Prevalência e fatores associados ao consumo excessivo episódico de álcool entre adultos jovens brasileiros de 18 a 24 anos

Mery Natali Silva Abreu André Evaristo Eleotério Fernanda dos Anjos Oliveira Larissa Cristine Bambirra dos Reis Pedroni Elisama Elioenai de Lacena Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Avaliar a prevalência e fatores associados ao consumo excessivo episódico de álcool (CEEA) entre jovens brasileiros.

Métodos:

Neste estudo transversal, utilizaram-se dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013. A amostra foi de 7.823 jovens com idade entre 18 e 24 anos. O desfecho foi o CEEA de quatro ou mais doses em uma ocasião para mulheres e de cinco doses ou mais para homens. Foram analisadas variáveis explicativas sociodemográficas, de saúde e comportamentais. Utilizou-se regressão logística binária, com estimação do odds ratio (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%).

Resultados:

A prevalência de CEEA entre jovens brasileiros foi de 17%, com diferenças regionais. Foram associados a uma maior chance de CEEA: ter entre 21 e 24 anos (OR = 1,35; IC95% 1,08 - 1,70); exercer atividades remuneradas (OR = 1,27; IC95% 1,01 - 1,61); relatar cansaço (OR = 1,53; IC95% 1,19 - 1,97) e fumar atualmente (OR = 4,10; IC95% 2,95 - 5,70). Ser do sexo feminino (OR = 0,43; IC95% 0,34 - 0,54) e participar de atividades religiosas (OR = 0,67; IC95% 0,53 - 0,84) associaram-se a menor chance de CEEA.

Conclusão:

Torna-se importante um estudo nacional que avalie o perfil dos jovens brasileiros que apresentam CEEA para favorecer a implantação de políticas públicas de prevenção voltadas para essa população específica.

Palavras-chave:
Adulto jovem; Bebedeira; Fatores de risco; Comportamentos de risco à saúde

INTRODUÇÃO

O consumo abusivo de álcool é mundialmente uma questão de saúde pública, e sua prevalência vem aumentando nos últimos 20 anos, gerando prejuízos às famílias e à sociedade civil. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2014, apontou que 3,3 milhões de pessoas morreram em decorrência do consumo do álcool no mundo, destacando-se 320 mil jovens entre 15 e 29 anos de idade11. World Health Organization. Health consequences. In: World Health Organization, editor. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Genebra: WHO; 2014, p. 46-58.,22. Popova S, Rehm JR, Patra J, Zatonski W. Comparing alcohol consumption in central and eastern Europe to other European countries. Alcohol Alcohol 2007; 42(5): 465-73. https://doi.org/10.1093/alcalc/agl124
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
,33. Yakovle E. Alcoholism and mortality in Eastern Europe, IZA World of Labor, Institute for the Study of Labor (IZA) 2015; 168..

Estudos brasileiros revelam que o álcool é a substância mais consumida pelos jovens, o que pode representar um importante fator para a adoção de outros comportamentos de risco à saúde, como beber e dirigir, praticar atividade sexual desprotegida, cometer violência e suicídio44. Pedrosa AAS, Camacho LAB, Passos SRL, Oliveira RVC. Consumo de álcool entre estudantes universitários. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1611-21. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000800016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,55. Imai FI, Coelho IZ, Bastos JL. Consumo excessivo de álcool, tabagismo e fatores associados em amostra representativa de graduandos da Universidade Federal de Santa Catarina, 2012: estudo transversal. Epidemiol Serv Saúde 2014; 23(3): 435-46. https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000300006
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
,66. Silva LVER, Malbergier A, Stempliuk VA, Andrade AG. Fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários. Rev Saúde Pública 2006; 40(2): 280-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000200014
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,77. Paiva PCP, Paiva HN, Lamounier JA, Ferreira EF, César CAS, Zarzar PM. Consumo de álcool em binge por adolescentes escolares de 12 anos de idade e sua associação com sexo, condição socioeconômica. Ciên Saúde Coletiva 2015; 20(11): 3427-35. https://doi.org/10.1590/1413-812320152011.18792014
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.

Um padrão de consumo que atualmente é amplamente explorado pelos jovens é o binge drinking, ou consumo excessivo episódico álcool (CEEA)88. Gomes K, Amato TC, Bedendo A, Santos EL, Noto AR. Problemas associados ao binge drinking entre adolescentes das capitais brasileiras. Ciên Saúde Coletiva 2019; 24(2): 497-507. https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.35452016
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, caracterizado mundialmente pelo consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião99. Siqueira L, Smith VC. Binge Drinking. Pediatrics 2015; 136(3): e718-e726. https://doi.org/10.1542/peds.2015-2337
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.

