RESUMO:
Objetivo:
Comparar as mudanças de estilos de vida durante a pandemia COVID-19, segundo a presença ou não de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em adultos brasileiros.
Métodos:
Estudo transversal, com dados da pesquisa ConVid - Pesquisa de Comportamentos, realizada entre abril e maio de 2020. Avaliaram-se as variáveis estilo de vida e presença de uma ou mais DCNT (diabetes, hipertensão, doença respiratória, doença do coração e câncer). As características sociodemográficas foram usadas como ajuste. Calcularam-se as frequências relativas e os intervalos de confiança (IC) de 95% das variáveis antes da e durante a pandemia. Para a comparação de grupos, sem ou com DCNT, estimaram-se as prevalências e razões de prevalência bruta e ajustada (RPa) utilizando a regressão de Poisson.
Resultados:
Houve redução da prática de atividade física (60% nos sem DCNT e 58% nos com DCNT) e do consumo de hortaliças (10,8% nos sem DCNT e 12,7% nos com DCNT). Verificou-se aumento no tempo de uso de televisão e computador/tablet (302 e 43,5% nos sem DCNT e 196,5 e 30,6% nos com DCNT, respectivamente); consumo de congelados (43,6% nos sem DCNT e 53,7% com DCNT), salgadinhos (42,3% sem DCNT e 31,2% com DCNT) e chocolate (14,8% sem DCNT). Durante a pandemia, portadores de DCNT apresentaram menor prática de atividade física suficiente (RPa = 0,77; IC95% 0,65 - 0,92), maior hábito de assistir à televisão (RPa = 1,16; IC95% 1,08 - 1,26) e menor consumo de hortaliças (RPa = 0,88; IC95% 0,81 - 0,96).
Conclusão:
Evidenciou-se que adultos com DCNT tiveram seus estilos de vida mais alterados durante a pandemia de COVID-19.
Palavras-chave:
Quarentena; Coronavírus; Estilo de vida; Fatores de risco; Doenças não transmissíveis; Brasil
INTRODUÇÃO
Globalmente, estima-se que, por ano, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) sejam responsáveis por 41 milhões de óbitos (70% de todas as mortes)11. World Health Organization. Noncommunicable Diseases Progress Monitor 2020. Genebra: World Health Organization; 2020.. No Brasil, a elevada carga das DCNT é semelhante, correspondendo a 76% das causas de morte22. Malta DC, França E, Abreu DMX, Perillo RD, Salmen MC, Teixeira R, et al. Mortality due to non-communicable diseases in the Brazil, 1990 to 2015, according to estimates from the Global Burden of Disease study. São Paulo Med J 2017; 135(3): 213-21. https://doi.org/10.1590/1516-3180.2016.0330050117
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... . As DCNT resultam em consequências devastadoras para os indivíduos, famílias e comunidades, além de sobrecarregar os sistemas de saúde11. World Health Organization. Noncommunicable Diseases Progress Monitor 2020. Genebra: World Health Organization; 2020.,33. World Health Organization. World health statistics 2018: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. Genebra: World Health Organization ; 2019.,44. Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, Teixeira R, Ribeiro ALP, Felisbino-Mendes MC, et al. Trends in mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult population: national and subnational estimates and projections for 2030. Popul Health Metrics 2020; 18(Supl. 1): 16. https://doi.org/10.1186/s12963-020-00216-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/... .
Diversas iniciativas nacionais e globais têm sido propostas para a prevenção e controle das DCNT. A Organização das Nações Unidas incluiu nos objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) metas para a redução das DCNT e de fatores de risco até 203055. United Nations. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development [Internet]. 2016 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld
https://sustainabledevelopment.un.org/po... . Salienta-se que esse compromisso já era desafiador e, somado à pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), poderá não ser alcançado66. World Health Organization. The impact of the COVID-19 pandemic on noncommunicable disease resources and services: results of a rapid assessment. Genebra: World Health Organization ; 2020., haja vista que a pandemia pode afetar os estilos de vida e comprometer os cuidados em saúde de pessoas portadoras de DCNT77. The Lancet. COVID-19: a new lens for non-communicable diseases. Lancet 2020; 396(10252): 649. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31856-0
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... .
As DCNT são as principais comorbidades dos pacientes com COVID-1977. The Lancet. COVID-19: a new lens for non-communicable diseases. Lancet 2020; 396(10252): 649. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31856-0
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,88. Clark A, Jit M, Warren-Gash C, Guthrie B, Wang HHX, Mercer SW, et al. Global, regional, and national estimates of the population at increased risk of severe COVID-19 due to underlying health conditions in 2020: a modelling study. Lancet Global Health 2020; 8(8): E1003-17. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30264-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,99. Azarpazhooh MR, Morovatdar N, Avan A, Phan TG, Divani AA, Yassi N, et al. COVID-19 Pandemic and Burden of Non-Communicable Diseases: An Ecological Study on Data of 185 Countries. J Stroke Cerebrovasc Dis 2020; 29(9): 105089. https://doi.org/10.1016%2Fj.jstrokecerebrovasdis.2020.105089
https://doi.org/https://doi.org/10.1016%... , sendo responsáveis pelo agravamento da condição clínica e pela elevação do tempo de internação e das taxas de mortalidade1010. Kluge HHP, Wickramasinghe K, Rippin HL, Mendes R, Peters DH, Kontsevaya A, et al. Prevention and control of non-communicable diseases in the COVID-19 response. Lancet 2020; 395(10238): 1678-80. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31067-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,1111. Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW, et al. Presenting Characteristics, Comorbidities, and Outcomes Among 5700 Patients Hospitalized With COVID-19 in the New York City Area. JAMA 2020; 323(20): 2052-9. https://doi.org/10.1001%2Fjama.2020.6775
https://doi.org/https://doi.org/10.1001%... . Ademais, as medidas de distanciamento social têm potencial repercussão na saúde e qualidade de vida das pessoas com DCNT66. World Health Organization. The impact of the COVID-19 pandemic on noncommunicable disease resources and services: results of a rapid assessment. Genebra: World Health Organization ; 2020., embora sejam essenciais para reduzir a propagação do vírus1212. Nussbaumer-Streit B, Mayr V, Dobrescu AI, Chapman A, Persad E, Klerings I, et al. Quarantine alone or in combination with other public health measures to control COVID‐19: a rapid review. Cochrane Database of Syst Rev 2020; (4): CD013574. https://doi.org/10.1002/14651858.cd013574
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/... ,1313. Aquino E, Silveira IH, Pescarini J, Aquino R, Souza-Filho JA, Rocha AS, et al. Social distancing measures to control the COVID-19 pandemic: potential impacts and challenges in Brazil. Ciên Saúde Colet 2020; 25(Supl. 1): 2423-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10502020
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... .
