RESUMO:
Objetivo:
Estimar a prevalência da exposição ocupacional e ambiental segundo fatores sociodemográficos nos pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
Métodos:
Estudo transversal com pacientes com câncer de 18 anos ou mais. Foram calculadas as prevalências de exposição a agrotóxicos, amianto, chumbo, metais pesados, formol, benzeno e poeira industrial e de manuseio de outras substâncias químicas conforme sexo, faixa etária e escolaridade.
Resultados:
Foram entrevistados 1.012 pacientes (55,0% do sexo feminino, 45,6% com 60 anos ou mais, 56,9% com menos de cinco anos de escolaridade). Agrotóxicos (22,8%), poeira industrial (10,7%) e benzeno (10,1%) foram as exposições de maior frequência. A exposição ocupacional e ambiental foi maior no sexo masculino para todas as exposições avaliadas, exceto para o formol, que foi maior no sexo feminino. A exposição a agrotóxico, poeira industrial, benzeno, amianto e metais pesados aumentou com a idade e foi mais frequente entre aqueles de menor escolaridade.
Conclusão:
Aproximadamente um em cada cinco pacientes com câncer atendidos em hospitais de referência de Mato Grosso relatou ter sido exposto aos agrotóxicos, e um a cada dez foi exposto a poeira industrial e benzeno, sendo maior a exposição entre os indivíduos do sexo masculino, mais velhos e de menor escolaridade.
Palavras-chave:
Câncer; Exposição ocupacional; Agroquímicos; Poluição ambiental
INTRODUÇÃO
O câncer é uma doença crônica, multifatorial, relacionada a alterações genéticas e hereditárias (cerca de 20%) ou ocasionados por fatores ambientais, hábitos de vida, comportamentais, condições sociodemográficas, exposições a produtos químicos, entre outros (80%)11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho. Rio de Janeiro: INCA; 2013 [cited on July 14, 2021]. Available at: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/diretrizes-vigilancia-cancer-relacionado-2ed.compressed.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... ,22 Breilh J. La determinación social de la salud como herramienta de transformación hacia una nueva salud pública (salud colectiva). Rev Fac Nac Salud Pública 2013; 31 (supl 1): S13-S27.
A Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC, do inglês International Agency for Research on Cancer) classifica como produtos potencialmente cancerígenos produtos químicos como agrotóxicos, benzeno, radiação ionizante, amianto, sílica, poeiras químicas, entre outros33 World Health Organization. International Agency for Research on Cancer. IARC monographs on the evaluation of carcinogenic risks to humans. Lyon: International Agency for Research on Cancer; 2008 [cited on July 20, 2021]. Available at: https://publications.iarc.fr/_publications/media/download/2931/d7a4e802483b1374482768a36a7c78e1b33aa1c8.pdf
https://publications.iarc.fr/_publicatio... . De acordo com uma atualização das monografias do IARC realizada por Loomis et al.44 Loomis D, Guha N, Hall AL, Straif K. Identifying occupational carcinogens: an update from the IARC monographs. Occupational and Environmental Medicine 2018; 75(8): 593-603. http://doi.org/10.1136/oemed-2017-104944
http://doi.org/10.1136/oemed-2017-104944... , avaliou-se que, dos 120 tipos de agentes químicos potencialmente cancerígenos, 40 são decorrentes de exposição ocupacional.
A relação entre a exposição a agentes físicos e químicos e a ocorrência de uma doença ocupacional é de difícil investigação do nexo causal. Partindo desse pressuposto, é de suma importância a priorização por parte do Ministério da Saúde, bem como do Ministério do Trabalho, de ações de vigilância e prevenção de doenças ocupacionais como os cânceres, a fim de minimizar os impactos causados pelas atividades produtivas do país55 Guimarães RM, Rohlfs DB, Baêta KF, Santos RD. High-priority carcinogenic occupational agents and activities for health surveillance in Brazil. Rev Bras Med Trab 2019; 17(2): 254-9. https://doi.org/10.5327/Z1679443520190289
https://doi.org/10.5327/Z167944352019028... .