Estudos apontam que esse padrão de consumo apresenta as maiores prevalências no fim da adolescência, geralmente no início dos 20 anos, coincidindo com a idade de ingresso e permanência na universidade. Já os adultos jovens (de 18 a 24 anos) que estão fora das universidades tendem a apresentar taxas um pouco inferiores1010. Tavolacci M-P, Berthon Q, Cerasuolo D, Dechelotte P, Ladner J, Baguet A. Does binge drinking between the age of 18 and 25 years predict alcohol dependence in adulthood? A retrospective case-control study in France. BMJ Open 2019; 9: e026375. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-026375
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.

O CEEA entre jovens provoca diversos impactos, tanto do ponto de vista da morbimortalidade e do aumento dos índices de acidentes de trânsito ou agressões, quanto consequências que vão além dos riscos à saúde, tais como perdas sociais e econômicas importantes44. Pedrosa AAS, Camacho LAB, Passos SRL, Oliveira RVC. Consumo de álcool entre estudantes universitários. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1611-21. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000800016
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,1111. Garcia LP, Freitas LRS. Consumo Abusivo de Álcool no Brasil: Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 227-37. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200005
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. Além disso, ter episódios de CEEA nesse faixa etária parece ser fator de risco para a dependência de álcool na idade adulta1010. Tavolacci M-P, Berthon Q, Cerasuolo D, Dechelotte P, Ladner J, Baguet A. Does binge drinking between the age of 18 and 25 years predict alcohol dependence in adulthood? A retrospective case-control study in France. BMJ Open 2019; 9: e026375. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-026375
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.

No que se refere aos fatores de risco associados ao CEEA, é possível apontar, além da idade, o gênero1212. Machado IE, Monteiro MG, Malta DC, Lana FCF. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: relação entre uso de álcool e características sociodemográficas segundo o sexo no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(3): 408-22. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700030005
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, a religião1313. Guimarães MO, Paiva PCP, Paiva HN, Lamounier JA, Ferreira EF, Zarzar PMPA. Religiosidade como possível fator de proteção do binge drinking por escolares de 12 anos de idade: um estudo de base populacional. Ciên Saúde Coletiva 2018; 23(4): 1067-76. https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.04872016
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, a escolaridade1414. Villacé MB, Fernández AR, Costa Júnior ML. Consumo de álcool de acordo com características sociodemográficas em jovens de 18 e 24 anos. Rev Latino-Am Enfer 2013; 21(5). https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000500018
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e o tabagismo1515. Abreu MNS, Caiaffa WT. Influência do entorno familiar e do grupo social no tabagismo entre jovens brasileiros de 15 a 24 anos. Rev Panam Salud Publica 2011; 30(1): 22-30., que, combinados, revelam o perfil do grupo mais suscetível a praticar esse tipo de consumo.

Essa temática possui uma abordagem ainda recente no cenário brasileiro, embora represente uma questão relevante na área de saúde pública. A maioria dos estudos nacionais sobre o tema utiliza populações de universitários, o que é bastante compreensível, já que esse é um período de firmação do jovem, em que há consequente mudança de comportamento, até mesmo para poder pertencer ao grupo44. Pedrosa AAS, Camacho LAB, Passos SRL, Oliveira RVC. Consumo de álcool entre estudantes universitários. Cad Saúde Pública 2011; 27(8): 1611-21. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000800016
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,55. Imai FI, Coelho IZ, Bastos JL. Consumo excessivo de álcool, tabagismo e fatores associados em amostra representativa de graduandos da Universidade Federal de Santa Catarina, 2012: estudo transversal. Epidemiol Serv Saúde 2014; 23(3): 435-46. https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000300006
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,66. Silva LVER, Malbergier A, Stempliuk VA, Andrade AG. Fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários. Rev Saúde Pública 2006; 40(2): 280-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000200014
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,77. Paiva PCP, Paiva HN, Lamounier JA, Ferreira EF, César CAS, Zarzar PM. Consumo de álcool em binge por adolescentes escolares de 12 anos de idade e sua associação com sexo, condição socioeconômica. Ciên Saúde Coletiva 2015; 20(11): 3427-35. https://doi.org/10.1590/1413-812320152011.18792014
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.

