Uso de repelente como medida de proteção pessoal por mulheres em idade fértil residentes em áreas endêmicas para arboviroses no Nordeste do Brasil

Livia Karla Sales Dias Carlos Sanhueza-Sanzana Francisco Marto Leal Pinheiro Júnior Adriano Ferreira Martins Francisco Gustavo Silveira Correia Italo Wesley Oliveira de Aguiar Nayane Cavalcante Ferreira Jeni Stolow George Rutherford Maria Gloria Teixeira Roberto da Justa Pires Neto Rosa Livia Freitas de Almeida Ivo Castelo Branco Coelho Cristiane Cunha Frota Carl Kendall Ligia Regina Franco Sansigolo Kerr Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Analisar os fatores associados ao uso de repelente individual por mulheres em idade fértil residentes em área endêmicas para arboviroses em Fortaleza, Brasil.

Métodos:

Coorte realizada entre 2018 e 2019, com mulheres entre 15 e 39 anos, moradoras em Fortaleza, Ceará, Brasil. Participaram 1.173 mulheres, usuárias de quatro unidades primárias de saúde do município. O desfecho foi categorizado em: uso continuado, uso descontinuado e não uso de repelente. Realizada análise de regressão logística multinominal norteada por modelo hierárquico, com apresentação dos respectivos odds ratio (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%). As variáveis independentes incluem: dados socioeconômicos e demográficos, características ambientais e sanitárias, conhecimento sobre o repelente e aspectos comportamentais e relacionados à gravidez.

Resultados:

Somente 28% das participantes referiram o uso de repelente durante as duas ondas da coorte. Mulheres com escolaridade superior (OR=2,55; IC95% 1,44–4,51); com emprego (OR=1,51; IC95% 1,12–2,03); que receberam orientações por profissionais da saúde (OR=1,74; IC95% 1,28–2,36) e pela mídia (OR=1,43; IC95% 1,01–2,02); que intensificaram os cuidados contra o mosquito na epidemia (OR=3,64; IC95% 2,29–5,78); estavam grávidas entre 2016 e 2019 (OR=2,80; IC95% 1,83–4,30) tiveram as chances aumentadas para uso continuado de repelente.

Conclusões:

O uso de repelente entre mulheres em idade fértil mostrou-se associado a um maior nível de escolaridade, ao emprego, às orientações sobre repelente fornecidas por profissionais de saúde e pela mídia, às mudanças comportamentais de cuidado contra o mosquito durante a epidemia da Zika e à gravidez quando ocorrida a partir do início do período epidêmico.

Palavras-chave:
Saúde pública. Arbovírus; Zika vírus; Saúde da mulher; Repelentes de insetos; Populações vulneráveis

INTRODUÇÃO

Os arbovírus, dentre eles os vírus da Dengue, Chikungunya e Zika, constituem-se em grandes ameaças atuais à saúde pública em áreas tropicais e subtropicais, atingindo cerca de quatro bilhões de pessoas11. Balakrishnan VS. WHO launches global initiative for arboviral diseases. Lancet Microbe 2022; 3(6): e407. https://doi.org/10.1016/S2666-5247(22)00130-6
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. O aumento global da frequência e magnitude dos surtos de arboviroses tem sido impulsionado pela convergência de fatores ecológicos, incluindo as mudanças climáticas22. Liu-Helmersson J, Brännström Å, Sewe MO, Semenza JC, Rocklöv J. Estimating past, present, and future trends in the global distribution and abundance of the arbovirus vector aedes aegypti under climate change scenarios. Front Public Health 2019; 7: 148. https://doi.org/10.3389/fpubh.2019.00148
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,33. Kraemer MUG, Reiner RC, Brady OJ, Messina JP, Gilbert M, Pigott DM, et al. Past and future spread of the arbovirus vectors Aedes aegypti and Aedes albopictus. Nat Microbiol 2019; 4(5): 854-63. https://doi.org/10.1038/s41564-019-0376-y
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, e socioeconômicos44. Ali S, Gugliemini O, Harber S, Harrison A, Houle L, Ivory J, et al. Environmental and social change drive the explosive emergence of zika virus in the Americas. PLoS Negl Trop Dis 2017; 11(2): e0005135. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005135
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.

