Violência contra a mulher e sua associação com o perfil do parceiro íntimo: estudo com usuárias da atenção primária

Franciéle Marabotti Costa Leite Mayara Alves Luis Maria Helena Costa Amorim Ethel Leonor Noia Maciel Denise Petrucci Gigante Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Verificar associação entre a história de violência contra a mulher e características sociodemográficas e comportamentais do parceiro íntimo.

Métodos:

Estudo transversal realizado com 938 mulheres usuárias da atenção básica de saúde, com idade entre 20 e 59 anos e que no momento da entrevista possuíam parceiro íntimo. Foram coletadas informações sobre as características sociodemográficas e comportamentais, do parceiro íntimo, bem como foi aplicado o instrumento World Health Organization Violence Against Woman (WHO VAW Study) para o rastreamento da violência psicológica, física e sexual vivenciada no último ano. Foi realizada análise bivariada, por meio do teste do c2 de Pearson, e multivariada usando regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

As maiores prevalências de violência psicológica, física e sexual estiveram significativamente associadas aos parceiros que não possuíam ocupação e que recusaram o uso do preservativo nas relações sexuais. Homens que foram considerados controladores e que ingeriam bebida alcoólica estiveram associados a maior perpetração de violência psicológica e física (p < 0,05). Parceiros com até 8 anos de escolaridade apresentam maior frequência de prática de violência psicológica (RP = 1,32; IC95% 1,05 - 1,66), enquanto a violência sexual foi significativamente maior entre as mulheres cujos parceiros fumavam (RP = 1,94; IC95% 1,11 - 3,38).

Conclusões:

Esses dados evidenciam a importância de os profissionais de saúde atuarem juntamente a outros setores, tais como educação e segurança, no enfrentamento ao álcool e outras drogas, bem como na abordagem das questões de gênero.

Palavras-chave:
Violência; Violência doméstica; Violência contra a mulher; Violência por parceiro íntimo; Maus-tratos conjugais

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é um fenômeno social complexo, associado a danos psicológico, moral e físico. Suas manifestações são modos de estabelecer uma relação de subordinação, culminando sempre em circunstâncias de medo, isolamento, dependência e intimidação para a mulher. É entendida como uma ação que abarca o uso da força real ou simbólica, por parte de alguém, com a intenção de dominar o corpo e a mente à vontade e liberdade de outrem11. Bandeira LM. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Soc Estado 2014; 29(2): 449-69. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922014000200008
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A desigualdade de poder nas relações é a questão central do fenômeno da violência. A opressão é uma forma de exercer o poder patriarcal dominante e, ao mesmo tempo, perpetuar as iniquidades de poder expressas nas relações desiguais de gênero22. Lucena KDT, Deininger LSC, Coelho HFC, Monteiro ACC, Vianna RPT, Nascimento JA. Analysis of the cycle of domestic violence against women. J Hum Growth Dev 2016; 26(2): 139-46. http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119238
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. Vale ressaltar que a violência contra a mulher tem sido cometida indiscriminadamente, sobretudo no ambiente familiar, cuja invisibilidade é favorecida pela ocorrência no próprio espaço privado33. Albuquerque Netto L, Moura MAV, Queiroz ABA, Leite FMC, Silva GF. Isolation of women in situation of violence by intimate partner: a social network condition. Esc Anna Nery 2017; 21(1): 1-8. http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20170007
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. O parceiro íntimo destaca-se como um dos principais perpetradores. Nesse contexto, a mulher vivencia relacionamentos pautados em comportamentos agressivos, por parte do companheiro, que culminam em dano físico, sexual ou psicológico, podendo ainda vir acompanhados de comportamentos controladores44. World Health Organization. Responding to intimate partner violence and sexual violence against women: WHO clinical and policy guidelines. Genebra: WHO; 2013..