A literatura tem avançado na avaliação da relação da ocorrência de determinados cânceres e da exposição a produtos químicos. Porém mais estudos são necessários para fortalecer a vigilância em saúde de populações expostas e a ocorrência de doenças crônicas como o câncer. Desse modo, o objetivo deste artigo foi estimar a prevalência da exposição ocupacional e ambiental segundo fatores sociodemográficos nos pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de delineamento transversal, que faz parte do projeto de pesquisa "Câncer e seus fatores associados: análise de registro de base populacional e hospitalar de Cuiabá-MT", desenvolvida pelo Instituto de Saúde Coletiva (Universidade Federal de Mato Grosso) em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e financiamento do Ministério Público do Trabalho da 23ᵃ Região. Foram incluídos no estudo o Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), que é o hospital-escola da Universidade Federal de Mato Grosso, e o Hospital de Câncer de Mato Grosso (HCan), uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia responsável por cerca de 70% do total de atendimentos oncológicos no estado66 Governo de Mato Grosso. Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso. Plano Estadual de Saúde – PES MT 2016-2019. SES-MT. Relatório. Mato Grosso SES-MT: Cuiabá; 2017 [cited on July 20, 2021]. Available at: https://www.conass.org.br/pdf/planos-estaduais-de-saude/MT_Plano-estadual-de-saude-2016-2019-[579-140617-SES-MT]%20(1).pdf
https://www.conass.org.br/pdf/planos-est... .
A população estimada para Mato Grosso em 2021 foi de 3.567.234 habitantes. O estado é o terceiro mais extenso do país, com área territorial de 903.207,047 km2, e densidade de 3,95 habitantes por km2 e Índice de Desenvolvimento Humano de 0,725. Sua economia abrange o agronegócio na maioria dos seus 141 municípios. Destes, a maior concentração populacional ocorre na capital Cuiabá, com população estimada em 2021 de 623.614 habitantes77 Brasil. Instituto Brasil de Geografia e Estatística. Cuiabá. [cited on July 20, 2021]. Available at: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mt/cuiaba/panorama
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mt/cu... . A economia do estado de MT baseia-se no agronegócio em virtude da grande extensão de terras destinadas ao cultivo de monoculturas e ao uso intensivo de agrotóxicos, fazendo do estado o maior consumidor do Brasil nos últimos anos88 Pignati, WA, Souza e Lima FAN, Lara SS, Correa MLM, Barbosa JR, Leão LHM, et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciênc Saúde Colet 2017; 22(10): 3281-93. https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.17742017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221... .
Para o cálculo amostral, considerou-se o número de internações do Registro Hospitalar de Câncer (2015) de pacientes com 20 anos ou mais em razão de ausência de informações sobre quantitativo de pacientes atendidos nos ambulatórios, proporção máxima (p=0,50), erro tolerável de 2,5% e nível de confiança de 95%. A amostra estimada foi de 1.050 pacientes atendidos nos dois hospitais, considerando 10% de perdas. Foram entrevistados 1.122 pacientes maiores de 18 anos de idade. Destes, seis recusaram, 21 não tiveram seus prontuários localizados e em 83 o diagnóstico de câncer não foi confirmado; dessa forma a amostra final foi de 1.012 pacientes. Os critérios de inclusão para a seleção dos participantes foram: pessoas de ambos os sexos com 18 anos ou mais atendidos nos ambulatórios do HCan e do HUJM com diagnóstico citopatológico ou histopatológico de câncer durante o período da coleta de dados.
A coleta de dados ocorreu entre novembro 2019 e março de 2020 e deu-se por um questionário estruturado por 12 blocos por meio de entrevista face a face nos próprios ambulatórios, em local reservado para tal, utilizando um coletor eletrônico de dados (Open Data Kit — ODK) instalado num tablet com sistema Android99 Carneiro FF, Rigotto RA, Augusto LGS, Friedrich K, Búrigo AC. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2015 [cited on July 21, 2021]. Available at: https://www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/wp-content/uploads/2013/10/DossieAbrasco_2015_web.pdf
https://www.abrasco.org.br/dossieagrotox... . Foi realizada coleta de dados em prontuário no período de dezembro de 2019 a março de 2020 e de abril a junho de 2021, em razão da pandemia de COVID-19.
