RESUMO:
Objetivo:
Estimar a prevalência e fatores associados à angina do peito na população adulta brasileira e por unidades federadas.
Métodos:
Estudo transversal descritivo, que analisou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019 e avaliou a angina na população brasileira. A angina foi definida como dor ou desconforto no peito ao subir ladeiras ou um lance de escadas, ou ao caminhar rapidamente no plano (angina I) ou em velocidade normal no plano (angina II). Foram calculadas as prevalências, razão de prevalência bruta e ajustada, com intervalo de confiança de 95%, segundo características sociodemográficas (sexo, faixa etária, raça/cor da pele autodeclarada e região de moradia) e unidades federativas.
Resultados:
A prevalência de angina leve (grau I) foi de 8,1% e da angina moderada/grave (grau II), 4,5%, ambas mais prevalentes em mulheres (9,8 e 5,5%, respectivamente). As prevalências aumentaram progressivamente com o avanço da idade e foram inversas aos anos de estudo formal. Angina grau I foi mais elevada em indivíduos da raça/cor da pele autodeclarada preta e residentes em Sergipe (10,4%). A angina II foi mais prevalente em pessoas de raça/cor da pele autodeclarada parda, que vivem no Amazonas (6,3%).
Conclusão:
A angina afeta mais de 10% da população brasileira acima de 18 anos, com maior prevalência em estados do Norte e do Nordeste. É um agravo que atinge de forma desigual as populações mais vulneráveis, revelando a importância da doença coronariana como problema de saúde pública e a necessidade de pensar em políticas públicas voltadas para esses estratos da população.
Palavras-chave:
doença das coronárias; aterosclerose; inquéritos epidemiológicos; doença crônica; estudos transversais; dor torácica
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em 2016 as doenças cardiovasculares (DCV) foram responsáveis por 17,9 milhões de mortes, representando 31% de todos os óbitos globais. Mais de três quartos ocorreram em países de baixa e média rendas11. World Health Organization. Cardiovascular diseases burden. Genebra: World Health Organization, 2017.. No Brasil, as DCVs também constituem a primeira causa de morte22. Colaboradores do GBD 2016 Brasil. Global burden of diseases. Burden of disease in Brazil, 1990-2016: a systematic subnational analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet 2018; 392 (1): 760-75. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31221-2
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31... .
A angina do peito crônica, do latim Angina pectoris (AP), é um sintoma comum da doença arterial coronariana (DAC) que impacta na qualidade de vida dos indivíduos33. Hemingway H, Langenberg C, Damant J, Frost C, Pyörälä K, Barrett-Connor E. Prevalence of angina in women versus men: A systematic review and meta-analysis of international variations across 31 countries. Circulation 2008; 117 (12): 1526-36. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.107.720953
https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.1... . Ela tipicamente se traduz como desconforto torácico usualmente desencadeado com atividade física ou estresse emocial, que melhora após repouso ou uso de nitroglicerina e é causada majoritariamente pela hipóxia miocárdica decorrente de doença arterial coronariana obstrutiva ou não obstrutiva44. Tsai CC, Chuang SY, Hsieh IC, Ho LH, Chu PH, Jeng C. The association between psychological distress and angina pectoris: a population-based study. PLoS One 2019; 14 (11): e0224451. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022... . Associada à idade e ao sexo, a caracterização da angina ajuda a predizer a probabilidade de doença isquêmica coronariana, apesar de em alguns casos poder resultar de condições não DAC, como anemia, hipertireoidismo, doenças respiratórias e doenças valvares44. Tsai CC, Chuang SY, Hsieh IC, Ho LH, Chu PH, Jeng C. The association between psychological distress and angina pectoris: a population-based study. PLoS One 2019; 14 (11): e0224451. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022... .
