Exposição à violência comunitária e familiar e autoavaliação de saúde na população brasileira

Alice Barone de Andrade Catarina Machado Azeredo Maria Fernanda Tourinho Peres Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

Os impactos negativos isolados da violência comunitária e da violência familiar na autoavaliação de saúde (AAS) dos indivíduos são conhecidos, mas existe pouca evidência sobre o efeito combinado desses dois tipos de violência interpessoal.

Objetivo:

Analisar a associação entre a exposição à violência comunitária/por desconhecidos e à violência familiar/por conhecidos e a AAS negativa, distinguindo o tipo de violência sofrido e também considerando sua exposição cumulativa.

Métodos:

Estudo epidemiológico de corte transversal desenvolvido com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013. Foram realizados modelos de regressão logística multinominal brutos e ajustados para teste de associação das variáveis.

Resultados:

Todos os tipos de violência analisados se associaram à AAS negativa. A violência interpessoal comunitária/por desconhecidos isolada esteve associada à AAS como regular (odds ratio - OR=1,38) e ruim (OR = 1,79). A exposição à violência familiar/por conhecidos mostrou-se associada à autoavaliação regular (OR = 1,52) e ruim (OR = 2,70). A exposição concomitante às duas violências mostrou-se associada à avaliação regular (OR = 4,00) e ruim da saúde (OR = 7,81), sendo essa associação de maior magnitude que aquelas para as violências isoladas.

Conclusão:

O efeito cumulativo da exposição à violência familiar/por conhecido e comunitária/por desconhecido potencializa a avaliação negativa do estado de saúde. Os profissionais de saúde devem estar atentos à polivitimização e ao seu impacto na saúde de vítimas que acessam os serviços de saúde.

Palavras-chave:
Exposição à violência; Autoavaliação; Inquéritos epidemiológicos

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é “o uso intencional da força física ou do poder, real ou como ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação11. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002..

Ainda segundo a OMS, a violência interpessoal (VI) pode ser de tipo comunitária (VIC), quando o perpetrador é de fora do círculo familiar e o local da ocorrência são geralmente espaços públicos, ou de tipo familiar (VIF), quando cometida por pessoas conhecidas e em sua maioria dentro de casa11. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002..

No Brasil, as mortes por VI tiveram crescimento expressivo no fim da década de 198022. Souza ER. Homicídios no Brasil: o grande vilão da saúde pública na década de 80. Cad Saúde Pública 1994; 10(Supl. 1): S45-S60. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500004
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e desde então ocupam o primeiro lugar entre as causas de morte na população jovem (15 a 24 anos) e entre os anos potenciais de vida perdidos33. Reichenheim ME, de Souza ER, Moraes CL, de Mello Jorge MHP, da Silva CMFP, de Souza Minayo MC. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet 2011; 377(9781): 1962-75. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,44. Lira MMTA, Drummond Júnior M. Anos potenciais de vida perdidos no Brasil em 1980 e 1997. In: Brasil, Funasa, Ministério da Saúde. Estudos epidemiológicos. Brasília: Funasa; 2000. p. 7-46.,55. Cerqueira D, Lima RS de, Bueno S, Neme C, Ferreira H, Coelho D, et al. Atlas da Violência 2018. Rio de Janeiro; 2018.. Além disso, trata-se da sexta maior causa de internações hospitalares, o que representa grande parcela das morbidades hospitalares44. Lira MMTA, Drummond Júnior M. Anos potenciais de vida perdidos no Brasil em 1980 e 1997. In: Brasil, Funasa, Ministério da Saúde. Estudos epidemiológicos. Brasília: Funasa; 2000. p. 7-46.. Em 2016, foram registradas 62.517 mortes violentas intencionais e 49.497 estupros no país66. World Health Organization. Global status report on violence prevention 2014 Genebra: World Health Organization; 2014..

Os impactos negativos na saúde causados pela violência são mundialmente reconhecidos11. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002.,22. Souza ER. Homicídios no Brasil: o grande vilão da saúde pública na década de 80. Cad Saúde Pública 1994; 10(Supl. 1): S45-S60. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500004
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
. Exposição à VIC está associada a depressão, comportamentos agressivos, transtorno de estresse pós-traumático e dores crônicas77. Eisenman DP, Gelberg L, Liu H, Shapiro MF. Mental health and health-related quality of life among adult Latino primary care patients living in the United States with previous exposure to political violence. JAMA 2003; 290(5): 627-34. https://doi.org/10.1001/jama.290.5.627
https://doi.org/https://doi.org/10.1001/...
,88. Fairbrook SW. The Physical and Mental Health Effects of Community Violence Exposure in Pre-Adolescent and Adolescent Youth. J Student Nurs 2013; 6(1): 7-14.,99. Ximenes LF, Assis SG de, Pires T de O, Avanci JQ. Violência comunitária e transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes. Psicol Reflex Crít 2013; 26(3): 443-50. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722013000300003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,1010. Peres MFT, Ruotti C. Violência urbana e saúde. Rev USP [Internet] 2015 [acessado em 12 abr. 2018]; (107): 65-78. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/115114
http://www.revistas.usp.br/revusp/articl...
,1111. Mari J de J, Mello MF de, Figueira I. The impact of urban violence on mental health. Rev Bras Psiquiatr [Internet] 2008 [acessado em 5 ago. 2018]; 30(3): 183-4. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462008000300002&lng=en&tlng=en http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462008000300002
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. Há evidências de que mulheres expostas à violência por parceiro íntimo (VPI) estão mais propensas a apresentar depressão, alterações do funcionamento físico e mental, queixas somáticas e algias crônicas1212. Bonomi AE, Anderson ML, Rivara FP, Thompson RS. Health Outcomes in Women with Physical and Sexual Intimate Partner Violence Exposure. J Womens Health [Internet] 2007 [acessado em 10 ago. 2018]; 16(7): 987-97. Disponível em: https://doi.org/10.1089/jwh.2006.0239
https://doi.org/https://doi.org/10.1089/...
,1313. Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, Falcão MTC, Figueiredo W dos S. Violência dói e não é direito. São Paulo: Editora UNESP; 2005. 184 p.,1414. Day VP, Telles LE de B, Zoratto PH, Azambuja MRF de, Machado DA, Silveira MB, et al. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Rev Psiquiatr Rio Gd do Sul [Internet] 2003 [acessado em 11 fev. 2018]; 25(Supl. 1): 9-21. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082003000400003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S0101-81082003000400003
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,1515. Silva LL da, Coelho EBS, Caponi SNC de. Violência silenciosa: violência psicológica como condição da violência física doméstica. Interface [Internet] 2007 [acessado em 19 dez. 2017]; 11(21): 93-103. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000100009&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832007000100009
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. Da mesma forma, idosos submetidos à VIF apresentam sensação de frustração, medo, depressão e maior número de morbidades1616. Paiva MM de, Tavares DM dos S. Violência física e psicológica contra idosos: prevalência e fatores associados. Rev Bras Enferm [Internet] 2015 [acessado em 25 maio 2018]; 68(6): 1035-41. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672015000601035&lang=pt http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680606i
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.

