Perfil e tendência dos fatores de risco para acidentes de trânsito em escolares nas capitais brasileiras: PeNSE 2009, 2012 e 2015

Rayone Moreira Costa Veloso Souto Laura Augusta Barufaldi Deborah Carvalho Malta Mariana Gonçalves de Freitas Isabella Vitral Pinto Cheila Marina Lima Marli de Mesquita Silva Montenegro Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

Os acidentes de transporte terrestre (ATT) são a segunda causa de morte em escolares de 13 a 17 anos. O presente estudo visou descrever os fatores de risco para ATT em escolares da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 e avaliar a tendência de indicadores selecionados nas três últimas edições da PeNSE.

Metodologia:

Estudo descritivo sobre fatores de risco para ATT no ano de 2015, com dados da PeNSE e análise de tendência das séries temporais, com testes de regressão ajustados por idade, das edições de 2009, 2012 e 2015, nas capitais brasileiras.

Resultados:

Em 2015, 26,3% dos escolares do nono ano, na maioria entre 13 e 15 anos, relataram terem sido conduzidos em veículo motorizado dirigido por alguém que consumiu bebida alcoólica e 32,4% relataram terem dirigido veículo motorizado; 30,7% dos adolescentes não usaram cinto de segurança no banco de trás; e 16,8% dos escolares usuários de motocicleta não usaram capacetes. Observou-se ainda tendência de piora dos indicadores entre 2009 e 2015, referentes a dirigir veículo motorizado (1,0 pontos percentuais) e ter sido conduzido em veículo por alguém que consumiu bebida alcoólica (1,1 pontos percentuais).

Discussão:

A ocorrência de ATT resulta da interação entre vias, veículos e usuários, tendo forte correlação com o comportamento.

Conclusões:

Os resultados apontam a necessidade de investir em medidas educativas, associadas a fiscalização, a melhoria das vias, pesquisas e aprimoramento da legislação. O monitoramento dos fatores de risco em escolares contribui substancialmente para apoiar intervenções das políticas públicas intersetoriais para a redução de morbimortalidade por trânsito.

Palavras-chave:
Acidentes de trânsito; Criança; Adolescente; Saúde Escolar; Comportamento do adolescente

INTRODUÇÃO

As lesões e mortes no trânsito se configuram como um problema global, com sérios impactos sociais, psicológicos, econômicos, previdenciários, ambientais e de saúde11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Acidentes de transporte terrestre no Brasil: caracterização das internações (2014) e óbitos (2000 e 2014), tendências e previsões das taxas de mortalidade (2000 a 2020). In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília: Ministério da Saúde; 2016. p. 155-83.,22. Mascarenhas MDM, Souto RMCV, Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Montenegro MMS. Características de motociclistas envolvidos em acidentes de transporte atendidos em serviços públicos de urgência e emergência. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(12): 3661-71. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.24332016
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. São responsáveis por mais de 1 milhão de mortes e 50 milhões de feridos por ano, em todo o mundo. Representa um gasto de 3% do produto interno bruto (PIB), sendo que, em países com renda baixa e média, esse custo ultrapassa 5% do PIB33. World Health Organization. Global status report on road safety 2015. Geneva: World Health Organization; 2015..

No Brasil, os acidentes de transporte terrestre (ATT) são a segunda causa de morte entre as causas externas mais frequentes em jovens adultos do sexo masculino. No ano de 2015 foram registrados 38.651 óbitos por essa causa, sendo que, entre os escolares de 13 a 17 anos, ocorreram 1.653 óbitos, sendo que 40,1% ocorreram em motociclistas, revelando-se assim a maior vulnerabilidade desse grupo44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde/CGIAE. Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM [Internet]. [citado 29 set. 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/ext10uf.def
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.