A detecção precoce da doença arterial coronariana desempenha importante papel na intervenção precoce e reduz o risco futuro de doenças graves55. Mansournia MA, Holakouie-Naieni K, Fahimfar N, Almasi-Hashiani A, Cheraghi Z, Ayubi E, et al. Risk of coronary heart events based on rose angina questionnaire and ecg besides diabetes and other metabolic risk factors: results of a 10-year follow-up in tehran lipid and glucose study. Int J Endocrinol Metab 2017; 15 (2): e42713. https://doi.org/10.5812/ijem.42713
https://doi.org/10.5812/ijem.42713... . O diagnóstico de angina é essencialmente clínico e se baseia numa história detalhada das características da dor, com investigação da qualidade, localização, irradiação, duração e sintomas associados66. Fihn SD, Blankenship JC, Alexander KP, Bittl JA, Byrne JG, Fletcher BJ, et al. 2014 acc/aha/aats/pcna/scai/sts focused update of the guideline for the diagnosis and management of patients with stable ischemic heart disease. J Am Coll Cardiol 2014; 64 (18): 1929-49. https://doi.org/10.1161/CIR.0000000000000095
https://doi.org/10.1161/CIR.000000000000... e, apesar de a angina não se associar diretamente à mortalidade, representa carga importante de incapacidade77. Russell M, Williams M, May E, Stewart S. The conundrum of detecting stable angina pectoris in the community setting. Nat Rev Cardiol 2010; 7 (2): 106-13. https://doi.org/10.1038/nrcardio.2009.226
https://doi.org/10.1038/nrcardio.2009.22... .
Por ausência de exames específicos, o cálculo da prevalência de angina apresentava-se desafiador, tendo-se que lançar mão de registros médicos com análise da frequência de prescrição de nitratos e autorrelato de experiência anginosa. Com o objetivo de caracterizar a angina e a precordialgia durante o infarto de forma reprodutível, Geoffrey Rose88. Rose GA. The diagnosis of ischaemic heart pain and intermittent claudication in fields surveys. Bull World Health Organ 1962; 27 (6): 645-58. PMID: 13974778 desenvolveu um questionário em 1962, que posteriormente foi adotado pela OMS como instrumento geral para determinação de prevalência de angina44. Tsai CC, Chuang SY, Hsieh IC, Ho LH, Chu PH, Jeng C. The association between psychological distress and angina pectoris: a population-based study. PLoS One 2019; 14 (11): e0224451. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022... .
O questionário original consistia em sete questões que incluíam um diagrama do tórax masculino e foi aplicado em diversos países, e uma meta-análise em 31 países indicou que a prevalência de AP varia entre 0,7 e 15% na população em geral33. Hemingway H, Langenberg C, Damant J, Frost C, Pyörälä K, Barrett-Connor E. Prevalence of angina in women versus men: A systematic review and meta-analysis of international variations across 31 countries. Circulation 2008; 117 (12): 1526-36. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.107.720953
https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.1... . Já em 2003, foi proposta uma versão curta do questionário, focada em três questões tratando sobre dor no peito após esforço. Em 2012, Bastos et al. adaptaram essa versão reduzida para o Brasil no projeto-piloto do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), com sensibilidade de 25% e especificidade de 92%, muito similares aos dados relatados na literatura99. Bastos MS, Lotufo PA, Whitaker AL, Bensenor IM. Validation of the short-version of Rose Angina Questionnaire in Brazil. Arq Bras Cardiol 2012; 99 (5): 1056-9. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2012001400012
https://doi.org/10.1590/S0066-782X201200... .
Assim, a versão simplificada do questionário foi aplicada no Brasil em 2013 e repetida em 2019, na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), pelo IBGE, constituindo oportunidade para monitorar os dados autorreferidos de angina no país. Distintamente do questionário de 2013, que excluiu os indivíduos que referiram não conseguir se locomover, em 2019, foi retirada a pergunta “Em geral, que grau de dificuldade o(a) sr(a) tem para se locomover?” podendo-se, assim, estimar a prevalência da angina no peito da população brasileira.
O estudo atual, então, visa estimar a prevalência e os fatores associados à angina do peito na população adulta brasileira e por unidades federadas.
MÉTODOS
O estudo utilizou dados da PNS, inquérito de saúde de âmbito nacional, realizada em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.
