Ausência de acompanhamento familiar e fatores associados nos partos da zona urbana de uma cidade do sul do Brasil: fato ou ficção?

Caroline Bender de Quadros Mariana Bonati de Matos Bárbara Borges Rubin Jéssica Puchalski Trettim Gabriela Kurz da Cunha Carolina Coelho Scholl Kênia Cordeiro Silva Maria Eduarda Centena Duarte Vieira Luciana de Avila Quevedo Ricardo Tavares Pinheiro Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Verificar a prevalência e identificar os fatores associados à ausência do acompanhante de parto em mulheres no sul do Brasil.

Métodos:

Trata-se de um estudo transversal, realizado com 466 parturientes, pertencentes a uma coorte de mulheres da zona urbana da cidade de Pelotas, RS. Aos 18 meses pós-parto, foi aplicado um questionário estruturado com dados sociodemográficos, gestacionais e questões relacionadas ao parto. Foi realizada regressão logística para ajustes de possíveis fatores de confusão.

Resultados:

A prevalência da ausência de acompanhante de parto entre as mulheres foi de 22,3%. As parturientes com até 8 anos de estudo (RP=2,0 [IC95% 1,1–3,8]), que não viviam com um companheiro (RP=2,3 [IC95% 1,2–4,3]), que realizaram o pré-natal no setor público (RP=1,9 [IC95% 1,0–3,7]) e que tiveram um parto via cesárea (RP=6,0 [IC95% 2,9–12,4]) apresentaram maior probabilidade de ausência de acompanhante de parto.

Conclusão:

Os resultados apontam evidências relevantes para o seguimento da verificação da presença do acompanhante de parto no sul do Brasil, indicando a necessidade de melhor aproveitamento e adesão desta prática. Além disso, a lei que aprova a presença do acompanhante de parto no Brasil parece não estar sendo colocada em prática de modo integral, desrespeitando um direito das parturientes e impactando nos benefícios para a saúde materno-infantil.

Palavras-chave:
Acompanhantes formais em exames físicos; Parto humanizado; Parto obstétrico; Nascimento

INTRODUÇÃO

O processo de nascimento, historicamente, era considerado um evento natural e social, que ocorria tradicionalmente no âmbito familiar, com o auxílio de parteiras, no qual o médico apenas era acionado em casos de maior gravidade. A partir do século XX, as características primárias do parto foram gradativamente sendo substituídas e passaram a ocorrer em hospitais, junto de técnicas médicas, diminuindo as taxas de mortalidade e morbidade, porém resultando na perda da autonomia da parturiente em relação ao seu parto e na ausência do apoio familiar11. Leister N, Riesco MLG. Childbirth care: the oral history of women who gave birth from the 1940s to 1980s. Texto & Contexto Enferm 2013; 22(1): 166-74. https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100020
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2. Junges CF, Brüggemann OM, Knobel R, Costa R. Support actions undertaken for the woman by companions in public maternity hospitals. Rev Latino-Am Enfermagem 2018; 26: e2994. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2251.2994
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-33. Gonçalves AC, Rocha CM, Gouveia HG, Armellini CJ, Moretto VL, Moraes BA. O acompanhante no centro obstétrico de um hospital universitário do sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2015; 36(spe): 159-67. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57289
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Com o propósito de promover um ambiente de parto mais favorável, que priorize a segurança e o bem-estar da mulher, bem como minimize intervenções não essenciais, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou diretrizes que enfatizam a centralidade da mãe e do bebê no modelo de cuidado. Essas recomendações visam alcançar resultados físicos e psicológicos mais positivos durante todo o processo de nascimento. A abordagem da OMS coloca ênfase na autonomia da mulher, no apoio emocional, na informação adequada e na personalização do cuidado, contribuindo para um parto mais respeitoso e satisfatório. Neste cenário, é recomendado o uso de Métodos Não Farmacológicos (MNF) e a presença de um acompanhante de parto44. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018..

