Desigualdades na utilização de serviços de saúde por adultos e idosos com e sem doenças crônicas no Brasil, Pesquisa Nacional de Saúde 2019

Deborah Carvalho Malta Regina Tomie Ivata Bernal Crizian Saar Gomes Laís Santos de Magalhães Cardoso Margareth Guimarães Lima Marilisa Berti de Azevedo Barros Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Investigar a utilização de serviços de saúde e a limitação das atividades habituais entre adultos e idosos com e sem doenças crônicas não transmissíveis, segundo estratos sociodemográficos.

Métodos:

Estudo transversal, no qual foram analisados dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. A amostra final correspondeu a 88.531 domicílios, com entrevistas referentes a indivíduos maiores de 18 anos. As prevalências de uso de serviços pela população com doenças crônicas não transmissíveis foram comparadas às da população sem essas patologias e estratificadas por variáveis socioeconômicas e demográficas. Razões de prevalência (RP) e intervalos de confiança de 95% foram calculados.

Resultados:

Em 2019, 47,6% (IC95% 47,0-48,3) da população referiu ter uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis. A população com registro dessas patologias realizou mais consulta médica nos últimos 12 meses (RPaj=1,21; IC95% 1,20-1,23), utilizou mais o serviço de saúde nas duas últimas semanas (RPaj=2,01; IC95% 1,91-2,11), referiu mais internações (RPaj=2,11; IC95% 1,89-2,36) e mais limitação da realização de atividades (RPaj=2,52 vezes; IC95% 2,30-2,76) em comparação com a população isenta desse tipo de registro. Observou-se gradiente dose-resposta positivo entre número de comorbidades e uso de serviços. Em todos os estratos socioeconômicos e demográficos, a prevalência dos indicadores foi mais elevada em pessoas com doenças crônicas não transmissíveis.

Conclusão:

A presença dessas doenças associou-se à maior frequência de uso de serviços de saúde (consulta médica, uso de serviços de saúde e internação) e da restrição das atividades habituais em todos os estratos socioeconômicos e demográficos.

Palavras-chave:
Doenças crônicas não transmissíveis; Acesso aos serviços de saúde; Desigualdades em saúde; Inquéritos epidemiológicos

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) são responsáveis por cerca de 41 milhões de mortes a cada ano, ou seja, 71% de todas as mortes no mundo, das quais cerca de 15 milhões são prematuras, entre 30 e 69 anos11. World Health Organization. Noncommunicable diseases progress monitor 2020. Genebra: World Health Organization; 2020. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/ncd-progress-monitor-2020
https://www.who.int/publications/i/item/...
,22. World Health Organization. Noncommunicable diseases. Genebra: World Health Organization; 2021 Available at: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
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. As doenças cardiovasculares estão em primeiro lugar (17,9 milhões), seguidas por câncer (9,3 milhões), doenças respiratórias (4,1 milhões) e diabetes (1,5 milhão)22. World Health Organization. Noncommunicable diseases. Genebra: World Health Organization; 2021 Available at: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
. Esses quatro grupos de doenças são responsáveis por mais de 80% de todas as mortes prematuras por DCNTs33. GBD 2015 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990–2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet 2016; 388(10053): 1659-724. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31679-8. Erratum in: Lancet 2017; 389(10064): e1. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)32632-0
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,44. Di Cesare M, Khang YH, Asaria P, Blakely T, Cowan MJ, Farzadfar F, et al. Inequalities in non-communicable diseases and effective responses. Lancet 2013; 381(9866): 585-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61851-0
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.

As doenças crônicas não transmissíveis e seus fatores de risco tendem a ser mais elevados em populações de baixo status socioeconômico, residentes em comunidades pobres ou marginalizadas, são uma causa importante de empobrecimento das famílias e exacerbam as desigualdades econômicas dentro das sociedades44. Di Cesare M, Khang YH, Asaria P, Blakely T, Cowan MJ, Farzadfar F, et al. Inequalities in non-communicable diseases and effective responses. Lancet 2013; 381(9866): 585-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61851-0
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.