Estudos realizados no Brasil1414. Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, et al. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(4): e2020407. https://doi.org/10.1590/s1679-49742020000400026
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... e em outros países1515. van Zyl-Smit RN, Richards G, Leone FT. Tobacco smoking and COVID-19 infection. Lancet Respir Med 2020; 8(7): 664-5. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30239-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,1616. Stanton R, To QG, Khalesi S, Williams SL, Alley SJ, Thwaite TL, et al. Depression, Anxiety and Stress during COVID-19: Associations with Changes in Physical Activity, Sleep, Tobacco and Alcohol Use in Australian Adults. Int J Environ Res Public Health 2020; 17(11): 4065. https://doi.org/10.3390%2Fijerph17114065
https://doi.org/https://doi.org/10.3390%... ,1717. García-Álvarez L, Fuente-Tomás L, Sáiz PA, García-Portilla MP, Bobes J. Will changes in alcohol and tobacco use be seen during the COVID-19 lockdown? Adicciones 2020; 32(2): 85-9. https://doi.org/10.20882/adicciones.1546
https://doi.org/https://doi.org/10.20882... ,1818. Clay JM, Parker MO. Alcohol use and misuse during the COVID-19 pandemic: a potential public health crisis?. Lancet Public Health 2020; 5(5): e259. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30088-8
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... observaram mudanças nos estilos de vida nos adultos em decorrência da pandemia de COVID-19, como aumento do consumo do álcool e tabaco1717. García-Álvarez L, Fuente-Tomás L, Sáiz PA, García-Portilla MP, Bobes J. Will changes in alcohol and tobacco use be seen during the COVID-19 lockdown? Adicciones 2020; 32(2): 85-9. https://doi.org/10.20882/adicciones.1546
https://doi.org/https://doi.org/10.20882... e de alimentos ultraprocessados1414. Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, et al. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(4): e2020407. https://doi.org/10.1590/s1679-49742020000400026
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... e comportamento sedentário1414. Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, et al. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(4): e2020407. https://doi.org/10.1590/s1679-49742020000400026
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... ,1616. Stanton R, To QG, Khalesi S, Williams SL, Alley SJ, Thwaite TL, et al. Depression, Anxiety and Stress during COVID-19: Associations with Changes in Physical Activity, Sleep, Tobacco and Alcohol Use in Australian Adults. Int J Environ Res Public Health 2020; 17(11): 4065. https://doi.org/10.3390%2Fijerph17114065
https://doi.org/https://doi.org/10.3390%... . O convívio com situações ansiogênicas e estressantes, como perda do emprego, situações de trabalho inseguras e redução de rendimentos, pode resultar na piora dos comportamentos de saúde, tais como aumento do consumo do tabaco e álcool1515. van Zyl-Smit RN, Richards G, Leone FT. Tobacco smoking and COVID-19 infection. Lancet Respir Med 2020; 8(7): 664-5. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30239-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,1616. Stanton R, To QG, Khalesi S, Williams SL, Alley SJ, Thwaite TL, et al. Depression, Anxiety and Stress during COVID-19: Associations with Changes in Physical Activity, Sleep, Tobacco and Alcohol Use in Australian Adults. Int J Environ Res Public Health 2020; 17(11): 4065. https://doi.org/10.3390%2Fijerph17114065
https://doi.org/https://doi.org/10.3390%... ,1717. García-Álvarez L, Fuente-Tomás L, Sáiz PA, García-Portilla MP, Bobes J. Will changes in alcohol and tobacco use be seen during the COVID-19 lockdown? Adicciones 2020; 32(2): 85-9. https://doi.org/10.20882/adicciones.1546
https://doi.org/https://doi.org/10.20882... ,1818. Clay JM, Parker MO. Alcohol use and misuse during the COVID-19 pandemic: a potential public health crisis?. Lancet Public Health 2020; 5(5): e259. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30088-8
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... .
No contexto das DCNT, diante da elevada carga e transcendência das condições crônicas, o cenário imposto pela pandemia de COVID-19 reforça a importância da priorização de uma abordagem integral à saúde da população, de ações de vigilância de doenças e cuidados durante e após a pandemia1818. Clay JM, Parker MO. Alcohol use and misuse during the COVID-19 pandemic: a potential public health crisis?. Lancet Public Health 2020; 5(5): e259. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30088-8
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... . A crise sanitária ocasionou mudanças nas formas de atenção no sistema de saúde1919. Pan American Health Organization. Diretora da OPAS afirma que luta contra a pandemia de COVID-19 deve incluir tratamento de doenças crônicas [Internet]. Washington, D.C.: Pan American Health Organization; 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6181:diretora-da-opas-afirma-que-luta-contra-a-pandemia-de-covid-19-deve-incluir-tratamento-de-doencas-cronicas&Itemid=839
https://www.paho.org/bra/index.php?optio... , que culminaram na falta de medicamentos, dificuldades de acesso aos serviços1919. Pan American Health Organization. Diretora da OPAS afirma que luta contra a pandemia de COVID-19 deve incluir tratamento de doenças crônicas [Internet]. Washington, D.C.: Pan American Health Organization; 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6181:diretora-da-opas-afirma-que-luta-contra-a-pandemia-de-covid-19-deve-incluir-tratamento-de-doencas-cronicas&Itemid=839
https://www.paho.org/bra/index.php?optio... ,2020. Barone MTU, Harnik SB, Luca PV, Lima BLS, Wieselberg RJP, Ngongo B, et al. The impact of COVID-19 on people with diabetes in Brazil. Diabetes Res Clin Pract 2020; 166: 108304. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108304
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,2121. Barone MTU, Villarroel D, Luca PV, Harnik SB, Lima BLS, Wieselberg RJP, et al. COVID-19 impact on people with diabetes in South and Central America (SACA region). Diabetes Res Clin Pract 2020; 166: 108301. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108301
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... e aumento de fatores de riscos para DCNT1414. Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Machado ÍE, Souza Júnior PRB, et al. The COVID-19 Pandemic and changes in adult Brazilian lifestyles: a cross-sectional study, 2020. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(4): e2020407. https://doi.org/10.1590/s1679-49742020000400026
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... .