O acompanhamento contínuo durante o parto pode oferecer benefício emocional (concedendo apoio e encorajamento), amparo físico (auxiliando no banho, mudança de posição, redução da dor e realização de massagens), papel informativo (explicando à gestante o que está acontecendo) e a intermediação entre as vontades da parturiente com os profissionais de saúde22. Junges CF, Brüggemann OM, Knobel R, Costa R. Support actions undertaken for the woman by companions in public maternity hospitals. Rev Latino-Am Enfermagem 2018; 26: e2994. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2251.2994
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. Os benefícios da presença do acompanhante de parto também abrangem o aumento de partos vaginais espontâneos, redução da analgesia intraparto, bem como redução da duração do trabalho de parto, da cesariana e do parto vaginal instrumental22. Junges CF, Brüggemann OM, Knobel R, Costa R. Support actions undertaken for the woman by companions in public maternity hospitals. Rev Latino-Am Enfermagem 2018; 26: e2994. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2251.2994
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. Além disso, tem sido associada a uma maior satisfação da mulher com a experiência do nascimento55. Tomasi YT, Saraiva SS, Boing AC, Delziovo CR, Wagner KJP, Boing AF. Do pré-natal ao parto: um estudo transversal sobre a influência do acompanhante nas boas práticas obstétricas no Sistema Único de Saúde em Santa Catarina, 2019. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30(1): e2020383. http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000100014
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e melhores pontuações no Apgar de 5 minutos do bebê após o parto via baixa66. Bohren MA, Hofmeyr GJ, Sakala C, Fukuzawa RK, Cuthbert A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev 2017; 7(7): CD003766. https://doi.org/10.1002/14651858.CD003766.pub6
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.

Em alguns países, o acompanhante de parto é uma prática comum, sendo que muitos hospitais têm como hábito disponibilizar o “Plano de Parto ou Nascimento”. Na Inglaterra, por exemplo, o Plano de Parto é oferecido desde 1993, tendo como objetivo oferecer à parturiente a opção de escolha pelos procedimentos que deseja em seu parto, entre eles, ter ou não acompanhantes da sua escolha, podendo ser um apoio técnico de doulas e um membro da rede familiar da mulher. No Canadá, entre os membros familiares que acompanham a mulher durante o parto, o marido/companheiro tem correspondido a 95% da preferência e, na França, a 99%77. Suárez-Cortés M, Armero-Barranco D, Canteras-Jordana M, Martínez-Roche ME. Use and influence of Delivery and Birth Plans in the humanizing delivery process. Rev Latino-Am Enfermagem 2015; 23(3): 520-6. https://doi.org/10.1590/0104-1169.0067.2583
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,88. Public Health Agency Canada. Chapter 4. Care during labour and birth. In: Public Health Agency of Canada. Family-centred maternity and newborn care: national guidelines. 2018. p. 4-71..

