A epidemia de COVID-19 foi síncrona no espaço? Uma análise nas regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro, 2020-2022

Léa de Freitas Amaral Raquel Martins Lana Leonardo Soares Bastos Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Analisar a dinâmica espaço-temporal de COVID-19 no estado do Rio de Janeiro nas nove regiões de saúde, entre março de 2020 e dezembro de 2022.

Métodos:

Utilizou-se o modelo de Poisson com efeitos aleatórios para suavizar a curva de incidência de hospitalizações por COVID-19 notificadas no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) para verificar a sincronicidade da epidemia no estado.

Resultados:

A epidemia de COVID-19 no estado é caracterizada pela presença de sete picos no período analisado correspondentes a sete variantes encontradas. Identificou-se uma assincronicidade nas hospitalizações, variando de acordo com as diferentes variantes do vírus nas nove regiões de saúde do estado. Os picos de incidência das hospitalizações variaram de 1 a 12 casos por 100 mil habitantes no decorrer da pandemia.

Conclusão:

Essa análise espaço-temporal é extensível em outros cenários, sendo possível o monitoramento e a tomada de decisões de controle de doenças epidêmicas em várias áreas.

palavras-chave:
COVID-19; Análise espaço-temporal; Hospitalização; Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO

A COVID-19 (do inglês coronavirus disease 2019) é uma infecção respiratória aguda potencialmente grave de grande importância para a saúde pública11. Hasoksuz M, Kiliç S, Saraç F. Coronaviruses and SARS-COV-2. Turk J Med Sci 2020; 50(Sl-1): 549-56. https://doi.org/10.3906/sag-2004-127
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e que foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (Espii) durante três anos22. Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. OMS declara fim da Emergência de Saúde Pública de importância internacional referente à COVID-19 [Internet]. 2023 [acessado em 05 jun. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/5-5-2023-oms-declara-fim-da-emergencia-saude-publica-importancia-internacional-referente
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. A COVID-19 é causada pelo vírus Sars-CoV-211. Hasoksuz M, Kiliç S, Saraç F. Coronaviruses and SARS-COV-2. Turk J Med Sci 2020; 50(Sl-1): 549-56. https://doi.org/10.3906/sag-2004-127
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e pode variar de acordo com a sua gravidade, abrangendo desde casos assintomáticos e manifestações clínicas leves até quadros moderados em forma de pneumonia, bem como graves e críticos como a síndrome respiratória aguda grave (SRAG), resultando na necessidade de hospitalização dos pacientes33. Iser BPM, Silva I, Raymundo VT, Poleto MB, Schuelter-Trevisol F, Bobinski F. Definição de caso suspeito da COVID-19: uma revisão narrativa dos sinais e sintomas mais frequentes entre os casos confirmados. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(3): e2020233. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000300018
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. Essa situação gerou uma elevada quantidade de casos em um curto espaço de tempo ao redor do mundo, aumentando o desafio para os sistemas de saúde44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial. Doença pelo Coronavírus COVID-19 [Internet]. 2021 [acessado em 03 abr. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_59.pdf/view
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.

O vírus Sars-CoV-2, no decorrer da pandemia, sofreu mutações que geraram novas variantes, pois circulou extensamente na população e causou muitas infecções55. Valverde R. O que são mutações, linhagens, cepas e variantes? [Internet]. 2021 [acessado em 05 jun. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/o-que-sao-mutacoes-linhagens-cepas-e-variantes-1
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. As primeiras variantes identificadas foram a Gama (P.1), em dezembro de 2020, em Manaus, capital do estado do Amazonas, e a Zeta (P.2), identificada em outubro de 2020, no estado do Rio de Janeiro. Elas foram, respectivamente, classificadas como variantes de preocupação (VOC) e de interesse (VOI), segundo a classificação da OMS66. Michelon CM. Principais variantes do SARS-CoV-2 notificadas no Brasil. Rev Bras Anal Clin 2021; 53(2): 109-16. https://doi.org/10.21877/2448-3877.202100961
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,77. Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. OMS anuncia nomenclaturas simples e fáceis de pronunciar para variantes de interesse e de preocupação do SARS-CoV-2 [Internet]. 2021 [acessado em 05 jun. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/1-6-2021-oms-anuncia-nomenclaturas-simples-e-faceis-pronunciar-para-variantes-interesse-e
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. A epidemia rapidamente se espalhou e se agravou com a desorganização do sistema de saúde e a ausência de políticas públicas eficazes para o controle88. Coelho FC, Lana RM, Cruz OG, Villela DAM, Bastos LS, Piontti APY, et al. Assessing the spread of COVID-19 in Brazil: mobility, morbidity and social vulnerability. PLoS One 2020; 15(9): e0238214. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0238214
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.

