação sobre mortalidade no Brasil é o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que utiliza a CID para codificação das causas de morte. Para cálculo das estimativas do GDB, são realizados ajustes para causas mal definidas (CMD) e outros códigos garbage, de modo que os óbitos classificados sob esses códigos são redistribuídos para causas definidas de morte para minimizar a subestimação dos indicadores. Detalhes do agrupamento de causas usando a nona e a décima revisões da CID (CID-9 e CID-10, respectivamente) foram descritos previamente1212. Lozano R, Naghavi M, Foreman K, Lim S, Shibuya K, Aboyans V, et al. Global and regional mortality from 235 causes of death for 20 age groups in 1990 and 2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. The Lancet 2012; 380(9859): 2095-128..

O Cause of Death Ensemble Modeling-CODEm (CODEm) é utilizado para estimar indicadores por idade, sexo, país, ano e causa, sendo um instrumento analítico que testa diversos possíveis modelos estatísticos de causas de morte e cria um conjunto combinado de modelos que oferece o melhor desempenho preditivo. O software DisMod-MR 2.1, ferramenta de meta-regressão, é utilizado para estimativas simultâneas de incidência, prevalência, remissão, incapacidade e também mortalidade atribuível a fatores de risco, como o álcool1313. Forouzanfar MH, Afshin A, Alexander LT, Anderson HR, Bhutta ZA, Biryukov S, et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1659-724.,1414. Foreman KJ, Lozano R, Lopez AD, Murray CJL. Modeling causes of death: an integrated approach using CODEm. Popul Health Metr 2012; 10: 1. DOI: 10.1186/1478-7954-10-1.
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. Os resultados desses modelos foram utilizados para distribuir proporcionalmente os óbitos por cirrose e por câncer hepático por todas as causas, de modo a obter as estimativa específicas para esses agravos devidos ao uso de álcool1515. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544..

Neste estudo, inicialmente foram investigadas as principais causas de morte relacionadas ao uso de álcool identificadas no GBD 2015; entre elas, as três principais condições foram selecionadas: cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool. Foram incluídos óbitos de indivíduos com 15 ou mais anos de idade, classificados nos seguintes códigos da CID-10 (2015) e seus correlatos na CID-9 (1990):

  1. Cirrose devido ao uso de álcool: CID-10: B18-B18,9, I85-I85,9, I98,2, K70-K70,9, K71,3-K71,51, K71,7, K72,1-K74,69, K74,9, K75,8-K76,0, K76,6- K76,7, K76,9 e CID-9: 070.22-070.23, 070.32-070.33, 070.44, 070.54, 456.0-456.21, 571-571.9, 572.3-572.9, 573.0-573.3, 573.8-573.9;

  2. Câncer hepático devido ao uso de álcool: CID-10: C22-C22.9, D13.4 e CID-9: 155-155.9, 211.5;

  3. Transtornos devidos ao uso de álcool (alcohol use disorders): CID-10: transtornos mentais e comportamentais relacionados ao uso de álcool (F10-F10.99), miopatia alcoólica (G72.1), degeneração do sistema nervoso devida ao álcool (G31.2), feto e recém-nascido afetados pelo uso de álcool pela mãe (P04.3), síndrome fetal alcoólica (dismórfico) (Q86.0), presença de álcool no sangue (R78.0), envenenamento (intoxicação) acidental por exposição ao álcool (X45-X45.9), e CID9: 291-291.9, 303-303.93, 305.0-305.03, 357.5, 790.3, E860-E860.19.

Foram estimados os seguintes indicadores: números absolutos de óbitos, taxas de mortalidade específicas e YLL - valores totais e segundo sexos e faixas etárias, para o Brasil e suas 27 UFs, em 1990 e 2015. O YLL expressa o efeito das mortes prematuras na população. Esse indicador é calculado multiplicando-se o número de mortes de causa específica pela expectativa de vida em relação à idade do óbito, independentemente do sexo (por exemplo: 85,69 anos para óbitos em menores de 1 ano; 23,79 anos para indivíduos com 65 anos).

Para produzir taxas padronizadas por idade de mortalidade e de YLL (por 100 mil habitantes), utilizou-se o método direto de padronização, tendo como padrão a população mundial desenvolvida para o GBD 201322. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388: 1459-544..

