RESUMO:
Objetivo:
Avaliar a completitude e a consistência das notificações de hepatites virais por acidentes de trabalho no Brasil entre 2007 e 2014.
Métodos:
Trata-se de um estudo epidemiológico analítico de avaliação da qualidade dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Os dados foram analisados pelas frequências absoluta e relativa, variação percentual proporcional e pelo teste do χ2 linear.
Resultados:
A maior parte das variáveis obrigatórias e essenciais foi classificada em boa completitude, apesar de crescimento no período em estudo. A ocupação e a forma clínica foram classificadas como regular, com mais de 25,1% dos dados incompletos. A inconsistência foi considerada alta entre diferentes variáveis, superior a 15,0%, como por exemplo os marcadores sorológicos com os tipos de hepatites virais; e a idade com a ocupação e data de nascimento.
Conclusões:
Conclui-se que se faz necessária a avaliação da qualidade dos dados periodicamente, assim como a capacitação dos profissionais de saúde quanto ao preenchimento adequado e completo das notificações, o que contribui para atuação eficiente da vigilância das doenças transmissíveis e melhoria da qualidade de vida da população.
Palavras-chave:
Doenças transmissíveis; Confiabilidade dos dados; Notificação de doenças; Hepatite; Acidentes de trabalho
INTRODUÇÃO
As hepatites virais são doenças de notificação compulsória instituída pelo Ministério da Saúde do Brasil. Esses registros devem ser alimentados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), sendo notificados todos os casos suspeitos, confirmados e surtos. Por ser uma doença transmissível, pode ocorrer por acidentes de trabalho, outro evento de notificação compulsória11. Brasil. Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016. Define a lista nacional de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 2016; Seção 1 (32): 23-4..
Dessa forma, as notificações das hepatites virais por acidentes de trabalho devem ser realizadas após estabelecer o nexo técnico epidemiológico referente à relação entre esses dois eventos de saúde pública. Essa relação pode ocorrer em diferentes ambientes laborais, comprometendo as condições de saúde e a qualidade de vida do trabalhador, assim como pode gerar prejuízos econômicos e sociais às organizações laborais.
Nessa perspectiva, a vigilância dos agravos transmissíveis é uma estratégia eficiente para prevenção e controle das doenças, além da notificação compulsória dos casos suspeitos e confirmados e o compromisso dos profissionais de saúde com essa estratégia de saúde pública22. Garcell HG, Hernandez TMF, Abdo EAB, Arias AV. Evaluation of the timeliness and completeness of communicable disease reporting: surveillance in the Cuban Hospital, Qatar. Qatar Med J. 2014; 2014(1): 50-6. DOI: 10.5339/qmj.2014.9
https://doi.org/10.5339/qmj.2014.9... . Esse compromisso refere-se ao diagnóstico precoce e à notificação compulsória, além da educação em saúde com vistas à prevenção dos agravos e à promoção da saúde.
Para que a vigilância possa atuar de forma eficiente, é preciso que os registros das doenças apresentem qualidade no que se refere às informações contidas na ficha de notificação. A qualidade dos dados pode ser verificada pela inconsistência entre duas variáveis que se complementam e pela completitude de cada variável, considerando os campos ignorados e em branco33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Roteiro para uso do Sinan Net, análise da qualidade da base de dados e cálculo de indicadores epidemiológicos e operacionais: Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.,44. Brasil. Ministério da Saúde. SINAN relatórios: manual de operações. Versão 4.5. Brasília: Ministério da Saúde ; 2014..
Uma revisão da qualidade das bases de dados do sistema de informação em saúde apontou a escassez de estudos acerca desse objeto no Brasil, principalmente na região nordeste, onde foram encontrados poucos artigos sobre a completitude dos dados do SINAN e nenhum acerca da consistência dos dados55. Lima CRA, Schramm JMA, Coeli CM, Silva MEM. Revisão das dimensões de qualidade dos dados e métodos aplicados na avaliação dos sistemas de informação em saúde. Cad Saúde Pública. 2009; 25(10): 2095-109. DOI: 10.1590/S0102-311X2009001000002
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200900... . Estudos realizados se limitam a municípios ou estados, e aqueles com abrangência no Brasil se referem a outras doenças transmissíveis e avaliam apenas a completitude66. Correia LOS, Padilha BM, Vasconcelos SML. Métodos para avaliar a completitude dos dados dos sistemas de informação em saúde do Brasil: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19(11): 4467-78. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141911.02822013
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141... .