Nesse sentido, considerando a necessidade do monitoramento do estado de saúde e dos comportamentos de portadores de DCNT, sobretudo na conjuntura da pandemia de COVID-19, torna-se relevante investigar se ocorreram mudanças no estilo de vida nessa população, uma vez que são escassos os estudos que abordam essa temática no contexto brasileiro. Assim, esta investigação visou comparar as mudanças de estilos de vida em adultos brasileiros durante a pandemia COVID-19, segundo a presença ou não de DCNT.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, que utilizou os dados da pesquisa ConVid - Pesquisa de comportamentos, um inquérito virtual de saúde realizado durante a pandemia da COVID-19 para avaliar as mudanças que ocorreram na vida dos adultos brasileiros2222. Fundação Oswaldo Cruz. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. ConVid - Pesquisa de Comportamentos [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020 [acessado em 10 dez. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=questionario_adulto
https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=... . O questionário2222. Fundação Oswaldo Cruz. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. ConVid - Pesquisa de Comportamentos [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020 [acessado em 10 dez. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=questionario_adulto
https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=... abordava características sociodemográficas, adesão às medidas de restrição social, perdas econômicas, doenças crônicas, alterações nos estilos de vida e no estado de ânimo, entre outras temáticas.
A coleta de dados foi realizada entre abril e maio de 2020. Os participantes foram convidados a participar da pesquisa por meio de um processo de amostragem em cadeia2323. Costa BRL. Bola de neve virtual: o uso das redes sociais virtuais no processo de coleta de dados de uma pesquisa científica. Rev Interdiscip Gestão Social [Internet] 2018 [acessado em 11 out. 2020]; 7(1): 15-37. Disponível em: Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/rigs/article/view/24649
https://portalseer.ufba.br/index.php/rig... . Na primeira etapa, os pesquisadores envolvidos escolheram o total de 200 outros pesquisadores de diferentes estados do Brasil e, adicionalmente, selecionaram, cada um, 20 pessoas de suas respectivas redes sociais. As pessoas escolhidas na primeira etapa desencadearam os convites a pelo menos 12 pessoas de suas redes sociais, obedecendo à estratificação por sexo, faixa etária (18-39; 40-59; ≥ 60) e grau de escolaridade (ensino médio incompleto ou menos; ensino médio completo ou mais). A cada convidado se solicitou que convidasse pelo menos outras três pessoas de suas redes sociais. Com esse processo, a amostra final foi de 45.160 indivíduos. Utilizaram-se pesos de pós-estratificação com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios em 20192424. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc... ,2525. Silva PLN. Calibration estimation. When and why, how much and how [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ; 2004 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/bibliotecacatalogo?id=281040&view=detalhes
https://biblioteca.ibge.gov.br/bibliotec... para obter a mesma distribuição da população brasileira por Unidade da Federação, sexo, faixa etária, raça/cor e grau de escolaridade.
O estudo constitui uma parceria entre pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Campinas. Os participantes preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido e todas as respostas foram anônimas. Obteve-se a aprovação da pesquisa pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (número do parecer: 3.980.277).
Neste estudo, a variável “ter uma ou mais DCNT” foi aferida pela pergunta: “Algum médico já lhe deu o diagnóstico de alguma destas doenças (diabetes, hipertensão, doença respiratória, doença do coração, câncer)?”
Foram analisadas as variáveis listadas a seguir, relacionadas ao estilo de vida antes da e durante a pandemia.
Prática de atividade física (AF), avaliada pelas questões: “Antes da pandemia, quantos dias por semana você praticava algum tipo de exercício físico ou esporte?”; “Durante a pandemia, quantos dias por semana você pratica/praticava exercício físico ou esporte?”. As alternativas de respostas para essas perguntas foram: a) menos de um dia por semana; b) um a dois dias; c) três a quatro dias; e d) cinco ou mais dias. “Antes da pandemia, quanto tempo durava essa atividade?”; “Durante a pandemia, quanto tempo durava essa atividade?”. As opções de respostas foram: a) menos de 30 minutos; b) 30 a 45 minutos; c) 46 a 60 minutos; e d) uma hora ou mais. Foram considerados suficientemente ativos os indivíduos que relataram pelo menos 150 minutos semanais de AF2626. World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Genebra: World Health Organization ; 2011..