A diminuição da morbimortalidade por DCNTs requer políticas que reduzam consideravelmente os fatores de risco comportamentais, como uso de tabaco e álcool, os metabólicos, como a hipertensão arterial sistêmica, e que fortaleçam as intervenções como o acompanhamento dos casos, o acesso aos diagnósticos, bem como aos cuidados preventivos e curativos eficazes e de alta qualidade para todos que necessitam55. NCD Countdown 2030 collaborators. NCD Countdown 2030: worldwide trends in non-communicable disease mortality and progress towards Sustainable Development Goal target 3.4. Lancet 2018; 392(10152): 1072-88. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31992-5
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,66. Nugent R, Bertram MY, Jan S, Niessen LW, Sassi F, Jamison DT, et al. Investing in non-communicable disease prevention and management to advance the Sustainable Development Goals. Lancet 2018; 391(10134): 2029-35. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30667-6. Erratum in: Lancet 2018; 391(10134): 1996. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30852-3
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. O enfrentamento das DCNTs passa, portanto, pela garantia de acesso ao tratamento e outros cuidados, pela promoção da saúde e pela prevenção, bem como pela organização da vigilância e monitoramento dessas doenças, além da mitigação dos determinantes sociais por meio da redução da pobreza e da desigualdade social, temas estes integrados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)22. World Health Organization. Noncommunicable diseases. Genebra: World Health Organization; 2021 Available at: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
,33. GBD 2015 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990–2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet 2016; 388(10053): 1659-724. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31679-8. Erratum in: Lancet 2017; 389(10064): e1. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)32632-0
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77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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.

Diversos estudos e inquéritos populacionais buscam investigar a utilização dos serviços de saúde visando compreender fatores que se associam à demanda dos usuários por esses serviços88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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,99. Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Use of and access to health services in Brazil, 2013 National Health Survey. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 3s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000074
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. Autores destacam que características sociodemográficas, situação socioeconômica, recursos disponíveis, oferta de serviços de saúde, tipos de sistemas de saúde, entre outros fatores, interferem na utilização dos serviços de saúde1010. Barros MBA, Cesar CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4): 911-26. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000400014
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,1111. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(suppl 2): S190-S198. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800014
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. A percepção do estado de saúde e a presença de doenças também aumentam a procura por esses serviços1010. Barros MBA, Cesar CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4): 911-26. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000400014
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. Análise com base nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 identificou que brasileiros com DCNTs utilizaram mais os serviços de saúde do que aqueles sem tais doenças, e que esse uso aumentou com a expansão do número das doenças crônicas em um mesmo indivíduo77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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. Desse modo, torna-se importante monitorar as desigualdades na utilização dos serviços de saúde por diferentes segmentos populacionais, visando orientar políticas de saúde que promovam a equidade na oferta desses serviços e que atuem sobre outros determinantes do uso.

Nessa perspectiva, o presente estudo objetivou investigar a utilização de serviços de saúde e a limitação das atividades habituais por adultos e idosos com e sem DCNTs, segundo estratos sociodemográficos.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal por meio da análise dos dados da PNS 2019, inquérito domiciliar de base populacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.

O questionário da PNS foi dividido em três partes, sendo a primeira referente a informações do domicílio, a segunda a informações de todos os moradores e a terceira a informações sobre um indivíduo selecionado aleatoriamente. O plano amostral da PNS foi por conglomerados em três estágios de seleção. No primeiro, foram selecionadas as unidades primárias de amostragem (UPAs), por amostragem aleatória simples (AAS), constituídas por setores censitários ou conjuntos de setores censitários (quando esses setores contam poucos domicílios). No segundo estágio, foi selecionado um número fixo de domicílios em cada UPA sorteada, totalizando 108.525. Em cada domicílio amostrado, foi selecionado, também por AAS, um morador com 15 anos ou mais, compondo o terceiro estágio de seleção1212. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(5): e2020315. http://doi.org/10.1590/s1679-49742020000500004
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. A amostra final foi de 94.114 domicílios com entrevista realizada, com taxa de resposta de 93,6%. No cálculo do tamanho da amostra, foram levados em consideração os valores médios, as variâncias e o efeito de delineamento. As bases de dados foram ponderadas, incluindo fator de correção para as perdas1212. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(5): e2020315. http://doi.org/10.1590/s1679-49742020000500004
http://doi.org/10.1590/s1679-49742020000...
,1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde: 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101748.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
.

As informações sobre acesso e utilização dos serviços de saúde foram obtidas por meio do informante do domicílio (informante proxy), que respondeu às perguntas para todos os moradores. Entretanto, no presente estudo, foram utilizadas apenas as informações ref erentes aos indivíduos com 18 anos e mais, que responderam ao questionário específico para o morador selecionado, assim, a amostra final analisada foi de 88.531 entrevistas.

As variáveis obtidas no módulo J, relacionadas à limitação das atividades habituais (J2) e à utilização de serviços de saúde (J12, J14 e J037), foram analisadas e referem-se às seguintes questões, nesta ordem:

  1. a)

    “Nas duas últimas semanas, deixou de realizar quaisquer de suas atividades habituais (trabalhar, ir à escola, brincar, afazeres domésticos etc.) por motivo da própria saúde?”