Em Portugal, onde o direito a ter um acompanhante é garantido por lei desde 1985, um estudo a nível nacional com mulheres mostrou que 54,5% das participantes tiveram a presença do acompanhante durante o parto. Quando realizado parto vaginal, a prevalência aumentou para 74,5%99. Loureiro R, Bernardes J, Ferreira M, Freitas P. Nascer em Portugal: estudo nacional descritivo. Arquivos de Medicina 2014; 28: 167-71.. No Brasil, apenas em 2005 foi sancionada a Lei no 11.108, que garante o direito à presença do acompanhante durante o trabalho, parto e pós-parto imediato1010. Portugal. Presidência do Conselho de Ministros e Saúde - Gabinetes da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde. Despacho no 5344-A/2016, de 19 de abril. Estabelece as medidas e procedimentos necessários para que o pai, ou outra pessoa significativa, possa estar presente num bloco operatório para assistir ao nascimento de uma criança por cesariana [Internet]. Diário da República no 76/2016, 1o Suplemento, Série II de 2016-04-19, páginas 2-2. 2016 [acessado em 01 abr. 2023]. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/5344-a-2016-74200387
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,1111. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS [Internet]. Diário Oficial da União Brasil; 2005 [acessado em 02 fev. 2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11108.htm
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. Entretanto, dados da Pesquisa Nascer no Brasil, que entrevistou 23.940 puérperas entre os anos de 2011 e 2012, indicaram que 24,5% das mulheres tiveram ausência total do acompanhante de parto e, considerando as regiões, a região sul apresentou 19,5% de ausência1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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Um estudo realizado no sul do Brasil mostrou que pouco mais da metade das gestantes recebeu informações sobre o direito a um acompanhante durante o parto e menos de 8,0% teve um Plano de Parto55. Tomasi YT, Saraiva SS, Boing AC, Delziovo CR, Wagner KJP, Boing AF. Do pré-natal ao parto: um estudo transversal sobre a influência do acompanhante nas boas práticas obstétricas no Sistema Único de Saúde em Santa Catarina, 2019. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30(1): e2020383. http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000100014
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. Outro estudo, realizado na região sudeste do país, revelou que apesar de 57,1% das mulheres estarem acompanhadas durante o trabalho de parto, apenas 38,1% tiveram acompanhante durante o parto1313. Dulfe PAM, Lima DVM, Alves VH, Rodrigues DP, Barcellos JG, Cherem EO. Presença do acompanhante de livre escolha no processo parturitivo: repercussões na assistência obstétrica. Cogitare Enferm 2016; 21(4): 1-8. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v21i4.37651
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Existe uma escassez de estudos investigando fatores sociodemográficos associados à presença de acompanhante de parto. Dos existentes, a Pesquisa Nascer no Brasil revelou que parto cesárea, renda e escolaridade mais baixas, multiparidade e usuárias do setor público apresentaram maiores chances de não terem acompanhante de parto em nenhum momento da internação para o parto1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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. Outro estudo mostrou que a escolaridade da parturiente não esteve relacionada com a presença de acompanhante durante o parto, mas, sim, no pós-parto. A proporção de mulheres com acompanhante foi maior entre aquelas com ensino médio completo1414. Pedraza DF. Assistência ao pré-natal, parto e pós-parto no município de Campina Grande, Paraíba. Cad Saúde Colet 2016; 24(4): 460-7. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600040092
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Visto a importância do tema e a escassez de estudos na literatura que investiguem os fatores associados à ausência do acompanhamento familiar no parto no Brasil, este estudo teve como objetivo verificar a prevalência do acompanhante de parto e descrever os fatores associados à ausência do acompanhante em parturientes no extremo sul do Rio Grande do Sul (RS).

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, aninhado a uma coorte intitulada “Transtornos Neuropsiquiátricos Maternos no Ciclo Gravídico-Puerperal: Detecção e Intervenção Precoce e suas Consequências na Tríade Familiar”. O estudo de coorte, ao qual o presente trabalho está vinculado, acompanhou mulheres do período gestacional ao pós-parto e compreende diversas fases de acompanhamento.

A captação da amostra ocorreu entre 2016 e 2018, por intermédio da listagem dos 488 setores censitários que compõem a zona urbana da cidade de Pelotas (RS), de acordo com a malha do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010 [Internet]. 2010 [acessado em 15 set. 2023]. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br
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como unidades amostrais primárias. Após, foi realizada amostragem aleatória, por meio do sorteio de 244 setores (50% do total). Cada um dos setores sorteados recebeu a visita da equipe de captação que, por meio de busca ativa, visitou todas as residências dos setores sorteados em busca de gestantes que preenchessem os critérios de inclusão: estar com até 24 semanas de gestação e residir em um dos setores sorteados.