Apesar dos esforços nas pesquisas relacionadas à violência, nem sempre os efeitos da exposição na saúde são reconhecidos1717. Kiss LB, Schraiber LB, D’Oliveira AFPL. Possibilidades de uma rede intersetorial de atendimento a mulheres em situação de violência. Interface [Internet]. 2007 [acessado em 10 ago. 2018]; 11(23): 485-501. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000300007&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832007000300007
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. Desse modo, a autoavaliação de saúde (AAS) tem sido considerada um indicador importante para medir tais efeitos1818. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med 2009; 69(3): 307-16. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.05.013
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1919. Sørensen J, Kruse M, Gudex C, Helweg-Larsen K, Brønnum-Hansen H. Physical violence and health-related quality of life: Danish cross-sectional analyses. Health Qual Life Outcomes [Internet] 2012 [acessado em 9 maio 2017]; 10: 113. Disponível em: Disponível em: http://hqlo.biomedcentral.com/articles/10.1186/1477-7525-10-113 https://doi.org/10.1186/1477-7525-10-113
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,2020. Aquino NMR De, Sun SY, Oliveira EM De, Martins MDG, Silva JDF Da, Mattar R. Violência sexual e associação com a percepção individual de saúde entre mulheres gestantes. Rev Saúde Pública [Internet] 2009 [acessado em 9 maio 2017]; 43(6): 954-60. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000600006&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009005000068
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. A AAS consiste na percepção que os indivíduos possuem de sua própria saúde1818. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med 2009; 69(3): 307-16. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.05.013
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Estudos mostram que a ferramenta exerce papel importante na predição da mortalidade, morbidade e menor sobrevida mesmo quando medidas clínicas são levadas em conta2121. Wright RJ. Health Effects of Socially Toxic Neighborhoods: The Violence and Urban Asthma Paradigm. Clin Chest Med [Internet]. 2006 [acessado em 12 maio 2017]; 27(3): 413-21. Disponível em: Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0272523106000414 https://doi.org/10.1016/j.ccm.2006.04.003
http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/...
,2222. Barros MB de A, Zanchetta LM, Moura EC de, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saúde Pública [Internet] 2009 [acessado em 29 jan. 2018]; 43(Supl. 2): 27-37. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000900005&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000900005
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,2323. Idler E, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: A review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1): 21-37., além de ser um indicador de fácil aplicabilidade e reprodutibilidade2323. Idler E, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: A review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1): 21-37..