O estado do Rio de Janeiro foi um dos principais polos de disseminação viral para outras localidades brasileiras. Durante a fase inicial da pandemia no país, o Sars-CoV-2 se espalhou em um primeiro momento localmente e dentro das fronteiras estaduais. O movimento da linhagem de vírus dentro do estado foi mais frequente do que o movimento entre estados55. Valverde R. O que são mutações, linhagens, cepas e variantes? [Internet]. 2021 [acessado em 05 jun. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/o-que-sao-mutacoes-linhagens-cepas-e-variantes-1
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. Sem uma estratégia nacional coordenada, os estados e municípios variaram na forma, na intensidade e na duração das implementação de medidas farmacológicas e não farmacológicas99. Pereira AK, Oliveira MS, Sampaio TS. Heterogeneidades das políticas estaduais de distanciamento social diante da COVID-19: aspectos políticos e técnico-administrativos. Rev Adm Pública 2020; 54(4): 678-96. https://doi.org/10.1590/0034-761220200323
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. A Figura 1 mostra cronologicamente o momento de entrada das variantes no estado.

Figura 1.
Momento de entrada de cada uma das variantes no estado do Rio de Janeiro.

Considerando a importância de conhecer a dinâmica de transmissão da doença em um dos maiores polos de transmissão do país, o objetivo deste estudo foi caracterizar a sincronicidade da dinâmica espaço-temporal da epidemia de COVID-19 no estado do Rio de Janeiro. As nove regiões de saúde do estado foram adotadas como unidade de análise para o período de março de 2020 a dezembro de 2022, utilizando dados de hospitalização do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). A análise forneceu informações relevantes sobre a ocorrência da epidemia no estado, com potencial para ser aplicada em outras situações de doenças com características epidêmicas. Os resultados apresentados são úteis como protocolo de monitoramento para futuros agravos. Dessa forma, a análise é uma ferramenta importante para caracterizar epidemias em diferentes regiões do Brasil e do mundo, ampliando o conhecimento em saúde pública e promovendo a preparação para a emergência de novas variantes do Sars-CoV-2 e emergência ou reemergência de outras doenças transmissíveis.

MÉTODOS

Área de estudo

A área do estudo contempla todo o estado do Rio de Janeiro, que se localiza na região Sudeste, possuindo uma área de 43.781,588 km². O estado possui 92 municípios distribuídos em nove regiões de saúde: Baía da Ilha Grande, Baixada Litorânea, Centro-Sul, Médio Paraíba, Metropolitana I, Metropolitana II, Noroeste, Norte e Serrana (Figura 2).

Figura 2.
Mapa do estado do Rio de Janeiro dividido em nove regiões de saúde.

Dados

Os dados de casos de hospitalizados por COVID-19 utilizados neste estudo foram obtidos com base em fontes secundárias provenientes do Ministério da Saúde via Sivep-Gripe, que abrange informações sobre a SRAG. Esses dados estão disponíveis de forma aberta no OpenDataSUS (https://opendatasus.saude.gov.br/).

Os dados referentes ao tamanho populacional das regiões de saúde vieram de agregações de projeções populacionais por município realizadas pelo Laboratório de Estimativas e Projeções Populacionais (LEPP) do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). As projeções estão disponíveis em (https://demografiaufrn.net/projecao-populacional/).