O cálculo amostral para o estudo de coorte foi realizado para estimar um poder de 80%, com base nos parâmetros da prevalência de depressão pós-parto de 20% (objetivo principal do estudo de coorte). Com um aumento de 30% para perdas e recusas de acompanhamento, seriam necessárias 514 gestantes. No entanto, considerando outros objetivos vinculados ao estudo de coorte, como o do presente trabalho, foi necessário capturar um número maior de gestantes. Mais detalhes sobre a metodologia da coorte podem ser acessados nas publicações de Pinheiro et al.1616. Pinheiro RT, Souza LDM, Trettim JP, Matos MB, Pinheiro KAT, Cunha GK, et al. Antenatal depression: efficacy of a pre-post therapy study and repercussions in motor development of children during the first 18 months postpartum. Study: “Pregnancy care, healthy baby.” J Psychiatr Res 2022; 148: 63-72. https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.2022.01.061
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,1717. Pinheiro RT, Trettim JP, Matos MB, Pinheiro KAT, Silva RA, Martins CR, et al. Brief cognitive behavioral therapy in pregnant women at risk of postpartum depression: Pre-post therapy study in a city in southern Brazil. J Affect Disord 2021; 290: 15-22. https://doi.org/10.1016/j.jad.2021.04.031
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.As avaliações de acompanhamento ocorreram em quatro fases: a primeira incluiu 981 gestantes entre o primeiro e o segundo trimestre gestacional (T1 — baseline) e foi realizada nas casas das participantes; a segunda incluiu 840 gestantes e foi realizada no hospital universitário entre sessenta e noventa dias após a primeira (T2); a terceira incluiu 756 mulheres e seus bebês aos noventa dias após o parto (T3), e a quarta incluiu 466 (47,5% do baseline) mulheres e seus bebês aos dezoito meses após o pós-parto (T4). Cabe ressaltar que o número de participantes avaliados na quarta fase (T4) deveu-se à interrupção da coleta de dados em decorrência da pandemia da COVID-19. As duas últimas fases de avaliações foram realizadas em uma sala nas dependências da universidade. Os dados do presente estudo se referem à última fase de avaliação (T4). Os dados foram coletados por intermédio da aplicação de questionários impressos, por estudantes da área da saúde com treinamento prévio.

A classe econômica das participantes foi avaliada por meio da classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), que se baseia na acumulação de bens materiais e na escolaridade do chefe da família. Essa classificação agrupa os indivíduos em classes (A, B, C, D ou E), considerando que a letra “A” se refere à classe econômica mais alta e “E” à classe mais baixa. Para este estudo, a amostra foi classificada nos seguintes grupos: A+B (classes altas) C (classe média) e D+E (classes baixas)1818. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de classificação econômica Brasil [Internet]. 2015 [acessado em 15 set. 2023]. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil
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. A classe econômica foi considerada como variável de exposição.

Também foi aplicado um questionário geral, composto pelas seguintes variáveis de exposição: viver com companheiro (não, sim); escolaridade em anos de estudo (até oito anos, nove anos ou mais); tipo de parto (vaginal, cesárea); local do pré-natal (privado/convênio, público); experiência de ter um acompanhante de parto (ajudou muito a ter um parto melhor e mais calmo, ajudou um pouco a ter um parto melhor e mais calmo, indiferente, não ajudou pois fiquei mais nervosa); acompanhante de parto foi a pessoa da sua escolha (não, sim); quem foi seu acompanhante de parto (pai da criança, mãe, tia/madrinha, outro); e para as parturientes que não tiveram um acompanhante, se gostaria de ter tido um acompanhante de parto (não, sim) e como se sentiu em não ter um acompanhante de parto (muito mal, indiferente, bem — mas me sentiria melhor com um acompanhante, muito bem — preferi não ter acompanhante). Cabe ressaltar que todas as variáveis foram avaliadas por intermédio de pergunta fechada realizada pelo entrevistador, com as opções de resposta supracitadas. A variável de desfecho também fez parte do questionário geral e foi avaliada por meio da seguinte pergunta: “Você teve um acompanhante de parto?” com opções de resposta de “sim” e “não”.

Os dados foram codificados e duplamente digitados no programa EpiData, para checagem de consistência. Em relação à análise de dados, inicialmente, procedeu-se à análise univariada para obtenção dos resultados descritivos, por intermédio de frequências simples e relativas. A análise bivariada foi realizada por meio do teste do χ22. Junges CF, Brüggemann OM, Knobel R, Costa R. Support actions undertaken for the woman by companions in public maternity hospitals. Rev Latino-Am Enfermagem 2018; 26: e2994. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2251.2994
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. A análise multivariada foi realizada por intermédio de regressão logística. A multicolinearidade entre as variáveis de exposição foi analisada por meio do teste de tolerância de detecção. Valores abaixo de 0,1 foram considerados como existência de colinearidade entre as variáveis. A variável classe econômica, por se mostrar colinear à variável escolaridade, não foi levada para análise multivariada.

Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade sob número do protocolo 47807915.4.0000.5339.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 466 mulheres. Os resultados mostraram que 77,7% (n=362) das parturientes tiveram acompanhante de parto. Destas, 82,5% (n=299) relataram que a presença do mesmo contribuiu para a ocorrência de um parto melhor e mais calmo, 97,0% (n=351) tiveram o acompanhante da sua escolha e 59,7% (n=278) escolheram o pai da criança como seu acompanhante (Figura 1).