  2. b)

    “Quantas vezes consultou um médico nos últimos 12 meses?”

  3. c)

    “Nas duas últimas semanas, procurou algum lugar, serviço ou profissional de saúde para atendimento relacionado à própria saúde?”

  4. d)

    “Nos últimos 12 meses, ficou internado(a) em hospital por 24 horas ou mais?”

Do módulo Q, foram analisadas questões referentes ao diagnóstico de DCNTs, visando identificar se o entrevistado tinha diagnóstico prévio de uma ou mais dessas patologias, considerando-se as respostas positivas para as seguintes doenças:

  1. Hipertensão arterial;

  2. Diabetes;

  3. Doença do coração, acidente vascular cerebral (AVC);

  4. Asma;

  5. Artrite ou reumatismo;

  6. Distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (dort);

  7. Câncer;

  8. Insuficiência renal crônica;

  9. Problema crônico de coluna;

  10. Depressão; e

  11. Doença no pulmão (enfisema pulmonar, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC).

Para a maioria das DCNTs, as perguntas se referiam ao diagnóstico médico prévio. A dor crônica de coluna foi autodeclarada e, no caso da depressão, considerou-se diagnóstico prévio de médico ou profissional especialista em saúde mental.

Comparou-se a frequência relativa de uso de serviços de saúde pela população que referiu pelo menos uma DCNT com a da população que declarou não ter doença crônica não transmissível, segundo as seguintes variáveis demográficas e socioeconômicas: sexo (masculino e feminino), faixa etária (18 a 59 anos e 60 anos e mais), escolaridade (sem instrução e fundamental incompleto, fundamental completo e médio incompleto, médio completo e superior incompleto, e superior completo), beneficiário de plano de saúde (sim e não), renda (até um salário-mínimo, maior que um salário mínimo até três salários-mínimos, e maior do que três salários-mínimos) e região de moradia (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste).

Foram calculadas as prevalências e razões de prevalência brutas (RPbs) e ajustadas (RPajs) mediante uso do modelo de Poisson, comparando-se o uso de serviços de saúde de quem tem DCNT com o de quem não a tem, em cada um dos estratos. As RPs foram ajustadas por sexo, idade e escolaridade. Foram também calculadas as RPajs de uso de serviços e limitação das atividades habituais conforme o número de comorbidades (ter uma, duas, três ou quatro DCNTs). Os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) das RPs também foram calculados.

Por se tratar de dados coletados com plano complexo de amostragem, a análise estatíst ica dos dados foi realizada no software Stata versão 14.0, por meio do módulo survey, que leva em consideração o efeito do plano de amostragem e as probabilidades desiguais de seleção.

Os dados da PNS 2019 estão disponíveis online para acesso e uso públicos (https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=microdados). A pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (Parecer no 3.529.376 para a edição de 2019).

RESULTADOS

Em 2019, 47,6% (IC95% 47,0-48,3) dos adultos e idosos brasileiros referiram uma ou mais DCNTs, dos quais 26,8% referiram apenas uma doença, 12,5% duas, 5,2% três e 3,2% quatro ou mais. Os indivíduos que referiram ter ao menos uma doença crônica tiveram mais frequência de consulta médica nos últimos 12 meses (89,59%; IC95% 89,07-90,11 e RPaj=1,21). Em todos os estratos socioeconômicos e demográficos, observou-se que a presença de doenças crônicas não transmissíveis aumenta a prevalência de consultas. Alguns estratos apresentaram maior prevalência de consultas médicas nos indivíduos com ou sem DCNT: mu lheres (92,83%; IC95% 92,23-93,42), idosos (93,66%; IC95% 93,14-94,18), indivíduos com maior escolaridade (92,84%; IC95% 91,76-93,92) e renda (93,40%; IC95% 92,20-94,60), com plano de saúde (95,57%; IC95% 94,93-96,20) e residentes nas regiões Sudeste (91,77%; IC95% 90,89-92,65) e Sul (91,44%; IC95% 90,43-92,46). As RPs ajustadas, comparando-se em cada estrato pessoas com e sem DCNTs, revelaram que a presença de DCNT aumentou as consultas no último ano entre homens (RPaj=1,31; IC95% 1,28-1,33), nos idosos (RPaj=1,27; IC95% 1,24–1,31), nos de menor escolaridade (RPaj=1,32; IC95% 1,29-1,35) e menor renda (RPaj=1,27; IC95% 1,25-1,29), nos que não têm plano de saúde (RPaj=1,26; IC95% 1,24-1,28) e residentes nas regiões Norte (RPaj=1,26; IC95% 1,23-1,31) e Nordeste (RPaj=1,26; IC95% 1,23-1,29) em relação aos do Sudeste (Tabela 1).