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 35% das mulheres no mundo já sofreram violência física e/ou sexual perpetrada por parceiro íntimo55. World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Genebra: WHO; 2013.. No Brasil, estudo de base populacional mostrou que 43% das brasileiras declararam ter sofrido violência praticada por um homem na vida; um terço admitiu ter sofrido alguma forma de violência física, 13% sexual e 27% psicológica66. Venturi G, Recamán M, Oliveira S, editores. A mulher brasileira nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004.. Estudo realizado em Vitória, Espírito Santo, mostrou que no ano anterior à entrevista, 1 em cada 10 mulheres havia vivenciado situações de violência física praticada pelo companheiro77. Leite FMC, Amorim MHC, Wehrmeister FC, Gigante DP. Violência contra a mulher em Vitória, Espírito Santo, Brasil. Rev Saúde Pública 2017; 51: 33. http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006815
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É importante destacar que a literatura evidencia a maior ocorrência de violência entre mulheres cujos parceiros estão desempregados, possuem baixa escolaridade, são usuários de álcool e drogas e testemunharam a violência na família88. Silva ACLG, Coelho EBS, Moretti-Pires RO. O que se sabe sobre o homem autor de violência contra a parceira íntima: uma revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica 2014; 35(4): 278-83.. Somando-se a isso, nota-se que as crises de ciúmes têm aparecido como causa de violência contra a mulher, tornando claro o quanto as questões culturais e de gênero estão associadas à perpetração desse agravo99. Silva ACLG, Coelho EBS, Njaine K. Conjugal violence: controversies in the reports of intimate partners in police investigations. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(4): 1255-62. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014194.01202013
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Desse modo, considerando a magnitude da violência contra a mulher, e que o parceiro íntimo constitui um dos principais agressores, o estudo das características daqueles que praticam a violência constitui uma importante ferramenta que contribuirá para a elaboração de estratégias para o enfretamento da violência, com foco nas ações preventivas. Diante do exposto, este estudo teve por objetivo verificar a associação entre a história de violência contra a mulher e características sociodemográficas e comportamentais do parceiro íntimo.

MÉTODO

Estudo transversal realizado entre março e setembro de 2014, em 26 unidades de saúde, no município de Vitória, Espírito Santo. Foram utilizados os dados de mulheres, com idade entre 20 e 59 anos que no momento da coleta possuíam parceiro íntimo. Foi definido como parceiro íntimo o companheiro, ou ex-companheiro, independente de união formal e namorados atuais, desde que mantendo relações sexuais.

Este estudo faz parte de uma pesquisa maior,77. Leite FMC, Amorim MHC, Wehrmeister FC, Gigante DP. Violência contra a mulher em Vitória, Espírito Santo, Brasil. Rev Saúde Pública 2017; 51: 33. http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006815
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na qual para o cálculo do tamanho da amostra considerou-se um nível de 95% de confiança, poder de 80% e razão exposto/não exposto de 1:1. Foram acrescidos 10% para possíveis perdas e 30% para análises ajustadas, totalizando uma amostra de 998 participantes. Para o presente estudo, optou-se por trabalhar somente com os dados de mulheres que no momento da entrevista apresentavam parceiro íntimo, constituindo-se assim 938 participantes.

Durante a coleta de dados foram aplicados dois formulários. O primeiro foi elaborado para identificar as variáveis independentes do estudo, ou seja, as características sociodemográficas e comportamentais do parceiro. Como variáveis sociodemográficas, as mulheres foram questionadas quanto a: idade do parceiro (em anos completos e categorizada em até 40 anos ou acima de 40 anos); raça/cor (branca, negra ou parda); escolaridade (em anos completos de estudo e categorizada em até 8 anos ou mais de 8 anos de estudo); e se o parceiro apresentava ocupação remunerada (sim ou não). No que tange às variáveis comportamentais do companheiro, o formulário apresentava como questões: uso atual de drogas ilícitas (sim ou não); fuma pelo menos um cigarro por dia (sim ou não); uso atual de álcool (sim ou não); parceiro é do tipo controlador (sim ou não); parceiro é ciumento (sim ou não) e se o parceiro alguma vez durante as relações sexuais se recusou a usar preservativo (sim ou não).