Figura 1.
(a) Experiência de ter um acompanhante de parto entre as parturientes da cidade de Pelotas, Brasil, 2018–2020; (b) Prevalência do acompanhante de parto ter sido o de escolha entre as parturientes da cidade de Pelotas, Brasil, 2018–2020; (c) Prevalência de parentesco do acompanhante de parto entre as parturientes da cidade de Pelotas, Brasil, 2018–2020.

As parturientes que não tiveram acompanhante de parto representaram 22,3% (n=104) da amostra. Destas, 87,6% (n=89) relataram o desejo de ter tido o acompanhamento. Quando questionadas sobre o sentimento no dia do parto em não ter tido esse acompanhamento, 46,3% (n=44) relataram que se sentiram bem, mas que se sentiriam melhor com a presença do acompanhante. Em relação ao fato de não ter tido um acompanhante de parto, após saber que é um direito da parturiente, 39,8% (n=43) das mulheres informaram que se sentiram bem, mas que se sentiriam melhor se o direito à presença do acompanhante de parto tivesse sido respeitado (Figura 2).

Figura 2.
(a) Sentimento das parturientes em não ter tido um acompanhante de parto na cidade de Pelotas, Brasil, 2018–2020; (b) Sentimento atual das parturientes em não ter tido um acompanhante de parto na cidade de Pelotas, Brasil, 2018–2020.

A Tabela 1 apresenta a prevalência da ausência do acompanhante de parto e os fatores associados. De acordo com os resultados, as mulheres pertencentes às classes econômicas D+E (p<0,001), que não viviam com companheiro (p=0,049), que tinham menor escolaridade (p=0,002), que tiveram um parto via cesárea (p<0,001) e que realizaram o pré-natal em um local público (p=0,004), apresentaram maior prevalência da ausência do acompanhante de parto.

Tabela 1
Prevalência da ausência de acompanhante de parto e fatores associados entre as parturientes da cidade de Pelotas (RS), Brasil, 2018–2020.

A Tabela 2 apresenta o modelo hierárquico final para a ausência de acompanhante durante o parto entre as parturientes. Mantiveram-se associadas à ausência do acompanhante de parto as variáveis: escolaridade (RP=2,0; IC95% 1,1–3,8), viver com companheiro (RP=2,3; IC95% 1,2–4,3), local do pré-natal (RP=1,9; IC95% 1,0–3,7) e tipo de parto (RP=6,0; IC95% 2,9–12,4).

Tabela 2
Modelo hierárquico final para ausência de acompanhante durante o parto entre as parturientes da cidade de Pelotas (RS), Brasil, 2018–2020.

Assim, as parturientes com até oito anos de estudo tiveram 2,0 (IC95% 1,1–3,8) vezes mais probabilidade de não ter um acompanhante de parto, quando comparadas às mulheres com maior escolaridade. As mulheres que não viviam com um companheiro apresentaram 2,3 (IC95% 1,2–4,3) vezes mais probabilidade de não ter um acompanhante, quando comparadas às que viviam com um companheiro. Ainda, as mulheres que realizaram o seu pré-natal no setor público tiveram 1,9 (IC95% 1,0–3,7) vezes mais probabilidade de não ter um acompanhante de parto, comparadas às mulheres que realizaram o seu pré-natal no setor privado. Por fim, as parturientes que tiveram parto via cesárea apresentaram uma proporção 6,0 (IC95% 2,9–12,4) vezes maior de não ter um acompanhante de parto, quando comparadas às mulheres que tiveram parto normal.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo verificar a prevalência do acompanhante de parto e descrever os fatores associados à ausência do acompanhante em parturientes no extremo sul do Rio Grande do Sul (RS). Os principais achados mostraram que as parturientes com até oito anos de estudos, que não viviam com um companheiro, que realizaram o pré-natal no setor público e que tiveram um parto via cesárea, apresentaram maior probabilidade de não ter um acompanhante no parto.