Indivíduos expostos à VIF/por conhecidos ou VIC/por desconhecidos apresentam AAS negativa e piora na qualidade de vida, com consequente aumento nas demandas para o serviço de saúde2424. Bowling A. Measuring disease: a review of disease-specific quality of life measurement scales. 2ª ed. Buckingham: Open University Press; 2001.,2525. Brasil. Ministério da Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Série B. Textos Básicos de Saúde [Internet]. 2005 [acessado em 25 set. 2018]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/impacto_violencia.pdf
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,2626. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciên Saúde Colet [Internet]. 2006 [acessado em 28 nov. 2018]; 11(Supl.): 1163-78. Disponível em: Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232006000500007
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip...
,2727. Minayo MC de S. A inclusão da violência na agenda da saúde: trajetória histórica. Ciên Saúde Colet [Internet] 2006 [acessado em 9 maio 2017]; 11(Supl.): 1259-67. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a15v11s0.pdf
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. Existem evidências de que a exposição cumulativa à violência se associa a depressão2828. Margolin G, Vickerman KA, Oliver PH, Gordis EB. Violence exposure in multiple interpersonal domains: Cumulative and differential effects. J Adolesc Heal [Internet] 2010 [acessado em 29 jan. 2018]; 47(2): 198-205. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.020
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, ansiedade2828. Margolin G, Vickerman KA, Oliver PH, Gordis EB. Violence exposure in multiple interpersonal domains: Cumulative and differential effects. J Adolesc Heal [Internet] 2010 [acessado em 29 jan. 2018]; 47(2): 198-205. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.020
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, maior uso de serviços de saúde mental2929. Cho H, Kown I. Intimate partner violence, cumulative violence exposure, and mental health service. Community Mental Health J 2018; 54(3): 259-66. https://doi.org/10.1007/s10597-017-0204-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
, sintomas de estresse pós-traumático3030. Dubow EF, Boxer P, Huesmann LR, Landau S, Dvir S, Shikaki K, et al. Cumulative Effects of Exposure to Violence on Post traumatic Stress in Palestinian and Israeli Youth. J Clin Child Adolesc Psychol 2012; 41(6): 837-44. https://doi.org/10.1080/15374416.2012.675571
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,3131. Kadra G, Dean K, Hotopf M, Hatch SL. Investigating exposure to violence and mental health in a diverse urban community sample: data from the South East London Community Health (SELCoH) survey. PLoS One 2014; 9(4): e93660. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093660
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, transtornos mentais comuns3131. Kadra G, Dean K, Hotopf M, Hatch SL. Investigating exposure to violence and mental health in a diverse urban community sample: data from the South East London Community Health (SELCoH) survey. PLoS One 2014; 9(4): e93660. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093660
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, uso de álcool e drogas3131. Kadra G, Dean K, Hotopf M, Hatch SL. Investigating exposure to violence and mental health in a diverse urban community sample: data from the South East London Community Health (SELCoH) survey. PLoS One 2014; 9(4): e93660. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093660
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, menor satisfação com a vida3232. Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to Domestic and Community Violence and Subjective Well-Being in Adolescents. Paidéia (Ribeirão Preto) 2016; 26(65): 299-305. http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272665201603
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, acúmulo de efeitos negativos à saúde2828. Margolin G, Vickerman KA, Oliver PH, Gordis EB. Violence exposure in multiple interpersonal domains: Cumulative and differential effects. J Adolesc Heal [Internet] 2010 [acessado em 29 jan. 2018]; 47(2): 198-205. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.020
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e pior avaliação do estado de saúde3333. Boynton-Jarrett R, Ryan LM, Berkman LF, Wright R. Cumulative Violence Exposure and Self-rated health: Longitudinal Study of Adolescents in the United States. Pediatrics 2008; 122(5): 961-70. https://doi.org/10.1542/peds.2007-3063
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. Embora poucas pesquisas tenham buscado compreender o efeito da exposição aos dois tipos de violência (comunitária/por desconhecidos e familiar/por conhecidos) simultaneamente na AAS, os resultados apontam para pior percepção sobre a saúde quando os dois tipos estão presentes de forma acumulada2828. Margolin G, Vickerman KA, Oliver PH, Gordis EB. Violence exposure in multiple interpersonal domains: Cumulative and differential effects. J Adolesc Heal [Internet] 2010 [acessado em 29 jan. 2018]; 47(2): 198-205. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.020
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,3232. Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to Domestic and Community Violence and Subjective Well-Being in Adolescents. Paidéia (Ribeirão Preto) 2016; 26(65): 299-305. http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272665201603
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,3333. Boynton-Jarrett R, Ryan LM, Berkman LF, Wright R. Cumulative Violence Exposure and Self-rated health: Longitudinal Study of Adolescents in the United States. Pediatrics 2008; 122(5): 961-70. https://doi.org/10.1542/peds.2007-3063
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.

O efeito da exposição concomitante à VIC e VIF na AAS pode ser compreendido por meio do modelo de acúmulo de risco, segundo o qual a sobreposição de experiências adversas tem efeito negativo cumulativo na saúde. Esse modelo vem sendo utilizado para explorar efeitos de experiências adversas na infância, as quais desencadeiam respostas fisiológicas de estresse agudo e crônico3333. Boynton-Jarrett R, Ryan LM, Berkman LF, Wright R. Cumulative Violence Exposure and Self-rated health: Longitudinal Study of Adolescents in the United States. Pediatrics 2008; 122(5): 961-70. https://doi.org/10.1542/peds.2007-3063
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. A exposição à violência pode ser considerada um estressor social que, quando presente, desencadeia respostas humorais e neurofisiológicas que produzem desfechos negativos em saúde2121. Wright RJ. Health Effects of Socially Toxic Neighborhoods: The Violence and Urban Asthma Paradigm. Clin Chest Med [Internet]. 2006 [acessado em 12 maio 2017]; 27(3): 413-21. Disponível em: Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0272523106000414 https://doi.org/10.1016/j.ccm.2006.04.003
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. A maior parte dos estudos considera o efeito de um mesmo tipo de violência (VIC ou VIF) com vitimizações acumuladas no tempo, sendo raros os que abordam a exposição acumulada à violência de tipo comunitária e familiar3434. Lopes CS, Moraes CL, Junger WL, Werneck GL, Ponce de Leon AC, Faerstein E. Direct and indirect exposure to violence and psychological distress among civil servants in Rio de Janeiro, Brazil: a prospective cohort study. BMC Psychiatry 2015; 15: 109. https://doi.org/10.1186/s12888-015-0487-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
.

O nosso objetivo foi analisar a associação da AAS negativa com a exposição à VIF/por conhecidos, à VIC/por desconhecidos e a ambas, após ajuste para variáveis sociodemográficas na população brasileira acima de 18 anos.

MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido com dados secundários provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013 Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas, uma investigação de corte transversal. Os participantes da PNS 2013 compõem uma subamostra da amostra-mestra do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi utilizada uma amostragem aleatória por conglomerados em três estágios com estratificação3535. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2014. v. 41. 81 p..

A população pesquisada abrangeu domicílios particulares de todo o território nacional. Foram visitados 81.167 domicílios. Destes, 69.994 estavam ocupados. Para entrevistas individuais, selecionaram-se 64.308 moradores com mais de 18 anos, dos quais 2.389 não foram encontrados e 1.717 se recusaram a responder à investigação, obtendo-se amostra final de 60.202 indivíduos3535. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2014. v. 41. 81 p.,3636. Souza-Júnior PRB de, Freitas MPS de, Antonaci G de A, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde [Internet] 2015 [acessado em 7 set. 2018]; 24(2): 207-16. Disponível em: Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222015000200207&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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. Todos os indivíduos da amostra final foram elegíveis para este estudo.