O plano amostral da PNS foi por conglomerados em três estágios de seleção. No primeiro, foi feita a estratificação das unidades primárias de amostragem (setores censitários). No segundo, em cada setor censitário, foi selecionado aleatoriamente um número fixo de domicílios em cada unidade primária de amostragem (UPA), que variou de 10 a 14. No terceiro estágio, o morador foi selecionado aleatoriamente dentre aqueles com 15 anos ou mais de idade, com base na lista de moradores obtida no momento da entrevista1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.,1111. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. National Survey of Health 2019: history, methods and perspectives. Epidemiol Serv Saude 2020; 29 (5): e2020315. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500004
https://doi.org/10.1590/S1679-4974202000... . No cálculo do tamanho da amostra, foram levados em consideração os valores médios, as variâncias e os efeitos do plano amostral, supondo-se uma taxa de não resposta de 20%. A amostra prevista da PNS 2019 foi de 108.525 domicílios e os dados coletados em 94.114 domicílios.
Para as análises do presente estudo, consideraram-se apenas as entrevistas de moradores com 18 anos e mais, totalizando 88.531 indivíduos1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.,1111. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. National Survey of Health 2019: history, methods and perspectives. Epidemiol Serv Saude 2020; 29 (5): e2020315. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500004
https://doi.org/10.1590/S1679-4974202000... . Detalhes sobre o processo de amostragem e ponderação são fornecidos em publicação específica1111. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. National Survey of Health 2019: history, methods and perspectives. Epidemiol Serv Saude 2020; 29 (5): e2020315. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500004
https://doi.org/10.1590/S1679-4974202000... .
Avaliação de Angina do Peito
Para avaliar a angina, a PNS aplicou a versão curta do “Questionário de Angina da OMS/Rose”, desenvolvida por Lawlor1212. Lawlor DA, Adamson J, Ebrahim S. Performance of the WHO Rose angina questionnaire in post-menopausal women: are all of the questions necessary? J Epidemiol Community Health 2003; 57 (7): 538-41. http://doi.org/10.1136/jech.57.7.538
http://doi.org/10.1136/jech.57.7.538... e adaptada para o português brasileiro99. Bastos MS, Lotufo PA, Whitaker AL, Bensenor IM. Validation of the short-version of Rose Angina Questionnaire in Brazil. Arq Bras Cardiol 2012; 99 (5): 1056-9. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2012001400012
https://doi.org/10.1590/S0066-782X201200... . A angina grau I (leve) incluiu dor ou desconforto no peito ao subir ladeiras ou um lance de escadas, ou ao caminhar rapidamente no plano em relação aos indivíduos que conseguem se locomover, segundo resposta positiva à pergunta: N4- “Quando o(a) Sr(a) sobe uma ladeira, um lance de escadas ou caminha rápido no plano, sente dor ou desconforto no peito?” A angina grau II (moderada/grave) envolve dor ou desconforto no peito ao caminhar em lugar plano, em velocidade normal em relação aos indivíduos que conseguem se locomover, segundo resposta positiva à pergunta: N5. “Quando o(a) Sr(a) caminha em lugar plano, em velocidade normal, sente dor ou desconforto no peito?” Cabe ressaltar que aqueles casos categorizados como grau II não foram incluídos no grupo de grau I.
Análise Estatística e Procedimentos Éticos
Calculou-se a estimativa de ponto da prevalência e o intervalo de 95% de confiança (IC95%) para angina do peito grau I e grau II, separadamente, e as razões de prevalência utilizando o modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Primeiramente, realizaram-se as análises bivariadas dos desfechos (angina I e II) e cada característica sociodemográfica (variáveis explicativas), sendo estimadas as razões de prevalência (RPs) brutas (RPbs). Depois, foi realizado o modelo multivariado, ajustando-se a análise por todas as características sociodemográficas e obtendo-se, assim, as RPs ajustadas (RPajs) por todas as variáveis do modelo.
As características sociodemográficas utilizadas foram: sexo (masculino e feminino), faixa etária (18-29, 30-59, 60-64, 65-74, e 75 anos e mais), escolaridade (sem instrução e fundamental incompleto, fundamental completo e médio incompleto, médio completo e superior incompleto, e superior completo), raça/cor da pele autodeclarada (branca, preta, parda, amarela e indígena) e região de moradia (urbana e rural). Foi ainda calculada a prevalência de angina I e II para as unidades federadas, com o IC95%. Utilizou-se o software R (R Core Team, 2020) para análise dos dados por meio do pacote survey, que considera efeitos do plano amostral.