Para a identificação dos desfechos em estudo, as violências psicológica, física e sexual praticadas pelo parceiro íntimo contra a mulher nos últimos 12 meses, foi aplicado à mulher o instrumento da OMS chamado World Health Organization Violence Against Woman (WHO VAW STUDY), que tem 13 questões e é capaz de discernir as formas de violências, nos diferentes contextos sociais. Esse instrumento possui elevada consistência interna, apresentada pelos coeficientes de Cronbach (média de 0,88)1010. Schraiber LB, Latorre MRDO, França Jr. I, Segri NJ, D’Oliveira AFPL. Validity of the WHO VAW study instrument for estimating gender-based violence against women. Rev Saúde Pública 2010; 44(4): 1-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000400009
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. Vale mencionar que a entrevista foi realizada individualmente, por entrevistadoras treinadas e somente após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados produzidos foram analisados usando o pacote estatístico STATA 13.0. Nas análises bivariadas foi utilizado o teste do c2 de Pearson. A análise multivariável para investigar as associações de possíveis fatores de confusão com a exposição e o desfecho foi realizada através da regressão de Poisson com variância robusta. A entrada das variáveis no modelo ocorreu de forma hierárquica segundo os níveis: distal (idade, raça/cor, escolaridade e ocupação remunerada), intermediário (uso atual de drogas, fumo e uso de álcool), proximal (controlador, ciumento e recusa ao uso do preservativo durante as relações sexuais)1111. Organização Mundial de Saúde. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. São Paulo: OMS; 2012.. A entrada, segundo o modelo hierárquico, ocorreu se valor p < 0,20, através da seleção para trás, e permanência no modelo se p < 0,05. Como medida de efeito utilizou-se razão de prevalência.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), parecer nº 470.744.

RESULTADOS

Dentre as 938 estudadas, nota-se que em sua maioria os parceiros tinham idade inferior a 40 anos (52,4%), cerca de 40,0% eram pardos, 66,1% tinham mais de 8 anos de estudo e quase 87,0% possuíam ocupação. Quanto ao perfil comportamental, segundo as entrevistadas, 6,3% dos parceiros usavam drogas ilícitas e aproximadamente 19,0% fumavam. A ingestão de bebida alcoólica foi relatada por 57,8%. Para as mulheres, 53,0% dos seus parceiros eram ciumentos e 48,2%, controladores. Quanto ao uso de preservativos 24,0% já haviam recusado usá-lo durante as relações sexuais (Tabela 1).

Tabela 1.
Características do parceiro íntimo. Vitória, Espírito Santo, 2014 (n = 938).

Nos últimos 12 meses, as violências psicológica - com prevalência (P) de 24,8% e intervalo de confiança de 95% (IC95%) 22,2 - 27,7 - , sexual (P = 5,33%; IC95% 4,1 - 7,0) e física (P = 9,28%; IC95% 7,6 - 11,3) estiveram presentes entre as participantes do estudo (dados não apresentado em tabela). Nota-se, na Tabela 2, que a vivência de violência psicológica e física foi mais prevalente entre mulheres cujos parceiros tinham até oito anos de estudo, não tinham ocupação, faziam uso de drogas, fumavam, ingeriam bebida alcoólica, eram considerados pela mulher ciumentos ou controladores e tinham histórico de recusa ao uso de preservativo durante as relações sexuais (p < 0,05). Em relação à violência sexual, essa foi mais frequente entre aquelas cujos parceiros tinham mais de 40 anos, não apresentavam ocupação, fumavam e recusaram o preservativo (p < 0,05).

Tabela 2.
Prevalência das violências de acordo com características do parceiro.

A Tabela 3 apresenta as razões de prevalência brutas e ajustadas dos efeitos das variáveis sociodemográficas e comportamentais do parceiro segundo a violência psicológica vivenciada nos últimos 12 meses. Após o ajuste, nota-se que esse tipo de violência esteve associado a: escolaridade, ocupação, uso de drogas ilícitas, ingestão de bebida alcoólica, ser controlador e recusa do uso de preservativo (p < 0,05). Parceiros com até oito anos de escolaridade e sem ocupação praticavam com mais frequência a violência psicológica - com razão de prevalência (RP) de 1,32; IC95% 1,05 - 1,66; RP = 1,38, IC95% 1,04 - 1,83 - , respectivamente. O uso de drogas, ingestão de bebida alcoólica e recusa do uso de preservativo estão associados a um aumento de 69,0; 55,0 e 67,0%, respectivamente, na prevalência de vitimização psicológica. Além disso, ter um parceiro controlador esteve associado significativamente à ocorrência desse tipo de agravo (RP = 1,99; IC95% 1,50 - 2,62).