Para comparação dos indicadores entre os anos 1990 e 2015, foi realizado o ranqueamento das UFs segundo os valores padronizados por idade de mortalidade e pelo YLL das três condições estudadas1515. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388(10053): 1459-544..

Adicionalmente, foram estimados os intervalos de incerteza (II95%) das taxas padronizadas de mortalidade por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool, para o Brasil e UFs. Os II95% são distintos dos intervalos de confiança e expressam a incerteza derivada dos tamanhos de amostras dos estudos usados como fontes de dados, dos ajustes às fontes de mortalidade geral, da incerteza do parâmetro na estimação do modelo e da especificação da incerteza para os modelos para causas de morte22. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388: 1459-544..

O estudo GBD Brasil 2015 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Projeto CAAE 62803316.7.0000.5149).

RESULTADOS

Os números de óbitos por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool, em 1990, foram, respectivamente, 10.707, 1.088 e 4.431, totalizando 16.226 mortes no Brasil; em 2015 foram, respectivamente, 18.923, 3.326 e 9.088, totalizando 28.337 mortes no país. Houve crescimento de 75% no número absoluto de mortes pelas três condições. Em 2015, a faixa etária que concentrou mais mortes por essas causas foi a de 50 a 59 anos (n = 8.011; 28,3%). Em 1990, a mesma faixa etária registrou 3.607 mortes (22,3%). Comparando as taxas de mortalidade por idade (TMI) entre 1990 e 2015, observa-se que, em 1990, os indivíduos estavam morrendo mais precocemente por essas condições, com as maiores taxas de mortalidade a partir dos 40 anos. Em 2015, observam-se maiores taxas de mortalidade a partir de 50 anos. O pico da mortalidade por transtornos devidos ao uso de álcool ocorre mais precocemente, na faixa dos 40-49 anos, em comparação com a cirrose (50-54 anos) e o câncer hepático (a partir dos 65 anos) (Figura 1).

Figura 1:
Número de óbitos por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool, segundo faixas etárias, Brasil, 1990 e 2015.

A Tabela 1 mostra as taxas de mortalidade padronizadas por idade (TMPI) para ambos os sexos. Os dados de 1990 a 2015 sugerem uma redução da TMPI para o conjunto das 3 causas de morte de 17,0 para 15,7/100 mil habitantes (7,9%). Esse declínio foi devido à redução da TMPI por cirrose atribuída ao uso de álcool (de 11,4 para 9,5) (16,9%), observando-se estabilidade na mortalidade por câncer e por transtornos devidos ao uso de álcool. Apesar de terem ocorrido mudanças no ranking das UFs com maiores taxas, estados da Região Nordeste predominaram nas primeiras posições, em ambos os anos. Em 1990, as 5 UFs com maiores TMPI por transtornos, cirrose e câncer hepático devidos ao uso de álcool por 100 mil habitantes foram: Pernambuco (23,9), Maranhão (21,5), Alagoas (21,1), Acre (20,9) e Sergipe (19,9). Em 2015 foram: Sergipe (25,0), Ceará (22,5), Pernambuco (21,7) Paraíba (20,7) e Alagoas (20,6). Observa-se um aumento expressivo das estimativas para as 3 condições de 1990 para 2015, principalmente nos estados: Ceará (64%; de 13,7 para 22,5/100 mil habitantes), Rio Grande do Norte (41%; de 12,3 para 17,3/100 mil habitantes) e Paraíba (37%; de 15,0 para 20,7/100 mil habitantes). Em 2015, o estado que apresentou a menor TMPI foi Santa Catarina (12,0). Os estados que tiveram maiores reduções relativas nas taxas, de 1990 a 2015, foram: Rio de Janeiro (28,8%; de 18,5 para 13,2/100 mil habitantes), São Paulo (27,7%; de 18,6 para 13,4/100 mil habitantes) e Distrito Federal (22,4%; de 18,2 para 14,1/100 mil habitantes). Contudo, de 1990 a 2015, vários estados tiveram crescimento das TMPI por transtornos devidos ao uso de álcool. Apenas São Paulo exibiu redução estatisticamente significativa da TMPI por transtornos devidos ao uso de álcool (Tabela 1).