Comportamento sedentário, avaliada pelo tempo diante de telas na televisão e computador/tablet. Quanto ao tempo gasto com televisão, as questões utilizadas foram: “Antes da pandemia, quantas horas por dia você assistia à televisão?”; “Durante a pandemia, quantas horas por dia você tem assistido/assistia à televisão?”. As opções de resposta foram: a) não assistia televisão; b) menos de uma hora; c) entre 1 hora e menos de 2 horas; d) entre 2 horas e menos de 3 horas; e) entre 3 horas e menos de 4 horas; f) entre 4 horas e menos de 5 horas; g) entre 5 horas e menos de 6 horas; e h) 6 horas ou mais. Para uso de computar/tablet as perguntas utilizadas foram: “Antes da pandemia, quantas horas por dia você costumava usar computador ou tablet?”; “Durante a pandemia, quantas horas por dia você tem feito uso do computador ou tablet?” A resposta era aberta e o respondente indicava o número em horas. Ambos os indicadores foram classificados usando o ponto de corte de 4 horas/dia2727. Mielke GI, Hallal PC, Rodrigues GBA, Szwarcwald CL, Santos FV, Malta DC. Prática de atividade física e hábito de assistir à televisão entre adultos no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 277-86. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200010
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/... .Consumo de alimentos saudáveis (verduras ou legumes, frutas e feijão) e não saudáveis (pizza congelada ou lasanha congelada ou outro prato pronto congelado; salgadinhos “de pacote”; embutidos, chocolates, doces), avaliada pela indicação do consumo desses alimentos pela seguinte questão: “Usualmente, antes da pandemia, em quantos dias da semana costumava comer esses alimentos?” e “Durante a pandemia, em quantos dias da semana costumava comer esses alimentos?”. As opções de respostas foram: a) cinco dias ou mais; b) de dois a quatro dias; c) um dia ou menos. Para os alimentos saudáveis foi considerado como adequado o consumo em cinco ou mais dias da semana2828. World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Genebra: World Health Organization ; 2003.. Para alimentos não saudáveis foi considerada como inadequada a frequência de dois ou mais dias na semana, visto que não é recomendado o consumo desses alimentos indiscrimidamente2929. Monteiro CA, Cannon G, Lawrence M, Costa Louzada ML, Machado PP. Ultra-processed foods, diet quality, and health using the NOVA classification system [Internet]. Roma: Food and Agriculture Organization of the United Nations; 2019 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.fao.org/3/ca5644en/ca5644en.pdf
http://www.fao.org/3/ca5644en/ca5644en.p... ;Aumento do consumo de bebida alcoólica, analisada pela questão: “Durante a pandemia como foi o consumo de bebida alcoólica?”. As opções de respostas foram: a) continuei bebendo com a mesma frequência; b) estou bebendo mais; c) estou bebendo menos; e d) tinha parado de beber, mas comecei novamente. Foram consideradas como aumento do consumo de bebida alcóolica as alternativas “b” e “d”, sendo as repostas “a” e “c” categorizadas como “não”.
Aumento no consumo de cigarros, para a qual se utilizaram as questões: “O sr. é fumante?” e, se sim: “Antes da pandemia, em média, quantos cigarros você costumava fumar por dia?” e “Durante a pandemia, em média, quantos cigarros você passou a fumar por dia?” As opções de respostas foram: a) não fumava cigarros; b) menos de um por dia; c) um a nove cigarros; d) de 10 a 19 cigarros; e) de 20 a 29 cigarros; f) de 30 a 39 cigarros; g) de 40 ou mais cigarros. Para avaliar a quantidade de cigarros foi usado o ponto médio da categoria de resposta e foi calculada a diferença entre os dois momentos. Considerou-se aumento no consumo de cigarros a diferença positiva.
Inicialmente, realizou-se a análise descritiva das variáveis de estilo de vida antes da e durante a pandemia por meio do cálculo de frequências relativas e intervalos de confiança de 95% (IC95%) e procedeu-se ao cálculo do percentual de mudança dos comportamentos durante a pandemia. Diferenças estatisticamente significativas foram identificadas por meio da não sobreposição dos IC95% das prevalências em questão.
Foram também comparados os dois grupos populacionais (dos que têm uma ou mais DCNT e os sem DCNT) em relação aos estilos de vida durante a pandemia, calculando-se a prevalência e a razão de prevalência (RP) bruta e ajustada por sexo (masculino e feminino), faixa etária (18 a 39; 40 a 59; ≥ 60 anos) e escolaridade (ensino fundamental completo ou menos; ensino médio completo; ensino superior completo ou mais) e respectivos IC95%. Para isso, aplicou-se o modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Utilizou-se o Software for Statistics and Data Science (Stata) versão 14 para o processamento das informações, empregando o módulo survey, que considera os pesos de pós-estratificação.
RESULTADOS
Avaliaram-se 45.161 indivíduos, sendo: 53,6% (IC95% 52 - 55) do sexo feminino; 45,7% (IC95% 44,3 - 47,1) entre 18 a 39 anos; e 72,4% (IC95% 71,3 - 73,5) com ensino médio completo (dados não mostrados).
A prevalência de hipertensão, diabetes, doença respiratória, doenças do coração e câncer foi, respectivamente, de 19,3% (IC95% 18,2 - 20,4), 7,2% (IC95% 6,5 - 8), 11,3% (IC95% 10,4 - 12,2), 4,3% (IC95% 3,7 - 5) e 2,4 (IC95% 2,1 - 2,9) (Figura 1A). A prevalência de uma ou mais DCNT foi de 33,9% (IC95% 32,5 - 35,3), sendo mais elevada com o aumento da idade (38,3%; IC95% 36 - 40,6 entre 40 e 59 anos; e 58,6%; IC95% 55,3 - 61,9 em 60 anos e mais) e entre os menos escolarizados (39,3%; IC95% 34,4 - 44,5), sem diferenças segundo sexo (Figura 1B).
Prevalência autorreferida de (A) uma ou mais doença crônica não transmissível e (B) ter uma ou mais DCNT segundo características sociodemográficas. Convid - Pesquisa de Comportamentos, Brasil, 2020.
A Tabela 1 mostra as prevalências e o percentual (%) de mudanças dos indicadores de AF e consumo de alimentos antes da e durante a pandemia segundo a presença de DCNT. Houve redução da prática de AF em 60% nos grupos sem DCNT e em 58% nos com DCNT. O aumento do tempo de uso de televisão e computador/tablet foi de 302 e 43,5%, respectivamente, no grupo sem DCNT e de 196,5 e 30,6% nos portadores de DCNT.