Tabela 1.
Prevalências e razões de prevalência (brutas e ajustadas) de consulta médica nos últimos 12 meses entre adultos e idosos com e sem doenças crônicas não transmissíveis, segundo variáveis socioeconômicas e demográficas. PNS, 2019, Brasil.

A população com doenças crônicas não transmissíveis utilizou mais os serviços de saúde nas duas últimas semanas (30,53%; IC95% 29,74-31,33; RPaj=2,01). O uso de serviço de saúde nas duas últimas semanas, em todos os estratos socioeconômicos, foi mais elevado entre a população com DCNTs, entretanto as prevalências de uso foram maiores entre mulheres (34,45%; IC95% 33,36-35,53), idosos (32,92%; IC95% 31,74-34,11), aqueles com escolaridade mais elevada (33,90%; IC95% 31,85-35,95), elevado rendimento (33,43%; IC95% 31,45-35,41), com plano de saúde (35,87%; IC95% 34,35-37,39) e que vivem na Região Sudeste (33,35%; IC95% 31,90-34,80). As RPs ajustadas, comparando-se quem tem e quem não tem DCNT mostraram que a presença de doença crônica aumentou a ocorrência de consultas nas últimas semanas nos segmentos com menor escolaridade e menor renda, e sem plano de saúde (Tabela 2).

Tabela 2.
Prevalências e razões de prevalência (brutas e ajustadas) do uso de serviço de saúde nas duas últimas semanas entre adultos e idosos com e sem doenças crônicas não transmissíveis, segundo variáveis socioeconômicas e demográficas. PNS, 2019, Brasil.

A internação foi cerca de duas vezes maior (RPaj=2,11; IC95% 1,89–2,36) em quem referiu DCNT. Em todos os estratos sociodemográficos, observou-se maior prevalência de internação em indivíduos com DCNT. As prevalências de internação entre esses foram mais elevadas entre os idosos (12,10%; IC95% 11,29-12,91), os que têm plano de saúde (12,06%; IC95% 10,95-13,16) e residentes na Região Centro-Oeste (13,56%; IC95% 12,11-15,01). As RPs ajustadas, comparando-se as internações entre quem tem e quem não tem DCNT, mostraram que a presença de doença crônica aumentou a ocorrência de internação de homens (RPaj=2,74; IC95% 2,32-3,22), idosos (RPaj=2,82; IC95% 2,25-3,54), populações com menor escolaridade (RPaj=2,93; IC95% 2,42-3,55), sem plano de saúde (RPaj=2,29; 2,01-2,60) e moradores da Região Norte (RPaj=2,51; IC95% 2,09-3,02) (Tabela 3).

Tabela 3.
Prevalências e razões de prevalência (brutas e ajustadas) de internação nos últimos 12 meses entre adultos e idosos com e sem doenças crônicas não transmissíveis, segundo variáveis socioeconômicas e demográficas. PNS, 2019, Brasil.

Adultos com DCNT deixaram de realizar atividades habituais por motivo de saúde com mais frequência (13,34%; IC95% 12,80-13,88) do que adultos sem registros dessas doenças (RPaj=2,52; IC95% 2,30-2,76). Em todos os estratos sociodemográficos, a prevalência de deixar de realizar atividades por motivo de saúde foi mais elevada em pessoas com DCNT. Entre elas, a prevalência foi mais frequente em mulheres (15,91%; IC95% 15,08-16,74), idosos (14,02%; IC95% 13,15-14,89), aqueles com piores condições socioeconômicas: sem instrução (15,78%; IC95% 14,92-16,64), baixa renda (15,01%; IC95% 14,25-15,76), sem plano de saúde (13,89%; IC95% 13,23-14,55) e residentes nas regiões Norte (14,25; IC95% 13,04-15,46) e Nordeste (14,05%; IC95% 13,21-14,89), comparada com a Região Sul. As RPs ajustadas, comparando-se as limitações na realização de atividades habituais entre quem tem e quem não tem DCNT, foram mais elevadas na população de baixa escolaridade e com menor renda, não beneficiária plano de saúde, residente na Região Sul (Tabela 4).

Tabela 4.
Prevalências e razões de prevalência (brutas e ajustadas) de deixar de realizar atividades habituais por motivo de saúde nas duas últimas semanas entre adultos e idosos com e sem doenças crônicas não transmissíveis, segundo variáveis socioeconômicas e demográficas, PNS, 2019, Brasil.