Tabela 1:
Taxas de mortalidade padronizadas11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool (por 100 mil habitantes) e variação percentual das taxas, Brasil e unidades da federação, 1990 e 2015.

Para o conjunto das 3 causas em 2015, os homens apresentaram uma TMPI de 27,5/100 mil habitantes e as mulheres de 5,4/100 mil habitantes, ou seja, as razões entre as taxas indicam um risco 5,1 vezes maior para os homens em comparação com as mulheres. Quando se observa essa razão para cada condição estudada, o risco é, respectivamente, 9,0; 4,7 e 3,0 vezes maior entre os homens para os transtornos, cirrose e câncer hepático devidos ao uso de álcool, em relação às mulheres (Figura 2).

Figura 2:
Taxas de mortalidade padronizadas11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool (por 100 mil habitantes), segundo sexos, Brasil 1990 e 2015.

O ranking causas de morte conforme as TMPI pelas três condições no Brasil indica que a cirrose devido ao uso de álcool estava na décima nona posição no ranking em 1990 e subiu para a décima oitava posição em 2015, enquanto o câncer hepático devido ao uso de álcool passou da septuagésima sétima para septuagésima primeira e os transtornos devidos ao uso de álcool encontravam-se na quadragésima quarta posição e ascenderam para a trigésima sétima no mesmo período (Tabela 2).

Tabela 2:
Ranking das taxas padronizadas11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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de mortalidade e anos de vida perdidos por morte prematura por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool (por 100 mil habitantes) e variação percentual, na população total e segundo sexos, Brasil, 1990 e 2015.

É importante considerar que esse ranking de causas de morte difere entre os sexos. De 1990 a 2015, entre os homens, a cirrose, o câncer hepático e os transtornos devidos ao uso de álcool subiram, respectivamente, da décima quinta para a décima terceira, da trigésima oitava para a vigésima oitava e da sexagésima oitava para a sexagésima posições. Entre as mulheres, as posições são relativamente mais baixas do que entre os homens, mas todas se elevaram no mesmo período, da trigésima segunda para a trigésima, da octogésima terceira para a septuagésima sexta e da octogésima quinta para a septuagésima nona posições, respectivamente (Tabela 2).

No ranking das taxas de YLL, de 1990 a 2015, também se observou ascensão das causas estudadas. Em ambos os sexos, a cirrose subiu da vigésima posição para a décima sétima, o câncer hepático elevou-se da nonagésima oitava para a septuagésima sétima, e transtornos devidos ao uso de álcool ascenderam da quadragésima segunda para a trigésima quinta posição. Entre homens e mulheres, separadamente, também observou-se elevação de posições no ranking, à exceção da cirrose entre as mulheres, que declinou da trigésima quarta para trigésima sexta posição (Tabela 2).

Os cinco estados que apresentam o maior valor das taxas padronizadas de YLL para as três condições estudadas em 2015 foram: Sergipe, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. O estado com a maior taxa de YLL foi Sergipe (1604,9/100 mil habitantes) e com a menor foi o Pará (695,1/100 mil habitantes). O impacto desse indicador (YLL) entre os homens é maior do que entre as mulheres. Entre as mulheres, os cinco estados com as maiores taxas de YLL pertencem à Região Nordeste: Alagoas, Sergipe, Bahia, Pernambuco e Maranhão, assim como observado entre os homens (Figura 3).

Figura 3:
Taxas padronizadas11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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dos anos de vida perdidos por morte prematura por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool, segundo sexos, unidades da federação do Brasil, 1990 e 2015.