Em relação ao consumo de alimentos saudáveis, na população sem DCNT, o consumo de hortaliças reduziu em 10,8% e o de frutas em 3,5%, e, nos com DCNT, reduziu em 12,7% e aumentou em 37,4%, respectivamente. Destaca-se que a redução no consumo de frutas não foi significativa em ambos os grupos. Quanto ao consumo de alimentos não saudáveis, na população sem DCNT o uso de produtos congelados aumentou 43,6%, de salgadinhos 42,3%, de chocolate 14,8% e de embutidos 0,72%. Houve diferenças estatisticamente significativas em todos os alimentos, exceto nos embutidos. Nas pessoas com DCNT, o aumento do consumo de congelados, salgadinhos e chocolates foi de 53,7, 31,2 e 12,5% e a redução foi de 6% para embutidos, entretanto a mudança não foi significativa para consumo de embutidos e de chocolates (Tabela 1).
Na Tabela 2 são apresentadas as prevalências e RP bruta e ajustada (RPa) da prática de AF, dos comportamentos sedentários e hábitos alimentares durante a pandemia, entre a população com e sem uma ou mais DCNT. Verificou-se que, durante a pandemia, as pessoas com uma ou mais DCNT apresentaram menor prática de AF suficiente (RPa = 0,77; IC95% 0,65 - 0,92) e maior hábito de assistir à televisão por 4 horas ou mais/dia (RPa = 1,16; IC95% 1,08 - 1,26). O tempo de uso de computador/tablet não diferiu entre os grupos (RPa = 0,96; IC95% 0,90 - 1).
Prevalência e razão de prevalência bruta e ajustada da prática de atividade física, comportamentos sedentários, hábitos alimentares, aumento do consumo de álcool e cigarros durante a pandemia, segundo presença de uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis. Convid - Pesquisa de Comportamentos, Brasil, 2020.
Em relação ao consumo de alimentos saudáveis e não saudáveis, observou-se que, durante a pandemia, as pessoas com DCNT relataram menor ingestão adequada de hortaliças (RPa = 0,88; IC95% 0,81 - 0,96). Adicionalmente, os portadores de DCNT tiveram prevalência menor para o consumo de alimentos não saudáveis, mas não houve diferenças significativas após o ajuste por idade, escolaridade e sexo (Tabela 2).
Na Tabela 2, ao se analisar aumento de consumo de bebidas alcóolicas e cigarros durante a pandemia segundo o diagnóstico de DCNT, evidencia-se que as pessoas com ao menos uma DCNT apresentaram menor aumento no consumo de bebida alcóolica (15,1%; IC95% 13,3 - 17,2) em comparação às que não apresentam DCNT (18,9%; IC95% 17,3 - 20,6). Todavia, quando as análises foram ajustadas, não houve diferença entre os grupos. O aumento de consumo de cigarros foi de 34,8% (IC95% 28,9 - 41,2) entre as pessoas com DCNT e de 33,7% (IC95% 29,1 - 38,6) entre os que não relatam DCNT, mas sem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O estudo apontou que ocorreram mudanças nos estilos de vida da população com e sem DCNT após a pandemia, como redução da AF e aumento do tempo sedentário, redução do consumo de hortaliças e aumento de alimentos ultraprocessados, como congelados e salgadinhos. Ao se analisarem as prevalências dos estilos de vida durante a pandemia entre os dois grupos, observou-se que os portadores de DCNT apresentaram menor prática de AF, consumo menos adequado de hortaliças e maior tempo sedentário em frente da televisão durante a pandemia. Quanto ao consumo de tabaco, álcool, frutas e alimentos não saudáveis, não houve diferença entre os grupos.
A Pesquisa Nacional de Saúde3030. Malta DC, Stopa S, Szwarcwald CL, Gomes NL, Silva Júnior JB, Reis AAC. Surveillance and monitoring of major chronic diseases in Brazil - National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(Supl. 2): 3-16. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060002
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... encontrou prevalências autorreferidas semelhantes de hipertensão arterial (21,4%), diabetes (6,2%), asma (4,4%), doença do coração (4,8%) e câncer (1,8%). A prevalência de uma ou mais DCNT foi mais elevada (45,1%), todavia a lista de DCNT avaliadas foi mais extensa, contendo treze. Além disso, observaram-se maiores prevalências de DCNT com o aumento da idade e a baixa escolaridade3030. Malta DC, Stopa S, Szwarcwald CL, Gomes NL, Silva Júnior JB, Reis AAC. Surveillance and monitoring of major chronic diseases in Brazil - National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(Supl. 2): 3-16. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060002
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... . Sabe-se que as condições crônicas afetam os grupos sociais com maiores privações e mais vulneráveis aos determinantes sociais3131. Abrams EM, Szefler SJ. COVID-19 and the impact of social determinants of health. Lancet Respir Med 2020; 8(7): 659-61. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30234-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... . Por conseguinte, a agregação de DCNT em um cenário de desigualdades sociais e econômicas exacerba os efeitos adversos de cada doença individualmente, dado que a COVID-19, por ser considerada uma sindemia, tem efeitos sistêmicos e amplia as iniquidades3232. Horton R. Offline: COVID-19 is not a pandemic. Lancet 2020; 396(10255): 874. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32000-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... . Ainda, ao abordar a COVID-19, deve-se também chamar a atenção para as DCNT e seus fatores de risco, como hipertensão, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas e câncer3232. Horton R. Offline: COVID-19 is not a pandemic. Lancet 2020; 396(10255): 874. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32000-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... .