Definição de caso

Um caso de hospitalização por SRAG-COVID foi definido como um indivíduo hospitalizado notificado no Sivep-Gripe com resultado positivo para o vírus Sars-CoV-2 por meio do teste molecular RT-PCR e(ou) reagente para o teste de antígeno, e(ou) que apresentava critérios clínicos epidemiológicos.

Análise de dados

Para verificar a sincronicidade da epidemia no estado do Rio de Janeiro, foram utilizadas séries temporais de casos de SRAG-COVID nas nove regiões de saúde do estado da nona semana epidemiológica de 2020 (de 23 a 29 de fevereiro de 2020), até a 52a semana epidemiológica de 2022 (de 25 a 31 de dezembro de 2022). A incidência esperada por semana e região de saúde, (λ (t,r)), foi estimada com base no seguinte modelo de Poisson com efeitos aleatórios:

H(t,r) ~ Poisson(λ(t,r))

log (λ(t,r)) = POP(r) exp (β(r) + θ(t,r))

  • t = 1, 2, …
  • T = 159 semanas
  • r = 1, 2, …, 9 regiões de saúde

Nessa fórmula, H (t,r) é o número de casos de SRAG-COVID na semana t e região de saúde r , POP(r) a população da região r, β(r) é um efeito fixo (intercepto) comum para regional r e os efeitos aleatórios θ(t,r) seguem um modelo gaussiano com dependência temporal de via passeio aleatório de segunda ordem, ou seja, o efeito da semana t da região r depende apenas do que ocorreu nas duas semanas anteriores naquela região, e com a suposição de que as regiões de saúde são condicionalmente independentes entre si, isto é, sem estrutura espacial.

A incidência semanal esperada, (λ (t,r)), foi estimada para todas as regiões de saúde sob a ótica bayesiana usando o método Inla (Integrated Nested Laplace Approximations), que é uma técnica estatística que permite aproximar as distribuições a posteriori de modelos hierárquicos complexos de forma rápida e precisa1010. Rue H, Martino S, Chopin N. Approximate Bayesian inference for latent Gaussian models by using integrated nested Laplace approximations. J R Stat Soc Series B Stat Methodol 2009; 71(2): 319-92. https://doi.org/10.1111/j.1467-9868.2008.00700.x
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.

O tempo foi particionado segundo ondas, no qual cada onda é definida por um período de tempo contínuo com domínio de uma variante. Diz-se que uma variante é dominante em um período quando essa é a variante de maior frequência em sequenciamentos depositados em um repositório de sequenciamento de vírus. As datas de início e fim de cada onda foram definidas com base nos dados de sequenciamento do estado do Rio de Janeiro compilados pela rede genômica da Fundação Oswaldo Cruz (https://www.genomahcov.fiocruz.br/). Como se está avaliando a sincronicidade da epidemia, a partição do tempo em ondas é a mesma para todas as regiões de saúde, e foram utilizados dados de todo estado do Rio de Janeiro. Em cada onda e região foi calculado o momento em que a incidência esperada atinge o maior valor. Esse valor é chamado de pico. A sincronicidade foi avaliada tomando como referência a Região Metropolitana I (RMI), que contém a capital do estado. Se a semana do pico de uma determinada região coincidia com a semana do pico da RMI, então, nessa onda, as epidemias foram consideradas síncronas; caso contrário, foram consideradas assíncronas. Toda a análise foi realizada no R1111. R Core Team. A language and environment for statistical computing. r foundation for statistical computing [Internet]. Vienna; 2022 [acessado em 04 jul. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.scirp.org/reference/referencespapers?referenceid=3456808
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.