Para este estudo foi utilizada como variável dependente a exposição ocupacional e ambiental mensurada pela pergunta "Já trabalhou ou trabalha com algum destes fatores?" (sim; não): a) Agrotóxicos (inseticidas, fungicidas, herbicidas, acaricida); b) Amianto (telhas onduladas, asfalto, caixas d’água); c) Chumbo (canos, soldas lâminas, fabricação de PVC, tintas, corantes, esmaltes e maquiagem); d) Metais pesados (fertilizantes químicos, mercúrio); e) Formol (alisamento capilar, tintura, indústria têxtil); f) Benzeno (combustível, gasolina, diesel); g) Exposição a poeira industrial (exemplos: pó de mármore, pó de madeira, pó de couro); h) Manuseio de outras substâncias químicas (que não estejam incluídas nos exemplos anterior). As variáveis independentes utilizadas foram sexo (masculino e feminino), faixa etária (18 a 39; 40 a 59; 60 anos ou mais) e escolaridade (0 a 4; 5 a 11; 12 anos ou mais). Adicionalmente, foi analisado o município de residência do paciente e por quanto tempo trabalhou ou trabalha com algum desses fatores de exposição ocupacional e ambiental (<5; 5 a 10; 10 a 20; 20 anos ou mais), além do tipo de câncer, classificado conforme Classificação Internacional de Doenças (C00-C97; D46) e obtido a partir dos dados de prontuário.
Foi realizada análise descritiva por meio de frequências absolutas e relativas. Foram estimadas as prevalências de exposição ocupacional e ambiental e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), conforme sexo, faixa etária e escolaridade. As análises foram realizadas no software STATA versão 16.0.
O projeto e este estudo tiveram aprovação no Comitê de Ética do Hospital Universitário Júlio Muller, com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 98150718.1.0000.8124, número do parecer 3.048.183 de 20/11/2018, e no do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, com CAAE: 98150718.1.3003.5164, número do parecer 3.263.744 em 12/04/2019. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Dos 1.012 pacientes, 557 eram do sexo feminino (55,0%), 462 tinham 60 anos ou mais (45,6%) e 574 possuíam menos de cinco anos de escolaridade (56,8%). A média de idade foi 56,8 anos (desvio padrão: 14,3), com mínimo de 18 e máximo de 100 anos. Em relação ao local de moradia, 387 pacientes residiam nas duas cidades mais populosas de Mato Grosso (40,1%), sendo 267 em Cuiabá (26,8%) e 120 em Várzea Grande (12,0%), 610 no interior do estado (59,7%) e 15 em outros estados (1,5%). Os tipos de câncer mais frequentes foram mama (28,3%; 286), próstata (19,3%; 195), colorretal (9,2%; 93), colo do útero (4,2%; 43), leucemia mieloide (3,1%; 31), pulmão (2,7%; 27), estômago (2,4%; 24), laringe (2,0%; 20) e pele (1,9%; 19).
A exposição de maior frequência foi o agrotóxico (22,8%; IC95% 20,2–25,5), seguida de poeira industrial (10,7%; IC95% 8,9–12,8) e benzeno (10,1%; IC95% 8,3–12,1) (Figura 1A). Em relação ao tempo de exposição, a maioria dos pacientes trabalhou mais de 10 anos exposta a benzeno (53,3%; 16), chumbo (50,8%; 32) e manuseio de outras substâncias químicas (56,8%; 21). Quanto à exposição a amianto (53,7%; 36), metais pesados (49,2%; 30) e formol (47,5%; 19), o tempo de exposição analisado foi até menos de cinco anos. Para agrotóxico (52,3%; 113) e poeira industrial (53,6%; 52), a maioria dos pacientes relatou tempo de exposição menor que dez anos (Figura 1B).