A exposição à VI nos 12 meses anteriores à aplicação do questionário foi a variável independente. A elaboração dessa variável utilizou as seguintes questões:

  • Nos últimos 12 meses, o(a) sr.(a.) sofreu alguma violência ou agressão de pessoa desconhecida (como bandido, policial, assaltante etc.)?;

  • Nos últimos 12 meses, o(a) sr.(a.) sofreu alguma violência ou agressão de pessoa conhecida (como pai, mãe, filho(a), cônjuge, parceiro(a), namorado(a), amigo(a), vizinho(a))?

A variável exposição à VI foi criada com quatro categorias:

  • 0: não exposto;

  • 1: exposto à VIC (por desconhecido);

  • 2: exposto à VIF (por conhecido);

  • 3: exposto à VIC e VIF.

A AAS foi a variável dependente, obtida mediante a seguinte questão: em geral, como o(a) sr.(a.) avalia a sua saúde? As opções de resposta foram categorizadas como: muito boa/boa, regular e “muito ruim/ruim.

Utilizaram-se para ajuste as seguintes covariáveis: sexo (masculino ou feminino), idade (categorizada por quartis), raça/cor (branca, preta, amarela, parda, indígena), região de residência no país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste), escolaridade (selecionada como proxy para condições socioeconômicas e categorizada em superior completo/incompleto, médio completo/incompleto, fundamental completo/incompleto e sem instrução) e escore de comportamentos nocivos à saúde. Para esse escore, as variáveis empregadas foram binge drinking (ingestão de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas num único dia ou momento no mês, classificada em 0, ou seja, sem binge drinking, 1, equivalente a até quatro episódios de binge drinking, e 2, correspondendo a mais de quatro episódios de binge drinking ao mês), não realização de atividades físicas e uso de tabaco, ambas com duas categorias cada uma. As respostas dadas foram somadas, resultando em um escore com valores variando entre 0 e 4.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados foram analisados no Stata versão 12.0, e todas as variáveis, trabalhadas na forma categórica. Inicialmente foi realizada uma análise descritiva dos dados por meio de cálculos de proporções. Para análise da associação bruta (bivariada), foram calculadas as proporções de AAS (muito boa/boa, regular e ruim/muito ruim) por categoria das variáveis independentes, e foi utilizado o teste χ2 de Pearson.

Para a análise da associação entre exposição à violência e AAS se conduziu regressão logística multinominal bruta e ajustada para todas as covariáveis. Para analisar a existência de tendência linear no odds ratio (OR) entre os tipos de exposição à violência (comunitária, familiar e combinada comunitária e familiar), aplicamos o teste χ2 de tendência.

As análises consideraram a estrutura amostral com estratos e pesos amostrais. A significância estatística foi assumida arbitrariamente a 5%.

O projeto foi enviado para o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e aprovado, com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 61603516.2.0000.0065 e número do parecer 1.818.294.

RESULTADOS

Na Tabela 1 estão as características da população estudada. A maioria dos indivíduos era do sexo feminino (52,89%), tinha entre 18 e 30 anos (28,33%), nível fundamental completo ou incompleto (35,16%), era branca (47,46%), proveniente da Região Nordeste do país (26,62%) e exibia comportamento nocivo à saúde (58,04%). A maior parte (66,13%) avaliou sua saúde como boa. Foram vítimas de algum tipo de violência 5,44% dos entrevistados.

Tabela 1.
Caracterização socioeconômica e demográfica e autoavaliação de saúde dos participantes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013. Brasil.

Maior proporção de mulheres avaliou sua saúde como regular (30,76%) e ruim (7,25%) quando comparadas aos homens. O percentual de AAS negativa foi ascendente entre as categorias de idade e decrescente entre as categorias de escolaridade. Os brancos foram os que apresentaram menor proporção de avaliação do estado de saúde como ruim (5,36%). A menor proporção de AAS negativa foi encontrada entre os entrevistados que não tinham nenhum comportamento nocivo à saúde (2,88%). A exposição à VIF e a exposição combinada à VIF e VIC estiveram associadas a maiores proporções de avaliação negativa (11,19 e 11,52%, respectivamente).

A exposição à VIC/por desconhecido isoladamente na análise bruta não se associou à AAS regular ou ruim, contudo no modelo ajustado foi possível evidenciar tal associação (Tabela 2). Já a VIF/por conhecido isoladamente se mostrou ligada à AAS regular e ruim/muito ruim tanto no modelo bruto quanto no ajustado. Após os ajustes, a chance de uma AAS como ruim/muito ruim entre os expostos à VIF foi cerca de três vezes maior do que entre os não expostos à violência (OR = 2,70; intervalo de confiança de 95% - IC95% 2,06 - 3,53), e de avaliação regular, 1,52 vez maior do que entre os não expostos (OR = 1,52; IC95% 1,25 - 1,85).

Tabela 2.
Associação bruta e ajustada entre exposição à violência e autoavaliação de saúde. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013. Brasil.

A polivitimização, por sua vez, foi a categoria com maior magnitude de associação, quando consideramos a estimativa pontual do OR. Indivíduos que foram expostos à polivitimização apresentaram quatro vezes mais chance de avaliarem sua saúde como regular (IC95% 2,33 - 6,88) e 7,81 vezes mais chance de avaliarem sua saúde como ruim (IC95% 3,04 - 20,06).

No caso da avaliação regular, não há sobreposição dos intervalos de confiança (IC) encontrados para exposição à VIC exclusiva ou à VIF exclusiva e exposição combinada. Já na avaliação ruim não se tem sobreposição do IC encontrado para exposição à VIC exclusiva e exposição concomitante, mas existe sobreposição entre os IC encontrados para exposição à VIF exclusiva e concomitante. A análise da tendência nos OR mostra que há tendência significante que aponta para o crescimento linear da magnitude da associação entre as categorias de exposição.