A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (Parecer nº 3.529.376/2019) e seus dados estão disponíveis para acesso e uso públicos.
RESULTADOS
Em 2019, a prevalência de angina grau I foi de 8,1% (IC95% 7,8-8,4) para a população brasileira adulta. A diferença foi significativa por sexo, com valores maiores entre mulheres (9,8%, IC95% 9,3-10,3; RPaj 1,62, IC95% 1,51-1,65). A prevalência foi mais elevada entre as pessoas de 60–64 anos (10,1%, IC95% 9,0-11,3; RPaj 1,19, IC95% 1,14-1,24) e de 65–74 anos (10,1%, IC95% 9,1-11,2; RPaj 1,14, IC95% 1,09-1,19), reduzindo-se para aquelas com 75 anos e mais (8,8%, IC95% 7,5-10,2; RPaj 0,92, IC95% 0,87-0,97). A população com menor escolaridade (11,1%, IC95% 10,5-11,7) teve prevalência quase três vezes mais elevada (RPaj 2,57, IC95% 2,47-2,68) na comparação com aquela que tem ensino superior completo (4,2%, IC95% 3,7-4,8). Tendo como referência a cor da pele branca (7,2%, IC95% 6,8-7,7), a cor preta foi fator de risco (9,4%, IC95% 8,6-10,4; RPaj 1,19, IC95% 1,16-1,22) e a amarela foi protetora (3,8%, IC95% 2,4-5,9; RPaj 0,56, IC95% 0,52-0,59). A prevalência também foi mais elevada em residentes da região rural (9,8%, IC95% 9,1-10,5; RPaj 1,06, IC95% 1,04-1,08) em relação aos moradores da região urbana (7,8%, IC95% 7,5-8,2) (Tabela 1).
Prevalência e razões de prevalência (bruta e ajustada) de angina do peito grau I na população brasileira adulta, segundo características sociodemográficas. Pesquisa Nacional de Saúde, 2019.
A angina grau II teve prevalência de 4,5% (IC95% 4,2-4,7) e apresentou distribuição sociodemográfica semelhante à da angina grau I, sendo mais frequente em mulheres (5,5%, IC95% 5,2-5,9; RPaj 1,71, IC95% 1,66-1,77), pessoas com 75 anos e mais (7,4%, IC95% 6,4-8,6; RPaj 1,82, IC95% 1,72-1,94) e menor escolaridade. Neste último quesito, constatou-se que pessoas sem instrução e com fundamental incompleto (7,2%, IC95% 6,8-7,7) apresentaram prevalência quatro vezes maior (RPaj 4,23, IC95% 3,96-4,52) que aquelas com superior (1,7%, IC95% 1,3-2,1). Em relação à raça/cor da pele, comparando-se com as pessoas que se declararam brancas (4,0%, IC95% 3,6-4,4), as que se declararam amarelas (4,9%, IC95% 2,4-9,9) apresentaram maior prevalência (RPaj 1,33, IC95% 0,96-1,85) (Tabela 2).
Prevalência e razões de prevalência (bruta e ajustada) de angina do peito grau II na população brasileira adulta, segundo características sociodemográficas. Pesquisa Nacional de Saúde, 2019.
Em relação às unidades federativas, as maiores prevalências ocorreram em Sergipe (10,4%), para angina 1, e no Amazonas (6,3%), para angina 2. Já as menores prevalências tanto para angina 1 como para angina 2 ocorreram no Distrito Federal (5,9 e 2,8%, respectivamente) (Figura 1).
Prevalência e intervalo de confiança 95% de angina do peito grau I e II na população brasileira adulta por unidades federativas. Pesquisa Nacional de Saúde, 2019.
DISCUSSÃO
A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, adotando o questionário de Rose para angina de peito, identificou prevalências de angina I de 8,1% e angina grau II de 4,5%, e o sexo feminino e a menor escolaridade como fatores de risco para ambas.