RESULTADOS

Até o dia 19 de março de 2020, apenas 23 dias desde o primeiro caso confirmado no Brasil, o estado do Rio de Janeiro já tinha registrado 64 casos confirmados, espalhados em cinco municípios: Rio de Janeiro (55), Niterói (6), Barra Mansa (1), Miguel Pereira (1) e Guapimirim (1). Cinco das nove regiões de saúde já identificavam a circulação do vírus, sendo elas Metropolitana I, Metropolitana II, Médio Paraíba, Centro-Sul e Serrana1211. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Saúde. Primeiro caso do Novo Coronavírus é confirmado no Estado do Rio [Internet]. 2020 [acessado em 03 jul. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.saude.rj.gov.br:443/noticias/2020/03/primeiro-caso-do-novo-coronavirus-e-confirmado-no-estado-do-rio
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. A epidemia de COVID-19 no estado pode ser caracterizada com sete ondas no período analisado. Essas ondas correspondem às seguintes variantes: B.1.1.33, Zeta, Gama, Delta e Ômicron (subvariantes BA.1, BA.2 e BA.5).

Na Figura 3, observa-se que, na primeira onda, as nove regiões de saúde apresentaram momentos distintos de aumento de hospitalizações. A variante predominante no estado era a B.1.1.33. A Região Metropolitana I foi a que teve a maior incidência, aproximadamente cinco casos por 100 mil habitantes. A variante B.1.133 não teve um pico bem definido nas regiões Baixada Litorânea, Centro-Sul e Serrana, onde a incidência de hospitalizações permaneceu alta durante todo o período, não sendo possível definir um pico. Na segunda onda, correspondente a variante Zeta, e na terceira onda, correspondente a variante Gama, as maiores incidências de hospitalizações aconteceram nas regiões Baixada Litorânea, Centro-Sul e Serrana. Nos dois momentos, as incidências atingiram mais de 2,5 casos por 100 mil habitantes nessas regiões. A variante Zeta não apresentou um pico bem definido apenas na região Noroeste, enquanto a variante Gama, teve um pico definido em todas as nove regiões do estado. Na quarta onda, a variante predominante no estado foi a Delta, que não apresentou um pico bem definido nas regiões de Baía da Ilha Grande, Baixada Litorânea, Noroeste e Norte. Nesse contexto, a região Serrana apresentou a maior incidência de hospitalizações, aproximadamente cinco casos por 100 mil habitantes. A variante Ômicron, que circulou no estado de dezembro de 2021 até o momento final do estudo (dezembro de 2022), é a única variante que apresenta três ondas (subvariantes BA.1, BA.2 e BA.5) nas nove regiões, sendo as regiões Médio Paraíba, Metropolita II e Serrana as de maiores incidência, variando de 1 a 12 casos por 100 mil habitantes no momento em que a Ômicron é dominante no estado.

Figura 3.
Incidência esperada, com intervalo de credibilidade de 95%, das hospitalizações por covid-19 das nove regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro, entre 23/2/2020 (SE 09) e 31/12/2022 (SE 52).

Na Figura 4, visualiza-se a diferença do tempo entre o momento do pico de cada região e o momento do pico da Região Metropolitana I (E). As regiões em cinza nos mapas representam locais em que não tiveram ondas de hospitalização bem definidas. Para a variante B.1.1.33, isso ocorreu na Baixada Litorânea, Centro-Sul e Serrana. As regiões no extremo do estado, Noroeste e Médio Paraíba foram as que demoraram três semanas ou mais para terem os seus picos, seguidas da região da Baía da Ilha Grande, em duas semanas, e a Norte, em uma semana. Houve sincronicidade entre as regiões Metropolitana I e II.

Figura 4.
Mapa das Regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro de todas as variantes identificando as semanas após o pico na Região Metropolitana I.

A variante Zeta foi a variante que apresentou maior sincronicidade, sendo visto em cinco regiões, Metropolitana I e II, Baixada Litorânea, Serrana e Norte. Essa não teve um pico definido na região Noroeste, demorou uma semana para ocorrer o pico na Baía da Ilha Grande e três semanas ou mais no Centro-Sul e Médio Paraíba. Para a variante Gama, o pico na região da Baía da Ilha Grande ocorreu uma semana antes da Metropolitana I. Houve sincronicidade entre cinco regiões, Metropolitana I, Metropolitana II, Baixada Litorânea, Centro-Sul e Médio Paraíba. Na região Serrana, demorou uma semana para ocorrer, enquanto na Norte demorou duas, enquanto na região Noroeste, três ou mais semanas.