O problema é multicausal e resultante da combinação de fatores relacionados às vias, ao ambiente, aos veículos, aos usuários e ao modo como eles interagem. Desses, destacam-se o aumento da frota de veículos, sobretudo motocicletas55. Organización Mundial de la Salud. Informe mundial sobre precención de los traumatismos casuadas por el trânsito: resumem. Genebra: Organización Mundial de la Salud; 2004 [citado 3 jun. 2017]. Disponível em: http://www.who.int/violence_injury_prevention/publications/road_traffic/world_report/summary_es.pdf?ua=1
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,66. Bastos YGG, Andrade SM, Soares DA. Características dos acidentes de trânsito e das vítimas atendidas em serviço pré-hospitalar em cidade do Sul do Brasil, 1997/2000. Cad Saúde Pública. 2005; 21(3): 815-22. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000300015
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; a vigilância insuficiente e descontínua; a fragilidade do modelo de transporte vigente e a alta frequência de condutas inadequadas, que juntos, são responsáveis por boa parte das mortes precoces, traumatismos, sequelas e incapacidades em brasileiros22. Mascarenhas MDM, Souto RMCV, Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Montenegro MMS. Características de motociclistas envolvidos em acidentes de transporte atendidos em serviços públicos de urgência e emergência. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(12): 3661-71. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.24332016
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,33. World Health Organization. Global status report on road safety 2015. Geneva: World Health Organization; 2015.,55. Organización Mundial de la Salud. Informe mundial sobre precención de los traumatismos casuadas por el trânsito: resumem. Genebra: Organización Mundial de la Salud; 2004 [citado 3 jun. 2017]. Disponível em: http://www.who.int/violence_injury_prevention/publications/road_traffic/world_report/summary_es.pdf?ua=1
http://www.who.int/violence_injury_preve...
,77. World Health Organization. Global status report on road safety 2015. Genebra: World Health Organization; 2015.,88. Organização Mundial da Saúde. Beber e dirigir: manual de segurança viária para profissionais de trânsito e de saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2007.,99. Organização Pan-Americana da Saúde. Gestão da velocidade: um manual de segurança viária para gestores e profissionais da área. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012..

Dentre as condutas inadequadas que resultam em acidentes de trânsito, destacam-se a associação de álcool e direção; a velocidade excessiva; o não uso de equipamentos de segurança, como cintos de segurança dianteiros e traseiros, capacetes, dispositivo de retenção para crianças, airbags e outros equipamentos1010. Montenegro MMS, Bahia CA. Acidentes de transporte envolvendo motociclistas: um panorama da situação da morbidade hospitalar e mortalidade do Brasil. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 375-93.,1111. Morais Neto OL, Malta DC, Mascarenhas MDM, Duarte EC, Silva MMA, Oliveira KB, et al. Fatores de risco para acidentes de transporte terrestre entre adolescentes no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Ciênc Saúde Coletiva. 2010; 15(Supl. 2): 3043-52. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000800009
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O monitoramento desses eventos é uma importante estratégia para apoiar políticas de prevenção e promoção à saúde, visto que os acidentes de trânsito são, na sua grande maioria, previsíveis e evitáveis. Entre as fontes de informações mais utilizadas no monitoramento da morbimortalidade desses eventos no Brasil, encontram-se o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), ambos gerenciados pelo Ministério da Saúde; as informações da Polícia Rodoviária Federal relativas aos acidentes e mortes nas rodovias federais; e por fim as informações do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) sobre a frota de veículos. Dentre os inquéritos, destacam-se o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), o Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 20081212. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Viva: vigilância de violências e acidentes, 2014. Brasília: Ministério da Saúde; 2015., a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)1313. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RT, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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, e a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) em 2009, 2012 e 2015, que tem como objetivo conhecer a prevalência dos fatores de risco e proteção à saúde dos adolescentes brasileiros1414. Malta DC, Andrade SSCA, Gomes N, Silva MMA, Morais Neto OL, Reis C, et al. Lesões no trânsito e uso de equipamento de proteção na população brasileira, segundo estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(2): 399-410. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.23742015
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Estudos nacionais sobre fatores de risco relacionados aos acidentes de trânsito em escolares são raros no país, e em geral analisam dados de pesquisas anteriores da PeNSE1010. Montenegro MMS, Bahia CA. Acidentes de transporte envolvendo motociclistas: um panorama da situação da morbidade hospitalar e mortalidade do Brasil. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 375-93.,1313. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RT, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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,1515. Instituto Nacional de Pesquisa e Geografia. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. 2015. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Pesquisa e Geografia; 2016.. A análise dos dados da PeNSE 2012 identificou que 12,9% - com intervalo de confiança de 95% (IC95%) 10,0 - 16,5 - dos escolares menores de 17 anos referiram direção frequente (4 vezes ou mais), além de serem comumente conduzidos por motorista que fizeram uso de álcool1515. Instituto Nacional de Pesquisa e Geografia. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. 2015. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Pesquisa e Geografia; 2016..