Sendo assim, se evidencia a necessidade de investimento na análise do SINAN para melhoria da qualidade de sua informação e, em consequência, práticas eficientes da vigilância das doenças transmissíveis e melhoria da qualidade de vida da população. Para tanto, este estudo teve como objetivo avaliar a completitude e a consistência das notificações de hepatites virais por acidentes de trabalho no Brasil entre 2007 e 2014.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico analítico de avaliação da qualidade dos dados das notificações de hepatites virais por acidentes de trabalho no SINAN. Foram incluídos todos os casos confirmados de hepatites virais por confirmação laboratorial, clínico-epidemiológica e cicatriz sorológica - casos encerrados - notificados no Brasil no período de 2007 a 2014, tendo como fonte de infecção os acidentes de trabalho.
As variáveis analisadas foram aquelas contidas na ficha de notificação de hepatites virais classificadas como de preenchimento obrigatório para inclusão da notificação no SINAN e as essenciais para investigação do caso, perfazendo um total de 36 variáveis, sendo 28 obrigatórias e 8 essenciais. Para analisar a qualidade dos dados do SINAN foram avaliadas a completitude das variáveis (campos incompletos, ignorados ou em branco) e a inconsistência (a relação entre duas variáveis selecionadas). Na completitude, as variáveis foram dicotomizadas em campos completos e incompletos; e na inconsistência foram utilizadas as mesmas categorias que constam na ficha de notificação.
A completitude dos dados foi avaliada nas notificações pelo ano-calendário de notificação em estudo, considerando os critérios recomendados e adaptados do manual de operações do SINAN44. Brasil. Ministério da Saúde. SINAN relatórios: manual de operações. Versão 4.5. Brasília: Ministério da Saúde ; 2014., categorizando a completitude em: boa (aquela que apresenta ≤ 25,0% dos campos incompletos); regular (entre 25,1 e 50,0%); ruim (entre 50,1 e 75,0%); e muito ruim (aquelas com ≥ 75,1% dos campos incompletos).
A consistência entre duas variáveis relacionadas foi avaliada segundo o roteiro para uso do SinanNET, análise da qualidade da base de dados e cálculo de indicadores epidemiológicos e operacionais - hepatites virais33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Roteiro para uso do Sinan Net, análise da qualidade da base de dados e cálculo de indicadores epidemiológicos e operacionais: Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. As variáveis selecionadas para essa análise foram: classificação final e classificação etiológica, classificação final e forma clínica, forma clínica e classificação etiológica, resultados sorológicos e classificação etiológica, idade e classificação etiológica, idade (< 18 anos) e ocupação, idade (< 18 anos) e exposição a “acidente com material biológico”, idade (< 18 anos) e data de nascimento; e idade (< 18 anos) sem data de nascimento e data do acidente. A variável idade < 18 anos foi selecionada, ao considerar as legislações trabalhistas brasileiras; e na avaliação entre a relação de variáveis com essa faixa etária as análises foram feitas caso a caso.
Para análises dos dados foram calculadas as frequências absolutas e relativas da completitude e da consistência entre variáveis. Para completitude foi calculada a variação percentual proporcional (VPP) - VPP = [(ano final - ano inicial)/ano inicial]*100 - e utilizado o teste do χ2 linear dos dados incompletos a fim de verificar a tendência da série temporal, considerando a significância estatística de p < 0,05. A tendência temporal foi classificada em decrescente quando a VPP foi negativa, crescente quando a VPP foi positiva; e estacionária quando não houve significância estatística linear. Aquelas variáveis que apresentaram ≥ 25,1% dos campos incompletos (regular, ruim e muito ruim) foram avaliadas por regiões e ano.
Este estudo atendeu aos princípios éticos segundo a Resolução nº 466/2012 ao ser autorizado o uso do banco de dados pela Secretaria de Vigilância em Saúde e ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia.
RESULTADOS
Foram notificados 1.493 casos de hepatites virais por acidentes de trabalho no Brasil entre 2007 e 2014. As regiões Sudeste (40,6%), Sul (28,1%) e Nordeste (11,9%) notificaram a maioria dos casos nesse período.