A variante Delta apresentou sincronicidade apenas entre a Região Metropolitana I e a Serrana. A região Centro-Sul apresentou o pico após uma semana, as regiões Metropolitana II e Médio Paraíba após duas e as regiões Noroeste, Norte, Baixada Litorânea e Baía da Ilha Grande não tiveram um pico definido. A variante Ômicron BA.1 esteve presente em todas as regiões, porém o pico demorou duas semanas para ser atingido nas regiões Noroeste e Norte, uma semana na Metropolitana II, Baixada Litorânea, Serrana, Centro-Sul e Médio Paraíba. Já a região da Baía da Ilha Grande, teve seu pico síncrono com a Metropolitana I. A subvariante Ômicron BA.2 teve um pico síncrono nas regiões da Baía da Ilha Grande, Noroeste, Metropolitana I e II, mas não teve um pico definido na região Serrana, enquanto ocorreu uma semana antes nas regiões Centro-Sul e Baixada Litorânea. Foi observado o pico tardio, de uma semana, nas regiões Médio Paraíba e Norte. A variante Ômicron BA.5 apresentou uma sincronicidade entre as regiões Centro-Sul, Metropolitana I, Metropolitana II, Serrana e Norte. Demorou uma semana para o pico ocorrer nas regiões da Baia da Ilha Grande, Médio Paraíba e Baixada Litorânea e três semanas ou mais na região Noroeste.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo principal realizar uma análise de sincronicidade espaço-temporal da epidemia de COVID-19 nas regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro, abrangendo o período de 15 de março de 2020 (SE 9) a 31 de dezembro de 2022 (SE 52). Os resultados desta análise espaço-temporal revelaram uma introdução e elevação assíncrona dos casos confirmados de COVID-19 nas diferentes regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro, evidenciando sete ondas ao longo do período de estudo.

Os resultados apontaram para um primeiro pico relacionado à variante B.1.1.33, com a maior incidência de hospitalizações concentrada na Região Metropolitana I, que é a área que contém a capital do estado, a cidade do Rio de Janeiro. O fato de a cidade do Rio de Janeiro ser um importante ponto de entrada para viajantes nacionais e internacionais e um destino turístico mundialmente conhecido pode ter contribuído para a introdução precoce do vírus no território, tornando-a a segunda cidade do país a registrar casos confirmados de COVID-191313. Candido DDS, Watts A, Abade L, Kraemer MUG, Pybus OG, Croda J, et al. Routes for COVID-19 importation in Brazil. J Travel Med 2020; 27(3): taaa042. https://doi.org/10.1093/jtm/taaa042
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.

A análise da sincronicidade revelou que, a partir da variante B.1.1.33, houve um significativo aumento de casos não apenas na Região Metropolitana I, mas também em todas as outras regiões de saúde. Inicialmente, a propagação do vírus foi influenciada pelas desigualdades socioeconômicas existentes entre as regiões, e a falta de uma resposta coordenada, eficaz e igualitária favoreceu a disseminação assíncrona e generalizada do vírus1414. Ahmed F, Ahmed N, Pissarides C, Stiglitz J. Why inequality could spread COVID-19. Lancet Public Health 2020; 5(5): e240. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30085-2
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. A população carente, que depende do transporte público e do sistema de saúde público, enfrentou maiores dificuldades com as medidas de distanciamento, devido às condições habitacionais precárias e à superlotação do transporte público e das unidades de saúde e hospitais1515. Kopel J, Perisetti A, Roghani A, Aziz M, Gajendran M, Goyal H. Racial and gender-based differences in COVID-19. Front Public Health 2020; 8: 418. https://doi.org/10.3389/fpubh.2020.00418
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,1616. Souza CDF, Paiva JPS, Leal TC, Silva LF, Santos LG. Evolução espaçotemporal da letalidade por COVID-19 no Brasil, 2020. J Bras Pneumol 2020; 46(4): e20200208. https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20200208
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.