Por outro lado, pouco ainda foi explorado sobre o consumo de álcool na população geral de 18 a 24 anos, incluindo aqueles jovens que estão fora das universidades. Em geral, essa faixa etária compreende um período de transição da adolescência para a vida adulta, resultando em maior risco para o início de comportamentos de consumo, e possui características peculiares, tais como a busca por autonomia e identidade pessoal, a necessidade de vivenciar novas sensações e a importância outorgada pelo grupo de pares1515. Abreu MNS, Caiaffa WT. Influência do entorno familiar e do grupo social no tabagismo entre jovens brasileiros de 15 a 24 anos. Rev Panam Salud Publica 2011; 30(1): 22-30.. Esses traços podem apontar para um perfil específico que merece maior aprofundamento, para que se possam delinear os fatores agravantes, com o intuito de alicerçar políticas públicas de controle e redução de danos provenientes do CEEA.

O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência e os fatores associados ao CEEA entre jovens brasileiros de 18 e 24 anos em uma amostra de base nacional, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) em 2013.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, elaborado com base em dados secundários da PNS. A PNS é uma pesquisa de base domiciliar, de âmbito nacional, realizada em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2013. Sua população-alvo é constituída de moradores de domicílios particulares permanentes, e sua abrangência demográfica inclui todo o território nacional1616. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. IBGE. Percepção do estado de saúde, estilo de vida e doenças crônicas. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2014..

O plano amostral empregado foi amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das unidades primárias de amostragem. Os setores censitários ou conjunto de setores formam as unidades primárias de amostragem (UPA), os domicílios são as unidades de segundo estágio e os moradores com idade igual ou maior que 18 anos definem as unidades de terceiro estágio.

Da amostra total de 64.348 domicílios sorteados, 60.202 brasileiros com 18 anos ou mais responderam aos questionários individuais com questões relacionadas ao consumo de álcool. Entre eles, 7.823 tinham idade entre 18 a 24 anos e compuseram a amostra deste estudo. A amostra da PNS foi calculada para estimar os indicadores para cada um dos níveis geográficos inicialmente pensados como domínios de divulgação. São eles: Brasil, Grande Região, Unidade da Federação (UF), Região Metropolitana (RM), Capital e o restante da UF. Cabe destacar que a amostra sofreu influência da ponderação, de acordo com os pesos estabelecidos pela PNS, na tentativa de corrigir problemas relacionados com o baixo número de indivíduos respondentes de alguns dos setores. Sendo assim, algumas regiões tiveram sua amostra inflada, sem que isso alterasse a representatividade e a validade dos dados auferidos1717. Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003
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.

O desfecho estudado foi o CEEA, que é caracterizado mundialmente pelo padrão de consumo, nos últimos 30 dias, de quatro ou mais doses em uma ocasião para mulheres e cinco doses ou mais para homens.

Foram investigados como possíveis fatores associados ao CEEA os aspectos sociodemográficos: sexo (masculino/feminino), faixa etária (18 a 20 anos/21 a 24 anos), se vive com o cônjuge ou companheiro/a (não/sim), escolaridade (menos que médio/médio/superior), classe socioeconômica (classificada, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, em A/B, C, D e E)1818. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil 2018 [Internet]. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [acessado em 29 ago. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil
http://www.abep.org/criterio-brasil...
e se está desempenhando atividade remunerada (não/sim).

Também foram analisadas variáveis relacionadas à saúde, todas por meio de informações autorreferidas (tendo como opção de resposta não ou sim): problemas de sono e/ou cansaço e falta de disposição, diagnóstico de depressão e relato de ter sofrido de violência no último ano. As variáveis relativas aos hábitos de vida foram: prática de atividade física nos últimos 30 dias, consumo atual de tabaco e participação em cultos ou atividades religiosas.

Realizou-se estimativa da prevalência do CEEA entre adultos jovens em cada capital brasileira, ilustrada por meio de um mapa temático, além de análise descritiva de todas as variáveis estudadas. Para verificar diferenças nas prevalências do CEEA entre os grupos comparados, foi realizado o teste χ2 de Pearson.