A piora nos estilos de vida durante a pandemia observada neste estudo também foi identificada em outros2020. Barone MTU, Harnik SB, Luca PV, Lima BLS, Wieselberg RJP, Ngongo B, et al. The impact of COVID-19 on people with diabetes in Brazil. Diabetes Res Clin Pract 2020; 166: 108304. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108304
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,2121. Barone MTU, Villarroel D, Luca PV, Harnik SB, Lima BLS, Wieselberg RJP, et al. COVID-19 impact on people with diabetes in South and Central America (SACA region). Diabetes Res Clin Pract 2020; 166: 108301. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108301
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,3333. Rehm J, Kilian C, Ferreira-Borges C, Jernigan D, Monteiro M, Parry CDH, et al. Alcohol use in times of the COVID 19: Implications for monitoring and policy. Drug Alcohol Rev 2020; 39(4): 301-4. https://doi.org/10.1111/dar.13074
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/... ,3434. Di Renzo L, Gualtieri P, Pivari F, Soldati L, Attinà A, Cinelli G, et al. Eating habits and lifestyle changes during COVID-19 lockdown: an Italian survey. J Transl Med 2020; 18(1): 229. https://doi.org/10.1186/s12967-020-02399-5
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/... . Tais mudanças poderão repercutir na qualidade de vida e saúde da população, resultando em uma epidemia de mortes evitáveis entre portadores de DCNT1919. Pan American Health Organization. Diretora da OPAS afirma que luta contra a pandemia de COVID-19 deve incluir tratamento de doenças crônicas [Internet]. Washington, D.C.: Pan American Health Organization; 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6181:diretora-da-opas-afirma-que-luta-contra-a-pandemia-de-covid-19-deve-incluir-tratamento-de-doencas-cronicas&Itemid=839
https://www.paho.org/bra/index.php?optio... . Por isso, torna-se imprescindível a implementação de uma agenda de promoção da saúde3535. Van den Broucke S. Why health promotion matters to the COVID-19 pandemic, and vice versa. Health Promot Int 2020; 35(2): 181-6. https://doi.org/10.1093/heapro/daaa042
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/... e o fortalecimento da atenção primária à saúde no enfrentamento dos impactos da pandemia e no distanciamento social3636. Daumas RP, Silva GA, Tasca R, Leite IC, Brasil P, Greco DB, et al. The role of primary care in the Brazilian healthcare system: limits and possibilities for fighting COVID-19. Cad Saúde Pública 2020; 36(6): e00104120. https://doi.org/10.1590/0102-311X00104120
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , com ênfase na manutenção das ações integrais de acompanhamento aos portadores de DCNT, utilizando telemonitoramento e telessaúde3737. Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, Paiva CCN, Ribeiro GR, Santos DL, et al. Challenges and opportunities for telehealth during the COVID-19 pandemic: ideas on spaces and initiatives in the Brazilian context. Cad Saúde Pública 2020; 36(5): e00088920. https://doi.org/10.1590/0102-311x00088920
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... .
Este estudo identificou que pessoas com uma ou mais DCNT apresentaram menor prática regular de AF durante a pandemia. Ressalta-se que a AF é essencial para a manutenção e a promoção da saúde e a qualidade de vida3838. Ferreira MJ, Irigoyen MC, Consolim-Colombo F, Saraiva JFK, Angelis K. Physically Active Lifestyle as an Approach to Confronting COVID-19. Arq Bras Cardiol 2020; 114(4): 601-2. https://doi.org/10.36660/abc.20200235
https://doi.org/https://doi.org/10.36660... ,3939. Crochemore-Silva I, Knuth AG, Wendt A, Nunes BP, Hallal PC, Santos LP, et al. Physical activity during the COVID-19 pandemic: a population-based cross-sectional study in a city of South Brazil. Ciên Saúde Colet 2020; 25(11): 4249-58. https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.29072020
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... , e a recomendação é a de se manter uma vida ativa4040. Sallis JF, Adlakha D, Oyeyemi A, Salvo D. An international physical activity and public health research agenda to inform coronavirus disease-2019 policies and practices. J Sport Health Sci 2020; 9(4): 328-34. https://doi.org/10.1016/j.jshs.2020.05.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... . A Organização Mundial da Saúde4141. Pan American Health Organization. OPAS incentiva comunidades a apoiarem as pessoas no enfrentamento da pandemia de COVID-19 [Internet]. Washington, D.C.: Pan American Health Organization ; 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6278:opas-incentiva-comunidades-a-apoiarem-as-pessoas-no-enfrentamento-da-pandemia-de-covid-19&Itemid=839
https://www.paho.org/bra/index.php?optio... incentiva os profissionais de saúde e gestores a buscarem estratégias para a manutenção de hábitos ativos e saudáveis durante o período de distanciamento social, especialmente para os grupos populacionais considerados de risco e, portanto, mais vulneráveis, como idosos e a população com DCNT99. Azarpazhooh MR, Morovatdar N, Avan A, Phan TG, Divani AA, Yassi N, et al. COVID-19 Pandemic and Burden of Non-Communicable Diseases: An Ecological Study on Data of 185 Countries. J Stroke Cerebrovasc Dis 2020; 29(9): 105089. https://doi.org/10.1016%2Fj.jstrokecerebrovasdis.2020.105089
https://doi.org/https://doi.org/10.1016%... ,4040. Sallis JF, Adlakha D, Oyeyemi A, Salvo D. An international physical activity and public health research agenda to inform coronavirus disease-2019 policies and practices. J Sport Health Sci 2020; 9(4): 328-34. https://doi.org/10.1016/j.jshs.2020.05.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... ,4242. Martinez-Ferran M, de la Guía-Galipienso F, Sanchis-Gomar F, Pareja-Galeano H. Metabolic Impacts of Confinement during the COVID-19 Pandemic Due to Modified Diet and Physical Activity Habits. Nutrients 2020; 12(6): 1549. https://doi.org/10.3390/nu12061549
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/... .
Os resultados indicam que a população com DCNT apresentou maior tempo em frente à televisão durante a pandemia. Esse fato é preocupante, visto que o comportamento sedentário tem efeito prejudicial à saúde, podendo contribuir para o surgimento e agravamento das DCNT, bem como deteriorar rapidamente a saúde cardiovascular e provocar mortes prematuras4343. Peçanha T, Goessler KF, Roschel H, Gualano B. Social isolation during the COVID-19 pandemic can increase physical inactivity and the global burden of cardiovascular disease. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2020; 318(6): H1441‐6. https://doi.org/10.1152/ajpheart.00268.2020
https://doi.org/https://doi.org/10.1152/... ,4444. Narici M, De Vito G, Franchi M, Paoli A, Moro T, Marcolin G, et al. Impact of sedentarism due to the COVID-19 home confinement on neuromuscular, cardiovascular and metabolic health: Physiological and pathophysiological implications and recommendations for physical and nutritional countermeasures. Eur J Sport Sci 2020; 12: 1-22. https://doi.org/10.1080/17461391.2020.1761076
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/... .