DISCUSSÃO

O estudo indica uma redução da taxa de mortalidade padronizada por idade (TMPI) por 100 mil habitantes para a cirrose atribuída ao uso de álcool (16,9%), que contribuiu com 67% do total das mortes pelas três causas estudadas, em 2015. Segundo Mokdad et al.99. Mokdad AA, Lopez AD, Shahraz S, Lozano R, Mokdad AH, Stanaway J, et al. Liver cirrhosis mortality in 187 countries between 1980 and 2010: a systematic analysis BMC Medicine 2014 Set. 18; 12(1): 145., de 1980 a 2010, globalmente, observou-se também uma redução da taxa padronizada para as cirroses, de 22%, atribuída principalmente ao crescimento e ao envelhecimento populacional. O consumo excessivo de álcool é provavelmente a principal causa de cirrose hepática na maior parte da América Latina. No entanto, grandes reduções na mortalidade por cirrose no México e no Chile foram observadas sem mudanças significativas no consumo de álcool. As mudanças dos padrões de consumo de álcool às refeições e o tipo de álcool consumido poderiam explicar essas tendências, ainda pouco esclarecidas, nas sociedades latino-americanas99. Mokdad AA, Lopez AD, Shahraz S, Lozano R, Mokdad AH, Stanaway J, et al. Liver cirrhosis mortality in 187 countries between 1980 and 2010: a systematic analysis BMC Medicine 2014 Set. 18; 12(1): 145..

Em contrapartida, é importante salientar a estabilidade da TMPI por câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool entre os anos estudados, indicando a persistência do impacto do uso abusivo de álcool nessas condições. Em 2015, o Brasil era o país da América do Sul com maiores TMPI por transtornos devidos ao uso de álcool (4,3/100 mil habitantes)44. Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). Data Visualization. Disponível em: Disponível em: http://www.healthdata.org/results/data-visualizations (Acessado em 22 de outubro de 2016).
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. Além disso, estava em terceiro lugar no ranking da taxa de mortalidade por cirrose devido ao álcool (9,5/100 mil habitantes), atrás apenas da Bolívia e da Guiana44. Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). Data Visualization. Disponível em: Disponível em: http://www.healthdata.org/results/data-visualizations (Acessado em 22 de outubro de 2016).
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. No estudo GBD 2015, todas as três condições apresentaram redução nas taxas de mortalidade padronizadas globais, entre 2005 e 2015, de 3,1% para o câncer hepático devido ao uso de álcool e de 11,0% para cirrose devido ao uso de álcool. Cabe ressaltar a redução da taxa para os transtornos devidos ao uso de álcool no mundo (29,2%), enquanto este estudo revelou aumento no Brasil (6,5%), principalmente nos estados da Região Nordeste22. GBD 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators. Global, regional, and national life expectancy, all-cause mortality, and cause-specific mortality for 249 causes of death, 1980-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet 2016; 388: 1459-544.. No país, entre 2006 e 2012 observou-se que, embora a quantidade de pessoas que bebiam álcool não tenha aumentado, aquelas que já bebiam beberam em maior quantidade e mais frequentemente1616. Laranjeira R, Madruga C, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro S. Consumo de álcool no Brasil: tendências entre 2006/2012. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD). Disponível em: Disponível em: http://inpad.org.br/lenad/resultados/alcool/resultados-preliminares/ (Acessado em 09 de janeiro de 2017).
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. Todavia, esse aspecto necessita de investigações adicionais, para esclarecimentos das variações nas TMPI. Gawryszewski e Monteiro1717. Gawryszewski VP, Monteiro MG. Mortality from diseases, conditions and injuries where alcohol is a necessary cause in the Americas, 2007-09. Addiction 2014; 109(4): 570-7., ao investigarem a mortalidade nas quais o álcool é causa necessária nas Américas, no período de 2007 a 2009, constataram que o Brasil pertencia ao grupo dos cinco países com as mais altas taxas de mortalidade por essas causas, atrás apenas de México, Guatemala, Nicarágua e El Salvador.

No Brasil, os cinco estados que apresentaram as maiores TMPI pelas três condições estudadas pertencem à Região Nordeste: Sergipe, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Esse achado pode refletir o maior consumo de álcool nessa região, bem como no norte, conforme evidenciado pelas pesquisas do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 201333. Garcia LP, Freitas LRS. Heavy drinking in Brazil: results from the 2013 National Health Survey. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2015 Jun.; 24(2): 227-37. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222015000200227&lng=en (Acessado em 7 de janeiro de 2017).
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,1818. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2013: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. Garcia et al.1919. Garcia LP, Freitas LRS, Gawryszewski VP, Duarte EC. Uso de álcool como causa necessária de morte no Brasil, 2010 a 2012. Rev Panam Salud Publica 2015; 38(5): 418-24. também constataram que, de 2010 a 2012, os residentes em municípios de menor porte e nas Regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentaram as maiores taxas de mortalidade por condições em que o álcool era uma causa necessária.