A prevalência da ausência do acompanhante de parto foi relativamente alta (22,3%) quando comparada a uma pesquisa similar realizada na capital do estado do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS) com 385 mulheres, em que a ausência do acompanhante foi de 9,4%33. Gonçalves AC, Rocha CM, Gouveia HG, Armellini CJ, Moretto VL, Moraes BA. O acompanhante no centro obstétrico de um hospital universitário do sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2015; 36(spe): 159-67. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57289
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. Na pesquisa “Nascer no Brasil”, a ausência do acompanhante foi de 24,5%, e quando relacionada apenas à região sul, esse índice diminuiu para 19,5%33. Gonçalves AC, Rocha CM, Gouveia HG, Armellini CJ, Moretto VL, Moraes BA. O acompanhante no centro obstétrico de um hospital universitário do sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2015; 36(spe): 159-67. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57289
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,1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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. Apesar da aprovação da lei nacional que oficializa a permissão do acompanhante de parto desde 2005, a presença do mesmo ainda não é totalmente permitida ou incentivada nas instituições de saúde, como pôde ser evidenciado em nossos achados. Isso pode ser observado em um estudo onde mais de um terço das gestantes relataram não ter tido orientações sobre a possibilidade da presença de um acompanhante no momento do parto55. Tomasi YT, Saraiva SS, Boing AC, Delziovo CR, Wagner KJP, Boing AF. Do pré-natal ao parto: um estudo transversal sobre a influência do acompanhante nas boas práticas obstétricas no Sistema Único de Saúde em Santa Catarina, 2019. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30(1): e2020383. http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000100014
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. Apesar de estar em vigor há quase duas décadas, nem todos os profissionais da saúde possuem conhecimento da legislação que garante esse direito às gestantes1919. Aires NT, Meincke SMK, Corrêa ACL, Alves CN, Fernandes RFM, Palma JS, et al. Aplicabilidade dos direitos das parturientes: do paradigma à realidade. Saúde (Santa Maria) 2015; 41(1): 263-70. https://doi.org/10.5902/2236583416195
https://doi.org/10.5902/2236583416195...
.

Com relação às características socioeconômicas, foi possível observar que aquelas com até oito anos de estudo foram mais propensas à ausência do acompanhante de parto. A pesquisa “Nascer no Brasil” converge com os dados encontrados, já que as parturientes que não obtiveram acompanhante no parto pertenciam a classes econômicas D+E, bem como possuíam menor escolaridade1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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,2020. Monguilhott JJC, Brüggemann OM, Freitas PF, d’Orsi E. Nascer no Brasil: a presença do acompanhante favorece a aplicação das boas práticas na atenção ao parto na região Sul. Rev Saúde Pública 2018; 52: 1. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052006258
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. Esses dados possibilitam observar que as mulheres e seus acompanhantes que apresentam menores índices educativos podem ser mais vulneráveis em relação a manifestar o desejo do acompanhante de parto, uma vez que possuem menos informações com relação aos direitos e à saúde durante o pré-natal2121. Brüggemann OM, Ebsen ES, Ebele RR, Batista BD. Possibilidades de inserção do acompanhante no parto nas instituições públicas. Ciên Saúde Colet 2016; 21(8): 2555-64. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.16612015
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. Ademais, é possível que as mulheres com menor escolaridade tenham maior dificuldade no entendimento das diretrizes e informações repassadas pela equipe de saúde. Dessa forma, torna-se imprescindível que os profissionais de saúde sejam capazes de uma comunicação clara e eficaz que seja assimilável por todos os níveis de escolaridade.

Além disso, as parturientes que não viviam com companheiro tiveram maior probabilidade de ausência do acompanhante de parto. A presença do companheiro durante todo o ciclo gravídico-puerperal é de extrema importância para a díade mãe-bebê e tem sido relacionada a fatores de proteção, como a redução da mortalidade na infância e melhoria na saúde materna2222. Brasil. Nações Unidas. Os objetivos de desenvolvimento do milênio [Internet]. 2010 [acessado em 23 out. 2023]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/66851-os-objetivos-de-desenvolvimento-do-mil%C3%AAnio
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. A presença do companheiro durante a gestação e na hora do parto pode repercutir na qualidade da assistência recebida pela mãe e bebê após o nascimento, reduzindo riscos e contribuindo para a saúde materno-infantil33. Gonçalves AC, Rocha CM, Gouveia HG, Armellini CJ, Moretto VL, Moraes BA. O acompanhante no centro obstétrico de um hospital universitário do sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2015; 36(spe): 159-67. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57289
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. Entretanto, quando a gestante não possui um companheiro, a equipe de saúde deve orientá-la a buscar a presença de familiares e amizades que possam acompanhá-la, uma vez que o acompanhante de parto pode ser qualquer pessoa de confiança da gestante.