DISCUSSÃO

Os nossos resultados confirmam a existência de efeitos negativos à saúde associados à exposição à VIF/por conhecidos. Mulheres expostas à VPI apresentam mais frequentemente percepção negativa sobre o seu estado de saúde3737. Lown EA, Schmidt LA, Wiley J. Interpersonal violence among women seeking welfare: unraveling lives. Am J Public Health 2006; 96(8): 1409-15. https://dx.doi.org/10.2105%2FAJPH.2004.057786
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.21...
,3838. Fletcher J. The effects of intimate partner violence on health in young adulthood in the United States. Soc Sci Med 2010; 70(1): 130-5. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.09.030
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,3939. Coker AL, Follingstad DR, Garcia LS, Bush HM. Intimate partner violence and women’s cancer quality of life. Cancer Causes Control 2017; 28(1): 23-39. https://dx.doi.org/10.1007%2Fs10552-016-0833-3
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.10...
, além de outros desfechos negativos à saúde física e mental3838. Fletcher J. The effects of intimate partner violence on health in young adulthood in the United States. Soc Sci Med 2010; 70(1): 130-5. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.09.030
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,3939. Coker AL, Follingstad DR, Garcia LS, Bush HM. Intimate partner violence and women’s cancer quality of life. Cancer Causes Control 2017; 28(1): 23-39. https://dx.doi.org/10.1007%2Fs10552-016-0833-3
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.10...
,4040. Mendonça MFS, Ludermir AB. Intimate partner violence and incidence of common mental disorder. Rev Saúde Pública 2017; 51: 32. http://dx.doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051006912
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
. Resultados semelhantes foram encontrados entre homens vítimas de VPI3939. Coker AL, Follingstad DR, Garcia LS, Bush HM. Intimate partner violence and women’s cancer quality of life. Cancer Causes Control 2017; 28(1): 23-39. https://dx.doi.org/10.1007%2Fs10552-016-0833-3
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.10...
, entre idosos4141. Giraldo-Rodríguez L, Rosas-Carrasco O, Mino-León D. Abuse in Mexican Older Adults with Long-Term Disability: National Prevalence and Associated Factors. J Am Geriatr Soc 2015; 63(8): 1594-600. https://doi.org/10.1111/jgs.13552
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
,4242. Centers for Disease Control and Prevention. Elder Abuse: Consequences [Internet]. Centers for Disease Control and Prevention. [acessado em 25 set. 2018]. Disponível em: Disponível em: http://www.cdc.gov/violenceprevention/elderabuse/consequences.html
http://www.cdc.gov/violenceprevention/el...
, crianças, adolescentes e jovens2828. Margolin G, Vickerman KA, Oliver PH, Gordis EB. Violence exposure in multiple interpersonal domains: Cumulative and differential effects. J Adolesc Heal [Internet] 2010 [acessado em 29 jan. 2018]; 47(2): 198-205. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.020
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,4343. WHO. Preventing youth violence: an overview of the evidence. Genebra: World Health Organization ; 2015..

As implicações para a saúde decorrentes da VIC são cada vez mais estudadas. Assim como os nossos achados, as pesquisas existentes deixam claro que vítimas de VIC avaliam sua saúde de forma mais negativa, usam serviços de saúde com mais regularidade, relatam mais problemas de saúde física e exibem com mais frequência comportamentos de risco para a saúde11. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2002.,22. Souza ER. Homicídios no Brasil: o grande vilão da saúde pública na década de 80. Cad Saúde Pública 1994; 10(Supl. 1): S45-S60. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500004
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,77. Eisenman DP, Gelberg L, Liu H, Shapiro MF. Mental health and health-related quality of life among adult Latino primary care patients living in the United States with previous exposure to political violence. JAMA 2003; 290(5): 627-34. https://doi.org/10.1001/jama.290.5.627
https://doi.org/https://doi.org/10.1001/...
,1010. Peres MFT, Ruotti C. Violência urbana e saúde. Rev USP [Internet] 2015 [acessado em 12 abr. 2018]; (107): 65-78. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/115114
http://www.revistas.usp.br/revusp/articl...
,2121. Wright RJ. Health Effects of Socially Toxic Neighborhoods: The Violence and Urban Asthma Paradigm. Clin Chest Med [Internet]. 2006 [acessado em 12 maio 2017]; 27(3): 413-21. Disponível em: Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0272523106000414 https://doi.org/10.1016/j.ccm.2006.04.003
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,3232. Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to Domestic and Community Violence and Subjective Well-Being in Adolescents. Paidéia (Ribeirão Preto) 2016; 26(65): 299-305. http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272665201603
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,4444. Decker MR, Peitzmeier S, Olumide A, Acharya R, Ojengbede O, Covarrubias L, et al. Prevalence and health impact of intimate partner violence and non-partner sexual violence among female adolescents aged 15-19 years in vulnerable urban environments: A multi-country study. J Adolesc Health 2014; 55(6 Supl.): S58-67. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2014.08.022
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,4545. Britt CL. Health Consequences of Criminal Victimization. Int Rev Vict [Internet] 2001 [acessado em 9 maio 2017]; 8(1): 63-73. Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/026975800100800104
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,4646. Borges D. Vitimização e Sentimento de Insegurança no Brasil em 2010: Teoria, Análise e Contexto. Mediações [Internet] 2013 [acessado em 26 nov. 2018]; 18(1): 141. Disponível em: Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/16452 http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.2013v18n1p141
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
,4747. James S, Donnelly L, Brooks-Gun J, McLanahan S. Links between childhood exposure to violent contexts and Risky Adolescents Health Behaviors. J Adolesc Health 2018; 63(1): 94-101. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2018.01.013
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

