HIV/aids, hepatites virais e outras IST no Brasil: tendências epidemiológicas

Gerson Fernando Mendes Pereira Maria Cristina Pimenta Silvana Pereira Giozza Alessandro Ricardo Caruso Francisco Inácio Bastos Mark Drew Crosland Guimarães Sobre os autores

No Brasil e no mundo, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) persiste, apresentando crescimento no número de pessoas infectadas. Estimativas do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) indicam que havia cerca de 44 milhões de pessoas infectadas pelo HIV no mundo em 201711 Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Miles-to-go: closing the gaps, breaking barriers, righting injustices: Global AIDS update 2018. Geneva; 2018 [cited 2019 Jul 5]. Available from: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/miles-to-go_en.pdf
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No Brasil, de 2007 a 2017, foram notificados ao Ministério da Saúde 230.547 casos de infecção pelo HIV, enquanto em 2017 houve 42.420 novos casos de HIV e 37.791 casos de aids, com uma taxa de detecção de 18,3 por 100 mil habitantes. O país registrou, nos últimos cinco anos, uma média de 40 mil novos casos de aids, dos quais cerca de 67% são em homens e 33% em mulheres. Estima-se que em torno de 866 mil indivíduos vivam com HIV no país e que, desses, 135 mil não conheçam seu status sorológico22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2018 [cited 2019 Jul 12];49(53). Available from: http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2016/66196/boletim_hiv_aids_12_2018.pdf?file=1&type=node&id=66196&force=1
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Em 2017, 58,1% dos casos de HIV registrados ocorreram em pessoas negras e, do total, a razão entre os sexos foi de 2,6 casos em homens para um em mulheres. Observa-se também maior número de casos de HIV entre jovens na faixa etária de 20 a 29 anos. Já a distribuição proporcional dos casos de HIV mostra concentração nas regiões Sudeste, com 47,4% dos casos, e Sul, com 20,5%. As regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste correspondem a 17%, 8% e 7,1% do total dos casos, respectivamente. Essa informação indica a tendência de concentração dos casos de HIV em regiões metropolitanas e municípios com mais de 100 mil habitantes22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2018 [cited 2019 Jul 12];49(53). Available from: http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2016/66196/boletim_hiv_aids_12_2018.pdf?file=1&type=node&id=66196&force=1
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. A infecção pelo HIV no total da população brasileira apresenta uma taxa de prevalência estimada em 0,4%, há algumas décadas33 Szwarcwald CL, Pascom ARP, Souza Junior PR. Estimation of the HIV incidence and of the number of people living with HIV/AIDS in Brazil, 2012. J AIDS Clin Res. 2015;6(3):430. http://dx.doi.org/ 10.4172/2155-6113.1000430
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), (44 Sperhacke RD, Motta LR, Kato SK, Vanni AC, Paganella MP, Oliveira MCP, et al. HIV prevalence and sexual behavior among young male conscripts in the Brazilian army, 2016. Medicine. 2018;97(1 Suppl):S25-31. http://dx.doi.org/10.1097/MD.0000000000009014
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. No entanto, ao passo que a prevalência do HIV se estabiliza na população geral, segmentos populacionais sob maior vulnerabilidade e risco de infecção concentram altas prevalências. Em estudos conduzidos em 12 cidades brasileiras em 2016, as soroprevalências ponderadas variaram de 5,3%, entre mulheres trabalhadoras do sexo (MTS) (55 Szwarcwald CL, Damacena GN, Júnior PRBS, Guimarães MDC, Almeida WS, Pate A, et al. Factors associated with HIV infection among female sex workers in Brazil. Medicine. 2018;97(1 Suppl):S9-15. https://dx.doi.org/10.1097%2FMD.0000000000009013
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, a 17,5%, entre homens que fazem sexo com homens (HSH) (66 Kerr L, Kendall C, Guimarães MDC, Salani Mota R, Veras MA, Dourado I, et al. HIV prevalence among men who have sex with men in Brazil: results of the 2nd national survey using respondent-driven sampling. Medicine. 2018;97(1 Suppl):S9-15. https://dx.doi.org/10.1097%2FMD.0000000000010573
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, mais de 40% da população de mulheres transexuais (MTr) em algumas capitais77 Bastos FI, Bastos LS, Coutinho C, Toledo L, Mota JC, Velasco-de-Castro CA, et al. HIV, HCV, HBV, and syphilis among transgender women from Brazil: assessing different methods to adjust infection rates of a hard-to-reach, sparse population. Medicine. 2018;97(1 Suppl):S16-24. https://dx.doi.org/10.1097%2FMD.0000000000009447
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O tratamento antirretroviral (TARV) trouxe benefícios precisos para a redução da morbidade e da mortalidade associadas à aids, melhorando a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIV). Atualmente, das pessoas em tratamento, 91% apresentam resultados de carga viral indetectável e chances muito reduzidas de transmissão do HIV22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2018 [cited 2019 Jul 12];49(53). Available from: http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2016/66196/boletim_hiv_aids_12_2018.pdf?file=1&type=node&id=66196&force=1
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), (88 Grinsztejn B, Hosseinipour MC, Ribaudo HJ, Swindells S, Eron J, Chen YQ, et al. Effects of early versus delayed initiation of antiretroviral treatment on clinical outcomes of HIV-1 infection: results from the phase 3 HPTN 052 randomised controlled trial. Lancet Infect Dis. 2014. 14(4):281-90. https://dx.doi.org/10.1016%2FS1473-3099(13)70692-3
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. Como desdobramento dos avanços do TARV, a profilaxia pós-exposição sexual ao HIV (PEP) foi implementada em 2012, e a profilaxia pré-exposição (PrEP) sexual, a partir de dezembro de 2017 no Sistema Único de Saúde (SUS) (99 Luz PM, Benzaken A, Alencar TM, Pimenta C, Veloso VG, Grinsztejn B. PrEP adopted by the Brazilian National Health System: what is the size of the demand? Medicine. 2018;97(1 Suppl):S75-77. https://dx.doi.org/10.1097%2FMD.0000000000010602
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Entretanto, as principais populações-chave ainda não estão sendo adequadamente alcançadas por medidas de prevenção, tratamento e cuidados de forma integral, com intervenções e serviços de infecções sexualmente transmissíveis (IST), HIV e hepatites virais. No Brasil, as populações-chave mais vulneráveis, como populações jovens de HSH, Mtr e MTS, se confrontam com a exclusão, ou enfrentam dificuldades no acesso aos serviços de saúde, por razões diversas. Em outras partes do mundo, relutam em fazer testes de HIV e participar de serviços de tratamento por medo de discriminação e de consequências sociais1010 Baggaley R, Armstrong A, Dodd Z, Ngoksin E, Krug A. Young key populations and HIV: a special emphasis and consideration in the new WHO Consolidated Guidelines on HIV Prevention, Diagnosis, Treatment and Care for Key Populations. J Int AIDS Society. 2015;18(2Suppl 1):19438. https://dx.doi.org/10.7448%2FIAS.18.2.19438
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O Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) pauta a resposta aos agravos associados às IST, ao HIV e às hepatites virais com base em evidências científicas e, assim, tem apoiado importantes estudos epidemiológicos, clínicos, biomédicos, comportamentais e psicossociais, cujos resultados contribuem para qualificar a resposta brasileira e fortalecer as políticas públicas na área. Esses estudos são desenvolvidos em parceria com pesquisadores brasileiros vinculados a instituições de pesquisa, como as de ensino superior, fundações, institutos e centros de pesquisa e desenvolvimento públicos ou privados, sem fins lucrativos, e com empresas públicas, serviços de saúde e organizações da sociedade civil que desenvolvem atividades de pesquisa em ciência, tecnologia e inovação1111 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Pesquisa e desenvolvimento em IST/HIV/aids/hepatites virais no Brasil, 2012 a 2016: inventário e catalogação das pesquisas oriundas dos editais públicos realizados pelo Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais e parcerias institucionais entre 2012 e 2016. Brasília, DF; 2018..