A disseminação da variante subsequente, Zeta, mostrou um padrão de maior incidência de hospitalizações nas regiões Serrana, Centro-Sul, Metropolitana II e Baía da Ilha Grande, indicando uma expansão do vírus para o interior do estado, com picos mais elevados do que na Região Metropolitana I. Além disso, observou-se um movimento mais frequente da linhagem de vírus dentro do estado em comparação com o movimento entre estados, reforçando a importância das medidas de controle para evitar o desencadeamento de surtos1313. Candido DDS, Watts A, Abade L, Kraemer MUG, Pybus OG, Croda J, et al. Routes for COVID-19 importation in Brazil. J Travel Med 2020; 27(3): taaa042. https://doi.org/10.1093/jtm/taaa042
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. Nesse momento, houve a redução de medidas de controle da circulação do vírus, coincidindo com uma segunda onda que começou em novembro de 2020, no período eleitoral do país1717. Silva SJR, Pena L. Collapse of the public health system and the emergence of new variants during the second wave of the COVID-19 pandemic in Brazil. One Health 2021; 13: 100287. https://doi.org/10.1016/j.onehlt.2021.100287
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. Os municípios decretaram e flexibilizaram medidas restritivas em diferentes momentos, o que facilitou a circulação do vírus de forma assíncrona devido à mobilidade da população, atuando como um desencadeador da propagação da doença1818. Kortessis N, Simon MW, Barfield M, Glass GE, Singer BH, Holt RD. The interplay of movement and spatiotemporal variation in transmission degrades pandemic control. Proc Natl Acad Sci U S A 2020; 117(48): 30104-6. https://doi.org/10.1073/pnas.2018286117
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.

A introdução da campanha de vacinação contra a COVID-19 em janeiro de 2021, com a variante Gama predominante no estado, teve um papel significativo na redução das hospitalizações, mas as maiores incidências de hospitalizações permaneceram nas regiões do interior, devido à distribuição não homogênea das vacinas entre os municípios. No entanto a incidência de hospitalizações a partir dessa variante diminuiu devido à campanha de vacinação em andamento, o que reduziu o número de casos hospitalizados, aliviando a carga sobre os sistemas de saúde e permitindo a flexibilização das medidas de distanciamento físico1919. Kissler SM, Tedijanto C, Goldstein E, Grad YH, Lipsitch M. Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the postpandemic period. Science 2020; 368(6493): 860-8. https://doi.org/10.1126/science.abb5793
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,2020. Sharpe HR, Gilbride C, Allen E, Belij-Rammerstorfer S, Bissett C, Ewer K, et al. The early landscape of coronavirus disease 2019 vaccine development in the UK and rest of the world. Immunology 2020; 160(3): 223-32. https://doi.org/10.1111/imm.13222
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.