Entre 201313–2019, não ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre as prevalências de angina grau I (7,6%, IC95% 7,2-8,0) e angina grau II (4,2%, IC95% 3,9-4,5). Também foram identificadas, em 2013, prevalências mais elevadas entre mulheres, população com baixa escolaridade e aumento progressivo com o avanço da idade.
Este estudo encontrou maior prevalência de anginas I e II em mulheres, fato que pode ser explicado pelo maior acometimento desse sexo pelo estresse1414. Schmidt K, Lima AS, Schmitt KR, Moraes MA, Schmidt MM. Um olhar sobre o stress nas mulheres com infarto agudo do miocárdio. Arq Bras Cardiol 2020; 115 (4): 649-57. https://doi.org/10.36660/abc.20190282
https://doi.org/10.36660/abc.20190282... , além de homens apresentarem quadros distintos nas doenças coronarianas, como infarto agudo e morte súbita1515. Alves L, Cesar JA, Horta BL. Prevalence of angina pectoris in Pelotas, south of Brazil. Arq Bras Cardiol 2010; 95 (2): 179-85. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2010005000075
https://doi.org/10.1590/S0066-782X201000... .
As anginas I e II também foram mais prevalentes em pessoas com menor escolaridade, fator diretamente correlacionado a maiores níveis de estresse1616. Marmot M, Bell R. Social determinants and non-communicable diseases: time for integrated action. BMJ 2019; 364: kl251. https://doi.org/10.1136/bmj.l251
https://doi.org/10.1136/bmj.l251... e ao menor acesso à saúde1717. Fiório CE, Cesar CLG, Alves MCG, Goldbaum M. Prevalência de hipertensão arterial em adultos no município de São Paulo e fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2020; 23: e200052. https://doi.org/10.1590/1980-549720200052
https://doi.org/10.1590/1980-54972020005... , o que pode explicar a associação encontrada aqui com a angina.
No Brasil, estudos anteriores encontraram associações similares. Em Pelotas (Rio Grande do Sul), em 2007, identificaram-se resultados semelhantes, com prevalência maior em mulheres e população menos escolarizada1515. Alves L, Cesar JA, Horta BL. Prevalence of angina pectoris in Pelotas, south of Brazil. Arq Bras Cardiol 2010; 95 (2): 179-85. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2010005000075
https://doi.org/10.1590/S0066-782X201000... . Em Ribeirão Preto (São Paulo), 2.471 participantes com mais de 30 anos responderam ao questionário de Rose, constatando-se prevalências também mais elevadas entre mulheres e população menos escolarizada1818. Moraes SA, Freitas IC. Ischemic heart disease and correlates in adults from Ribeirão Preto, Brazil. Rev Saude Publica 2012; 46 (4): 591-601. https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000056
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201200... .
O estudo atual identificou associação da angina I com raça/cor autodeclarada preta e parda, além de residentes da área rural, reforçando a relação das características sociais e do pior acesso a medidas de prevenção e promoção da saúde1616. Marmot M, Bell R. Social determinants and non-communicable diseases: time for integrated action. BMJ 2019; 364: kl251. https://doi.org/10.1136/bmj.l251
https://doi.org/10.1136/bmj.l251... .