Essas arboviroses têm provocado elevada morbimortalidade com especial impacto nas Américas55. Jones R, Kulkarni MA, Davidson TMV, Talbot B, RADAM-LAC Research Team. Arbovirus vectors of epidemiological concern in the Americas: A scoping review of entomological studies on Zika, dengue and chikungunya virus vectors. PLoS One 2020; 15(2): e0220753. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0220753
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. O Brasil é um dos países mais afetados com registros de diversas epidemias de Dengue em sua história e, nos últimos anos, tem sido palco para Chikungunya e Zika66. Donalisio MR, Freitas ARR, Von Zuben APB. Arboviroses emergentes no Brasil: desafios para a clínica e implicações para a saúde pública. Rev Saude Publica 2017; 51: 30. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006889
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,77. Paixão ES, Teixeira MG, Rodrigues LC. Zika, chikungunya and dengue: the causes and threats of new and re-emerging arboviral diseases. BMJ Glob Health 2018; 3(Suppl 1): e000530. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2017-000530
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.

Populações socioeconomicamente vulneráveis são mais sujeitas às doenças transmitidas por mosquitos, devido à precária infraestrutura de moradia e saneamento básico, falhas na coleta de lixo, baixo acesso à informação e aos serviços de saúde, baixa escolaridade, entre outros fatores que dificultam as práticas de ações saudáveis e de cuidados pessoais, contribuindo para a permanência dessas doenças88. Causa R, Ochoa-Díaz-López H, Dor A, Rodríguez-León F, Solís-Hernández R, Pacheco-Soriano AL. Emerging arboviruses (dengue, chikungunya, and Zika) in Southeastern Mexico: Influence of socio-environmental determinants on knowledge and practices. Cad Saude Publica 2020; 36(6): e00110519. https://doi.org/10.1590/0102-311X00110519
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,99. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma avaliação do impacto socioeconômico do virus zika na America Latina e Caribe: Brasil, Colômbia e Suriname como estudos de caso [Internet]. Nova York: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2017 [cited on Feb. 02, 2020]. Available at: https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/migration/br/UNDP-RBLAC-Zika-07-20-2017-Portuguese-WEB.pdf.
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. A epidemia do Zika vírus (ZIKV), em 2015, de âmbito nacional e internacional1010. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.813, de 11 de novembro de 2015. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) por alteração do padrão de ocorrência de microcefalias no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [cited on June 16, 2019]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1813_11_11_2015.html
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,1111. World Health Organization. WHO Director-General summarizes the outcome of the Emergency Committee regarding clusters of microcephaly and Guillain-Barré syndrome [Internet]. 2016 [cited on Apr. 15, 2020]. Available at: https://www.who.int/en/news-room/detail/01-02-2016-who-director-general-summarizes-the-outcome-of-the-emergency-committee-regarding-clusters-of-microcephaly-and-guillain-barré-syndrome
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, deixou em evidência esses determinantes socioeconômico-ambientais quando atingiu, principalmente, mulheres de baixa renda, menor escolaridade, negras e moradoras de regiões periféricas do Nordeste brasileiro99. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma avaliação do impacto socioeconômico do virus zika na America Latina e Caribe: Brasil, Colômbia e Suriname como estudos de caso [Internet]. Nova York: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2017 [cited on Feb. 02, 2020]. Available at: https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/migration/br/UNDP-RBLAC-Zika-07-20-2017-Portuguese-WEB.pdf.
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,1212. Albuquerque MFPM, Souza WV, Araújo TVB, Braga MC, Miranda-Filho DB, Ximenes RAA, et al. Epidemia de microcefalia e vírus Zika: a construção do conhecimento em epidemiologia. Cad Saúde Pública 2018; 34(10): e00069018. https://doi.org/10.1590/0102-311X00069018
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.