Tabela 3.
Análise bruta e ajustada dos efeitos das variáveis sobre violência psicológica.

Após o ajuste para os fatores de confusão, constata-se uma associação entre a violência física vivenciada pela mulher e as seguintes características do parceiro: ocupação, ingestão de bebida alcoólica, perfil controlador e recusa ao uso do preservativo nas relações sexuais. O parceiro não ter ocupação e ingerir bebida alcoólica representa um fator de risco (RP = 2,11; IC95% 1,34 - 3,12; RP = 1,61; IC95% 1,05 - 2,49, respectivamente). A prevalência de violência física é cerca de duas vezes maior entre mulheres cujos parceiros são controladores (p < 0,05). Já para aqueles que recusam o uso do preservativo nas relações sexuais, há um aumento de 67,0% na ocorrência da agressão física (Tabela 4).

Tabela 4.
Análise bruta e ajustada dos efeitos das variáveis sobre a violência física.

Na Tabela 5, verifica-se que mulheres cujo parceiro não apresentava ocupação tinham cerca de 2,0 vezes mais prevalência de vitimização sexual (RP = 1,94; IC95% 1,04 - 3,64). O fumo e a recusa do uso do preservativo nas relações sexuais estiveram associados a 1,94 e 2,18 vezes a ocorrência de violência sexual cometida parceiro (p < 0,05), respectivamente.

Tabela 5.
Análise bruta e ajustada dos efeitos das variáveis sobre a violência sexual.

DISCUSSÃO

No presente estudo é possível afirmar que a maioria dos parceiros apresenta como características: idade inferior a 40 anos, cor parda, mais do que 8 anos de estudo, possuía ocupação remunerada, não usava drogas ou cigarro, ingeria bebida alcoólica, era ciumento, porém não controlador e não recusou o uso de preservativo nas relações sexuais.