O estudo atual teve como objetivo descrever fatores de risco para acidentes de trânsito em escolares, bem como as tendências disponíveis nas três últimas edições da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, em 2009, 2012 e 2015. Busca-se apoiar as políticas públicas voltadas para a vigilância e a prevenção de lesões e mortes no trânsito, cujos resultados são altamente sensíveis a intervenções intersetoriais, principalmente focadas nos fatores de risco álcool e direção, velocidade e uso de equipamentos de proteção.

MÉTODO

Estudo descritivo sobre fatores de risco para acidentes de trânsito do ano de 2015 e análise de tendência de dois indicadores da PeNSE, nas três edições (2009, 2012 e 2015) do inquérito realizado em escolas públicas e privadas. A primeira edição foi representativa das capitais brasileiras; na segunda edição foi expandida a representatividade para Brasil e regiões; e na última pesquisa, em 2015, a amostra incluiu, para o nono ano, além dos estratos anteriores, as unidades federadas e o Distrito Federal. Quanto à descrição dos indicadores de 2015, considerou-se os escolares do nono ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas, com representatividade para Brasil. Já para a análise de tendência, considerou-se os dados estratificados por capitais brasileiras, nos anos de 2009, 2012 e 2015.

O cálculo do tamanho amostral, em todas as edições, considerou a estimativa de proporção de 50% e uma probabilidade de erro tipo I ou α de 0,05. A amostra baseou-se no conglomerado selecionado em dois estágios: o primeiro estágio foi nas escolas; e o segundo, em turmas elegíveis nas escolas selecionadas (nono ano do ensino fundamental).

O questionário individual foi distribuído aos alunos que o responderam em um palmtop em 2009, e nas outras edições com um smarthphone sob a supervisão de pesquisadores treinados. As três edições da pesquisa PeNSE (2009, 2012 e 2015) foram precedidas de aprovações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), pelos respectivos pareceres nº 11.537/2009, 16.805/2012 e 1.006.467/2015. Todos os estudantes concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os detalhes da metodologia dos inquéritos podem ser acessados em outras publicações da PeNSE 2009, 2012 e 2015.

As variáveis avaliadas no presente estudo foram:

  • uso de cinto de segurança no banco da frente: percentual de escolares que referiram ter andado com cinto de segurança no banco da frente, cuja pergunta foi: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência você usou cinto de segurança enquanto andava como passageiro(a) no banco da frente de carro/automóvel, van ou taxi?”;

  • uso de cinto de segurança no banco de trás: percentual de escolares que referiram ter andado com cinto de segurança no banco de trás, cuja pergunta foi: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência você usou cinto de segurança enquanto andava como passageiro(a) no banco de trás de carro/automóvel, van ou taxi?”;

  • uso de capacete: percentual de escolares que referiram uso de capacete, cuja pergunta foi: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência você usou capacete ao andar de motocicleta?”;

  • dirigir veículo motorizado de transporte: percentual de escolares que referiram a frequência de dirigir um veículo motorizado de transporte; cuja pergunta foi “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, quantas vezes você dirigiu um veículo motorizado de transporte (carro, motocicleta, voadeira, barco)?”;

  • andar em carro ou outro veículo motorizado dirigido por alguém que havia consumido álcool: percentual de escolares que referiram ter andado em carro e outro veículo motorizado dirigido por alguém que havia consumido bebida alcoólica pelo menos 1 dia nos 30 dias que antecederam a coleta de dados; cuja pergunta foi “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, quantas vezes você andou em carro ou outro veículo motorizado dirigido por alguém que tinha consumido bebida alcoólica?”.

Todas essas variáveis foram consideradas no estudo descritivo de 2015, porém, com relação ao estudo de tendência, apenas as variáveis “dirigir veículo motorizado de transporte” e andar em carro ou outro veículo motorizado dirigido por alguém que havia consumido álcool” foram consideradas em função de manter a comparabilidade ao longo dos anos de edição da pesquisa.