Discute-se que o distanciamento social implica alterações nos hábitos alimentares da população em geral, sendo observados o consumo reduzido de frutas e hortaliças e o consumo aumentado de congelados, salgadinhos e doces. Na Itália, 34,4% dos indivíduos pioraram sua alimentação durante a pandemia3434. Di Renzo L, Gualtieri P, Pivari F, Soldati L, Attinà A, Cinelli G, et al. Eating habits and lifestyle changes during COVID-19 lockdown: an Italian survey. J Transl Med 2020; 18(1): 229. https://doi.org/10.1186/s12967-020-02399-5
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/... . Nos Estados Unidos, houve aumento no volume de compras em supermercados, com estoque de alimentos ultraprocessados com alta densidade energética, como batatas fritas, pipoca, chocolate e sorvete4545. Bhutani S, Cooper JA. COVID-19 related home confinement in adults: weight gain risks and opportunities. Obesity (Silver Spring) 2020; 28(9): 1576-7. https://doi.org/10.1002/oby.22904
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/... ,4646. The Nielsen Company. COVID-19: Tracking the impact 2020 [Internet]. The Nielsen Company; 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.nielsen.com/us/en/
https://www.nielsen.com/us/en/... .
Os portadores de DCNT apresentaram menor consumo de hortaliças e consumo similar dos alimentos ultraprocessados. Esses achados podem ser explicados pela dificuldade no abastecimento e reposição de alimentos frescos e saudáveis, bem como pela facilidade de compra e estocagem de ultraprocessados4747. Silva Filho OJ, Gomes Júnior NN. The future at the kitchen table: COVID-19 and the food supply. Cad Saúde Pública 2020; 36(5): e00095220. https://doi.org/10.1590/0102-311X00095220
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... . Estudo realizado entre pacientes diabéticos no Brasil identificou importante adesão ao distanciamento social em função da percepção do risco aumentado para a COVID-19, entretanto reduziu a utilização dos serviços de saúde e houve relato de dificuldade na compra de alimentos2020. Barone MTU, Harnik SB, Luca PV, Lima BLS, Wieselberg RJP, Ngongo B, et al. The impact of COVID-19 on people with diabetes in Brazil. Diabetes Res Clin Pract 2020; 166: 108304. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108304
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... .
O aumento do consumo do álcool durante a pandemia do COVID-19, identificado neste estudo, também ocorreu em outros contextos e tem sido atribuído ao sofrimento psicológico e dificuldades financeiras3333. Rehm J, Kilian C, Ferreira-Borges C, Jernigan D, Monteiro M, Parry CDH, et al. Alcohol use in times of the COVID 19: Implications for monitoring and policy. Drug Alcohol Rev 2020; 39(4): 301-4. https://doi.org/10.1111/dar.13074
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/... , além da maior disponibilidade física e acessibilidade3333. Rehm J, Kilian C, Ferreira-Borges C, Jernigan D, Monteiro M, Parry CDH, et al. Alcohol use in times of the COVID 19: Implications for monitoring and policy. Drug Alcohol Rev 2020; 39(4): 301-4. https://doi.org/10.1111/dar.13074
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/... ,4848. Alcohol and Public Policy Group. Alcohol: No Ordinary Commodity - a summary of the second edition. Addiction 2010; 105(5): 769-79. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2010.02945.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/... . Embora não tenham ocorrido diferenças entre a população com e sem DCNT após ajuste, ressalta-se o risco desse achado, na medida em que o álcool pode potencialmente piorar o curso clínico da infecção por COVID-194949. Szabo G, Saha B. Alcohol’s Effect on Host Defense. Alcohol Res [Internet] 2015 [acessado em 11 out. 2020]; 37(2): 159-70. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4590613/pdf/arcr-37-2-159.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... , aumentando a suscetibilidade à infecção viral e agravando a situação das pessoas com DCNT5050. Sidor A, Rzymski P. Dietary Choices and Habits During COVID-19 Lockdown: Experience From Poland. Nutrients 2020; 12(6): 1657. https://doi.org/10.3390/nu12061657
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/... .
O consumo do tabaco aumentou em mais de um terço dos fumantes, com ou sem DCNT. O tabaco é um importante fator de risco para DCNT, tanto para câncer quanto para doenças respiratórias, sendo contraindicado em qualquer situação5151. Malta DC, Silva AG, Machado ÍE, Sá ACMGN, Santos FM, Prates EJS, et al. Trends in smoking prevalence in all Brazilian capitals between 2006 and 2017. J Bras Pneumol 2019; 45(5): e20180384. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180384
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/... . Ainda, há evidências de que o tabagismo é capaz de agravar o curso da COVID-195252. Olds JL, Kabbani N. Is Nicotine Exposure Linked to Cardiopulmonary Vulnerability to COVID-19 in the General Population? FEBS J 2020; 287(17): 3651-5. https://doi.org/10.1111/febs.15303
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/... ,5353. Leung JM, Yang CX, Tam A, Shaipanich T, Hackett TL, Singhera GK, et al. ACE-2 Expression in the Small Airway Epithelia of Smokers and COPD Patients: Implications for COVID-19. Eur Respir J 2020; 55(5): 2000688. https://doi.org/10.1183/13993003.00688-2020
https://doi.org/https://doi.org/10.1183/... . Entre os fatores envolvidos na relação entre fumo e a infecção viral estão o aumento da enzima conversora de angiotensina tipo 2 (ECA2) entre os fumantes5252. Olds JL, Kabbani N. Is Nicotine Exposure Linked to Cardiopulmonary Vulnerability to COVID-19 in the General Population? FEBS J 2020; 287(17): 3651-5. https://doi.org/10.1111/febs.15303
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/... ,5353. Leung JM, Yang CX, Tam A, Shaipanich T, Hackett TL, Singhera GK, et al. ACE-2 Expression in the Small Airway Epithelia of Smokers and COPD Patients: Implications for COVID-19. Eur Respir J 2020; 55(5): 2000688. https://doi.org/10.1183/13993003.00688-2020
https://doi.org/https://doi.org/10.1183/... , o aumento da contaminação viral pelos movimentos de levar o cigarro à boca5454. Silva ALO, Moreira JC, Martins SR. COVID-19 and smoking: a high-risk association. Cad Saúde Pública 2020; 36(5): e00072020. e a piora no desempenho cardiorrespiratório5555. Cattaruzza MS, Zagà V, Gallus S, D'Argenio P, Gorini G. Tobacco smoking and COVID-19 pandemic: old and new issues. A summary of the evidence from the scientific literature. Acta Biomed 2020; 91(2): 106-12. https://doi.org/10.23750/abm.v91i2.9698
https://doi.org/https://doi.org/10.23750... .