Prevalência (A) e tempo (B) de exposição ocupacional e ambiental em pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
A prevalência de exposição ocupacional e ambiental foi maior no sexo masculino para todas as exposições avaliadas, exceto para o formol, que foi mais frequente no sexo feminino. Em relação à faixa etária, a prevalência de exposição a agrotóxico e poeira industrial foi maior entre aqueles de 40 anos ou mais (Tabela 1). Em relação à exposição ao benzeno, a maior proporção foi na faixa etária entre 50 e 59 anos, e para amianto e metais pesados, a faixa etária preponderante foi a de 50 anos ou mais (Tabelas 2 e 3).
Prevalência de exposição a agrotóxico e poeira industrial segundo fatores sociodemográficos nos pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
Prevalência de exposição a benzeno e amianto segundo fatores sociodemográficos nos pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
Prevalência de exposição a chumbo e metais pesados segundo fatores sociodemográficos nos pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
A exposição a agrotóxico, poeira industrial, benzeno, amianto e metais pesados foi mais frequente entre aqueles de menor escolaridade (0 a 4 anos) (Tabelas 1 e 3). A exposição ao formol foi mais frequente entre aqueles de 18 a 59 anos e com cinco anos ou mais de escolaridade (Tabela 4). A prevalência de exposição a chumbo e manuseio de outras substâncias químicas foi semelhante entre as faixas etárias e grupos de escolaridade (Tabelas 3 e 4).
Prevalência de exposição a formol e manuseio de substâncias químicas segundo fatores sociodemográficos nos pacientes com câncer atendidos nos hospitais de referência do estado de Mato Grosso.
DISCUSSÃO
Entre as exposições ambientais e ocupacionais dos portadores de câncer participantes da presente pesquisa, as mais comuns foram os agrotóxicos, seguidos por poeiras industriais, de mármore, pó de madeira ou pó de couro, além de benzeno, chumbo e metais pesados.
A exposição mais referida foi ao agrotóxico. O estado de Mato Grosso é o maior consumidor de agrotóxicos no Brasil88 Pignati, WA, Souza e Lima FAN, Lara SS, Correa MLM, Barbosa JR, Leão LHM, et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciênc Saúde Colet 2017; 22(10): 3281-93. https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.17742017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221... , e estes estão entre os mais tóxicos, sendo muitos deles proibidos em outros países e com regulação de comercialização, diferentemente do que ocorre atualmente no Brasil99 Carneiro FF, Rigotto RA, Augusto LGS, Friedrich K, Búrigo AC. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2015 [cited on July 21, 2021]. Available at: https://www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/wp-content/uploads/2013/10/DossieAbrasco_2015_web.pdf
https://www.abrasco.org.br/dossieagrotox... . Mesmo considerando-se que esse poluente também atinja igualmente a população geral, incluindo os não doentes, não se pode excluir a possibilidade em relação à influência dessa exposição predispor a população a um aumento da ocorrência de câncer nessa região. À vista disso, estudo de revisão sistemática que avaliou a exposição ocupacional a agrotóxicos organofosforados e neoplasias hematológicas identificou que indivíduos com maiores períodos de exposição foram também os que apresentaram as maiores ocorrências desse tipo de câncer, sendo, entre os diferentes tipos de agrotóxicos, os organofosforados os mais prevalentes1010 Moura LTR, Bedor CNG, Lopez RVM, Santana VS, Rocha TMBS, Wünsch Filho V, et al. Exposição ocupacional a agrotóxicos organofosforados e neoplasias hematológicas: uma revisão sistemática. Rev Bras Epidemiol 2020; 23: E200022. https://doi.org/10.1590/1980-549720200022
https://doi.org/10.1590/1980-54972020002... . Outra revisão integrativa da literatura sobre estudos publicados em relação à exposição a agrotóxicos e câncer, com foco em agricultores, população rural, aplicadores de agrotóxicos e trabalhadores rurais, encontrou entre os agricultores maiores ocorrências de câncer; entre estes, os de próstata, linfoma não Hodgkin, leucemia, mieloma múltiplo, bexiga e colo de útero. Esse mesmo estudo refere que, entre os grupos químicos mais frequentes citados em portadores de cânceres no Brasil, estavam os organofosforados, piretroides, organoclorados e tiocarbamatos1111 Dutra LS, Ferreira AP, Horta MAP, Palhares PR. Uso de agrotóxicos e mortalidade por câncer em regiões de monoculturas. Saúde Debate 2020; 44(127): 1018-35. https://doi.org/10.1590/0103-1104202012706
https://doi.org/10.1590/0103-11042020127... .