A análise da completitude desses dados revelou que as variáveis consideradas obrigatórias no preenchimento das notificações foram classificadas como boa completitude, ou seja, < 25,0% dos campos incompletos. Porém, a maioria apresentou crescimento dos dados incompletos entre os anos de 2007 e 2014, exceto as variáveis institucionalizada(o) e agravos associados ao HIV/aids, que apresentaram redução de 28,0 e 5,9%, respectivamente. As variáveis de exposição a: medicamentos injetáveis (VPP = 266,7%), hemodiálise (VPP = 233,4%), tratamento cirúrgico (VPP = 200,0%), drogas injetáveis (VPP = 175,0%), drogas inaláveis (VPP = 175,0%) e transfusão (VPP = 140,0%) apresentaram mais de 100% de crescimento de dados incompletos. Apesar da variação decrescente e crescente dos dados incompletos, nenhuma variável obrigatória apresentou significância estatística, permanecendo em tendência estacionária (Tabela 1).
A maior parte das variáveis essenciais para o acompanhamento dos casos notificados foi classificada como boa completitude, exceto ocupação e forma clínica, classificadas como regular (> 25,1% dos dados incompletos). Dessas, as variáveis classificação etiológica (p = 0,002) e forma clínica (p = 0,006) revelaram crescimento estatisticamente significante nos dados incompletos no período em estudo. E as variáveis ocupação (VPP = -16,7%; p = 0,006), paciente encaminhado (VPP = -28,3%; p = 0,028) e genótipo para vírus da hepatite C (VPP = -41,8%; p = 0,001) tiveram redução dos dados incompletos no período com significância estatística, ou seja, tendência decrescente (Tabela 1).
Para as variáveis ocupação e forma clínica, foi analisada a completitude também por regiões do Brasil. A ocupação foi classificada como completitude regular em todas as regiões, apresentando crescimento dos dados incompletos entre 2007 e 2014 na região nordeste (VPP = 4,1%), mas com tendência estacionária. Apenas nas regiões Centro-Oeste (VPP = -43,7%; p = 0,042) e Sudeste (VPP = -19,5%; p = 0,033) a tendência temporal dos dados incompletos foi decrescente. Em relação à forma clínica, a mesma classificou-se em completitude boa nas regiões Nordeste e Sul. A redução dos dados incompletos foi verificada nas regiões Norte (VPP = -62,5%) e Nordeste (VPP = -28,7%), embora sem significância estatística. A tendência temporal crescente foi observada nas regiões Sudeste (p = 0,006), sul (p = 0,020) e Centro-Oeste (p = 0,020) (Tabela 2).
Na análise da consistência foi verificada, na relação entre classificação final e classificação etiológica, 6,0% de inconsistência, enquanto que na classificação final e forma clínica, foi observado 26,5% de inconsistência. Entre forma clínica e classificação etiológica houve 26,0% de inconsistência, sendo maior na relação com o vírus da hepatite B (19,2%). Os resultados sorológicos e a classificação sorológica apresentaram dados divergentes para todos os tipos de vírus da hepatite, com mais de 15,0% de inconsistência. A idade e a classificação etiológica foram inconsistentes em sua maior parte entre os menores de 14 anos (50,0%) (Tabela 3).
A consistência entre a idade < 18 anos e outras variáveis foi verificada caso a caso, de forma individual (n = 21). Entre os casos de < 14 anos, observou-se inconsistência de 100,0% em relação à ocupação e 42,9% para exposição a acidente com material biológico; e para aqueles entre 14 e 17 anos foram 50,0 e 57,1%, respectivamente. A idade < 18 anos apresentou inconsistência em 31,6% em ralação à data de nascimento e 100,0% entre a idade (< 18 anos) sem data de nascimento com a data do acidente (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Os resultados apontam a relevância das notificações das hepatites virais por acidentes de trabalho para o campo da saúde ocupacional ao vislumbrar dados consistentes que permitem a construção de indicadores epidemiológicos para retratar a situação de saúde do trabalhador brasileiro e também ao considerar que esses dois agravos associados são evitáveis para a saúde pública. As análises apresentaram diferenças proporcionais entre as notificações por regiões brasileiras. A maior proporção dos campos obrigatórios e essenciais demonstrou crescimento dos dados incompletos e inconsistência superior a 15%.