Vale mencionar algumas características dos homens aqui apresentadas que se assemelham ao encontrado em estudo feito em unidades de saúde do Rio Grande do Norte, onde se evidenciou que os usuários apresentavam idade média de 40 anos, a maioria era de cor parda, ingeria bebida alcoólica e não fazia uso de cigarro1212. Santiago FP, Souza PRF, Machado FCA, Fernandes ERL. Perfil de homens na atenção primária à saúde. HOLOS 2015; 5: 430-9. http://dx.doi.org/10.15628/holos.2015.3214
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. Somando-se a isso, inquérito domiciliar realizado no ano de 2013 com adultos residentes em Maringá, Paraná, mostrou que grande parte dos homens estudados tinha mais de oito anos de escolaridade e possuía trabalho1313. Arruda GO, Mathias TAF, Marcon SS. Prevalência e fatores associados à utilização de serviços públicos de saúde por homens adultos. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(1): 279-90. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.20532015
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No que diz respeito às associações em estudo, verificou-se maior prevalência da ocorrência de violência psicológica praticada pelo parceiro íntimo entre mulheres cujos companheiros tinham menor escolaridade. Esse resultado vai ao encontro de pesquisa realizada com mulheres vítimas de violência que denunciaram a agressão, que mostrou que os agressores apresentavam baixa escolaridade1414. Leite FMC, Bravim LR, Lima EFA, Primo CC. Violência contra a mulher: caracterizando a vítima, a agressão e o autor. Rev Pesq Cuid Fundam 2015; 7(1): 2181-91. http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2015.v7i1.2181-2191
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. Em consonância, pesquisa feita no período de outubro e novembro de 2003, com 251 usuárias de uma unidade básica de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, constatou que homens com baixa escolaridade perpetraram mais violência psicológica e física1515. Kronbauer JFD, Meneghel SN. Profile of gender violence by intimate partners. Rev Saúde Pública 2005; 39(5): 1-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102005000500001
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. Somando-se a isso, inquérito domiciliar realizado em Gana em 2008 constatou que mulheres cujos companheiros apresentavam maior escolaridade tinham 45% menos risco de sofrerem violência1616. Adjah ESO, Agbemafle I. Determinants of domestic violence against women in Ghana. BMC Public Health 2016; 16(1): 1-9. http://dx.doi.org/10.1186/s12889-016-3041-x
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Outro achado de grande relevância foi a associação dos três tipos de violência com a variável ocupação. O parceiro íntimo não possuir ocupação aumentou a prevalência de mulheres em situação de violência psicológica, física e sexual. Estudo sobre o perfil de violência de gênero refere que homens que não apresentam uma ocupação são mais susceptíveis a cometer violências1515. Kronbauer JFD, Meneghel SN. Profile of gender violence by intimate partners. Rev Saúde Pública 2005; 39(5): 1-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102005000500001
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Nesse contexto, observa-se uma maior vulnerabilidade à violência entre as mulheres das classes menos favorecidas. De tal forma que, por mais que esse evento se apresente em todas as classes sociais, o baixo nível de instrução do parceiro e a pobreza familiar podem predizer a sua ocorrência1717. Krug EG, Dalhberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. Informe mundial sobre la violencia y la salud. Genebra: OMS; 2003.. É possível que o estresse produzido pela pobreza possa gerar frustrações ao homem quanto à crença em seu papel social como provedor1818. Heise LL. Violence against women: an integrated, ecological framework. Rev Violence Against Women 1998; 4(3): 262-90. http://dx.doi.org/10.1177/1077801298004003002
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. Em contraponto, é importante ponderar que pessoas em situação de pobreza, por estarem em vulnerabilidade social, denunciam mais os casos de violência do que as pessoas economicamente privilegiadas, uma vez que essas tendem a ocultar o problema da sociedade1919. Dossi AP, Saliba O, Garbin CAS, Garbin AJI. Epidemiological profile of domestic violence: complaints of aggression filed in a city in São Paulo State, Brazil, from 2001 to 2005. Cad Saúde Pública 2008; 24(8): 1939-52. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800022
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O consumo de drogas pelo parceiro íntimo esteve associado à maior prevalência de violência. O uso de drogas ilícitas pelo companheiro está presente no contexto da violência doméstica, tornando a mulher ainda mais vulnerável às situações de violência nas relações conjugais e familiares2020. Vieira LB, Cortes LF, Padoin SMM, Souza IEO, Paula CC, Terra MG. Abuso de álcool e drogas e violência contra as mulheres: denúncias de vividos. Rev Bras Enferm 2014; 67(3): 366-72. http://dx.doi.org/10.5935/0034-7167.20140048
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. Estudo transversal realizado em cinco unidades de saúde de Ribeirão Preto, São Paulo, no ano de 2008, com 504 mulheres revelou que parceiros que faziam uso de drogas ilícitas cometiam pelo menos 3 vezes mais violência contra a mulher2121. Vieira EM, Perdona GSC, Santos MA. Factors associated with intimate partner physical violence among health service users. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 1-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000034
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. Do mesmo modo, estudo documental, realizado em uma delegacia especial da mulher, utilizando dados dos autos de prisão em flagrante de homens detidos por agressão à mulher, mostrou que o consumo de drogas pode influenciar o comportamento de resolução dos conflitos familiares e assim oferecer mais risco de violência2222. Madureira AB, Raimondo ML, Ferraz MIR, Marcovicz GV, Labronici LM, Mantovani MF. Profile of men who commit violence against women who are arrested in delicto flagrante: contributions to confronting the phenomenon. Esc Anna Nery 2014; 18(4): 600-6. http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20140085
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A ingestão de bebida alcóolica se mostrou associada à violência psicológica e física. Dados do I Levantamento Nacional sobre Padrões de Consumo de Álcool no Brasil mostrou que quatro em cada dez homens relataram a ingestão de bebida alcoólica durante episódio de violência2323. Zaleski M, Pinsky I, Laranjeira R, Ramisetty-Mikler S, Caetano R. Intimate partner violence and alcohol consumption. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 1-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000100006
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. Pesquisa em Ribeirão Preto com usuárias dos serviços de saúde, no ano de 2008, aponta que o risco de violência por parceiro íntimo aumenta em 59% quando o parceiro faz uso frequente de álcool2121. Vieira EM, Perdona GSC, Santos MA. Factors associated with intimate partner physical violence among health service users. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 1-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000034
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Esses achados tornam nítido que a violência contra a mulher está intimamente relacionada ao consumo de álcool. Desse modo, algumas ações na esfera dos serviços de saúde e de políticas públicas devem ser adotadas, além daquelas já existentes para combater especificamente a violência, como a Lei Maria da Penha, visando a que em nível primário de atenção à saúde se estabeleçam protocolos e instrumentos de rastreamento específicos, não apenas para vítimas de violência doméstica, mas também para pessoas dependentes de álcool e/ou sua parceira2323. Zaleski M, Pinsky I, Laranjeira R, Ramisetty-Mikler S, Caetano R. Intimate partner violence and alcohol consumption. Rev Saúde Pública 2010; 44(1): 1-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000100006
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Com relação à característica controladora do parceiro íntimo, estudo mostra que mulheres que consideravam seus parceiros controladores tinham 3,8 vezes mais chances de sofrer violência2121. Vieira EM, Perdona GSC, Santos MA. Factors associated with intimate partner physical violence among health service users. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 1-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000034
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. Em regiões vulneráveis do Distrito Federal, quando perguntadas sobre o comportamento controlador dos parceiros, 36,0% das mulheres afirmaram que seus companheiros procuravam impedir que elas visitassem ou vissem amigos, 22,0% restringiam o contato delas com familiares e 45,0% deles queriam saber onde elas estavam em todo momento. O comportamento controlador esteve associado à perpetração de violência física, sexual e psicológica2424. Moura LBA, Gandolfi L, Vasconcelos AMN, Pratesi R. Intimate partner violence against women in an economically vulnerable urban area, Central-West Brazil. Rev Saúde Pública 2009; 43(6): 944-53. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009005000069
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, assim como apresentado na presente pesquisa.