Na África do Sul, visando enfrentar o tabagismo durante a pandemia da COVID-19, proibiu-se a venda de produtos de tabaco e nicotina, o que deve ser compreendido como uma tentativa dupla de proteger a população da COVID-19 e do ônus evitável do tabaco5656. Egbe CO, Ngobese SP. COVID-19 lockdown and the tobacco product ban in South Africa. Tob Induc Dis 2020; 18: 39. https://doi.org/10.18332/tid/120938
https://doi.org/https://doi.org/10.18332... . Por conseguinte, avançar em novas medidas regulatórias5757. World Health Organization. Tackling NCDs: “best buys” and other recommended interventions for the prevention and control of noncommunicable diseases. Genebra: World Health Organization ; 2017. e monitorar as ações das indústrias tabageiras5858. Zatoński M, Gilmore AB, Hird TR. The two faces of the tobacco industry during the COVID-19 pandemic [Internet]. Tobacco Control 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://blogs.bmj.com/tc/2020/05/10/the-two-faces-of-the-tobacco-industry-during-the-covid-19-pandemic/
https://blogs.bmj.com/tc/2020/05/10/the-... deve ser prioridade nas agendas governamentais, especialmente em períodos pandêmicos, para salvar vidas5858. Zatoński M, Gilmore AB, Hird TR. The two faces of the tobacco industry during the COVID-19 pandemic [Internet]. Tobacco Control 2020 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://blogs.bmj.com/tc/2020/05/10/the-two-faces-of-the-tobacco-industry-during-the-covid-19-pandemic/
https://blogs.bmj.com/tc/2020/05/10/the-... .
Cabe salientar que o estudo mostrou a piora dos estilos de vida, sendo essas mudanças ainda mais intensas na população adulta com DCNT. Assim, pode-se prever um cenário de agravamento de indicadores, incluindo aumento de mortalidade por DCNT, o que pode comprometer o alcance de metas globais, como a redução da mortalidade prematura em 30% até 203055. United Nations. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development [Internet]. 2016 [acessado em 11 out. 2020]. Disponível em: Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld
https://sustainabledevelopment.un.org/po... .
Nessa conjuntura, torna-se relevante destacar a contemporaneidade de políticas intersetoriais de prevenção e controle das DCNT na resposta à COVID-19. As medidas de prevenção de DCNT não devem ser interrompidas. Os serviços de saúde, especialmente a atenção primária à saúde, necessitam se adaptar a essa nova realidade para apoiar e gerenciar o aumento dos riscos e dar continuidade aos cuidados de saúde dos portadores de DCNT. Os profissionais da área devem estar envolvidos no planejamento de estratégias de respostas à COVID-19, para que consigam garantir o direito à saúde. Não obstante, aconselhamentos específicos devem ser disponibilizados nacional e localmente para pacientes com DCNT, suas famílias e seus cuidadores3232. Horton R. Offline: COVID-19 is not a pandemic. Lancet 2020; 396(10255): 874. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32000-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/... . Tem-se, ainda, que a pandemia de COVID-19 e a epidemia de DCNT evidenciam a urgência em avançar em medidas regulatórias mais rígidas do tabaco, álcool e da alimentação não saudável, promover a AF e fortalecer os sistemas de saúde durante e após a pandemia11. World Health Organization. Noncommunicable Diseases Progress Monitor 2020. Genebra: World Health Organization; 2020..
Entre as limitações do estudo, aponta-se o fato de a pesquisa ter sido coletada pela web, que pode não atingir todos os estratos populacionais, considerando-se que nem todos têm acesso a esse meio de comunicação, podendo levar à sub ou superestimação da proporção dos indicadores. Essa limitação foi minimizada pela calibração da amostra pela aplicação dos pesos de pós-estratificação. Outra questão refere-se ao fato de as perguntas serem autorreferidas, podendo estar sujeitas a viés de memória. O fato de a coleta de dados ter sido no início da pandemia (3º mês) pode estar sujeito a mudanças conjunturais ao longo da evolução temporal da pandemia.
Em síntese, nossos achados sugerem que adultos com DCNT tiveram seus estilos de vida mais alterados, pela redução de AF, aumento do sedentarismo, redução do consumo de alimentos saudáveis e aumento de ultraprocessados. Nesse contexto, torna-se imperativa a adoção de políticas públicas que fomentem ações de promoção à saúde, bem como a adoção de medidas regulatórias de proteção e prevenção de DCNT e a ampliação do cuidado na atenção primária à saúde aos portadores de DCNT. Caso medidas urgentes não sejam adotadas, corre-se o risco de não se atingirem as metas de redução de DCNT da Agenda 2030 dos ODS.
AGRADECIMENTOS
Malta DC, Barros MBA e Szwarcwald CL agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financiou a bolsa de produtividade em pesquisa. Prates EJS agradece ao Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde a bolsa de pesquisa. Sá ACMGN agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a bolsa de doutorado.
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- Fonte de financiamento: Fundo Nacional de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Ministério da Saúde (TED 66/2018)
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
03 Maio 2021 - Data do Fascículo
2021
Histórico
- Recebido
30 Out 2020 - Revisado
10 Dez 2020 - Aceito
14 Dez 2020 - Preprint
16 Dez 2020