A exposição acumulada à violência também vem sendo objeto de estudos. Parte-se da hipótese de que a sobreposição de exposições a eventos negativos, produtores de estresse, leva ao aumento cumulativo do risco à saúde3232. Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to Domestic and Community Violence and Subjective Well-Being in Adolescents. Paidéia (Ribeirão Preto) 2016; 26(65): 299-305. http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272665201603
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,3333. Boynton-Jarrett R, Ryan LM, Berkman LF, Wright R. Cumulative Violence Exposure and Self-rated health: Longitudinal Study of Adolescents in the United States. Pediatrics 2008; 122(5): 961-70. https://doi.org/10.1542/peds.2007-3063
https://doi.org/https://doi.org/10.1542/...
,3434. Lopes CS, Moraes CL, Junger WL, Werneck GL, Ponce de Leon AC, Faerstein E. Direct and indirect exposure to violence and psychological distress among civil servants in Rio de Janeiro, Brazil: a prospective cohort study. BMC Psychiatry 2015; 15: 109. https://doi.org/10.1186/s12888-015-0487-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
. Kadra et al.3131. Kadra G, Dean K, Hotopf M, Hatch SL. Investigating exposure to violence and mental health in a diverse urban community sample: data from the South East London Community Health (SELCoH) survey. PLoS One 2014; 9(4): e93660. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093660
https://doi.org/https://doi.org/10.1371/...
investigaram o efeito da sobreposição de experiências violentas na vida (vitimização, perpetração e testemunho) na saúde mental de adultos (maiores de 16 anos) em um estudo de corte transversal de base populacional no sul de Londres e encontraram que a prevalência de transtornos mentais comuns, uso de drogas e consumo abusivo de álcool aumenta significativamente com o aumento no número de experiências.

A polivitimização em vítimas de VPI, por sua vez, está associada à maior frequência de uso de serviços de saúde mental, conforme estudo realizado com uma amostra de mulheres adultas (acima de 18 anos) nos Estados Unidos2929. Cho H, Kown I. Intimate partner violence, cumulative violence exposure, and mental health service. Community Mental Health J 2018; 54(3): 259-66. https://doi.org/10.1007/s10597-017-0204-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
. Os resultados são consistentes quando são considerados os efeitos da exposição acumulada a diferentes tipos de violência.

Margolin et al.2828. Margolin G, Vickerman KA, Oliver PH, Gordis EB. Violence exposure in multiple interpersonal domains: Cumulative and differential effects. J Adolesc Heal [Internet] 2010 [acessado em 29 jan. 2018]; 47(2): 198-205. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.020
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
examinaram o efeito cumulativo da exposição à VPI e VIC em jovens e notaram aumento no risco de sintomas somáticos (risco relativo - RR = 1,12; p < 0,05), sintomas depressivos (RR = 1,77; p < 0,001) e ansiedade (RR = 1,58; p < 0,001) associado ao aumento no número de experiências de vitimização. Dubow et al.3030. Dubow EF, Boxer P, Huesmann LR, Landau S, Dvir S, Shikaki K, et al. Cumulative Effects of Exposure to Violence on Post traumatic Stress in Palestinian and Israeli Youth. J Clin Child Adolesc Psychol 2012; 41(6): 837-44. https://doi.org/10.1080/15374416.2012.675571
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
relataram maior risco de depressão em jovens palestinos expostos a diferentes tipos de violência (étnico-política, comunitária, familiar e na escola). No Brasil3232. Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposure to Domestic and Community Violence and Subjective Well-Being in Adolescents. Paidéia (Ribeirão Preto) 2016; 26(65): 299-305. http://dx.doi.org/10.1590/1982-43272665201603
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
, estudo buscou investigar os efeitos da exposição à violência familiar e extrafamiliar no bem-estar subjetivo de adolescentes e constatou associação negativa e significante, indicando que o acúmulo de experiências tem relação com o menor bem-estar subjetivo. Essas pesquisas utilizam metodologias distintas, o que torna difícil a comparação, no entanto todas apontam para um efeito acumulado de risco. Os nossos resultados confirmam esses achados e sinalizam para um maior risco de AAS negativa quando da exposição acumulada à VIF e VIC.

Esforços vêm sendo feitos para compreender os mecanismos fisiopatológicos dos efeitos à saúde associados à exposição à violência. Um marco nesse sentido são os estudos realizados por Wright4848. Wright RJ, Mitchell H, Visness CM, Cohen S, Stout J, Evans R, et al. Community Violence and Asthma Morbidity: The Inner-City Asthma Study. Am J Public Health 2004; 94(4): 625-32. https://doi.org/10.2105/ajph.94.4.625
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em torno dos efeitos da exposição à violência na asma infantil. Segundo a autora, a violência comunitária funciona como um estressor psicossocial, ativando os mecanismos neurofisiológicos de resposta aguda e/ou crônica ao estresse e influenciando na alostase. Alterações nos níveis de citocinas, catecolaminas e cortisol explicam, para a autora, os efeitos da exposição à violência na saúde. A vivência permanente em situações de violência, decorrente, por exemplo, de uma relação abusiva com o parceiro íntimo, ou de morar em um bairro com altos níveis de violência, leva à hiperatividade crônica desses mediadores, com efeitos na saúde e no bem-estar2121. Wright RJ. Health Effects of Socially Toxic Neighborhoods: The Violence and Urban Asthma Paradigm. Clin Chest Med [Internet]. 2006 [acessado em 12 maio 2017]; 27(3): 413-21. Disponível em: Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0272523106000414 https://doi.org/10.1016/j.ccm.2006.04.003
http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/...
,4949. Juster R-P, McEwen BS, Lupien SJ. Allostatic load biomarkers of chronic stress and impact on health and cognition. Neurosci Biobehav Rev [Internet] 2010 [acessado em 9 maio 2017]; 35(1): 2-16. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.neubiorev.2009.10.002
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,5050. Mattei J, Demissie S, Falcon LM, Ordovas JM, Tucker K. Allostatic load is associated with chronic conditions in the Boston Puerto Rican Health Study. Soc Sci Med [Internet] 2010 [acessado em 9 maio 2017]; 70(12): 1988-96. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2010.02.024
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,5151. McEwen BS, Stellar E. Stress and the individual. Mechanisms leading to disease. Arch Intern Med [Internet] 1993 [acessado em 12 maio 2017]; 153(18): 2093-101. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8379800
https://doi.org/http://www.ncbi.nlm.nih....
.