Dentre os limites do estudo, destacamos que há forte associação de respostas positivas ao questionário e à presença de transtornos mentais comuns44. Tsai CC, Chuang SY, Hsieh IC, Ho LH, Chu PH, Jeng C. The association between psychological distress and angina pectoris: a population-based study. PLoS One 2019; 14 (11): e0224451. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022... ,1919. Zaman MJS, Mola CL, Gilman RH, Smeeth L, Miranda JJ. The prevalence of angina symptoms and association with cardiovascular risk factors, among rural, urban, and rural to urban migrant populations in Peru. BMC Cardiovasc Disord 2010; 10: 50. https://doi.org/10.1186/1471-2261-10-50
https://doi.org/10.1186/1471-2261-10-50... ,2020. Ragino YI, Shcherbakova LV, Denisova DV, Kuzminykh NA, Yachmeneva MP, Voevoda MI. Blood lipids and angina pectoris (by epidemiological cardiological Rose questionnaire) in the population of 25-45 years of Novosibirsk. Kardiologiia 2019; 59 (3S): 30-5. https://doi.org/10.18087/cardio.2600
https://doi.org/10.18087/cardio.2600... . Assim, a resposta positiva poderia ser decorrente de somatização ou sensibilidade aumentada à dor em pessoas deprimidas ou ansiosas, e não exatamente uma manifestação de isquemia coronariana44. Tsai CC, Chuang SY, Hsieh IC, Ho LH, Chu PH, Jeng C. The association between psychological distress and angina pectoris: a population-based study. PLoS One 2019; 14 (11): e0224451. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022... ,1919. Zaman MJS, Mola CL, Gilman RH, Smeeth L, Miranda JJ. The prevalence of angina symptoms and association with cardiovascular risk factors, among rural, urban, and rural to urban migrant populations in Peru. BMC Cardiovasc Disord 2010; 10: 50. https://doi.org/10.1186/1471-2261-10-50
https://doi.org/10.1186/1471-2261-10-50... . Além disso, o estudo tem delineamento transversal, não podendo definir direção de causalidade.
O presente estudo mostrou elevada prevalência de angina de peito na população, com grande magnitude na de baixa escolaridade. Esses dados podem apoiar políticas de prevenção e controle da DCV voltadas para a atenção primária da saúde, que tem capacidade para manejar a angina, assim como agir na prevenção de outros fatores de risco cardiovasculares (tabagismo, dislipidemia, diabetes e hipertensão), controlando e reduzindo a mortalidade por DCV2121. Malta DC, Pinheiro PC, Teixeira RA, Machado IE, Santos FM, Ribeiro ALP. Estimativa do risco cardiovascular em dez anos na população brasileira: um estudo de base populacional. Arq Bras Cardiol 2021, 116: 423-31. https://doi.org/10.36660/abc.20190861
https://doi.org/10.36660/abc.20190861... e sendo essencial no alcance da meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de redução de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) em 30% até 2030.
Referências bibliográficas
- 1.World Health Organization. Cardiovascular diseases burden. Genebra: World Health Organization, 2017.
- 2.Colaboradores do GBD 2016 Brasil. Global burden of diseases. Burden of disease in Brazil, 1990-2016: a systematic subnational analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet 2018; 392 (1): 760-75. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31221-2
» https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31221-2 - 3.Hemingway H, Langenberg C, Damant J, Frost C, Pyörälä K, Barrett-Connor E. Prevalence of angina in women versus men: A systematic review and meta-analysis of international variations across 31 countries. Circulation 2008; 117 (12): 1526-36. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.107.720953
» https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.107.720953 - 4.Tsai CC, Chuang SY, Hsieh IC, Ho LH, Chu PH, Jeng C. The association between psychological distress and angina pectoris: a population-based study. PLoS One 2019; 14 (11): e0224451. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451
» https://doi.org/10.1371/journal.pone.0224451 - 5.Mansournia MA, Holakouie-Naieni K, Fahimfar N, Almasi-Hashiani A, Cheraghi Z, Ayubi E, et al. Risk of coronary heart events based on rose angina questionnaire and ecg besides diabetes and other metabolic risk factors: results of a 10-year follow-up in tehran lipid and glucose study. Int J Endocrinol Metab 2017; 15 (2): e42713. https://doi.org/10.5812/ijem.42713
» https://doi.org/10.5812/ijem.42713 - 6.Fihn SD, Blankenship JC, Alexander KP, Bittl JA, Byrne JG, Fletcher BJ, et al. 2014 acc/aha/aats/pcna/scai/sts focused update of the guideline for the diagnosis and management of patients with stable ischemic heart disease. J Am Coll Cardiol 2014; 64 (18): 1929-49. https://doi.org/10.1161/CIR.0000000000000095
» https://doi.org/10.1161/CIR.0000000000000095 - 7.Russell M, Williams M, May E, Stewart S. The conundrum of detecting stable angina pectoris in the community setting. Nat Rev Cardiol 2010; 7 (2): 106-13. https://doi.org/10.1038/nrcardio.2009.226
» https://doi.org/10.1038/nrcardio.2009.226 - 8.Rose GA. The diagnosis of ischaemic heart pain and intermittent claudication in fields surveys. Bull World Health Organ 1962; 27 (6): 645-58. PMID: 13974778
- 9.Bastos MS, Lotufo PA, Whitaker AL, Bensenor IM. Validation of the short-version of Rose Angina Questionnaire in Brazil. Arq Bras Cardiol 2012; 99 (5): 1056-9. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2012001400012
» https://doi.org/10.1590/S0066-782X2012001400012 - 10.Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.