Os resultados indicam que as razões entre as taxas de mortalidade padronizadas foram 5,1 vezes maiores entre os homens em comparação com as mulheres, em 2015. O uso nocivo do álcool foi o principal fator de risco para a morte de homens na faixa etária de 15-59 anos. Contudo, há evidências de que as mulheres podem ser mais vulneráveis aos danos relacionados ao álcool em níveis de consumo mais baixos e em idades mais precoces do que os homens2020. World Health Organization (WHO). Mental, neurological, and substance use disorders. 2015. Disponível em: Disponível em: http://documentos.bancomundial.org/curated/es/841781467995046626/Mental-neurological-and-substance-use-disorders (Acessado em 28 de outubro de 2016).
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. No Brasil, a PNS 2013 evidenciou que a prevalência do consumo abusivo de álcool, pelo menos uma vez, nos 30 dias anteriores à pesquisa, foi superior entre os homens (21,6%), em comparação com as mulheres (6,6%), e que os homens consomem álcool com maior frequência e em maior quantidade do que as mulheres33. Garcia LP, Freitas LRS. Heavy drinking in Brazil: results from the 2013 National Health Survey. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2015 Jun.; 24(2): 227-37. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222015000200227&lng=en (Acessado em 7 de janeiro de 2017).
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. Além disso, o consumo abusivo de álcool está entre os cinco fatores de risco que mais cresceram entre os homens, no período de 1990 a 2010 (84%) no Brasil1111. Marinho F, Passos VMA, França EB. Novo século, novos desafios: mudança no perfil da carga de doença no Brasil de 1990 a 2010. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2016 Dez.; 25(4): 713-24. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n4/2237-9622-ress-25-04-00713.pdf (Acessado em 6 de janeiro de 2017).
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A TMPI apresentou um aumento em faixas etárias mais avançadas de 1990 a 2015. Discute-se que o aumento da carga de doenças associadas ao álcool entre os grupos etários mais avançados é um problema crescente de saúde pública devido ao rápido envelhecimento da população em muitos países do mundo2020. World Health Organization (WHO). Mental, neurological, and substance use disorders. 2015. Disponível em: Disponível em: http://documentos.bancomundial.org/curated/es/841781467995046626/Mental-neurological-and-substance-use-disorders (Acessado em 28 de outubro de 2016).
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. Isso pode ser explicado pela natureza dessas causas de morte que, à exceção da intoxicação alcoólica aguda, têm longo período de indução, como a cirrose hepática1919. Garcia LP, Freitas LRS, Gawryszewski VP, Duarte EC. Uso de álcool como causa necessária de morte no Brasil, 2010 a 2012. Rev Panam Salud Publica 2015; 38(5): 418-24.,2121. Portugal FB, Campos MR, Carvalho JR, Flor LS, Schramm JMA, Costa MFS. Carga de doença no Brasil: um olhar sobre o álcool e a cirrose não viral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet] 2015 Fev.; 20(2): 491-501. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015000200491&lng=en&nrm=iso (Acessado em 7 de janeiro de 2017).
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O ranking dos YLL indicou que, para todas as três condições, houve aumento da posição para ambos os sexos, indicando maior impacto dessas condições na mortalidade precoce de 1990 a 2015 no Brasil. Os transtornos relacionados ao uso de álcool são um fator de risco importante para mortalidade prematura. Estudo de meta-análise sobre mortalidade geral em pessoas com transtornos relacionados ao álcool, que incluiu 81 estudos observacionais, indicou que homens e mulheres com 40 anos ou menos de idade tiveram riscos de 9 e 13 vezes maiores do que indivíduos sem esse tipo de transtorno1010. Roerecke M, Rehm J. Alcohol use disorders and mortality: a systematic review and meta-analysis. Addiction 2013 Set.; 108(9): 1562-78.. Os transtornos relacionados ao uso de álcool estiveram entre as principais causas de YLL que tiveram aumento de mais de 40%, de 1990 a 2010, no Brasil1111. Marinho F, Passos VMA, França EB. Novo século, novos desafios: mudança no perfil da carga de doença no Brasil de 1990 a 2010. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2016 Dez.; 25(4): 713-24. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n4/2237-9622-ress-25-04-00713.pdf (Acessado em 6 de janeiro de 2017).
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Este estudo apresenta algumas limitações, com destaque para aquelas relacionadas à cobertura e à qualidade do SIM, com desigualdades entre as UFs brasileiras. Embora o SIM tenha experimentado melhorias marcantes a partir da década de 1990, alguns estados em 2010, principalmente aqueles localizados nas Regiões Norte e Nordeste, ainda exibiam coberturas inferiores a 90% e proporções de óbitos classificados como causas mal definidas superiores a 10%2222. Szwarcwald CL, Morais Neto OL, Frias PG, Souza Júnior PRB, Escalante JJC, Lima RB, et al. Busca ativa de óbitos e nascimentos no Nordeste e na Amazônia Legal: estimação das coberturas do SIM e do Sinasc nos municípios brasileiros. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2010. Brasília: Ministério da Saúde ; 2011. p. 79-98.. Nesse sentido, apesar das correções das estimativas utilizadas no GBD 2015, podem haver limitações em função dos métodos envolvidos. Cumpre informar que, como os métodos do GBD estão em constante evolução, as estimativas geradas não são comparáveis às dos estudos anteriores. Ademais, a metodologia do GBD implica que os modelos de proporção etiológica para as subcausas do câncer hepático dependem da disponibilidade de fontes de dados que informem sobre padrões locais de etiologia do câncer hepático, bem como padrões de idade, o que pode ter interferido nas estimativas para o Brasil. Em contrapartida, a abordagem do GBD produz estimativas que permitem as comparações entre regiões e países e pode ser útil para rastrear o impacto dos problemas relacionados ao uso do álcool no Brasil.