Ao se tratar de variáveis obrigatórias da ficha de notificação, outros estudos no Brasil77. Barbosa DA, Barbosa AMF. Avaliação da completitude e consistência do banco de dados das hepatites virais no estado de Pernambuco, Brasil, no período de 2007 a 2010. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(1): 49-58. DOI: 10.5123/S1679-49742013000100005
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300... e nos Estados Unidos88. Woodruff RSY, Pratt RH, Armstrong LR. The US national tuberculosis surveillance system: a descriptive assessment of the completeness and consistency of data report from 2008 to 2012. JMIR Public Health Surveill. 2015; 1(2): e15. DOI: 10.2196/publichealth.4991
https://doi.org/10.2196/publichealth.499... também apontaram completitude boa e excelente. Enquanto as variáveis essenciais, em que o preenchimento é necessário mas não obrigatório, a incompletitude sempre variou como nas notificações relacionadas ao trabalho, entre 0 e 98%99. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completitude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município pólo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015; 18(1): 123-36. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500010010
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150... .
Os fatores de exposição apresentaram crescimento na incompletitude no período em estudo, porém autores1010. Heisey-Grove DM, Church DR, Haney GA, Demaria A Jr. Enhancing surveillance for Hepatitis C through public health informatics. Public Health Rep. 2011; 126(1): 13-8. https://dx.doi.org/10.1177%2F003335491112600105
https://dx.doi.org/10.1177%2F00333549111... consideraram que pelo menos um fator de risco com preenchimento completo seria adequado, os quais obtiveram 81%. Nessa perspectiva, essa variável poderia ser reelaborada de acordo com o tipo de hepatite viral ou até mesmo de forma que possa optar por um ou mais fatores de risco, sem a obrigatoriedade do preenchimento de todas as variáveis relacionadas à exposição.
A ocupação foi uma das variáveis essenciais que apresentou completitude regular. A baixa qualidade de variáveis relacionadas à ocupação também foi encontrada nas notificações de doenças transmissíveis em Cuba22. Garcell HG, Hernandez TMF, Abdo EAB, Arias AV. Evaluation of the timeliness and completeness of communicable disease reporting: surveillance in the Cuban Hospital, Qatar. Qatar Med J. 2014; 2014(1): 50-6. DOI: 10.5339/qmj.2014.9
https://doi.org/10.5339/qmj.2014.9... e em localidades do Brasil foi observada qualidade ruim nos registros de malária1111. Braz RM, Tauil PL, Santelli ACFS, Fontes CJF. Avaliação da completude e da oportunidade das notificações de malária na Amazônica Brasileira, 2003-2012. Epidemiol Serv Saúde. 2016; 25(1): 21-32. DOI: 10.5123/S1679-49742016000100003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201600... e de mortalidade por acidentes de trabalho1212. Alves MMM, Nomellini PF, Pranchevicius MCS. Mortalidade por acidente de trabalho no Estado do Tocantins, Brasil: estudo descritivo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(2): 243-54. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200006
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013... .
Até mesmo nas notificações de agravos relacionados ao trabalho em que a ocupação é obrigatória, não houve 100% de completitude99. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completitude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município pólo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015; 18(1): 123-36. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500010010
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150... . A variável ocupação apresenta inúmeros problemas metodológicos nas notificações, como consistência, completitude, definição e codificação ao considerar que a instrução de preenchimento é vaga em relação ao tempo da atividade exercida e não especifica que deve ser usada a Classificação Brasileira de Ocupação na versão atualizada1313. Romero DE, Cunha CB. Avaliação da qualidade das variáveis epidemiológicas e demográficas do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos, 2002. Cad Saúde Pública. 2007; 23 (3): 701-14. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300028
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007... .