A possibilidade de transmissão do ZIKV por via sexual e vertical ampliou o risco da doença e, com isso, orientações de cuidados pessoais e domiciliares foram intensificadas e destinadas principalmente às mulheres grávidas e/ou em idade fértil, que foram o foco de atenção durante a epidemia1313. Garcia LP. Epidemia do vírus zika e microcefalia no Brasil: emergência, evolução e enfrentamento. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018.,1414. World Health Organization. Prevention of sexual transmission of Zika virus: interim guidance update [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited on May 25, 2020]. Available at: https://apps.who.int/iris/handle/10665/204421
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. Diante da dificuldade de implementação das ações de controle vetorial frente às diversas problemáticas socioeconômicas e ambientais e de proteção vacinal contra as arboviroses, a utilização de medidas de proteção pessoal se tornou a ação mais palpável para a população se proteger das doenças1515. Lima-Camara TN. Emerging arboviruses and public health challenges in Brazil. Rev Saude Publica 2016; 50: 36. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006791
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,1616. Navarro JP, Espinosa MM, Terças-Trettel ACP, Silva JH, Schuler-Faccini L, Atanaka M. Knowledge and actions for the control of the vector Aedes aegypti in a municipality in the Legal Amazon. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2021; 63: e64. https://doi.org/10.1590/S1678-9946202163064
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.

O uso regular de repelente corporal foi uma das recomendações presentes nos manuais nacionais e internacionais, sendo direcionado principalmente às mulheres grávidas ou que desejavam engravidar, e especialmente se moradoras de áreas infestadas pelo Aedes aegypti1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central (SNC) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [cited on Jan. 10, 2020]. Available at: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/ssaude/pdf/zika-cartilha-protocolo-microcefalia.pdf
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,1818. World Health Organization. Vector control operations framework for zika virus. Geneva: World Health Organization; 2016..

Mediante o cenário epidêmico, em abril de 2016, o governo brasileiro instituiu a distribuição mensal de dois frascos de repelentes tópicos às gestantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica atendidas pelas unidades de saúde1919. Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto no 8.716, de abril de 2016. Institui o programa de prevenção e proteção individual de gestantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica contra o Aedes aegypti [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2016 [cited on June 18, 2019]. Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8716.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%208.716%2C%20DE%2020,socioecon%C3%B4mica%20contra%20o%20Aedes%20aegypti.&text=A%20PRESIDENTA%20DA%20REP%C3%9ABLICA%20%2C%20no,que%20lhe%20confere%20o%20art.
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. Em 2018, houve a ampliação da oferta para todas as gestantes e à população moradora de áreas endêmicas2020. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde amplia público-alvo para utilização de repelentes [Internet]. 2018 [cited on Dec. 15, 2020]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2018/fevereiro/saude-amplia-publico-alvo-para-utilizacao-de-repelentes
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. Entretanto, com a redução dos casos de microcefalia e de infecções por ZIKV no país, em julho de 2019, a ação foi revogada pelo governo vigente2121. Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto no 9.917, de 18 de julho de 2019. Declara a revogação, para os fins do disposto no art. 16 da Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998, de decretos normativos [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2019 [cited on Oct. 22, 2019]. Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9917.htm
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.

Frente à recomendação do uso de repelente como medida de proteção pessoal contra as arboviroses, tendo sido distribuído às gestantes, e considerando a ausência de estudos sobre o panorama do uso dessa medida quando ofertada às gestantes no estado do Ceará, que é palco de elevados números de casos de Dengue, Zika e Chikungunya, este estudo objetiva analisar os fatores associados ao uso de repelente individual por mulheres em idade fértil residentes em área endêmicas para arboviroses em Fortaleza, Brasil.

MÉTODOS

Tipo e local do estudo

Estudo de coorte que utiliza dados do projeto maior intitulado “Zika em Fortaleza: resposta de uma coorte de mulheres de 15 a 39 anos” (projeto ZIF), realizada na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. Em 2018, Fortaleza tinha uma população estimada em 2.627.482 pessoas com densidade populacional de 8.373 habitantes/km2, estando dividida em seis unidades administrativas (Secretarias Executivas Regionais-SER). Durante o período do estudo existiam 96 Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), sendo selecionadas quatro unidades localizadas nas SER I, III e V (Figura 1). Essas regiões registraram taxas elevadas de casos de Chikungunya em 2017, infecção tomada como proxy da infecção pelo ZIKV2222. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Secretaria Municipal de Saúde. Coordenadoria de Vigilância em Saúde. Célula de Vigilância Epidemiológica. Boletim de Saúde de Fortaleza: Chikungunya 2014-2018 [Internet]. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza; 2019 [cited on June 18, 2019]. Available at: https://saude.fortaleza.ce.gov.br/images/BSFOR/2019/Boletim_Chikungunya_2014_2018.pdf
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.