Quanto à recusa ao uso de preservativo durante as relações sexuais, essa tem sido associada a uma maior prevalência de violência física, sendo um fenômeno que se apresenta quando ocorre predominância do machismo nas relações, ou seja, relações desiguais, o que dificulta a negociação do uso da camisinha por parte das mulheres1515. Kronbauer JFD, Meneghel SN. Profile of gender violence by intimate partners. Rev Saúde Pública 2005; 39(5): 1-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102005000500001
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. Estudo realizado no Haiti evidenciou que a agressão contra mulheres, em caso de recusa em manter relação sexual, esteve associada ao menor uso de camisinha. Ainda nessa pesquisa, 44% dos homens HIV positivo não utilizaram camisinha durante a última vez que tiveram relação sexual2525. Conserve DF, Whembolua GL, Surkan PJ. Attitudes Toward Intimate Partner Violence and Associations With Condom Use Among Men in Haiti. J Interpers Violence 2014; 31(6): 989-1006. http://dx.doi.org/10.1177/0886260514564065
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. A prática da recusa ao uso do preservativo nas relações sexuais constitui um risco à ocorrência de infecções sexualmente transmissíveis (IST)2525. Conserve DF, Whembolua GL, Surkan PJ. Attitudes Toward Intimate Partner Violence and Associations With Condom Use Among Men in Haiti. J Interpers Violence 2014; 31(6): 989-1006. http://dx.doi.org/10.1177/0886260514564065
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O comportamento controlador do parceiro e a recusa do uso do preservativo remetem a refletir acerca das relações de desigualdade de gênero. Esses achados sugerem uma busca de restauração de poder ou de prevenção da perda desse poder em situações nas quais as atribuições masculinas e femininas estão se transformando, levando às relações conflituosas2626. Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, França-Junior I. Intimate partner sexual violence among men and women in urban Brazil, 2005. Rev Saúde Pública 2008; 42(Supl. 1): 1-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000800015
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. A violência praticada pelo companheiro contra a mulher imprime subordinação, dominação, desigualdade de privilégios, direitos e deveres, evidenciando a violência baseada no gênero2727. Borburema TLR, Pacheco AP, Nunes AA, Moré CLOO, Krenkel S. Violência contra mulher em contexto de vulnerabilidade social na Atenção Primária: registro de violência em prontuários. Rev Bras Med Fam Comunidade 2017; 12(39): 1-13. http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc12(39)1460
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Por fim, observa-se uma lacuna de produção científica sobre os homens perpetradores de violência contra as mulheres. Os dados aqui encontrados são de grande relevância para se entender melhor os aspectos que permeiam esse fenômeno, bem como para fornecer elementos para a elaboração de políticas de atenção e de prevenção. Nota-se a importância do setor saúde na promoção de ações voltadas à prevenção ao uso de drogas lícitas/ilícitas e ao incentivo à prática do uso de preservativo nas relações sexuais, com foco no empoderamento da mulher.

