Prezado editor,
Consideramos de grande valia a proposta do artigo “Anemia e fatores associados em mulheres de idade reprodutiva de um município do Nordeste brasileiro”11. Bezerra AGN, Leal VS, Lira PIC, Oliveira JS, Costa EC, Menezes RCE, et al. Anemia e fatores associados em mulheres de idade reprodutiva de um município do Nordeste brasileiro. Rev Bras Epidemiol 2018; 21: e180001. http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180001
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180... , que determina que a prevalência de anemia e seus fatores associados em mulheres em idade reprodutiva do município de Vitória de Santo Antão segue a tendência mundial dos países em desenvolvimento. O artigo sugere a adoção de medidas eficazes de prevenção e intervenção precoce e a definição de políticas e construção de ações programáticas com embasamento nos resultados encontrados.
Os dados elencados pelo artigo e sua comparação com outros trabalhos merecem algumas considerações, primeiro ao afirmar que os resultados encontrados são similares aos de países em desenvolvimento. Os dados elencados como referenciais para a prevalência da anemia no Brasil e no mundo são de mais de dez anos22. World Health Organization (WHO). Worldwide prevalence of anaemia 1993-2005: WHO global database on anaemia [Internet]. Genebra: WHO; 2008. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241596657_eng.pdf
http://whqlibdoc.who.int/publications/20... ,33. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS 2006): Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.. Dessa forma, acreditamos que a conclusão do artigo não se trata de uma afirmativa, e sim de uma possibilidade de que os dados sejam similares.
Além disso, alguns trabalhos elencados como base comparativa para a prevalência de anemia utilizam metodologias de coleta distintas44. Silva DC, Santos ACF, Magalhães RCSM, Silva LMMO, Melo TMTC, Alencar GCA. Anemia em mulheres universitárias e sua associação com o consumo de alimentos. Rev Enferm UFPE on line 2016; 10(Supl. 1): 284-8. http://dx.doi.org/10.5205/reuol.7901-80479-1-SP.1001sup201612
http://dx.doi.org/10.5205/reuol.7901-804... ,55. Beinner MA, Morais EAH, Lopes Filho JD, Jansen AK, Oliveira SR, Reis IA, et al. Fatores associados à anemia em adolescentes escolares do sexo feminino. Rev Baiana de Saúde Pública 2013; 37(2): 439-51. ou pontos de corte de hemoglobina/ferritina diferentes55. Beinner MA, Morais EAH, Lopes Filho JD, Jansen AK, Oliveira SR, Reis IA, et al. Fatores associados à anemia em adolescentes escolares do sexo feminino. Rev Baiana de Saúde Pública 2013; 37(2): 439-51., inviabilizando uma comparação direta com os resultados encontrados.
A questão metodológica também merece consideração. Estudos com representatividade populacional são de grande valia em qualquer temporalidade de delineamento epidemiológico. Suas principais implicações são a elucidação de relações causais ou condicionantes e também na tomada de decisão por meio de políticas públicas.
O estudo de Bezerra et al.11. Bezerra AGN, Leal VS, Lira PIC, Oliveira JS, Costa EC, Menezes RCE, et al. Anemia e fatores associados em mulheres de idade reprodutiva de um município do Nordeste brasileiro. Rev Bras Epidemiol 2018; 21: e180001. http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180001
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180... está dentro dessa situação referida anteriormente e, possivelmente, tem implicações consideráveis nas práticas de saúde pública. Contudo, é salutar destacar o não relato de suma importância da ponderação das unidades amostrais na análise descritiva e inferencial dos dados e, portanto, possível equívoco cometido que compromete o potencial de inferência dos achados.
Os autores expõem que se trata de desenho epidemiológico transversal com amostragem probabilística complexa, em que existem dois níveis de conglômeros sorteados aleatoriamente (setor censitário e domicílio) e o nível individual de seleção também por amostragem aleatória simples nos domicílios com mais de uma mulher. Tal estratégia de amostragem traz um efeito na construção das estimativas pontuais e intervalares na análise66. Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2008 [acessado em 10 ago. 2019]; 11(Supl. 1): 38-45. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500004
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008... .
Sabendo-se que a probabilidade de seleção dos domicílios, nos 10% dos setores censitários alocados, é diferente entre eles, pois os setores censitários podem ter espaços amostrais distintos, assim como a probabilidade das mulheres em idade fértil nos domicílios com mais de uma delas, cria uma amostra de participantes com pesos amostrais de representatividade distinta. Para exemplificar esse cenário, pode-se aventar uma situação de participante A selecionada em um domicílio com três mulheres em idade reprodutiva (33,3%) e o domicílio que compõe um setor censitário com 298 domicílios (0,33%), o que geraria uma probabilidade de seleção discrepante da participante B que tiver um espaço amostral no domicílio e/ou no setor censitário inferior ou superior ao daquela.
A implicação desses pesos amostrais diferentes recai sobre as prevalências de anemias e seus intervalos de confiança e, consequentemente, nos testes de hipóteses associativos realizados que, a rigor, consideram nos seus cálculos uma probabilidade igual de seleção dos participantes na elaboração das estimativas.
É importante também frisar que o uso de métodos multivariados de análise não consegue corrigir essas distorções de estimativas. É possível que os dados reais possam ser inferiores ou superiores aos apresentados, o que pode enviesar tomadas de decisões nas políticas públicas setoriais e intersetoriais ou inferências associativas equivocadas.
REFERÊNCIAS
- 1Bezerra AGN, Leal VS, Lira PIC, Oliveira JS, Costa EC, Menezes RCE, et al. Anemia e fatores associados em mulheres de idade reprodutiva de um município do Nordeste brasileiro. Rev Bras Epidemiol 2018; 21: e180001. http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180001
» http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180001 - 2World Health Organization (WHO). Worldwide prevalence of anaemia 1993-2005: WHO global database on anaemia [Internet]. Genebra: WHO; 2008. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241596657_eng.pdf
» http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241596657_eng.pdf - 3Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS 2006): Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
- 4Silva DC, Santos ACF, Magalhães RCSM, Silva LMMO, Melo TMTC, Alencar GCA. Anemia em mulheres universitárias e sua associação com o consumo de alimentos. Rev Enferm UFPE on line 2016; 10(Supl. 1): 284-8. http://dx.doi.org/10.5205/reuol.7901-80479-1-SP.1001sup201612
» http://dx.doi.org/10.5205/reuol.7901-80479-1-SP.1001sup201612 - 5Beinner MA, Morais EAH, Lopes Filho JD, Jansen AK, Oliveira SR, Reis IA, et al. Fatores associados à anemia em adolescentes escolares do sexo feminino. Rev Baiana de Saúde Pública 2013; 37(2): 439-51.
- 6Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2008 [acessado em 10 ago. 2019]; 11(Supl. 1): 38-45. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500004
» http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500004
- Fonte de financiamento: nenhuma.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
05 Dez 2019 - Data do Fascículo
2019
Histórico
- Recebido
16 Ago 2019 - Aceito
19 Ago 2019