Wright4848. Wright RJ, Mitchell H, Visness CM, Cohen S, Stout J, Evans R, et al. Community Violence and Asthma Morbidity: The Inner-City Asthma Study. Am J Public Health 2004; 94(4): 625-32. https://doi.org/10.2105/ajph.94.4.625
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ainda ressalta que a exposição à violência direciona a alterações comportamentais em função da sensação de insegurança e medo, de perda de controle sobre o ambiente externo e a própria vida, o que tem relação com a maior adoção de comportamentos de risco para a saúde, como tabagismo, abuso de álcool, inatividade física e alterações nos hábitos alimentares, fatores que por sua vez se associam a efeitos negativos à saúde e à AAS negativa2121. Wright RJ. Health Effects of Socially Toxic Neighborhoods: The Violence and Urban Asthma Paradigm. Clin Chest Med [Internet]. 2006 [acessado em 12 maio 2017]; 27(3): 413-21. Disponível em: Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0272523106000414 https://doi.org/10.1016/j.ccm.2006.04.003
http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/...
.

Nossos resultados mostram que a associação entre VIF/por conhecidos e AAS negativa apresentou maior magnitude do que a da VIC/por desconhecidos e AAS, e a da polivitimização com AAS foi superior à da VIF/por conhecidos com AAS. Ao entender a violência como um estressor psicossocial, é possível compreender tais achados, pois as características entre os tipos de violência diferem, sendo possível considerar cada tipo de violência um novo estressor. A VIF ocorre entre pessoas conhecidas, muitas vezes de forma crônica e, geralmente, dentro da própria casa, que deveria ser um ambiente seguro.

Dessa forma, é possível compreender o aumento da força de associação entre as categorias analisadas e, portanto, ressaltar que a polivitimização potencializa ainda mais o efeito estressor da exposição à violência. Tal efeito cumulativo também foi demonstrado em estudo longitudinal realizado com adolescentes em 2008, no qual foi observada forte associação gradual entre exposição cumulativa à violência e AAS negativa, sendo essa associação 38% maior para cada exposição adicional à violência e 4,6 vezes maior em comparação aos que não sofreram violência nenhuma3333. Boynton-Jarrett R, Ryan LM, Berkman LF, Wright R. Cumulative Violence Exposure and Self-rated health: Longitudinal Study of Adolescents in the United States. Pediatrics 2008; 122(5): 961-70. https://doi.org/10.1542/peds.2007-3063
https://doi.org/https://doi.org/10.1542/...
.

Nossos resultados precisam ser analisados considerando as limitações do presente estudo. A primeira delas é que a exposição à violência foi medida por meio de uma única pergunta geral, e não mediante diferentes perguntas sobre atos ou situações específicas de violência sofridas, como por exemplo ter sido agredido com um tapa, ter sido vítima de humilhação, xingamento ou ter sido forçado a ato sexual. Essa maneira de abordar a vitimização é recomendada como estratégia para minimizar vieses de informação e consequente subestimação e classificação incorreta, uma vez que a percepção sobre violência varia entre pessoas, tempo e diferentes culturas5252. Minayo MC de S, Souza ER. Violência sob o olhar da saúde: a infra-política da contemporaneidade brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. 284 p.. Como resultado, prevalências encontradas podem estar subestimadas. Além disso, não foram avaliadas a vitimização indireta nem a violência percebida na comunidade e seus efeitos. Outro aspecto a ser levado em conta é que as perguntas se referem à violência por pessoas desconhecidas ou conhecidas. Neste último grupo estão incluídos, além de familiares, amigos e conhecidos próximos. Cabe dizer, entretanto, que a maior parte dos casos (60,6%) diz respeito à vitimização por familiares.

Embora existam instrumentos traduzidos e validados para o Brasil que são mais sensíveis para a detecção de casos de violência, a utilização deles em um inquérito de base populacional de abrangência nacional é de difícil aplicabilidade, uma vez que aumentam o tempo e complexificam a coleta de dados. Além disso, esses instrumentos validados são, na maior parte das vezes, usados em um grupo específico de exposição5353. Reichenheim ME, Moraes CL. Psychometric properties of the Portuguese version of the Conflict Tactics Scales: Parent-child Version (CTSPC) used to identify child abuse. Cad Saúde Pública [Internet]. 2006 [acessado em 12 maio 2017]; 22(3): 503-15. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000300005&lng=en&tlng=en http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006000300005
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,5454. Moraes CL, Hasselmann MH, Reichenheim ME. Adaptação transcultural para o português do instrumento “Revised Conflict Tactics Scales (CTS2)” utilizado para identificar violência entre casais. Cad Saúde Pública [Internet] 2002 [acessado em 7 ago. 2018]; 18(1): 163-76. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2002000100017
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,5555. Paixão Jr. CM, Reichenheim ME, Moraes CL, Coutinho ESF, Veras RP. Adaptação transcultural para o Brasil do instrumento Caregiver Abuse Screen (CASE) para detecção de violência de cuidadores contra idosos. Cad Saúde Pública [Internet] 2007 [acessado em 6 ago. 2018]; 23(9): 2013-22. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000900010&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007000900010
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,5656. Schraiber LB, Latorre M do RDO, França Jr. I, Segri NJ, D’Oliveira AFPL. Validade do instrumento WHO VAW STUDY para estimar violência de gênero contra a mulher. Rev Saúde Pública [Internet] 2010 [acessado em 30 jan. 2018]; 44(4): 658-66. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102010000400009&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000400009
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. Dessa forma, é possível que erros de classificação não diferencial tenham ocorrido e que haja subestimação nas estimativas das violências.