Ao analisar o uso de serviços de saúde segundo o número de comorbidades (Figuras 1A e 1B), observa-se um gradiente dose-resposta positivo. A realização de consultas médicas por quem não tem DCNT foi de 72,54%, e aumentou para 85,78, 93,08, 95,90 e 97,69% (RPaj=1,17; 1,24; 1,26; 1,26) entre quem tem uma, duas, três ou quatro e mais DCNTs, respectivamente. A prevalência do uso de serviços de saúde nas duas últimas semanas foi de 14,47% em quem não tinha diagnóstico de doença crônica não transmissível e aumentou para 25,38, 32,56, 40,91, 48,96%, respectivamente, para quem tem uma, duas, três e quatro ou mais DCNTs (RPaj=1,73; 2,13; 2,61 e 3,02). O índice de internação no último ano foi de 4,72% entre quem não tem DCNT, e aumentou para 7,83, 10,85, 16,85 e 24,30% para quem tem uma, duas, três e quatro ou mais DCNTs (RPaj=1,66; 2,26; 3,46 e 4,91). Da mesma forma, a prevalência de deixar de realizar atividades habituais por motivos de saúde aumentou com a elevação do número de comorbidades, passando de 4,82%, entre quem não tem, para 9,1, 14,4, 20,1 e 33,7% entre quem tem uma, duas, três e quatro ou mais, respectivamente (RPaj=1,92; 3,03; 4,20 e 7,06) (Figuras 1A e B).

Figura 1.
Prevalências (A) e razões de prevalência (B) de uso de serviços e limitação das atividades habituais entre adultos e idosos sem e com doenças crônicas não transmissíveis, segundo o número de doenças referidas por um mesmo indivíduo. PNS, 2019, Brasil.

Fonte: Elaboração própria. Dados da PNS, 2019.

DCNT: doenças crônicas não transmissíveis; RPaj: razões de prevalência ajustadas; IC95%: intervalo de confiança de 95%; 0: ausência de doenças crônicas não transmissíveis; 1: presença de uma doenças crônicas não transmissíveis; 2: presença de duas doenças crônicas não transmissíveis; 3: presença de três doenças crônicas não transmissíveis; e 4: presença de quatro doenças crônicas não transmissíveis.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que quase metade dos adultos e idosos relataram ter uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis, e o uso de serviços de saúde foi mais intenso por esse público. Quem referiu ter DCNT apresentou aumento de 21% na realização de consultas médicas nos últimos 12 meses; de 100% no uso de serviços de saúde nas últimas duas semanas; de 110% na ocorrência de internação; e de 152% na limitação da realização de atividades habituais.

O número de comorbidades também influenciou no uso dos serviços de saúde, chegando a cerca de cinco vezes mais internações entre quem tem quatro ou mais comorbidades. Fatores socioeconômicos e demográficos também influenciam o uso desses serviços. Em geral, mulheres e idosos usam mais os serviços de saúde, assim como indivíduos com melhores condições socioeconômicas, os quais possuem plano de saúde, maior escolaridade e renda, e moram na Região Sudeste. Por outro lado, deixar de realizar atividades habituais por motivo de saúde foi mais frequente em quem tem piores condições socioeconômicas (sem plano de saúde, menor escolaridade e renda menor do que um salário-mínimo), apontando as desigualdades sociais.

O estudo identificou que quase a metade dos adultos e idosos brasileiros referiram pelo menos uma DCNT. Essas doenças crônicas representam a maior carga de doenças do mundo; a prevalência aumenta com a idade e entre as populações mais vulneráveis44. Di Cesare M, Khang YH, Asaria P, Blakely T, Cowan MJ, Farzadfar F, et al. Inequalities in non-communicable diseases and effective responses. Lancet 2013; 381(9866): 585-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61851-0
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,1414. Marmot M, Bell R. Social determinants and non-communicable diseases: time for integrated action. BMJ 2019; 364: l251. https://doi.org/10.1136/bmj.l251
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,1515. Andrade DRS, Camelo LV, Reis RC, Santos IS, Ribeiro AL, Giatti L, et al. Life course socioeconomic adversities and 10-year risk of cardiovascular disease: cross-sectional analysis of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Int J Public Health 2017; 62(2): 283-92. https://doi.org/10.1007/s00038-016-0928-3
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, tornando-se um desafio maior no sentido de equacionar o acesso aos serviços de saúde.