Outros poluentes analisados foram as poeiras originárias de material particulado, além daquelas originárias dos solos e poeiras industriais. A exposição à poeira de sílica também é expressiva em Mato Grosso em virtude da extração de calcário, brita e cimento em cidades com intensa atividade de exploração mineral66 Governo de Mato Grosso. Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso. Plano Estadual de Saúde – PES MT 2016-2019. SES-MT. Relatório. Mato Grosso SES-MT: Cuiabá; 2017 [cited on July 20, 2021]. Available at: https://www.conass.org.br/pdf/planos-estaduais-de-saude/MT_Plano-estadual-de-saude-2016-2019-[579-140617-SES-MT]%20(1).pdf
https://www.conass.org.br/pdf/planos-est... . Além de aumentar a prevalência de doenças respiratórias, essas poeiras são também causadoras de câncer de pulmão e de pele, entre outros. Poinen-Rughooputh et al.1212 Poinen-Rughooputh S, Rughooputh MS, Guo Y, Rong Y, Chen W. Occupational exposure to silica dust and risk of lung cancer: an updated meta-analysis of epidemiological studies. BMC Public Health 2016; 16(1): 1137. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3791-5
https://doi.org/10.1186/s12889-016-3791-... revisaram diversos estudos em populações expostas às poeiras, encontrando maiores prevalências de câncer de pulmão em grupos expostos diretamente a esses poluentes, tais como trabalhadores da indústria de mineração e população adjacente a essas locais de trabalho. No estado de Mato Grosso, destaca-se, ainda, a presença da indústria da madeira. O pó originário de seu beneficiamento é uma mistura complexa em razão do seu processamento. A exposição a essa substância ocorre tanto no trabalho, durante o uso de máquinas ou ferramentas para cortar ou moldar a madeira, como no meio ambiente, oriunda da indústria moveleira, marcenaria, entre outros1313 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Poeira de madeira [Internet]. 2021 [cited on July 15, 2021]. Available at: https://www.inca.gov.br/exposicao-no-trabalho-e-no-ambiente/poeiras/poeira-de-madeira.
https://www.inca.gov.br/exposicao-no-tra... .
O presente estudo avaliou também a exposição ao benzeno entre os portadores de câncer. Segundo a IARC, essa substância é classificada como um agente carcinogênico do Grupo 1 e sem limite seguro de exposição para a espécie humana11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho. Rio de Janeiro: INCA; 2013 [cited on July 14, 2021]. Available at: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/diretrizes-vigilancia-cancer-relacionado-2ed.compressed.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... . Em relação à sua ação tóxica carcinogênica, especificamente em relação à sua exposição crônica, são relatadas alterações quantitativas de células sanguíneas, como leucopenia, trombocitopenia e eritropenia, e, entre os efeitos mais graves, as leucemias agudas e crônicas1414 Ruiz MA, Vassallo J, Souza CA. Alterações hematológicas em pacientes expostos cronicamente ao benzeno. Rev Saúde Pública 1993; 27(2): 145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-89101993000200011
https://doi.org/10.1590/S0034-8910199300... . Uma revisão sistemática com meta-análise realizada por Jephcote et al.1515 Jephcote C, Brown D, Verbeek T, Mah A. A systematic review and meta-analysis of haematological malignancies in residents living near petrochemical facilities. Environmental Health 2020; 19(53). https://doi.org/10.1186/s12940-020-00582-1
https://doi.org/10.1186/s12940-020-00582... avaliou moradores que viviam próximos a polos petroquímicos e registrou uma maior incidência de neoplasia hematológica em relação à população em geral. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), com o Ministério da Saúde, elaborou um manual sobre a vigilância do câncer relacionado ao trabalho e ao ambiente, relacionando, entre outras substâncias químicas, o benzeno como principal causa da ocorrência de leucemia entre trabalhadores do setor petroquímico, incluindo aqueles que distribuíam e comercializavam combustíveis fósseis, especialmente a gasolina1616 Facina T. Vigilância do câncer relacionado ao trabalho e ao Ambiente. Rev Bras Cancerol 2011;57(1): 85-6..