Doenças crônicas e/ou depressão não foram incluídas como variável de ajuste em nosso modelo. Ambas podem ter grande influência sobre a AAS e estar associadas à violência. Essa condição implicaria incluí-las em nosso modelo como variáveis com potencial confundidor, demandando, portanto, a sua inclusão como variável de ajuste no modelo. Não o fizemos, pois a violência na PNS foi medida nos últimos 12 meses e a doença crônica não tem limite de referência temporal. Logo, não é possível saber se a doença crônica é preexistente à violência ou não.

Além disso, do ponto de vista teórico-conceitual, pensamos que as doenças crônicas, quando e se desencadeadas pelo mecanismo de estresse relacionado à exposição à violência (como um dos fatores, não único), seriam mais bem concebidas como uma variável de mediação (a exposição aumenta o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, que, por sua vez, aumenta o risco de má avaliação do estado de saúde), e não como confundidora. Nesse caso, a inclusão da variável para ajuste do modelo seria incorreta. Isso nos fez optar por não inserir as doenças crônicas em nosso modelo como variável de ajuste. O mesmo pode ser dito acerca da depressão. A PNS utiliza o Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) para medir a presença de depressão, com referência temporal de 15 dias, entretanto consideramos que a depressão é mais bem concebida como uma variável de mediação, e não de confusão, o que tornaria incorreto o ajuste.

Cabe ressaltar ainda que o nosso objetivo neste artigo não foi explorar mecanismos nem vias de mediação, mas tão somente verificar a associação entre exposição à violência e avaliação do estado de saúde, levando em conta a exposição combinada à violência familiar e comunitária.

Ademais, a literatura aponta que existem outros fatores associados à exposição à violência que podem contribuir para AAS negativa, como ansiedade e estresse pós-traumático, que não foram medidos pela PNS e, portanto, não poderiam ser ajustados em nosso modelo final66. World Health Organization. Global status report on violence prevention 2014 Genebra: World Health Organization; 2014.,88. Fairbrook SW. The Physical and Mental Health Effects of Community Violence Exposure in Pre-Adolescent and Adolescent Youth. J Student Nurs 2013; 6(1): 7-14.,2020. Aquino NMR De, Sun SY, Oliveira EM De, Martins MDG, Silva JDF Da, Mattar R. Violência sexual e associação com a percepção individual de saúde entre mulheres gestantes. Rev Saúde Pública [Internet] 2009 [acessado em 9 maio 2017]; 43(6): 954-60. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000600006&lng=pt&tlng=pt http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009005000068
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.

A natureza transversal do estudo não nos permite fazer inferências longitudinais sobre a direção da associação estudada, entretanto existe uma quantidade considerável de estudos que reforçam a hipótese de associação no sentido de a violência causar pior AAS, e não o contrário88. Fairbrook SW. The Physical and Mental Health Effects of Community Violence Exposure in Pre-Adolescent and Adolescent Youth. J Student Nurs 2013; 6(1): 7-14.,2727. Minayo MC de S. A inclusão da violência na agenda da saúde: trajetória histórica. Ciên Saúde Colet [Internet] 2006 [acessado em 9 maio 2017]; 11(Supl.): 1259-67. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a15v11s0.pdf
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,3131. Kadra G, Dean K, Hotopf M, Hatch SL. Investigating exposure to violence and mental health in a diverse urban community sample: data from the South East London Community Health (SELCoH) survey. PLoS One 2014; 9(4): e93660. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093660
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,5757. Theme Filha MM, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB de. Medidas de morbidade referida e inter-relações com dimensões de saúde. Rev Saúde Pública [Internet] 2008 [acessado em 9 maio 2018]; 42(1): 73-81. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102008000100010&lng=pt&nrm=iso&tlng=en http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000100010
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,5858. Svedberg P, Bardage C, Sandin S, Pedersen NL. A prospective study of health, life-style and psychosocial predictors of self-rated health. Eur J Epidemiol [Internet] 2006 [acessado em 7 set. 2018]; 21: 767-76. Disponível em: Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/s10654-006-9064-3 https://doi.org/10.1007/s10654-006-9064-3
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Importante lembrar que, para estimar a condição socioeconômica dos indivíduos e suas famílias, optamos por usar a escolaridade como proxy para condição socioeconômica, evitando assim o problema da multicolinearidade em nosso modelo. Sabe-se da forte associação entre renda e escolaridade, porém é possível a existência de confundimento residual da renda, que se associa tanto à violência quanto à pior AAS.

Entre os pontos fortes, destaca-se que este é um estudo com amostra representativa da população brasileira de base domiciliar, com alta taxa de resposta (91,9%), o que reduz a possibilidade de viés de seleção. O grande tamanho amostral pode também ser considerado uma vantagem, permitindo o estudo de eventos de pequena prevalência. Cabe ressaltar, todavia, que esse mesmo tamanho amostral é capaz de explicar o encontro de diferenças significativas do ponto de vista estatístico para associações de pequena magnitude.

CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu observar a associação entre a exposição à violência e a AAS negativa. Para mais, apontou que a exposição aos dois tipos de violência aumenta sobremaneira a chance de uma avaliação negativa do estado de saúde.

Embora serviços especializados para o atendimento de vítimas de violência comunitária ainda sejam raros no Brasil, são comuns os serviços especializados no atendimento de vítimas de violência familiar. A potencialização do efeito estressor da violência pela polivitimização na AAS negativa, evidenciada pelo nosso estudo, sinaliza para a necessidade de esses serviços estarem atentos à exposição conjunta à violência familiar e comunitária. Isso se mostra mais relevante quando consideramos que no Brasil a violência urbana é avaliada como endêmica, há aumento da violência de Estado e o colapso estrutural de políticas públicas, o que reforça a possibilidade da polivitimização66. World Health Organization. Global status report on violence prevention 2014 Genebra: World Health Organization; 2014..

REFERÊNCIAS

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2018
  • Revisado
    25 Mar 2019
  • Aceito
    04 Abr 2019
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