Estudos têm apontado que indivíduos com DCNT estão entre os usuários dos sistemas de saúde que mais demandam ações, procedimentos, acompanhamentos longitudinais e serviços de saúde em razão da elevada carga de doenças e pelo longo período de evolução e acometimento77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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,1717. GBD 2019 Diseases and Injuries Collaborators. Global burden of 369 diseases and injuries in 204 countries and territories, 1990-2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet 2020; 396(10258): 1204-22. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30925-9. Erratum in: Lancet 2020; 396(10262): 1562. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32226-1
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. O presente estudo identificou que a utilização de serviços de saúde nas duas últimas semanas foi cerca de duas vezes mais elevada entre usuários com DCNT, assim como a internação nos últimos 12 meses. Todos os indicadores foram mais elevados em quem tem DCNT (consultas médicas, uso de serviços de saúde, internação, deixar de realizar atividades habituais), o que foi descrito em outro estudo pela maior incapacidade relacionada a essas comorbidades1717. GBD 2019 Diseases and Injuries Collaborators. Global burden of 369 diseases and injuries in 204 countries and territories, 1990-2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet 2020; 396(10258): 1204-22. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30925-9. Erratum in: Lancet 2020; 396(10262): 1562. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32226-1
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.

A maior procura e, consequentemente, utilização de serviços de saúde por quem tem DCNT têm sido mostradas em outros estudos1818. Dalstra JAA, Kunst AE, Borrell C, Breeze E, Cambois E, Costa G, et al. Socioeconomic differences in the prevalence of common chronic diseases: an overview of eight European countries. Int J Epidemiol 2005; 34(2): 316-26. https://doi.org/10.1093/ije/dyh386
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,1919. Cricelli C, Mazzaglia G, Samani F, Marchi M, Sabatini A, Nardi R, et al. Prevalence estimates for chronic diseases in Italy: exploring the differences between self-report and primary care databases. J Public Health Med 2003; 25(3): 254-7. https://doi.org/10.1093/pubmed/fdg060
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. Autores destacam que o uso de serviços de saúde decorre da percepção da gravidade da doença, sentimentos como dor ou incapacidade, bem como a sensação de que a procura por esses serviços poderá minorar o sofrimento88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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,1111. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(suppl 2): S190-S198. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800014
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. Além disso, protocolos de acompanhamento das DCNTs indicam a necessidade de acompanhamento longitudinal dos próprios serviços de atenção primária à saúde (APS), ampliando, naturalmente, o uso de serviços de saúde por essas populações2020. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégia para o cuidado da pessoa com doença crônica. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategias_cuidado_pessoa_doenca_cronica_cab35.pdf
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.

O presente estudo também identificou expressivo aumento na utilização de serviços de saúde conforme a ampliação do número de comorbidades. Pessoas com quatro ou mais DCNTs utilizaram cerca de três vezes mais os serviços de saúde em comparação com quem não as tem. A maior utilização pode ser justificada pela gravidade da doença, multimorbidade e intercorrências77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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,88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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,2121. Nunes BP, Chiavegatto Filho ADP, Pati S, Teixeira DSC, Flores TR, Camargo-Figueira FA, et al. Contextual and individual inequalities of multimorbidity in Brazilian adults: a cross-sectional national-based study. BMJ Open 2017; 7: e015885. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-015885. Erratum in: BMJ Open 2019; 9(11): e015885corr2http://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-015885corr2
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.

No presente estudo, os idosos com DCNT realizaram mais consultas médicas e internaram mais. Em geral, o uso dos serviços e cuidados de saúde por esse segmento etário, bem como o acesso a eles são relativamente altos2222. Macinko J, Andrade FB, Souza Junior PRB, Lima-Costa MF. Primary care and healthcare utilization among older Brazilians (ELSI-Brazil). Rev Saúde Pública 2018; 52(Suppl 2): 6s. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000595
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. Análise dos dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Idoso (Elsi) identificou que 83% dos indivíduos com 50 anos e mais realizaram ao menos uma consulta médica nos últimos 12 meses, dos quais a maior proporção compreendia aqueles com acesso a plano de saúde2222. Macinko J, Andrade FB, Souza Junior PRB, Lima-Costa MF. Primary care and healthcare utilization among older Brazilians (ELSI-Brazil). Rev Saúde Pública 2018; 52(Suppl 2): 6s. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000595
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. Ademais, idosos com multimorbidade, plano de saúde e residentes em áreas cobertas pela Estratégia de Saúde da Família são mais hospitalizados2323. Nunes BP, Soares MU, Wachs LS, Volz PM, Saes MO, Duro SMS, et al. Hospitalização em idosos: associação com multimorbidade, atenção básica e plano de saúde. Rev Saúde Pública 2017; 51: 43. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006646
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.