Figura 1
Localização da área de estudo e das unidades de saúde selecionadas. Fortaleza (CE), Brasil, 2017.

Cálculo amostral

Participaram da pesquisa mulheres sexualmente ativas com idade entre 15 e 39 anos, moradoras de Fortaleza, Ceará, Brasil. Os critérios de inclusão foram: 1) morar em área territorial de uma das unidades de saúde selecionadas; 2) ter idade entre 15 e 39 anos; 3) ser sexualmente ativa (pelo menos um relacionamento sexual nos últimos 12 meses). Foram excluídas da amostra as mulheres de 15 a 39 anos submetidas à laqueadura tubária e que morassem fora das áreas selecionadas.

O tamanho da amostra foi estimado a partir da equação:

n=[deff*N*(1P)]/[(d2/Z21α/2*(n1)+P*(1P)]

A probabilidade de gravidez (P) foi estimada em 8,3% (+/- 2%), dividindo o total de nascidos vivos da cidade pela população feminina sexualmente ativa, com idade de 15 a 39 anos (N), estimada em 73% da população feminina da cidade de Fortaleza. Considerando o efeito do desenho (deff) de 2, o intervalo de confiança de 95% e uma perda de seguimento (d) de 20%, resultou em um tamanho amostral (n) de 1.752 mulheres.

Para o final do período de coleta, houve uma redução na taxa de recrutamento, considerando que a taxa de gravidez na população estudada foi mais elevada (20%) que a estimada (8,3%), com isso, a amostra da linha de base foi concluída em 1.496 mulheres.

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu em duas ondas. Os encontros aconteceram no interior das unidades de saúde, sendo aplicados questionários semiestruturados com perguntas semelhantes para as duas ondas, utilizando o software Survey Monkey (SurveyMonkey Inc, San Mateo, Califórnia, EUA). O período de coleta da primeira onda foi de 28 de fevereiro e 30 de outubro de 2018, e a segunda onda seguiu de 14 de fevereiro a 30 de agosto de 2019.

Variável dependente

O uso de repelente durante a coorte foi utilizado como a variável de interesse, tendo emergido das perguntas: “Você utiliza algum tipo de repelente?”; “O repelente é de uso individual?”, ambas com respostas sim/não.

Posteriormente foi categorizada em três níveis: “Uso continuado”, quando a mulher referiu o uso de repelente nas duas ondas da coorte; “Uso descontinuado”, quando o uso foi referido em apenas uma das ondas da coorte; e “Não uso”, quando não foi feito uso do repelente nas duas ondas da coorte.

Variáveis independentes

Compostas por:

  • Fatores socioeconômicos e demográficos:

    1. -

      Faixa etária (anos): variável inicialmente contínua e posteriormente categorizada em grupos etários: 15–19 (referência); 20–29; 30–39.

    2. -

      Raça/Cor: apresentada em cinco categorias e posteriormente categorizada em “branca” e “não branca” (negra, parda, indígena, amarela) (referência).

    3. -

      Escolaridade: a partir do grau de instrução informado, foi categorizada em: Ensino elementar completo ou menos (referência); Ensino médio incompleto/completo; Ensino Superior incompleto/completo.

    4. -

      Situação de trabalho: categorizada em “com emprego” e “sem emprego” (referência).

  • Características ambientais e sanitárias do domicílio:

A variável presença de quintal no domicílio foi categorizada em “sim” e “não” (referência). A variável destino do esgoto do domicílio foi composta por: “sistema público/fossa séptica”, que se caracterizam como destinos recomendados de esgoto, e “céu aberto” (categoria de referência).

  • Recebeu orientação sobre repelente:

As variáveis partiram do questionamento: “De onde recebeu orientações sobre uso de repelente como medida de proteção?”. Apresentados diversos meios de informação às participantes, dentre eles, profissionais da saúde (médicos e não médicos) e a mídia (internet e televisão), que foram dicotomizadas em “sim” e “não” (referência).

  • Fatores comportamentais relacionados à Zika:

    1. -

      Adiou a gestação devido à epidemia da Zika: dicotomizada em “sim” e “não” (referência);

    2. -

      Cuidados contra o mosquito transmissor durante a epidemia da Zika: categorizada em “intensificou os cuidados contra o mosquito” ou “não houve mudanças comportamentais” (referência).