No plano de análise dos dados, considerou-se a priori a descrição de fatores de risco para acidentes de trânsito, em estudantes do nono ano de escolas públicas e privadas do inquérito de 2015, por sexo e esfera administrativa da escola. Em seguida, foram estimadas as prevalências, com respectivos IC95%, dos indicadores de risco para acidente de trânsito para o total dos adolescentes, no geral e por regiões. Por fim, foi avaliada a tendência dos indicadores comparáveis para cada período do inquérito através de testes de regressão ajustados por idade. A análise dos dados foi realizada no software STATA versão 14.0, utilizando pesos amostrais considerando a amostragem complexa do estudo.

RESULTADOS

Este estudo incluiu 60.973 escolares que estavam frequentando o nono ano de escolas públicas e privadas nas capitais brasileiras em 2009, 61.145 no ano de 2012 e 51.192 em 2015. Desses, 51,4% eram do sexo feminino, a média de idade foi de 14,2 anos e a maioria estava frequentando escolas públicas (75,5%) (dados não apresentados em tabelas).

Fez-se, inicialmente, a descrição dos fatores de risco para a ocorrência de acidentes de trânsito, visando traçar o perfil em 2015. Com relação ao uso de cinto de segurança, no Brasil, aproximadamente 20% dos estudantes relataram não ter usado esse equipamento de proteção no banco da frente. A análise por sexo demonstra a maior prevalência de não uso do cinto no banco da frente entre meninas (21,4%) e em escolas públicas, com 20,8% contra 14,3% em escolas privadas (Tabela 1). Com relação ao não uso do cinto de segurança no banco de trás, as prevalências foram maiores do que o uso na frente. No Brasil, aproximadamente 30% dos estudantes relataram não ter usado cinto de segurança no banco de trás, variando de 33,0% entre meninas a 28,3% em meninos. Quanto ao tipo de escola, a maior prevalência foi em escolas privadas, 36,1%, contra 29,7% em escolas públicas, perfil inverso ao observado na variável descrita anteriormente (Tabela 1).

Tabela 1.
Indicadores de segurança no trânsito em escolares do nono ano do ensino fundamental, segundo sexo e tipo de escola. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015.

A Tabela 1 apresenta ainda os dados do uso de capacete. No Brasil, 83,2% dos estudantes relataram o uso desse equipamento de proteção, sendo 84,9% dos meninos e 81,5% das meninas. Quanto ao tipo de escola, a maior prevalência foi em escolas públicas, com 83,4%, contra 81,8% em escolas privadas.

No Brasil, 32,4% dos estudantes relataram já terem conduzido veículo motorizado, sendo as prevalências muito maiores entre meninos (45,2%) do que entre meninas (20,3%). Entre estudantes de escolas públicas, 33,9% já conduziram veículo, enquanto nas escolas particulares, 23,6% (Tabela 1).

Em relação aos estudantes que relataram já terem andado em veículos motorizados cujo condutor ingeriu bebida alcoólica, a prevalência no Brasil foi de 26,3%. As proporções segundo sexo variam de 27,4% no sexo masculino a 25,2% no sexo feminino. Quanto ao tipo de escola, a prevalência em escolas particulares foi de 26,9% e em escolas públicas, de 26,2% (Tabela 1).

Com relação à tendência, comparando as edições da PeNSE de 2009, 2012 e 2015, considerou-se dois indicadores de risco, por manter a comparabilidade nas três edições do inquérito. Houve uma tendência de aumento desses indicadores para acidentes de trânsito. A prevalência de adolescentes que dirigiu veículo motorizado aumentou de 18,5% em 2009, para 24,8% em 2015 (variação média 1,0 pontos percentuais - p.p.), sendo que os percentuais são maiores nos adolescentes do sexo masculino (36,0% para meninos e 14,1% para meninas, em 2015) e nos estudantes de escolas públicas (26,7% para escolas públicas e 19,7% para privadas, em 2015). Além disso, a variação média para direção de veículo motorizado também foi maior nestas categorias: sexo masculino (1,1 p.p.) e de escolas públicas (1,3 p.p.) (Tabela 2).