Autores têm descrito maior utilização de serviços de saúde pelas mulheres88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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,1111. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública 2004; 20(suppl 2): S190-S198. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800014
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,88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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88. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Colet 2002; 7(4): 687-707. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400007
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2424. Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Cienc Saude Colet 2011; 16(9): 3755-68. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000012
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, o que foi constatado no estudo atual. Essas características têm sido explicadas pela maior percepção de risco e maior cuidado das mulheres consigo por procurar precocemente esses serviços e se submeter mais a exames, procedimentos com mais chance de diagnóstico, prevenção e tratamento. O presente estudo também apontou que as mulheres sem DCNT utilizam mais os serviços de saúde (maior prevalência) que os homens.

Entretanto, dados não mostrados neste estudo apontaram que homens com quatro ou mais comorbidades tiveram mais internações no último ano (28,2 versus 22,2% nas mulheres), o que pode ser justificado pela maior gravidade do estado de saúde e pela menor procura de serviços de saúde e menor realização de acompanhamento longitudinal por indivíduos do sexo masculino. Estudos têm apontado que as taxas de mortalidade por DCNTs são mais elevadas entre homens, bem como maior prevalência de fatores de risco, como tabaco, hipertensão arterial sistêmica, álcool, obesidade, dentre outros1717. GBD 2019 Diseases and Injuries Collaborators. Global burden of 369 diseases and injuries in 204 countries and territories, 1990-2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet 2020; 396(10258): 1204-22. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30925-9. Erratum in: Lancet 2020; 396(10262): 1562. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32226-1
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2525. Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, Teixeira R, Ribeiro ALP, Felisbino-Mendes MS, et al. Trends in mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult population: national and subnational estimates and projections for 2030. Popul Health Metr 2020; 18(Suppl1): 16. https://doi.org/10.1186/s12963-020-00216-1
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.

Também foram observadas diferenças na utilização dos serviços de saúde em virtude das condições socioeconômicas. Indivíduos com maior escolaridade, maior renda e beneficiário de plano de saúde realizaram mais consultas médicas e acessaram mais os serviços de saúde em comparação com aqueles com menor renda. Situação semelhante foi identificada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2003 e na PNS 201377. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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,2424. Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Cienc Saude Colet 2011; 16(9): 3755-68. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000012
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. Condições socioeconômicas associam-se a mais acesso aos serviços de saúde, seja por maior disponibilidade de recursos financeiros, melhor esclarecimento acerca da importância do acesso a esses serviços e mais disponibilidade e oferta de rede de serviços nos planos de saúde77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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,2424. Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Cienc Saude Colet 2011; 16(9): 3755-68. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000012
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. Ademais, evidências indicam que usuários de plano de saúde têm mais acesso a consultas e procedimentos em saúde77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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,2626. Lima-Costa MF. Estilos de vida e uso de serviços preventivos de saúde entre adultos filiados ou não a plano privado de saúde (inquérito de saúde de Belo Horizonte). Cienc Saude Colet 2004; 9(4): 857-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232004000400008
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,2727. Malta DC, Moura EC, Oliveira M, Santos FP. Usuários de planos de saúde: morbidade referida e uso de exames preventivos, por inquérito telefônico, Brasil, 2008. Cad Saúde Pública 2011; 27(1): 57-66. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000100006
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, bem como acesso a uma rede de serviços mais ampla e com maior financiamento2626. Lima-Costa MF. Estilos de vida e uso de serviços preventivos de saúde entre adultos filiados ou não a plano privado de saúde (inquérito de saúde de Belo Horizonte). Cienc Saude Colet 2004; 9(4): 857-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232004000400008
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.

Entretanto, quanto à internação, não houve diferença segundo condições socioeconômicas, o que aponta a importância e a extensão do Sistema Único de Saúde (SUS) em prover atendimento à saúde no país para mais de 75% da população brasileira. Apenas o fortalecimento do SUS tornará possível reduzir as iniquidades existentes e garantir acesso universal, integralidade e equidade. Destaca-se aqui que o congelamento de recursos para a saúde, em virtude da Emenda Constitucional no 95/2016 poderá, em curto prazo, originar um retrocesso. Torna-se urgente recuperar e ampliar o financiamento do SUS2828. Castro MC, Massuda A, Almeida G, Menezes-Filho NA, Andrade MV, Noronha KVMS, et al. Brazil’s unified health system: the first 30 years and prospects for the future. Lancet 2019; 394(10195): 345-56. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)31243-7
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.