Os artigos que compõem este suplemento apresentam resultados que contribuem para uma melhor compreensão do cenário de determinantes e fatores associados ao HIV; das estimativas de prevalência do HIV na população de jovens conscritos do sexo masculino, gestantes e parturientes; sobre a identificação de dinâmicas de comportamentos de risco em populações-chave (e.g. HSH, MTS e MTr); da prevalência do HPV; das análises de resistência microbiana; de programas sentinela para vigilância epidemiológica do HIV no Brasil; e das dinâmicas sociais desses agravos. Os estudos e pesquisas desenvolvidos fazem parte das ações da área de informações estratégicas em vigilância das IST, do HIV e das hepatites virais, que se pauta pelo compromisso de disseminar o conhecimento gerado para todos os interessados na informação técnica e científica, sendo utilizado como suporte do processo de interação entre gestores e pesquisadores na tomada de decisão, com aplicação direta no fortalecimento de novas tecnologias no SUS.

Referências bibliográficas

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    Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Miles-to-go: closing the gaps, breaking barriers, righting injustices: Global AIDS update 2018. Geneva; 2018 [cited 2019 Jul 5]. Available from: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/miles-to-go_en.pdf
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    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico HIV/Aids. Brasília, DF; 2018 [cited 2019 Jul 12];49(53). Available from: http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2016/66196/boletim_hiv_aids_12_2018.pdf?file=1&type=node&id=66196&force=1
    » http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2016/66196/boletim_hiv_aids_12_2018.pdf?file=1&type=node&id=66196&force=1
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    Kerr L, Kendall C, Guimarães MDC, Salani Mota R, Veras MA, Dourado I, et al. HIV prevalence among men who have sex with men in Brazil: results of the 2nd national survey using respondent-driven sampling. Medicine. 2018;97(1 Suppl):S9-15. https://dx.doi.org/10.1097%2FMD.0000000000010573
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    Grinsztejn B, Hosseinipour MC, Ribaudo HJ, Swindells S, Eron J, Chen YQ, et al. Effects of early versus delayed initiation of antiretroviral treatment on clinical outcomes of HIV-1 infection: results from the phase 3 HPTN 052 randomised controlled trial. Lancet Infect Dis. 2014. 14(4):281-90. https://dx.doi.org/10.1016%2FS1473-3099(13)70692-3
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br