Para avaliar os possíveis fatores associados ao CEEA, empregou-se o modelo de regressão logística binária, tanto simples como múltiplo. Para a entrada das variáveis na análise múltipla, adotou-se o método forward e, como referência, um valor de p menor que 0,20 na análise univariada. No modelo final permaneceram somente as variáveis com nível de significância igual ou menor do que 5%. Foram estimados os valores de odds ratio (OR), com intervalo de confiança de 95% (IC95%). A qualidade do ajuste do modelo foi avaliada por meio da estatística de Hosmer & Lemeshow. Foram calculadas as probabilidades de um jovem ter CEEA de acordo com a equação do modelo logístico final.

Todas as análises foram realizadas no programa STATA 12.0 e levaram em consideração as ponderações impostas pelo delineamento amostral do estudo. O projeto da PNS foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), processo nº 328.159, em 26 de junho de 2013.

RESULTADOS

Observou-se que 46,8% dos jovens analisados afirmaram que costumam consumir bebida alcoólica atualmente, dos quais 30,1% apontaram a frequência de uma vez ou mais por mês. Entre eles, 51,2% bebem pelo menos um dia por semana, assim como consomem em média seis doses em uma única ocasião e iniciaram em média aos 16 anos, e 20,3% relataram dirigir logo após beber (dados não apresentados em tabela).

A prevalência de CEEA entre os jovens brasileiros foi de 17%, sendo maior (acima de 20%) em estados do Norte e Nordeste (Amapá, Piauí e Bahia), Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso do Sul), além do Rio Grande do Sul (Figura 1).

Figura 1.
Mapa temático da prevalência do consumo excessivo episódico de álcool entre adultos jovens (18 a 24 anos), por estado e Distrito Federal, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Brasil, 2013

Segundo Tabela 1, 51,7% dos jovens eram do sexo feminino e 55,5% tinham entre 21 e 24 anos. Cerca de 70% não tinham companheiro e 28,7% possuíam escolaridade menor que o ensino médio. Constatou-se que 51,6% dos entrevistados pertenciam à classe socioeconômica C. Mais da metade dos jovens exercia alguma atividade remunerada (56%). Pouco mais de 20% dos jovens relataram problemas com o sono e 26,2% disseram se sentir cansados e indispostos (Tabela 2). A prevalência de depressão em algum momento na vida foi de 3,2%. Observou-se que 5,1% dos jovens citaram algum episódio de violência nos últimos 12 meses. A prevalência da prática de atividade física nos últimos 30 dias foi de 45,5%, e 10,5% dos jovens disseram fumar atualmente. Ainda, 66% alegaram frequentar atividades religiosas.

Tabela 1.
Caracterização dos dados sociodemográficos e associação com o consumo excessivo episódico entre adultos jovens, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Brasil, 2013.
Tabela 2.
Caracterização dos dados relacionados à saúde e hábitos de vida e associação com o consumo excessivo episódico entre adultos jovens, segundo Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Brasil, 2013.

Os fatores associados ao CEEA na análise univariada foram: ser do sexo masculino, ter idade de 21 a 24 anos, não viver com companheiro, ter escolaridade menor que o ensino médio, exercer atividade remunerada nos últimos 12 meses, relatar problemas de cansaço, ter sofrido alguma violência nos últimos 12 meses, praticar exercício físico, fumar atualmente e participar de cultos ou atividades religiosas (Tabelas 1 e 2).

Considerando-se a análise múltipla (Tabela 3), os fatores que permaneceram associados ao CEEA foram: sexo, idade, viver com companheiro, exercer atividade remunerada, problemas de cansaço e falta de disposição, hábito de fumar e participação em cultos ou atividades religiosas. Os jovens com faixa etária entre 21 e 24 anos têm 1,35 mais chance de CEEA (OR = 1,35; IC95% 1,08 - 1,70) quando comparados àqueles com idade entre 18 e 20 anos. Também apresentaram maior chance de ter CEEA os jovens que exercem atividades remuneradas atualmente (OR=1,27; IC95%=1,01-1,61), que relatam cansaço e falta de disposição (OR = 1,53; IC95% 1,19 - 1,97) e que fumam atualmente (OR = 4,10; IC95% 2,95 - 5,70). Por outro lado, verificou-se menor chance de CEEA entre as mulheres (OR = 0,43; IC95% 0,34 - 0,54), se comparadas aos homens. Participar de cultos ou atividades religiosas reduz em 33% (OR = 0,67; IC95% 0,53 - 0,84) a chance de ocorrência de um episódio de CEEA, em comparação à não participação nesse tipo de atividade.

Tabela 3.
Análise multivariada avaliando os fatores associados ao consumo excessivo episódico de álcool entre adultos jovens, Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Brasil, 2013.