  • Gravidez:

História de gravidez antes e a partir do período epidêmico foi categorizada em: gravidez antes de 2016; gravidez entre 2016 e 2019; nunca engravidou (referência). Foram considerados partos/gestações ocorridos antes e a partir de janeiro de 2016. Optou-se por essa demarcação temporal, pois somente após o governo brasileiro declarar associação entre a infecção pelo vírus Zika e os casos de microcefalia, no final de 20151313. Garcia LP. Epidemia do vírus zika e microcefalia no Brasil: emergência, evolução e enfrentamento. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018.,2323. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [cited on Oct. 04, 2020]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/virus_zika_brasil_resposta_sus.pdf
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, o uso de medidas de proteção pessoal às gestantes e mulheres em idade fértil passou a ser orientado na prevenção à doença2424. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus zika [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [cited on Dec. 02, 2019]. Available at: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/02/protocolo_resposta_microcefalia_relacionada_infeccao_virus_zika.pdf
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Análise estatística

Realizada a análise descritiva do perfil epidemiológico das participantes e das características de uso do repelente com apresentação das respectivas frequências e intervalos de confiança (IC95%).

Utilizou-se regressão logística multinomial nominal para verificar as associações das variáveis independentes com a variável resposta de interesse, ou seja, o “Uso continuado”, “Uso descontinuado” e “Não uso” de repelente, esta última tomada como categoria de referência. Os resultados foram apresentados em razões de chances (odds ratio) (OR) juntamente com seus respectivos intervalos de confiança de 95%, considerando um nível de significância de 5%.

Foi utilizado um modelo explicativo hierárquico sugerido inicialmente para estudos aplicados em outras áreas2525. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1): 224-7. https://doi.org/10.1093/ije/26.1.224
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. As variáveis preditoras foram agrupadas em cinco blocos, conforme Figura 2: Bloco 1 – Fatores socioeconômicos e demográficos (faixa etária, escolaridade, raça/cor, situação de trabalho); Bloco 2 – Características ambientais e sanitárias do domicílio (presença de quintal no domicílio, destino do esgoto do domicílio); Bloco 3 – Recebeu orientação sobre repelente (por profissionais da saúde, através da mídia (televisão/internet)); Bloco 4 – Fatores comportamentais relacionados à Zika (adiou a gestação devido à epidemia da Zika, cuidado contra o mosquito transmissor durante a epidemia da Zika); Bloco 5 – Gravidez (história de gravidez antes e a partir do período epidêmico).

Figura 2
Modelo explicativo hierárquico para uso de repelente.

Foram realizadas análises bivariadas para todas as variáveis dos cinco blocos aplicando-se o teste de hipótese qui-quadrado de Pearson (χ22. Liu-Helmersson J, Brännström Å, Sewe MO, Semenza JC, Rocklöv J. Estimating past, present, and future trends in the global distribution and abundance of the arbovirus vector aedes aegypti under climate change scenarios. Front Public Health 2019; 7: 148. https://doi.org/10.3389/fpubh.2019.00148
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). As variáveis socioeconômicas e demográficas (Bloco 1) foram consideradas as mais distais no processo de determinação do uso do repelente. Permaneceram no modelo final as variáveis deste bloco que foram estatisticamente significativas ao nível 0,05. Para os demais blocos, as variáveis que permaneceram significativas até 0,20 foram examinadas em análise multivariada multinomial interna ao bloco. O mesmo processo foi repetido para os demais. No modelo final, todas as variáveis estatisticamente significativas foram consideradas associadas aos diferentes usos do repelente.

O teste de Wald foi aplicado para avaliar a relação estatística entre a variável independente na diferenciação entre os dois grupos e o teste da razão de verossimilhança para avaliar a relação global entre as variáveis independentes e o desfecho. Comparadas diferenças estatísticas entre as ondas da coorte para cada variável exploratória utilizando-se o teste exato de Fisher. As variáveis faixa etária, raça/cor e escolaridade foram analisadas a partir de informações fornecidas na 1a onda, assim como as variáveis do bloco 4 foram indagadas somente na 1a onda, sendo analisadas a partir dessas informações (Tabela Suplementar 1). Todas as análises foram realizadas no software STATA™ v.16.