Quando analisado o uso da rede pública e privada para realização do pré-natal, foi observado que as parturientes que utilizaram o sistema público tiveram maior proporção de ausência do acompanhante de parto, corroborando com a literatura1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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. Entre as justificativas para esse cenário no setor público, a infraestrutura, a falta de apoio das instâncias administrativas, a rotina institucional carregada e o predomínio da vontade médica e da equipe são frequentemente citadas2121. Brüggemann OM, Ebsen ES, Ebele RR, Batista BD. Possibilidades de inserção do acompanhante no parto nas instituições públicas. Ciên Saúde Colet 2016; 21(8): 2555-64. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.16612015
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,2323. Brüggemann OM, Ebele RR, Ebsen ES, Batista BD. No parto vaginal e na cesariana acompanhante não entra: discursos de enfermeiras e diretores técnicos. Rev Gaúcha Enferm 2015; 36(esp): 152-8. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.53019
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. Um estudo realizado no estado de Santa Catarina mostrou que as maiores dificuldades para a inserção do acompanhante são referentes à área física inadequada e à desaprovação médica, já que a equipe de saúde não considera a sala para parto e de cirurgia um local para acompanhante, além de questionarem o preparo psicológico do acompanhante de parto2424. Brüggemann OM, Oliveira ME, Martins HEL, Alves MC, Gayeski ME. A inserção do acompanhante de parto nos serviços públicos de saúde de Santa Catarina, Brasil. Esc Anna Nery 2013; 17(3): 432-8. https://doi.org/10.1590/S1414-81452013000300005
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Outra característica importante encontrada foi a maior ausência do acompanhante de parto em cesarianas em relação ao parto normal. Ainda, a taxa da ausência do acompanhante de parto em relação ao parto cesárea encontrada no presente estudo mostra-se alta, já que quando comparado a uma pesquisa nacional, a porcentagem da ausência do acompanhante em cesáreas obteve menor índice em relação ao parto normal1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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. Este dado também é observado em um estudo regional, no qual a presença do acompanhante de parto entre os três estados da região sul e seus tipos de parto tornam-se próximos (parto cesárea 34,8% e parto vaginal 39,4%)2020. Monguilhott JJC, Brüggemann OM, Freitas PF, d’Orsi E. Nascer no Brasil: a presença do acompanhante favorece a aplicação das boas práticas na atenção ao parto na região Sul. Rev Saúde Pública 2018; 52: 1. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052006258
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. Esse resultado pode ser explicado pela orientação equivocada dos profissionais de saúde sobre a permissão de um acompanhante apenas em partos do tipo cesária. Essa alegação tem base na crença de que esse tipo de parto é mais controlado e que em partos vaginais outras pessoas “atrapalhariam” a equipe2525. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2008; 24(8): 1859-68. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800014
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. No entanto, a literatura demonstra que os benefícios da presença do acompanhante de parto incluem o aumento de partos vaginais espontâneos, bem como a redução da duração do trabalho de parto, da analgesia intraparto e do parto vaginal instrumental22. Junges CF, Brüggemann OM, Knobel R, Costa R. Support actions undertaken for the woman by companions in public maternity hospitals. Rev Latino-Am Enfermagem 2018; 26: e2994. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2251.2994
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Entre as escolhas das parturientes para o acompanhante, o pai da criança foi o mais frequente (76,4%), fornecendo desde já o vínculo precoce entre pai e bebê e o fortalecimento da conexão familiar, gerando confiança e segurança à parturiente2626. Souza SRRK, Gualda DMR. A experiência da mulher e de seu acompanhante no parto em uma maternidade pública. Texto & Contexto Enferm 2016; 25(1): e4080014. http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201600004080014
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,2727. Francisco BS, Souza BS, Vitório ML, Zampieri MFM, Gregório VRP. Fathers’ perceptions about their experiences as birth companions. REME Rev Min Enferm 2015; 19(3): 576-83. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20150044
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. Para os demais estudos, a escolha do pai da criança também foi predominante, tanto no âmbito nacional (35,4%) como para o estudo direcionado para o sul do país (69,3%)33. Gonçalves AC, Rocha CM, Gouveia HG, Armellini CJ, Moretto VL, Moraes BA. O acompanhante no centro obstétrico de um hospital universitário do sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2015; 36(spe): 159-67. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57289
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,1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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. Para as parturientes que tiveram acompanhante, a grande maioria relatou que a presença dele ajudou muito, auxiliando a manter a calma durante os processos de parto. Os dados corroboram a pesquisa “Nascer no Brasil”, a qual resultou em 84,5% referente ao relato citado1212. Diniz CSG, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl 1): S140-53. https://doi.org/10.1590/0102-311X00127013
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Os resultados apresentados devem ser interpretados considerando algumas limitações. Uma vez que se trata de um corte transversal, é pertinente destacar a possibilidade de causalidade reversa. Adicionalmente, é relevante ponderar sobre a potencial presença de viés de informação, uma vez que os dados deste estudo se referem à fase de gestação e ao parto, sendo coletados dezoito meses após o evento. Também é importante notar que a literatura científica sugere que outras variáveis não abordadas neste estudo podem influenciar a presença de um acompanhante durante o parto, como a cor da pele e o histórico de partos anteriores (paridade). Por fim, apesar da vantagem de este estudo contar com uma amostra de base populacional, o que é um ponto forte, é necessário ter em mente que os dados podem não refletir completamente a diversidade geográfica e cultural da população brasileira, dada a vasta extensão territorial do país. No entanto, é importante ressaltar que, dada a escassez de pesquisas sobre os fatores sociodemográficos associados à presença de acompanhantes durante o parto, este estudo desempenha um papel cientificamente relevante na construção do conhecimento sobre o tema.