A presente pesquisa também analisou a exposição dos portadores de câncer aos metais pesados, também considerados danosos à saúde em virtude do seu elevado nível de reatividade e da sua capacidade de bioacumulação em animais e seres humanos. A sua exposição exacerbada leva a um acúmulo de radicais livres com consequente estresse oxidativo celular e, consequentemente, ao desenvolvimento tumoral no processo de carcinogênese1717 Cruz JVB, Santos ÉP, Silva NJ, Lima FLO, Martinelli PP, Vasconcellos Neto JRT. Influence of heavy metals on cancer accommodation: a literature review. RSD 2021; 10(6): e45810615992. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15992
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15992... . Diversos agrotóxicos, fertilizantes químicos e metais pesados, comuns nas atividades de mineração, são de uso bastante elevado no estado de Mato Grosso, permitindo supor que esses contaminantes ambientais podem ter contribuído, em parte, para a ocorrência de alguns cânceres na população estudada. Cruz et al.1818 Cruz JVB, Santos ÉP, Silva NJ, Lima FLO, Martinelli PP, Vasconcellos Neto JRT. Influência dos metais pesados no acometimento do câncer: uma revisão da literatura. RSD 2021; 10(6): e45810615992. http://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15992
http://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15992... , em estudo de revisão sobre a influência dos metais pesados no acometimento do câncer, citam os de pulmão, pele, ovário, mama, estômago, cérebro e laringe como relacionados à exposição aos metais pesados. Além disso, o mercúrio, em especial, bastante utilizado na extração do ouro em Mato Grosso, através da sua absorção, principalmente na forma de vapor pela via inalatória, é bastante citado como causador de diversos efeitos orgânicos, entre eles, anomalias cromossômicas e câncer1919 Pavlogeorgatos G, Kikilias V. The importance of mercury determination and speciation to the health of the general population. Global Nest J 2002; 4(2-3): 107-25. https://doi.org/10.30955/gnj.000242
https://doi.org/10.30955/gnj.000242... .
Quanto ao sexo, para todos os poluentes a exposição aos fatores ambientais foi maior entre os homens, que, em sua maioria, exercem atividades a céu aberto ou em indústrias e fábricas, comparados às mulheres, tanto em trabalhos formais quanto informais, exceto o formol, cuja exposição foi maior em mulheres. São diversos os estudos que referem os indivíduos do sexo masculino como os de maior exposição, mesmo na população em geral. Por exemplo, em estudo quantitativo que analisou fichas de notificação de câncer relacionado ao trabalho em um hospital de referência em oncologia em Mato Grosso do Sul, quase 100% das notificações eram do sexo masculino. Nesse sentido, a Organização Internacional do Trabalho informa que os homens possuem atividades em setores produtivos de risco, sendo, portanto, mais expostos a substâncias que são cancerígenas2020 Brasil, Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Agrotóxico [Internet]. 2021 [cited on July 20, 2021]. Available at: https://www.inca.gov.br/exposicao-no-trabalho-e-no-ambiente/agrotoxicos
https://www.inca.gov.br/exposicao-no-tra... . Contudo, entre os poluentes ambientais, o formol (formaldeído) se constitui um dos principais toxicantes presentes em compostos utilizados no alisamento de cabelos, tendo entre clientela e trabalhadores, em sua maioria, pessoas do sexo feminino2121 Assunção AA, Abreu MNS, Souza PSN. Exposição a agentes químicos no trabalho no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Saude Publica 2020;54:92. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001461
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020... . Ainda em relação ao sexo, a maioria dos participantes (pacientes com câncer nas salas de espera) foi do sexo feminino, apesar de os excessos de exposição terem ocorrido no sexo masculino. Possivelmente, isso ocorreu em razão das prevalências maiores de cânceres em mulheres, como câncer de mama e de colo de útero, sendo estes o segundo e o terceiro mais comuns nos ambientes onde os pacientes foram entrevistados.