Ainda sobre o modelo final, foram estimadas as prevalências de CEEA considerando-se diferentes perfis, conforme apresentado na Figura 2. Mulheres de 18 a 20 anos que vivem com companheiro, não trabalham atualmente, não relataram problemas de cansaço, não fumam atualmente e costumam participar de atividades religiosas têm probabilidade de CEEA de apenas 7,4%. Por outro lado, entre homens de 21 a 24 anos que não têm companheira, exercem atividade remunerada atualmente, relataram problemas de cansaço, fumam atualmente e não costumam participar de atividades religiosas, essa probabilidade sobe para 80%.

Figura 2.
Diagrama de probabilidades do consumo de álcool excessivo episódico, de acordo com o modelo final de regressão logística, entre adultos jovens (18 a 24 anos), segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Brasil, 2013.

DISCUSSÃO

A prevalência de CEEA entre jovens brasileiros foi de 17%, variando de acordo com a região do país. Mostraram-se fatores associados ao aumento dessa prevalência estar na faixa etária entre 21 e 24 anos, exercer atividades remuneradas atualmente, ter relatado problemas de cansaço e falta de disposição e fumar atualmente. Por outro lado, estiveram associados à menor chance desse padrão de consumo ser mulher e participar de cultos ou atividades religiosas.

Ao analisar o CEEA no mundo, podemos constatar que a prevalência no Brasil se mostrou relativamente semelhante, apesar de um pouco inferior, à encontrada na população de mesma faixa etária residente na província de Córdoba, na Argentina, em 2013 (25,5%)1414. Villacé MB, Fernández AR, Costa Júnior ML. Consumo de álcool de acordo com características sociodemográficas em jovens de 18 e 24 anos. Rev Latino-Am Enfer 2013; 21(5). https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000500018
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, ou entre jovens dos Estados Unidos entre os anos de 2005 e 2015 (variando de 17,7% aos 18 anos a 32,1% aos 24)1919. Patrick ME, Terry-McElrath Y, Miech RA, Schulenberg JE, O’Malley PM, Johnston LD. Age-Specific Prevalence of Binge and High-Intensity Drinking among US Young Adults: Changes from 2005 to 2015. Alcohol Clin Exp Res 2017; 41(7): 1319-28. https://doi.org/10.1111/acer.13413
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, além de moradores de 16 a 35 anos da região urbana de Israel, em 2017 (22%)2020. Levison D, Rosca P, Vilner D, Brimberg I, Stall Y, Rimom A. Binge drinking among young adults in an urban tertiary care emergency department in Israel. Isr J Health Policy Res 2017; 6: 34. https://dx.doi.org/10.1186%2Fs13584-017-0156-1
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.

No que se refere à distribuição regional, outro estudo que avaliou o CEEA por meio dos dados da PNS em 2013, mas sem o recorte de idade utilizado no presente trabalho, também observou maiores prevalências de consumo excessivo nos estados da Bahia, Mato Grosso do Sul, Amapá, Goiás e Piauí1111. Garcia LP, Freitas LRS. Consumo Abusivo de Álcool no Brasil: Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 227-37. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200005
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. Dessa forma, pode-se inferir que as altas taxas encontradas nesses locais refletem um padrão de consumo da população e não especificamente dos adultos jovens. No entanto, chamam atenção os achados do presente estudo para o estado do Rio Grande do Sul, que também apresentou elevadas prevalências de CEEA entre jovens (acima de 20%), embora tenha sido um dos estados com menores prevalências na população geral brasileira, segundo Garcia e Freitas1111. Garcia LP, Freitas LRS. Consumo Abusivo de Álcool no Brasil: Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 227-37. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200005
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. Esse resultado aponta para um destaque no consumo abusivo de álcool entre os jovens desse estado em comparação a outras camadas etárias, demonstrando a importância do aprofundamento nas características relacionadas ao consumo de álcool da população desse local, nessa faixa etária específica. Outras pesquisas seriam necessárias para compreender melhor esse achado, no entanto, é conhecido que diferenças regionais, tais como as características econômicas, o acesso à educação e ao sistema de saúde, bem como as diferenças culturais, podem estar relacionadas ao consumo de álcool da população brasileira2121. Bortoluzzi MC, Traebert J, Loguercio A, Kehrig RT. Prevalência e perfil dos usuários de álcool de população adulta em cidade do sul do Brasil. Ciên Saúde Coletiva 2010; 15(3): 679-85. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000300010
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.