A forma clínica apresentou completitude regular e aumentou a proporção de dados incompletos nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. O estado de Pernambuco77. Barbosa DA, Barbosa AMF. Avaliação da completitude e consistência do banco de dados das hepatites virais no estado de Pernambuco, Brasil, no período de 2007 a 2010. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(1): 49-58. DOI: 10.5123/S1679-49742013000100005
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300... , na região Nordeste, apresentou 6,9% de incompletitude das notificações de hepatites virais, ratificando os resultados do presente estudo. Percebeu-se que pelo fato de as variáveis serem classificadas como essenciais, os profissionais têm deixado de preenchê-las, o que compromete o sistema de vigilância dos agravos.
Além da incompletitude, observaram-se várias inconsistências entre variáveis das notificações, como aspectos clínicos que não condiziam com as características de um determinado caso de hepatite viral. Também foram observados marcadores sorológicos reagentes e não reagentes incompatíveis com os tipos de hepatites, principalmente para hepatite do tipo B, sendo relatado também em outro estudo77. Barbosa DA, Barbosa AMF. Avaliação da completitude e consistência do banco de dados das hepatites virais no estado de Pernambuco, Brasil, no período de 2007 a 2010. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(1): 49-58. DOI: 10.5123/S1679-49742013000100005
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300... com 32,6% de inconsistência.
Um problema de inconsistência encontrado na variável forma clínica se refere ao preenchimento da classificação final para confirmação do caso. No instrumento de preenchimento informa-se que, ao preencher o campo classificação final na categoria cicatriz sorológica, o sistema vai automaticamente preencher a forma clínica na categoria inconclusiva, porém isso não ocorreu na maioria das notificações, sendo que a forma clínica estava com o campo em branco ou ignorado.
Outro fato relevante se refere à fonte de infecção, variável utilizada para selecionar os casos por acidentes de trabalho no presente estudo, em que a categoria outras se apresentava em inúmeras notificações; e no campo para escrita de qual era a outra fonte, eram repetidas algumas das categorias presentes na própria variável fonte de infecção, apenas com outras palavras.
A idade foi uma variável que apresentou a maior inconsistência com diferentes variáveis, entre elas a ocupação e os acidentes com material biológico, as quais exigiam elevado nível de escolaridade para execução da atividade, o que não correspondia a pessoas menores de 14 anos. Além disso, o trabalho exercido por menores de 14 anos é proibido pelas legislações brasileiras. A legislação permite aos maiores de 14 anos participarem do programa jovem aprendiz; e aos de 16 a 18 anos trabalharem, exceto o trabalho noturno, em locais perigosos e insalubres1414. Brasil. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. 1988 [citado 14 maio 2016]; 191 A: 1. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co... .
Este resultado também foi apontado nas notificações de mortalidades por acidentes de trabalho, com registros de 0,9% em menores de 14 anos e 7,7% de 15 a 19 anos1212. Alves MMM, Nomellini PF, Pranchevicius MCS. Mortalidade por acidente de trabalho no Estado do Tocantins, Brasil: estudo descritivo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(2): 243-54. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200006
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013... . Além disso, a data de nascimento também se apresentou inconsistente com a idade na mesma notificação. Em outro estudo foi encontrada inconsistência de 465 registros de pessoas maiores de 120 anos, o que foi considerado improvável1111. Braz RM, Tauil PL, Santelli ACFS, Fontes CJF. Avaliação da completude e da oportunidade das notificações de malária na Amazônica Brasileira, 2003-2012. Epidemiol Serv Saúde. 2016; 25(1): 21-32. DOI: 10.5123/S1679-49742016000100003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201600... .
A consistência entre a suspeita diagnóstica e a classificação etiológica não foi avaliada por se tratar de campos para os quais não se espera uma consistência estrita, pois não há possibilidade de alterar o campo referente à suspeita diagnóstica após a notificação. Isso se deve à possibilidade de alteração na base de dados do SINAN nos campos dos dados laboratoriais e de conclusão do caso após investigação epidemiológica, pois todas as notificações de casos suspeitos ou confirmados devem ser concluídas em até 180 dias após a data da notificação.
Percebe-se que a qualidade dos dados envolve muitos fatores, como quantidade de questões e páginas do instrumento a serem preenchidos, o que pode contribuir para o não preenchimento ou o preenchimento inconsistente. Em Massachusetts, Estados Unidos, foram realizadas modificações no sistema de vigilância para infecção pelo vírus da hepatite C, reduzindo o formulário em uma página e com sistema computacional, o que contribuiu para o aumento das notificações e redução dos campos incompletos1010. Heisey-Grove DM, Church DR, Haney GA, Demaria A Jr. Enhancing surveillance for Hepatitis C through public health informatics. Public Health Rep. 2011; 126(1): 13-8. https://dx.doi.org/10.1177%2F003335491112600105
https://dx.doi.org/10.1177%2F00333549111... .