Em relação à faixa etária, conforme o esperado, os indivíduos com idades mais avançadas também apresentaram maiores ocorrências de exposição, demonstrando que o aumento progressivo das prevalências de exposição foi concomitante ao aumento da idade2222 Silva SLA, Peixoto SV, Costa MFFL, Simões TC. Efeito da idade, período e coorte de nascimento na incapacidade de idosos residentes na comunidade: coorte de idosos de Bambuí (1997-2012). Cad Saúde Pública 2019; (35):9: e00156018. https://doi.org/10.1590/0102-311X00156018
https://doi.org/10.1590/0102-311X0015601... . O efeito da coorte de nascimento é significativamente importante para o acúmulo de exposição a vários fatores de risco ambientais, repercutindo, possivelmente, no maior risco de desenvolvimento de grande parte dos cânceres, que, em sua maioria, dependem de um grande gradiente temporal de exposição.
Nosso estudo encontrou indivíduos de menor escolaridade com maiores prevalências de exposição aos poluentes analisados. Esse padrão também é o esperado no restante da população sem câncer. Nesse sentido, a literatura é bastante farta e concordante. Por exemplo, em relação aos metais pesados2323 Obregón PL, Espinoza-Quiñones FR, Oliveira LGO. Intoxicações de mercúrio e chumbo com maior prevalência em crianças e trabalhadores no Paraná. Cad Saúde Colet 2021; 29(1): 54-66. https://doi.org/10.1590/1414-462X202129010032
https://doi.org/10.1590/1414-462X2021290... , estudo analisando os casos de intoxicação por metais pesados no Paraná encontrou predomínio de indivíduos com baixa escolaridade intoxicados por mercúrio e chumbo. Lara et al.2424 Lara SS, Pignati WA, Pignatti MG, Leão LHC, Machado JMH. A agricultura do agronegócio e sua relação com a intoxicação aguda por agrotóxicos no Brasil. Hygeia 2019; 15(32): 1-19. https://doi.org/10.14393/Hygeia153246822
https://doi.org/10.14393/Hygeia153246822... identificaram correlação positiva entre a exposição ambiental e o consumo de agrotóxicos nos municípios de Mato Grosso, identificando que as regiões do agronegócio que mais produzem commodities agrícolas (soja, algodão, milho e cana) também apresentam maior número de intoxicações por agrotóxicos agrícolas. Ainda, considerando-se a escolaridade como uma variável proxy para renda, é de se esperar que a exposição dos menos escolarizados provavelmente não difira da população em geral, visto que estes são os que lidam mais diretamente com esses produtos nos diversos trabalhos de menor qualificação profissional, tanto em atividades do agronegócio como garimpos e outras atividades de extração mineral.
Deve-se relatar algumas possíveis limitações do presente estudo. Trata-se de uma pesquisa descritiva e sem grupo de comparação, ou seja, participantes sem câncer, por isso esses resultados devem ser interpretados com certa parcimônia, podendo não serem esses achados diferentes estatisticamente de população sem o efeito estudado, ou seja, ser paciente não portador de câncer.