Entre os fatores associados, o presente estudo constatou que os homens têm maior probabilidade de consumir álcool de forma excessiva e episódica do que as mulheres. Apesar das dificuldades nas comparações, pelo fato de poucos trabalhos terem analisado a faixa etária desta investigação, outras pesquisas trazem resultados semelhantes, revelando prevalência de consumo abusivo de álcool superior entre os homens em comparação com as mulheres1212. Machado IE, Monteiro MG, Malta DC, Lana FCF. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: relação entre uso de álcool e características sociodemográficas segundo o sexo no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(3): 408-22. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700030005
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. De acordo com Garcia e Freitas1111. Garcia LP, Freitas LRS. Consumo Abusivo de Álcool no Brasil: Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 227-37. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200005
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
, essa diferença entre os sexos é explicada pelo fato de que os homens se abstêm menos de bebidas alcoólicas e ingerem álcool com grande frequência e quantidade. Outra possível explicação para essa diferença por gênero é a cultura patriarcal e a relação da bebida com momentos de diversão e confraternização, mais estimulados entre os homens88. Gomes K, Amato TC, Bedendo A, Santos EL, Noto AR. Problemas associados ao binge drinking entre adolescentes das capitais brasileiras. Ciên Saúde Coletiva 2019; 24(2): 497-507. https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.35452016
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,2222. Laranjeira R, Pinsky I, Zaleski M, Caetano R. I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007.. Dessa forma, considerando o papel imposto à mulher na sociedade conservadora, o consumo excessivo de álcool poderia estar associado ao descumprimento do papel de esposa, de mãe que zela pelo cuidado dos filhos e pela ordem na casa1313. Guimarães MO, Paiva PCP, Paiva HN, Lamounier JA, Ferreira EF, Zarzar PMPA. Religiosidade como possível fator de proteção do binge drinking por escolares de 12 anos de idade: um estudo de base populacional. Ciên Saúde Coletiva 2018; 23(4): 1067-76. https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.04872016
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. Por outro lado, existem estudos na literatura que mostram tendência no aumento do uso e abuso de bebidas alcoólicas entre o sexo feminino. Para Villacé et al.1414. Villacé MB, Fernández AR, Costa Júnior ML. Consumo de álcool de acordo com características sociodemográficas em jovens de 18 e 24 anos. Rev Latino-Am Enfer 2013; 21(5). https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000500018
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, essa elevação entre as mulheres pode estar ligada às mudanças na sociedade nos últimos tempos, com o aumento da independência feminina e da participação no mundo do trabalho, no entanto esse padrão ainda não foi observado neste estudo de abrangência nacional.

De maneira semelhante aos resultados encontrados neste trabalho, pesquisa realizada com universitários dos cursos de Saúde no Rio Grande do Sul verificou que o perfil de consumo de álcool e a prática de beber pesado episódico foram predominantes entre aqueles que não possuíam nenhum tipo de relacionamento. Isso significa que ser solteiro proporcionou maiores chances de se praticar o CEEA. Esses autores ressaltam que os episódios de consumo excessivo estão associados à frequência dos jovens em festas e eventos com maior oferta de bebidas alcoólicas, que é praticada usualmente por jovens solteiros, favorecendo as altas prevalências nesse grupo específico2323. Pelicioli M, Barelli B, Gonçalves CBC, Hahn SR, Scherer JI. Perfil do consumo de álcool e prática do beber pesado episódico entre universitários brasileiros da área da saúde. J Bras Psiquiatr 2017; 66(3): 150-6. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000164
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.

Exercer alguma atividade remunerada atualmente foi outro fator associado a maiores chances de CEEA. Segundo Silva et al.2424. Silva FC, Oliveira AP, Mundim FL, Alves TA, Silva AN, Silva LLC, et. al. Consumo de álcool e fatores de risco associados entre estudantes de uma universidade federal brasileira, 2014. Hygeia 2016; 12(23): 1-10., o aumento do poder econômico pode gerar acesso facilitado ao álcool e outras drogas. Corroborando esses resultados, Esser et al.2525. Esser MB, Guy Jr. GP, Zhang K, Brewer RD. Binge Drinking and Prescription Opioid Misuse in the U.S., 2012−2014. Am J Prev Med 2019; 57(2): 197-208. https://dx.doi.org/10.1016%2Fj.amepre.2019.02.025
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destacam associação entre maior renda e o hábito de beber em excesso, apontando novamente para a possível associação entre o CEEA e o poder de consumo.