Tabela 2.
Tendência de fatores de risco para acidentes de trânsito em escolares do nono ano do ensino fundamental nas capitais brasileiras, segundo sexo e tipo de escola. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2009, 2012 e 2015.

Com relação a andar em veículo motorizado dirigido por alguém que consumiu bebida alcoólica, também houve um aumento das prevalências, de 18,7% em 2009 para 25,4% em 2015 (variação média anual de 1,1 p.p.). A tendência foi positiva para ambos os sexos e tipo de escola, sendo que foi maior para meninas (variação média anual de 1,2 p.p.) e para alunos de escolas públicas (variação média anual de 1,3 p.p.) (Tabela 2).

Na Tabela 3 são apresentadas as prevalências e a variação média dos indicadores de risco para acidentes de trânsito por capitais. Quanto ao indicador de direção de veículo motorizado, a maioria das capitais teve tendência de aumento estatisticamente significativo, com exceção de Vitória, Curitiba e Florianópolis, que apresentaram tendências negativas. As capitais com maiores prevalências de direção de veículo motorizado em 2015 foram Boa Vista (38,8%), Teresina (34,4%) e Porto Velho (31,3%) e as com maiores variações médias foram Manaus, Teresina, João Pessoa e Maceió, com 1,9 p.p. cada (Tabela 3).

Tabela 3.
Fatores de risco para acidentes de trânsito em escolares do nono ano do ensino fundamental nas capitais brasileiras. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2009, 2012 e 2015.

Para o indicador “andar em veículo motorizado dirigido por alguém que consumiu bebida alcoólica”, também se observou tendência de aumento na maioria das capitais, com exceção de Natal e Vitória, onde essa mudança não foi significativa estatisticamente. Para esse indicador, as capitais com maiores prevalências em 2015 foram Cuiabá (33%), Goiânia (31,2%) e Distrito Federal (31%) e as com maiores variações médias foram Cuiabá, com 1,8 p.p., e Distrito Federal, com 1,6 p.p. (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Em 2015, um quarto dos escolares do nono ano, na maioria entre 13 e 15 anos, relatou ter sido conduzido em veículo motorizado dirigido por alguém que consumiu bebida alcoólica; quase um terço relatou conduzir veículo motorizado; um terço dos adolescentes não usou cinto de segurança no banco de trás; e um quinto dos escolares usuários de motocicletas não usou capacetes. Observou-se, ainda, piora das tendências dos indicadores entre 2009 e 2015, referentes a “dirigir veículo motorizado” e “ter sido conduzido em veículo motorizado dirigido por alguém que consumiu bebida alcoólica”.

A PeNSE constitui a pesquisa mais importante do país no monitoramento dos fatores de risco em escolares, e a piora dos indicadores referentes ao trânsito merece destaque por indicar aumento de risco na ocorrência de acidentes com lesões graves e mortes. Ao considerar que os acidentes de trânsito são a segunda causa de mortalidade nessa faixa etária (12,3%), perdendo apenas para a violência (39,6%)44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde/CGIAE. Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM [Internet]. [citado 29 set. 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/ext10uf.def
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, e são responsáveis por uma grande carga de anos de vida perdidos ajustados por morte ou incapacidade (DALY), segundo estudo recente do Carga Global de Doenças1616. Duarte EC, Garcia LP. Motoristas adolescentes no Brasil: prevalência e fatores associados estimados a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014; 17(Supl. 1): 3-16. http://dx.doi.org/10.1590/1809-4503201400050002
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, o problema ganha relevância ainda maior.

Destaca-se que foi relatada, por 18,5% dos adolescentes, a direção de veículo motorizado, sendo que a maioria dos entrevistados tem entre 13 e 15 anos de idade, fato preocupante, já que no Brasil, apenas aos 18 anos o cidadão é considerado apto a obter a habilitação de motorista. Apesar da escassez de estudos sobre o tema, a condução de veículo sem habilitação pressupõe um risco aumentado, visto que o indivíduo não possui a qualificação técnica atestada pelo órgão competente, que é precedida de aspectos educacionais teóricos e práticos, e dependendo da idade, também se tem o aspecto físico inadequado, como menor altura e peso, aumentando o risco de acidentes. Os dados do SIM de 2015 evidenciaram, de forma contundente, os resultados desse risco, ao apontar que do total de óbitos por ATT (1.635 óbitos) em escolares de 13 a 17 anos, 257 (15,7%) eram de condutores adolescentes e, portanto, sem habilitação. Destaca-se ainda que, desse total, o maior percentual de óbitos de adolescentes condutores sem habilitação foi em motociclistas (85,6%; 220 óbitos)44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde/CGIAE. Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM [Internet]. [citado 29 set. 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/ext10uf.def
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.