A implementação do acompanhante de parto nas instituições de saúde, além de ser um direito garantido para as mulheres, auxilia o cumprimento das boas práticas indicadas pela OMS44. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.. Além disso, auxilia no aumento de partos vaginais espontâneos, redução da analgesia intraparto, da duração do trabalho de parto, da cesariana, do parto vaginal instrumental e traz maior satisfação para a mulher com a experiência do nascimento66. Bohren MA, Hofmeyr GJ, Sakala C, Fukuzawa RK, Cuthbert A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev 2017; 7(7): CD003766. https://doi.org/10.1002/14651858.CD003766.pub6
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. Para assegurar a presença do acompanhante de livre escolha da mulher, é imprescindível que desde o pré-natal haja ações de educação e promoção em saúde, para que as gestantes sejam informadas sobre esse direito. Desse modo, compete aos órgãos responsáveis proporcionar treinamento e desenvolvimento aos profissionais da saúde a respeito das legislações relacionadas, bem como da necessidade de informação acessível a todos os públicos.

Para complemento da pesquisa, seria interessante estudar a forma de divulgação do direito ao acompanhante de parto durante as consultas de pré-natal, principalmente na rede pública, e a possibilidade de averiguar as justificativas das instituições de saúde em relação à ausência do acompanhante de parto. Contudo, o presente estudo proporcionou a visualização dos fatores associados à ausência do acompanhante no extremo sul do Brasil, além de ofertar a divulgação às participantes sobre o direito ao acompanhante de parto. Dessa forma, os resultados aqui apresentados demonstram ser relevantes para o seguimento da verificação da presença do acompanhante de parto no sul do Brasil, indicando a necessidade de melhor aproveitamento e de maior adesão da prática para que todas as parturientes possam usufruir de seus benefícios.

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    » https://doi.org/10.5935/1415-2762.20150044

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação Bill & Melinda Gates, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia pelo apoio financeiro concedido ao estudo. Agradecemos também a todas as participantes do estudo.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO:
    este trabalho foi financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) sob o protocolo número 401726/2015-0 APP/chamada 47/2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2023
  • Revisado
    18 Set 2023
  • Aceito
    19 Set 2023
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