Outro achado do presente estudo foi a associação entre cansaço e CEEA. Segundo Araújo et al.2626. Araújo JS, Silva SED, Conceição VM, Santana ME, Souza RF. A bebida alcoólica no contexto laboral: um diálogo mediado pelas representações sociais. Tempus 2012; 6(3): 217-33. http://dx.doi.org/10.18569/tempus.v6i3.1165
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, a consumação de bebidas alcoólicas tem por finalidade a diminuição, mesmo que de forma passageira, do estresse causado pelo trabalho, e é utilizada como forma de descontração e relaxamento. Consumir álcool seria um meio de socialização para os indivíduos, servindo como fator de favorecimento das interações humanas, que só seriam viabilizadas com a presença dessas bebidas, caso contrário, o estresse e os problemas persistiriam e influenciariam de forma negativa na harmonia do ambiente. Por outro lado, é importante salientar que, apesar de o uso de álcool ser considerado fator de socialização e redução do estresse, seu consumo excessivo está associado a comportamentos que trazem sérias consequências, como acidentes de trânsito por dirigir embriagado, envolvimento em brigas, relações sexuais desprotegidas e utilização de outras substâncias psicoativas2424. Silva FC, Oliveira AP, Mundim FL, Alves TA, Silva AN, Silva LLC, et. al. Consumo de álcool e fatores de risco associados entre estudantes de uma universidade federal brasileira, 2014. Hygeia 2016; 12(23): 1-10..

Possuir algum vínculo religioso apresentou-se como fator protetor para o CEEA. Ferreira et al.2727. Ferreira LN, Bispo Júnior JP, Sales ZN, Casotti CA, Braga Junior ACR. Prevalência e fatores associados ao consumo abusivo e à dependência de álcool. Ciên Saúde Coletiva 2013; 18(11): 3409-18. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013001100030
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afirmam que as igrejas possuem papel fundamental no que diz respeito ao comportamento individual. Os dirigentes de igrejas atribuem papéis e normas de conduta a todos aqueles que seguem sua religião; entre essas regras podemos citar a forte campanha contra o uso de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas. Outros estudos têm sublinhado essa associação66. Silva LVER, Malbergier A, Stempliuk VA, Andrade AG. Fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários. Rev Saúde Pública 2006; 40(2): 280-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000200014
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,1313. Guimarães MO, Paiva PCP, Paiva HN, Lamounier JA, Ferreira EF, Zarzar PMPA. Religiosidade como possível fator de proteção do binge drinking por escolares de 12 anos de idade: um estudo de base populacional. Ciên Saúde Coletiva 2018; 23(4): 1067-76. https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.04872016
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, indicando que os jovens que praticam alguma atividade de cunho religioso acabam partilhando de valores e crenças previamente estabelecidos e que tendem a condenar veementemente a prática do consumo de bebidas alcoólicas. Ainda se pode destacar que o vínculo religioso pode promover o aprendizado de valores ligados à personalidade do indivíduo, como a valorização da vida, e opostos à imagem de destruição que é vinculada ao uso de drogas e álcool.

Outro fator que mostrou associação com o CEEA foi o hábito de fumar. Sabe-se que o consumo de uma substância pode desencadear a ingestão de outras e, dessa forma, pode-se observar a ordem crescente dos comportamentos de risco entre os jovens, começando pelo uso de substâncias legais, como o álcool e tabaco, e passando para substâncias ilegais, como a maconha, por exemplo1515. Abreu MNS, Caiaffa WT. Influência do entorno familiar e do grupo social no tabagismo entre jovens brasileiros de 15 a 24 anos. Rev Panam Salud Publica 2011; 30(1): 22-30.,2828. Barrenechea MA, González EC, López JMQ, González AB, Cortés FJM, Saiz AC. Prevalencia del consumo de tabaco en adolescentes. Influencia del entorno familiar. An Pediatr (Barc) 2007; 66(4): 357-66. https://dx.doi.org/10.1157/13101240
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. Para Simões et al. 2929. Simões C, Matos MG, Batista-Foguet J. Consumo de Substâncias na Adolescência: Um Modelo Explicativo. Psic Saúde Doenc 2006; 7(2): 147-64., o consumo de tabaco, o uso de drogas ilícitas e o bem-estar físico e social resultam em impactos positivos e negativos no nível de consumo de álcool, o que pode indicar relação direta entre essas duas variáveis. Estudo realizado na Califórnia no período de 2015 a 2016 apontou que os participantes relataram aumento da percepção de prazer ao fumar cigarros e beber álcool. Uma possível explicação são os efeitos farmacológicos combinados da nicotina, encontrada no fumo do tabaco, e o álcool, levando ao incremento do prazer durante a coutilização de álcool e nicotina. Essa intensificação do prazer pode ser uma explicação para as associações entre fumar e ter episódios de CEEA3030. Thrul J, Gubner NR, Tice CL, Lisha NE, Ling PM. Young adults report increased pleasure from using e-cigarettes and smoking tobacco cigarettes when drinking alcohol. Addict Behav 2019; 93: 135-40. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2019.01.011
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.