Importante destacar que a população de estudo, com diagnóstico de câncer, em virtude do maior acesso aos serviços de saúde, expôs-se a riscos para diferentes tipos de câncer, vários deles necessariamente não associados a exposições ocupacionais. Também houve maior representação de mulheres na população em estudo, enquanto homens tiveram maiores prevalências de exposição, podendo, neste caso, não se excluir a ocorrência de viés de seleção, em que os homens podem estar sub-representados. Outra limitação é o efeito da idade e a coorte de nascimento, pois populações mais velhas tendem a ter maiores exposições acumuladas aos fatores de risco por ora analisados.
Por último, é importante ressaltar que as medidas de exposição foram obtidas de maneira indireta por meio de questionário estruturado. Nesse quesito, deve-se considerar a dificuldade e mesmo a inexistência de métodos diretos de coletas de material biológico e outros métodos diagnósticos, também impossibilitados por questões éticas ao se tratar de clientela convalescente, em que não se justificaria qualquer intervenção invasiva para obtenção dessas informações2525 Silva DO, Ferreira MJM, Silva SA, Santos MA, Hoffmann-Santos HD, Silva AMC. Exposição aos agrotóxicos e intoxicações agudas em região de intensa produção agrícola em Mato Grosso, 2013. Epidemiol Serv Saúde 2019; 28(3): e2018456. https://doi.org/10.5123/s1679-49742019000300013
https://doi.org/10.5123/s1679-4974201900... .
Em relação aos pontos fortes, o presente estudo é pioneiro na mensuração das exposições a diversos fatores ambientais e ocupacionais aos diversos tipos de cânceres em hospitais de referência de Cuiabá. Também deve-se considerar que seus resultados contribuem para as discussões de avaliação das contaminações ambientais e ocupacionais, para que outros estudos epidemiológicos que utilizem grupos de comparação e novos delineamentos sejam realizados para melhor compreensão da influência desses contaminantes sobre a ocorrência de câncer.
O presente estudo permitiu identificar as principais exposições ambiental e ocupacional de pacientes com câncer em tratamento no estado de Mato Grosso e os grupos de maior vulnerabilidade. Os agrotóxicos foram a exposição de maior frequência, aproximadamente um em cada cinco pacientes com câncer, e um a cada dez foi exposto a poeira industrial e benzeno, sendo maior a exposição entre os indivíduos do sexo masculino, mais velhos e de menor escolaridade.
- Fonte de financiamento: Este estudo faz parte do projeto de extensão "Vigilância de Câncer e seus fatores associados: atualização dos registros de base populacional e hospitalar", com financiamento da Secretaria de Estado de Saúde do Estado de Mato Grosso, que teve vigência de abril de 2016 a março de 2021, e do projeto de pesquisa "Câncer e seus fatores associados: análise dos registros de base populacional e hospitalar", com financiamento do Ministério Público do Trabalho da 23ᵃ Região, com vigência de julho de 2019 a julho de 2023.
Errata
https://doi.org/10.1590/1980-549720220018.supl.1.1erratumNo artigo "Exposição ambiental e ocupacional entre pacientes com câncer em Mato Grosso", DOI: https://doi.org/10.1590/1980-549720220018.supl.1.1, publicado no periódico Rev Bras Epidemiol 2022; 25: e220018.supl.1:Na página 1 foi incluído:EDITORAS ASSOCIADAS: Elisete Duarte http://orcid.org/0000-0002-0501-0190, Gulnar Azevedo e Silva http://orcid.org/0000-0001-8734-2799EDITORA CIENTÍFICA: Cassia Maria Buchalla http://orcid.org/0000-0001-5169-5533
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, à Secretaria de Estado de Saúde do Estado de Mato Grosso e ao Ministério Público do Trabalho da 23ᵃ Região pelo suporte financeiro do projeto e ao INCA pela contribuição na capacitação dos registradores de câncer.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
24 Jun 2022 - Data do Fascículo
2022
Histórico
- Recebido
24 Ago 2021 - Revisado
27 Mar 2022 - Aceito
29 Mar 2022 - Preprint
27 Abr 2022