Acredita-se que tais atitudes contribuirão como estratégias de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher. Todavia, é importante destacar que esse enfrentamento exige uma articulação dos serviços de forma intersetorial, bem como a capacitação dos profissionais de modo que a mulher seja atendida de forma integral2828. Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, Souza SS, Erdmann AL, Gomes NP. Process of dealing with violence against women: intersectoral coordination and full attention. Saúde Soc 2014; 23(3): 778-86. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300004
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. Nessa perspectiva, o profissional de saúde deve compreender que o cuidado à mulheres em situação de violência vai além do rastreamento e tratamento, necessitando de escuta atenta e acolhimento adequado2727. Borburema TLR, Pacheco AP, Nunes AA, Moré CLOO, Krenkel S. Violência contra mulher em contexto de vulnerabilidade social na Atenção Primária: registro de violência em prontuários. Rev Bras Med Fam Comunidade 2017; 12(39): 1-13. http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc12(39)1460
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Em relação às limitações do presente estudo, primeiramente destaca-se o tipo de delineamento de pesquisa. Por ser um estudo transversal, não é possível determinar relações causais e temporais, mas sim, explorar as relações entre os desfechos e as variáveis em estudo, não avaliando fatores de risco e proteção. Todavia, vale referir que os achados evidenciados nesta pesquisa se assemelham a outros estudos, também de caráter transversal, e reforçam a necessidade de estudos dessa temática, do tipo longitudinais, que permitam estabelecer relações de temporalidade e possível causa.

Outra limitação que merece ser pontuada é a forma de obtenção das informações, considerando que os dados do parceiro foram obtidos através das mulheres entrevistadas e, caso elas não tenham referido exatamente o que seria apontado pelos homens, sugere-se que as medidas poderiam estar subestimadas. Por outro lado, mulheres que sofreram violência podem superestimar o sofrimento e, assim, também superestimar essas relações. Contudo, a metodologia adotada se assemelha a outros estudos dessa temática1414. Leite FMC, Bravim LR, Lima EFA, Primo CC. Violência contra a mulher: caracterizando a vítima, a agressão e o autor. Rev Pesq Cuid Fundam 2015; 7(1): 2181-91. http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2015.v7i1.2181-2191
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,2020. Vieira LB, Cortes LF, Padoin SMM, Souza IEO, Paula CC, Terra MG. Abuso de álcool e drogas e violência contra as mulheres: denúncias de vividos. Rev Bras Enferm 2014; 67(3): 366-72. http://dx.doi.org/10.5935/0034-7167.20140048
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CONCLUSÃO

Os resultados da associação entre a violência contra a mulher e as características sociodemográficas e comportamentais do parceiro íntimo mostram que certas características do parceiro íntimo, tais como as comportamentais, estão associadas a uma maior prevalência de situações de violências, sejam elas do tipo psicológica, física ou sexual.

Esses dados evidenciam a importância de os profissionais de saúde da atenção primária atuarem juntamente a outros setores como educação e segurança. Torna-se necessário o desenvolvimento de ações conjuntas no enfrentamento ao álcool e outras drogas, bem como na abordagem às questões de gênero, visando fortalecer e promover um maior empoderamento das mulheres, de modo que os homens compreendam, com respeito, a igualdade de direitos e os diferentes papéis da mulher na sociedade.

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  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES - Processo nº 60530812/12).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2018
  • Revisado
    22 Out 2018
  • Aceito
    01 Nov 2018
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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