A quarta variante identificada, Delta, apresentou taxas de hospitalizações mais baixas do que as variantes anteriores, pois a vacinação já havia sido iniciada nos meses anteriores. A vacina CoronaVac, a primeira a ser disponibilizada no Brasil e disponível em maior quantidade no início da vacinação, mostrou-se relativamente eficaz contra os casos graves dessa variante e de suas antecessoras, reduzindo os casos de hospitalizações2121. Melo-González F, Soto JA, González LA, Fernández J, Duarte LF, Schultz BM, et al. Recognition of variants of concern by antibodies and T cells induced by a SARS-CoV-2 inactivated vaccine. Front Immunol 2021; 12: 747830. https://doi.org/10.3389/fimmu.2021.747830
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Com a circulação das subvariantes da Ômicron (BA.1, BA.2 e BA.5), observou-se um aumento de casos em todas as regiões de saúde, embora o percentual de pessoas que necessitaram de atendimento especializado, como hospitalização, fosse menor em comparação com as outras variantes. Essa variante apresenta diversas mutações com potencial para aumentar a transmissibilidade, conferir resistência à terapêutica ou escapar parcialmente da imunidade induzida por infecção ou vacina2222. Schmidt F, Muecksch F, Weisblum Y, Silva J, Bednarski E, Cho A, et al. Plasma neutralization of the SARS-CoV-2 omicron variant. N Engl J Med 2022; 386(6): 599-601. https://doi.org/10.1056/NEJMc2119641
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. A vacinação em massa foi destacada como uma medida fundamental para prevenir complicações clínicas da COVID-19, ressaltando que essa doença pode ser prevenida do ponto de vista de complicações clínicas com alta cobertura vacinal2323. Fundação Oswaldo Cruz. O avanço da variante Ômicron, a resposta das vacinas e o risco de desassistência [Internet]. Nota Técnica 24 de 10 de fevereiro de 2022 [acessado em 03 jul. 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/51252/nota_tecnica_24.pdf?sequence=2&isAllowed=y
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Este estudo apresenta limitações, embora as hospitalizações sejam uma fração dos casos, elas são influenciadas pela vacinação. Portanto o uso das hospitalizações para descrever a dinâmica da epidemia de casos de COVID-19 no estado do Rio de Janeiro é uma limitação do estudo. No entanto os dados de hospitalizações se mostram mais robustos para descrever a dinâmica da epidemia de COVID-19 do que os dados de casos, que enfrentam diversos vieses, como falta de um sistema de dados organizado, indisponibilidade de testes, a falta de notificação dos resultados dos autotestes, o atraso das notificações e a qualidade do preenchimento das informações.

A busca pela igualdade na vacinação em todos os municípios do estado é recomendada, visando evitar a rápida disseminação do vírus, prevenir casos graves, dificultar o surgimento de novas variantes e reduzir a demanda por atendimentos especializados em saúde. O conhecimento das variantes predominantes em cada região permite um melhor planejamento da distribuição de vacinas e estratégias de imunização, a fim de aumentar a cobertura vacinal e reduzir a disseminação do vírus. Um aspecto adicional de grande relevância se encontra na supervisão da possível habilidade das novas variantes em escapar da resposta imunológica conferida pelas vacinas.

Os resultados deste estudo têm implicações significativas para o monitoramento contínuo da COVID-19 e as medidas de vigilância em saúde pública. Ao compreender a dinâmica espacial e temporal da epidemia, os gestores de saúde podem direcionar, de forma mais eficaz, os recursos disponíveis e implementar medidas preventivas e intervenções pontuais em áreas mais afetadas. Por meio desse contexto, ao implementar tal monitoramento em regiões onde a variante tenha se estabelecido inicialmente, e ao identificar quaisquer indícios dessa ocorrência, antecipa-se a emissão de alertas direcionados às áreas onde a circulação viral ainda se mostra menos disseminada. A inclusão desses elementos, conduzidos de maneira concreta para a vigilância, tem o potencial de consideravelmente elevar a pronta resposta perante essa situação. Essa análise pode ser aplicada em outros cenários epidemiológicos, permitindo o monitoramento de doenças com potencial epidêmico em diferentes localidades, tornando-se uma importante ferramenta para aprimorar a resposta em saúde pública, antecipar surtos e tomar decisões mais fundamentadas no controle de doenças infecciosas, contribuindo, assim, para a promoção da saúde e o bem-estar da população.

Referências bibliográficas

  • COMO CITAR ESSE ARTIGO:

    Amaral LF, Lana RM, Bastos LS. A epidemia de COVID-19 foi síncrona no espaço? Uma análise nas regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro, 2020-2022. Rev Bras Epidemiol. 2024; 27: e240010. https://doi.org/10.1590/1980-549720240010.2
  • Fonte de financiamento:

    LFA contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001. LSB conta com bolsas de produtividade do CNPq (310530/2021-0) e JCNE da Faperj (E-26/201.277/2021). LSB, RML e LFA foram parcialmente financiados pelo Inova Fiocruz/Fundação Oswaldo Cruz (Geração de Conhecimento COVID-19).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2023
  • Revisado
    04 Dez 2023
  • Aceito
    13 Dez 2023
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