Pesquisas apontam que a disparidade econômica é um importante fator explicativo das desigualdades no uso de serviços de saúde, indicando que segmentos populacionais de baixa renda, embora apresentem mais necessidades de saúde, utilizam menos esses serviços e recebem menos cuidados em saúde44. Di Cesare M, Khang YH, Asaria P, Blakely T, Cowan MJ, Farzadfar F, et al. Inequalities in non-communicable diseases and effective responses. Lancet 2013; 381(9866): 585-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61851-0
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,2929. Xie X, Wu Q, Hao Y, Yin H, Fu W, Ning N, et al. Identifying determinants of socioeconomic inequality in health service utilization among patients with chronic non-communicable diseases in China. PLoS One 2014; 9(6): e100231. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0100231
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,3030. Gordon T, Booysen F, Mbonigaba J. Socio-economic inequalities in the multiple dimensions of access to healthcare: the case of South Africa. BMC Public Health 2020; 20(1): 289. https://doi.org/10.1186/s12889-020-8368-7
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. Estudo com população sul-africana discute que esse contexto pode estar relacionado à falta de estrutura social e suporte financeiro, condições que limitam o acesso aos serviços de saúde, seja pela distância, seja pela incapacidade de arcar com custos de deslocamento3030. Gordon T, Booysen F, Mbonigaba J. Socio-economic inequalities in the multiple dimensions of access to healthcare: the case of South Africa. BMC Public Health 2020; 20(1): 289. https://doi.org/10.1186/s12889-020-8368-7
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Estudos têm apontado que a carga de doenças crônicas não transmissíveis é mais elevada em países de baixa e média rendas, nos quais as taxas de mortalidade por DCNTs são quase duas vezes mais altas do que em países de alta renda3131. World Health Organization. Preventing chronic diseases: a vital investment. Genebra: World Health Organization; 2005.. A dupla carga de doenças sobrecarrega os sistemas de saúde nesses países3232. Jamison DT, Summers LH, Alleyne G, Arrow KJ, Berkley S, Binagwaho A, et al. Global health 2035: a world converging within a generation. Lancet 2013; 382(9908): 1898-955. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)62105-4
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, o que também se agrava pela falta de acesso aos cuidados primários de saúde e seus altos custos3333. Kankeu HT, Saksena P, Xu K, Evans DB. The financial burden from non-communicable diseases in low- and middle-income countries: a literature review. Health Res Policy Syst 2013; 11: 31. https://doi.org/10.1186/1478-4505-11-31
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. O estudo atual aponta que, no Brasil, ao contrário de outros países, o SUS tem mostrado a sua capacidade de atender e responder às demandas de acesso da população com DCNT e maior vulnerabilidade social, garantindo melhor acesso a consultas médicas e ao uso de serviços de saúde e internações, comparando-se com a população sem doenças. Entretanto, ocorreram diferenças entre grupos socioeconômicos.

Destaca-se que a maior desigualdade no estudo atual foi verificada na restrição da realização das atividades habituais em decorrência de problema de saúde, com maior grau de limitação nas duas semanas anteriores à pesquisa. Em suma, populações de baixa renda apresentaram mais desvantagens e limitações na vida diária.

Entre as limitações do estudo, destaca-se o delineamento transversal que, embora vantajoso em função da rapidez e do baixo custo, agrega desvantagens inerentes, como a possibilidade de causalidade reversa. O diagnóstico médico autorreferido está sujeito ao acesso aos serviços de saúde, que pode ser menor em populações mais vulneráveis. Além disso, este estudo utilizou dois diferentes módulos da PNS: o morador sorteado respondeu sobre as DCNTs autorreferidas, enquanto o módulo de utilização dos serviços de saúde (módulo J) foi respondido por um dos moradores, não necessariamente o sorteado, o que pode levar ao sub-registro da informação sobre a utilização de serviços de saúde.

A partir dos dados analisados neste estudo, concluiu-se que pessoas com DCNT utilizaram mais os serviços de saúde, assim como as mulheres, pessoas com maior número de comorbidades, complano de saúde e elevada escolaridade. Investir no SUS é essencial para melhorar os indicadores de DCNT no país, o que inclui o fortalecimento do sistema de saúde, financiamento, governança, gestão, recursos humanos em saúde, informações de saúde e o acesso a tecnologias e a medicamentos44. Di Cesare M, Khang YH, Asaria P, Blakely T, Cowan MJ, Farzadfar F, et al. Inequalities in non-communicable diseases and effective responses. Lancet 2013; 381(9866): 585-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61851-0
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61...
,77. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saúde Pública 2017; 51(suppl 1): 4s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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. Conhecer as diferenças no acesso e no uso dos serviços de saúde pode orientar o desenho de políticas públicas de inclusão, que promovam a equidade e a sustentabilidade das ações no âmbito do SUS.

  • Fonte de financiamento: Fundo Nacional de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Ministério da Saúde (TED 66/2018).

AGRADECIMENTOS

Malta DC agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financiou a bolsa de produtividade em pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2021
  • Revisado
    24 Ago 2021
  • Aceito
    26 Ago 2021
  • Preprint
    10 Set 2021
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