Em 2015, entre os escolares ocorreram 655 óbitos de ocupantes de motocicletas, resultando em 40,1% do total de óbitos por ATT nesse grupo44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde/CGIAE. Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM [Internet]. [citado 29 set. 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/ext10uf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
. As motocicletas são consideradas uma das formas mais perigosas de transporte motorizado devido ao pequeno tamanho e à exposição direta ao impacto, o que torna seus ocupantes mais vulneráveis a traumas múltiplos e de maior gravidade22. Mascarenhas MDM, Souto RMCV, Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Montenegro MMS. Características de motociclistas envolvidos em acidentes de transporte atendidos em serviços públicos de urgência e emergência. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(12): 3661-71. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.24332016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
,1717. Ladeira RM, Malta DC, Morais Neto OL, Montenegro MMS, Soares Filho AM, Vasconcelos CH, et al. Acidentes de transporte terrestre: estudo Carga Global de Doenças, Brasil e unidades federadas, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017; 20(Supl. 1):157-70. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201700050013
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720170...
,1818. Golias ARC, Caetano R. Acidentes entre motocicletas: análise dos casos ocorridos no estado do Paraná entre julho de 2010 e junho de 2011. Ciênc Saúde Coletiva. 2013; 18(5): 1235-46. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500008
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. Os acidentes em motocicletas resultam em um risco de morte 30 vezes maior, quando comparados a ocupantes de outros tipos de veículos motorizados1919. Keall MD, Newstead S. Analysis of factors that increase motorcycle rider risk compared to car driver risk. Accid Anal Prev. 2012; 49: 23-9. https://doi.org/10.1016/j.aap.2011.07.001
https://doi.org/10.1016/j.aap.2011.07.00...
,2020. National Highway Transportation Safety Administration. Traffic Safety Facts 2010 Data: Motorcycles (Report No. DOT HS 811 639) [Internet]. Washington, D.C.: National Center for Statistics and Analysis; 2012 [citado 20 mar. 2015]. Disponível em: http://www-nrd.nhtsa.dot.gov/Pubs/811639.pdf
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.

Duarte et al. observam que os fatores associados à direção precoce em adolescentes foram: idade (mais velhos); sexo masculino; maior escolaridade da mãe; estudar em escola no interior; consumir bebida alcoólica; não aderir ao uso do cinto de segurança; e residir em domicílio com menor número de moradores, nas regiões nordeste e norte, com alguém que possui automóvel e/ou motocicleta1616. Duarte EC, Garcia LP. Motoristas adolescentes no Brasil: prevalência e fatores associados estimados a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014; 17(Supl. 1): 3-16. http://dx.doi.org/10.1590/1809-4503201400050002
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.

Outro indicador que aumenta a vulnerabilidade aos ATT consiste no adolescente ser conduzido por motorista que ingeriu álcool. O álcool afeta a capacidade de reflexos do condutor e aumenta as escolhas de risco, como transgressão à legislação de trânsito. As concentrações elevadas de álcool no sangue produzem diversas alterações neuromotoras, desde diminuição da atenção, falsa percepção da velocidade, euforia e dificuldade de discernir luminosidades, até sonolência e redução da visão periférica88. Organização Mundial da Saúde. Beber e dirigir: manual de segurança viária para profissionais de trânsito e de saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2007.. Por isso, a associação do álcool e direção torna-se uma importante causa específica de morte entre as vítimas de acidentes de trânsito2121. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(12): 3777-86. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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. No Brasil, segundo resultados da pesquisa do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2015, a frequência de adultos que referiram conduzir veículos motorizados após consumo de bebida alcoólica variou de 3 a 14% nas capitais brasileiras, predominando em Palmas, Florianópolis, Goiânia, Distrito Federal e Teresina2222. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras: caracterização, tendências e custos para a sociedade - relatório de pesquisa. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2015.. Na PeNSE, essa prática foi mais comum na região centro-oeste do país. No Brasil, estudos mostram que entre 30 e 40% das vítimas fatais de acidentes de trânsito haviam consumido álcool99. Organização Pan-Americana da Saúde. Gestão da velocidade: um manual de segurança viária para gestores e profissionais da área. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012.,2323. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico-VIGITEL. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