A maioria dos sistemas de notificação realiza procedimentos de limpeza dos dados e verifica a duplicidade dos registros, sendo essa uma positividade para a qualidade dos dados, porém a consistência dos dados não é verificada pela maioria dos sistemas. Assim sendo, é preciso um maior cuidado nos registros e nas investigações de cada caso notificado88. Woodruff RSY, Pratt RH, Armstrong LR. The US national tuberculosis surveillance system: a descriptive assessment of the completeness and consistency of data report from 2008 to 2012. JMIR Public Health Surveill. 2015; 1(2): e15. DOI: 10.2196/publichealth.4991
https://doi.org/10.2196/publichealth.499... . Uma estratégia para melhoria dessas informações e da qualidade dos dados é a avaliação anual dos indicadores de desempenho do sistema de informação22. Garcell HG, Hernandez TMF, Abdo EAB, Arias AV. Evaluation of the timeliness and completeness of communicable disease reporting: surveillance in the Cuban Hospital, Qatar. Qatar Med J. 2014; 2014(1): 50-6. DOI: 10.5339/qmj.2014.9
https://doi.org/10.5339/qmj.2014.9... , que deveria ser realizada por cada administrador ou por parcerias com a academia.
Vale ressaltar as possíveis limitações deste estudo, como a análise da duplicidade dos dados, que foi impedida pela ausência do nome do paciente e da mãe, além do estabelecimento do nexo causal entre hepatite viral e acidente de trabalho por diferentes profissionais; e, também, a análise da consistência dos dados por região e ano-calendário devido ao quantitativo de valores abaixo de cinco, mesmo considerando o biênio, impedir as análises estatísticas. Assim como a falta de estudos similares com os mesmos agravos para comparação dos resultados. Entretanto, este estudo apresenta pontos cruciais para intervenções com os profissionais de saúde quanto ao preenchimento adequado e cuidadoso em relação às notificações de doenças, além do aperfeiçoamento do sistema de informação e da própria ficha de notificação e instruções para preenchimento.
CONCLUSÃO
A avaliação periódica da qualidade dos dados das notificações alimentadas no SINAN deve ser realizada com frequência para garantir a melhor análise da distribuição dos casos de hepatites virais por acidentes de trabalho e, em consequência, uma atuação eficiente da vigilância das doenças transmissíveis. As variáveis essenciais em alguns casos deveriam ser obrigatórias, além disso, é preciso rever a compatibilidade do sistema com as instruções de preenchimento das notificações. Os casos em menores de 18 anos necessitam de uma avaliação com maior cautela, pois se não for inconsistência, se refere à exploração do trabalho infantil. Enfim, para que o SINAN opere com qualidade e possa contribuir para melhoria da qualidade de vida da população, os profissionais de saúde devem ser capacitados periodicamente quanto ao preenchimento da ficha de notificação (preenchimento correto, consistente, conceitos de cada variável e categoria) e ao compromisso ético que devem estabelecer com a saúde pública.
REFERÊNCIAS
- 1Brasil. Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016. Define a lista nacional de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 2016; Seção 1 (32): 23-4.
- 2Garcell HG, Hernandez TMF, Abdo EAB, Arias AV. Evaluation of the timeliness and completeness of communicable disease reporting: surveillance in the Cuban Hospital, Qatar. Qatar Med J. 2014; 2014(1): 50-6. DOI: 10.5339/qmj.2014.9
» https://doi.org/10.5339/qmj.2014.9 - 3Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Roteiro para uso do Sinan Net, análise da qualidade da base de dados e cálculo de indicadores epidemiológicos e operacionais: Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.
- 4Brasil. Ministério da Saúde. SINAN relatórios: manual de operações. Versão 4.5. Brasília: Ministério da Saúde ; 2014.
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- Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
02 Ago 2018
Histórico
- Recebido
19 Out 2016 - Aceito
01 Dez 2017