- 11.Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. National Survey of Health 2019: history, methods and perspectives. Epidemiol Serv Saude 2020; 29 (5): e2020315. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500004
» https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500004 - 12.Lawlor DA, Adamson J, Ebrahim S. Performance of the WHO Rose angina questionnaire in post-menopausal women: are all of the questions necessary? J Epidemiol Community Health 2003; 57 (7): 538-41. http://doi.org/10.1136/jech.57.7.538
» http://doi.org/10.1136/jech.57.7.538 - 13.Lotufo PA, Malta DC, Szwarcwald CL, Stopa SR, Vieira ML, Bensenor IM. Prevalência de angina do peito pelo questionário de Rose na população brasileira: análise da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18 (Suppl 2): 123-31. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060011
» https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060011 - 14.Schmidt K, Lima AS, Schmitt KR, Moraes MA, Schmidt MM. Um olhar sobre o stress nas mulheres com infarto agudo do miocárdio. Arq Bras Cardiol 2020; 115 (4): 649-57. https://doi.org/10.36660/abc.20190282
» https://doi.org/10.36660/abc.20190282 - 15.Alves L, Cesar JA, Horta BL. Prevalence of angina pectoris in Pelotas, south of Brazil. Arq Bras Cardiol 2010; 95 (2): 179-85. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2010005000075
» https://doi.org/10.1590/S0066-782X2010005000075 - 16.Marmot M, Bell R. Social determinants and non-communicable diseases: time for integrated action. BMJ 2019; 364: kl251. https://doi.org/10.1136/bmj.l251
» https://doi.org/10.1136/bmj.l251 - 17.Fiório CE, Cesar CLG, Alves MCG, Goldbaum M. Prevalência de hipertensão arterial em adultos no município de São Paulo e fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2020; 23: e200052. https://doi.org/10.1590/1980-549720200052
» https://doi.org/10.1590/1980-549720200052 - 18.Moraes SA, Freitas IC. Ischemic heart disease and correlates in adults from Ribeirão Preto, Brazil. Rev Saude Publica 2012; 46 (4): 591-601. https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000056
» https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000056 - 19.Zaman MJS, Mola CL, Gilman RH, Smeeth L, Miranda JJ. The prevalence of angina symptoms and association with cardiovascular risk factors, among rural, urban, and rural to urban migrant populations in Peru. BMC Cardiovasc Disord 2010; 10: 50. https://doi.org/10.1186/1471-2261-10-50
» https://doi.org/10.1186/1471-2261-10-50 - 20.Ragino YI, Shcherbakova LV, Denisova DV, Kuzminykh NA, Yachmeneva MP, Voevoda MI. Blood lipids and angina pectoris (by epidemiological cardiological Rose questionnaire) in the population of 25-45 years of Novosibirsk. Kardiologiia 2019; 59 (3S): 30-5. https://doi.org/10.18087/cardio.2600
» https://doi.org/10.18087/cardio.2600 - 21.Malta DC, Pinheiro PC, Teixeira RA, Machado IE, Santos FM, Ribeiro ALP. Estimativa do risco cardiovascular em dez anos na população brasileira: um estudo de base populacional. Arq Bras Cardiol 2021, 116: 423-31. https://doi.org/10.36660/abc.20190861
» https://doi.org/10.36660/abc.20190861
- Fonte de financiamento: Fundo Nacional de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde (TED: 66/2018).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
10 Dez 2021 - Data do Fascículo
2021
Histórico
- Recebido
28 Maio 2021 - Revisado
21 Jul 2021 - Aceito
22 Jul 2021 - Preprint
24 Set 2021