CONCLUSÃO

Apesar de as três condições estudadas neste artigo estarem entre as principais causas necessárias de morte em decorrência do uso de álcool, sabe-se que a mortalidade atribuível ao álcool engloba muito mais condições para as quais o álcool é um causa necessária ou componente. No mundo, os maiores números de mortes relacionadas ao uso de álcool são por doenças cardiovasculares, seguidas por lesões (especialmente lesões não intencionais), doenças gastrointestinais (principalmente cirrose hepática) e cânceres11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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. Além disso, os danos causados pelo álcool estendem-se também para familiares, vizinhos e demais pessoas do convívio social e da comunidade2323. Monteiro MG. Public policies to prevent alcohol-related harm. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2016 Mar.; 25(1): 171-4. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222016000100171&lng=en&nrm=iso (Acessado em 7 de janeiro de 2017).
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. Nesse sentido, esses dados reforçam a necessidade de políticas públicas no Brasil voltadas ao enfrentamento do consumo nocivo do álcool, pois trata-se de um dos principais fatores de risco preveníveis para mortalidade e incapacidade prematura. Pouco ainda se avançou nesse campo de combate ao uso nocivo do álcool, ao se comparar, por exemplo, ao que foi conseguido no enfrentamento do tabagismo no país. Entre as políticas de “melhores práticas” recomendadas pela OMS em relação às bebidas alcoólicas, destacam-se: limitar a disponibilidade, restringir a publicidade e aumentar os preços por meio da tributação, além de medidas para combater a combinação “álcool e direção”11. World Health Organization. Global status report on alcohol and health - 2014 Genebra: WHO; 2014. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112736/1/9789240692763_eng.pdf (Acessado em 05 de dezembro de 2016.
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,2424. Pan American Health Organization (PAHO). Regional Status Report on Alcohol and Health in the Americas. 2015. Disponível em: Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/7670 (Acessado em 20 de dezembro de 2016).
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. Ademais, autores2020. World Health Organization (WHO). Mental, neurological, and substance use disorders. 2015. Disponível em: Disponível em: http://documentos.bancomundial.org/curated/es/841781467995046626/Mental-neurological-and-substance-use-disorders (Acessado em 28 de outubro de 2016).
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têm discutido a necessidade urgente de aumentar o apoio à pesquisa para avaliar evidências, monitorar o progresso e reduzir a distância entre a evidência, sua aplicação nas comunidades e sua inclusão nas políticas públicas, avanços necessários para o enfrentamento do uso abusivo de álcool no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2017
  • Aceito
    06 Mar 2017
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br