Cerca de um quinto dos escolares relatou o não uso de capacete, que é um equipamento eficaz na redução de lesões graves em decorrência dos eventos do trânsito2424. Modelli MES, Pratesi R, Tauil PL. Alcoolemia em vítimas fatais de acidentes de trânsito no Distrito Federal, Brasil. Rev Saúde Pública. 2008; 42(2): 350-2.. Esse dado alarmante se assemelha com os resultados do Viva Inquérito 2014, ao apontar que 20,9% dos motociclistas atendidos nos serviços de urgência e emergência estavam sem capacete, sendo que menores frequências de uso de capacetes ocorreram nas capitais do Nordeste e Norte22. Mascarenhas MDM, Souto RMCV, Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Montenegro MMS. Características de motociclistas envolvidos em acidentes de transporte atendidos em serviços públicos de urgência e emergência. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(12): 3661-71. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.24332016
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. A Pesquisa Nacional de Saúde também aponta menor frequência de uso de capacetes e maior prevalência de acidentes com lesões e mortes nessas localidades1313. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RT, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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,2525. Freitas EAM, Mendes ID, Oliveira LCM. Ingestão alcoólica em vítimas de causas externas atendidas em um hospital geral universitário. Rev Saúde Pública. 2008; 42(5): 813-21. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000500005
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O uso de capacete é fundamental para a proteção dos ocupantes2525. Freitas EAM, Mendes ID, Oliveira LCM. Ingestão alcoólica em vítimas de causas externas atendidas em um hospital geral universitário. Rev Saúde Pública. 2008; 42(5): 813-21. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000500005
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,2626. World Health Organization. World report on road traffic injury prevention. Genebra: World Health Organization; 2004.. Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que usar capacete corretamente reduz em até 40% o risco de morte e em até 70% as chances de sofrer ferimentos graves na cabeça2020. National Highway Transportation Safety Administration. Traffic Safety Facts 2010 Data: Motorcycles (Report No. DOT HS 811 639) [Internet]. Washington, D.C.: National Center for Statistics and Analysis; 2012 [citado 20 mar. 2015]. Disponível em: http://www-nrd.nhtsa.dot.gov/Pubs/811639.pdf
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,2727. Instituto Nacional de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, Brasil Grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

A análise revelou o crescimento do não uso de cinto de segurança entre adolescentes. Inúmeras evidências demonstram os benefícios desse uso na redução de lesões graves e mortes no trânsito sendo, portanto, recomendado em todas as situações33. World Health Organization. Global status report on road safety 2015. Geneva: World Health Organization; 2015.,2828. Organização Mundial da Saúde. Capacetes: manual de segurança no trânsito para os gestores e profissionais de saúde. Brasília: Organização Mundial da Saúde; 2007.. Não usaram cinto de segurança no banco da frente 19,7% dos escolares, e a frequência foi ainda mais elevada no banco de trás (30,7%). Esses resultados também foram encontrados na PNAD 2008, o que mostrou a importância de avançar em estratégias educativas sobre o uso do cinto traseiro1010. Montenegro MMS, Bahia CA. Acidentes de transporte envolvendo motociclistas: um panorama da situação da morbidade hospitalar e mortalidade do Brasil. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 375-93.. A ausência do cinto no momento do acidente de trânsito resulta em maior susceptibilidade à ocorrência de sérios riscos de lesões graves e morte, além de fraturas de face nos passageiros de trás, principalmente por serem projetados para fora do veículo2828. Organização Mundial da Saúde. Capacetes: manual de segurança no trânsito para os gestores e profissionais de saúde. Brasília: Organização Mundial da Saúde; 2007..