Entre as consequências nocivas do uso excessivo de álcool, pode-se destacar o envolvimento em situações de violência. Apesar de este fator não ter permanecido no modelo final, observou-se, na análise univariada, associação entre ter sofrido alguma violência nos últimos 12 meses e o CEEA entre os jovens brasileiros. Discutindo essa relação, uma revisão da literatura publicada em 2017 investigou a relação entre consumo de bebidas alcoólicas e violência física, levantando diversos artigos que concluem que o consumo de bebida alcoólica se mostra preditor da violência física, tanto para o adolescente perpetrador quanto para aquele que é vítima da violência. Os autores ressaltam que ter sido vítima de violência na infância e na adolescência também pode levar o adolescente ao consumo do álcool3131. Carvalho AP, Silva TC, Valença PAM, Santos DFBF, Colares V, Menezes VA. Consumo de álcool e violência física entre adolescentes: quem é o preditor? Ciên Saúde Coletiva 2017; 22(12): 4013-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.06172016
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. O presente estudo, dado o seu caráter transversal, não é capaz de apontar os caminhos dessa associação, isto é, se o fato de ter sofrido violência levou o jovem a ter consumo de álcool abusivo ou se o caminho é inverso, no entanto Laranjeira et al.3232. Laranjeira R, Duailibi SM, Pinsky I. Álcool e violência: a psiquiatria e a saúde pública. Rev Bras Psiquiatr 2005; 27(3): 176-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462005000300004
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argumentam que o consumo de álcool é, no mínimo, um importante facilitador de situações de violência e afirmam que não faltam evidências científicas de sua participação nos homicídios, suicídios, violência doméstica, crimes sexuais, atropelamentos e acidentes envolvendo motoristas alcoolizados. Segundo esses autores, de 15 a 66% de todos os homicídios e agressões sérias são casos em que o agressor, a vítima ou ambos tinham ingerido bebida alcóolica, com destaque para a violência contra as mulheres, já que de 13 a 50% dos casos de estupro e atentados ao pudor, além de 52% dos casos de violência doméstica, estão ligados ao álcool. Os autores apontam que um dos caminhos preventivos, tendo em vista essa relação, é a implementação de intervenções ambientais, como o controle sobre o preço de bebidas alcoólicas e seus pontos de venda e controles sobre os produtos a ser vendidos, evitando-se as promoções e a publicidade. Essas ações poderiam reduzir a ligação entre álcool e violência3232. Laranjeira R, Duailibi SM, Pinsky I. Álcool e violência: a psiquiatria e a saúde pública. Rev Bras Psiquiatr 2005; 27(3): 176-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462005000300004
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.

No que se refere às limitações apresentadas no presente trabalho, destaca-se o fato de se tratar de um estudo transversal, o que impossibilita o levantamento de possíveis hipóteses causais. Além disso, como os dados envolvem respostas a um questionário, existe a tendência dos participantes em omitir comportamentos de risco, o que pode levar à subestimação do CEEA. Vale ressaltar que, em se tratando de dados secundários, algumas informações relevantes para o estudo dos possíveis fatores associados, tais como a influência dos pares ou familiares, não puderam ser analisadas.

Pode-se concluir que foi observada alta prevalência de CEEA entre jovens brasileiros, e destaca-se a importância da presente investigação em traçar o perfil desses jovens em uma amostra com abrangência nacional. Isso pode favorecer a implantação de políticas públicas de prevenção voltadas para essa população específica, além de práticas educativas que visem à não adesão ou interrupção desse comportamento de risco, que tem de ser tratado não unicamente de forma curativa, mas sim com estratégias de educação.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2019
  • Revisado
    11 Mar 2020
  • Aceito
    01 Abr 2020
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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