Crianças e adolescentes são importantes na estratégia de convencer a família a utilizar o cinto. Assim, estes resultados devem ser utilizados por educadores e profissionais de saúde e de outros setores para ampliar as estratégias educativas junto a esse público. O não uso do cinto, nessa faixa etária, pode gerar um ciclo contínuo de baixa adesão a esse hábito de proteção e os pais têm grande responsabilidade nesse comportamento dos filhos1010. Montenegro MMS, Bahia CA. Acidentes de transporte envolvendo motociclistas: um panorama da situação da morbidade hospitalar e mortalidade do Brasil. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 375-93..

Ressalta-se o fato dos piores desempenhos nos indicadores serem mais frequentes entre meninos, o que já vem sendo apontado por autores como uma questão de gênero2929. Fonseca ASF, Goldenberg D, Alonso N, Bastos E, Stocchero G, Ferreira MC. Seating position, seat belt wearing, and the consequences in facial fractures in car occupants. Clinics. 2007; 62(3): 289-94. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-59322007000300013
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, conforme corroborado por vários estudos3030. Waksman RD, Pirito RM. O pediatra e a segurança no trânsito. J Pediatr. 2005; 81(5 Supl.): S181-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572005000700008
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,3131. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2005; 10(1): 59-70. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000100012
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. Homens frequentemente se expõem mais a eventos violentos e consequentemente têm sobremortalidade por causas externas, o que resulta em maior DALY1616. Duarte EC, Garcia LP. Motoristas adolescentes no Brasil: prevalência e fatores associados estimados a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014; 17(Supl. 1): 3-16. http://dx.doi.org/10.1590/1809-4503201400050002
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.

A análise de tendência quanto aos indicadores “dirigir veículo motorizado” e “ter sido conduzido em veículo motorizado dirigido por alguém que consumiu bebida alcoólica” revela uma situação preocupante, que coloca a vida dos escolares em risco. Esses achados reforçam a necessidade de se investir cada vez mais em fiscalização de caráter contínuo, práticas educativas e com envolvimento da comunidade, para que se reproduza uma consciência sobre os riscos e a reflexão de pais sobre suas responsabilidades, visando uma mudança de atitude e comportamento.

O risco aumentado da associação de álcool e direção fez com que o Brasil adotasse uma das legislações mais rígidas do mundo com relação à tolerância ao álcool. O principal marco legal foi a criação da Lei Seca de 2008, que em 2013 se tornou ainda mais rígida, determinando tolerância zero para o nível de álcool no organismo, ou seja, a multa é aplicada aos condutores flagrados dirigindo com qualquer quantidade de álcool no organismo. Além disso, a associação de álcool e direção é considerada estratégia prioritária do Programa Vida no Trânsito (PVT), principal programa de prevenção dos mortes e lesões no trânsito no Brasil2121. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(12): 3777-86. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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A principal limitação do estudo refere-se à metodologia que utiliza instrumento autoinformado, podendo não captar todas as situações. O estudo coletou informações entre os escolares, o que exclui adolescentes que não estão matriculados na escola.

CONCLUSÃO

As lesões no trânsito são a segunda maior causa de morte entre escolares, e os fatores de risco apontados aqui indicam que os adolescentes têm desconsiderado práticas seguras no trânsito. O tema representa um desafio para a sociedade, tendo sido incluído nas metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A PeNSE mostrou piora na maioria dos indicadores referentes aos fatores de risco para ocorrência de acidentes do trânsito em escolares, especialmente quanto ao uso de equipamentos de proteção (cinto de segurança e capacete), além de se submeterem a situações de risco como dirigir veículos motorizados e ser guiado por motoristas que fizeram uso de álcool. Considera-se que essas análises epidemiológicas contribuem para orientar políticas de promoção junto a essa população, uma vez que apontam maior vulnerabilidade dos adolescentes com relação ao trânsito.

O fortalecimento da Política Nacional de Mobilidade Urbana e da Política de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, bem como o Programa Saúde na Escola e o Programa Vida no Trânsito constituem importantes prioridades de promoção da saúde. Destaca-se a importância dos municípios, escolas e comunidades, de uma maneira geral, utilizarem os resultados da PeNSE para transformar a realidade nos territórios, refletindo sobre os riscos inerentes às práticas mencionadas.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2017
  • Revisado
    12 Dez 2017
  • Aceito
    18 Dez 2017
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br