Aspectos éticos

Essa investigação é parte de um projeto matricial aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob o protocolo de no 2.497.069, respeitando as diretrizes éticas nacionais e internacionais de pesquisa envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

Participaram da primeira onda, em 2018, 1.496 mulheres em idade fértil. Na segunda onda (2019), houve perda de seguimento de 323 mulheres (21,6%), totalizando 1.173 participantes, as quais foram analisadas neste artigo.

Em relação ao perfil epidemiológico das participantes (Tabela 1), a maioria tinha entre 20 e 29 anos (48,6%), autodeclarou-se como parda (70,3%), possuía o ensino médio incompleto ou completo (57,7%) e tinha parceiro fixo (60,4%). Quanto à situação de emprego, 61% encontravam-se desempregadas. Cerca de 78% das mulheres tinham história de gravidez, sendo a maioria das gestações ocorridas entre 2016 e 2019.

Tabela 1
Perfil epidemiológico e do uso de repelente de uma coorte de mulheres em idade fértil. Fortaleza (CE), Brasil. 2018–2019.

Sobre o uso do repelente durante a coorte, aproximadamente 62% das mulheres fizeram uso da recomendação em algum momento do seguimento, destas, 28% referiram o uso nas duas ondas, enquanto 38,3% não o utilizaram.

As principais justificativas para o não uso do repelente foram: “não acha necessário” (37,2%); “muito caro” (22,0%); “não gosta de usar” (11,5%), sendo este último associado à consistência e cheiro do produto. Outros fatores como “esquecimento de usar” (9,4%), “desleixo/descuido” (5,3%) também foram citados. Além disso, 1,6% das mulheres negaram o uso atual, porém, referiram ter utilizado em momentos específicos: “época em que aparecem mais mosquitos”, durante “epidemias”. Outro fator relatado foi “medo de usar o repelente”, sendo este relacionado ao fato de estarem gestantes ou por terem alguma doença de base. Demais justificativas relacionaram-se à substituição do repelente por outros produtos, como cremes, hidratantes e protetor solar, e por métodos mecânicos como ventilador e mosquiteiro.

A Tabela 2 apresenta a análise bivariada entre as variáveis independentes e as categorias do desfecho. Da análise dos blocos, as variáveis escolaridade e situação de trabalho, do bloco 1, mantiveram-se estatisticamente significativas. As variáveis do bloco 2 permaneceram significativas somente para a categoria de uso descontinuado. No bloco 3, orientações fornecidas por profissionais da saúde e pela mídia, apresentaram-se significativas quando analisadas conjuntamente. No bloco 4, apenas a variável cuidados contra o mosquito transmissor durante a epidemia apresentou significância para as categorias do desfecho. Por fim, no bloco 5, a variável história de gravidez antes e a partir do período epidêmico se apresentou extremamente significativa ao uso continuado e descontinuado do repelente.

Tabela 2
Análise bivariada entre as variáveis independentes e as categorias de uso continuado, uso descontinuado e não uso de repelente. Fortaleza (CE), Brasil. 2018-2019.

O modelo final da regressão logística multinomial foi apresentado na Tabela 3. Mulheres em idade fértil com escolaridade em nível superior tiveram mais chance para uso continuado do repelente (OR=2,55; IC95% 1,44–4,51) como para uso descontinuado (OR=1,77; IC95% 1,01–3,10), em relação àquelas com ensino elementar ou menos. Ter emprego refletiu positivamente no uso da medida durante todo o seguimento (OR=1,51; IC95% 1,12–2,03) em comparação às mulheres desempregadas. Receber orientações sobre repelente por profissionais da saúde (OR=1,74; IC95% 1,28–2,36) e pela mídia (OR=1,43; IC95% 1,01–2,02) repercutiu nas chances de uso continuado da medida. Mulheres que intensificaram os cuidados contra o mosquito durante a epidemia tiveram as chances aumentadas tanto para o uso continuado de repelente (OR=3,64; IC95% 2,29–5,78) como para uso descontinuado (OR=1,86; IC95% 1,30–2,65), em comparação às participantes que não alteraram seus comportamentos. Mulheres grávidas entre 2016 e 2019 tiveram maiores chances para uso continuado (OR=2,80; IC95% 1,83–4,30) e descontinuado de repelente (OR=1,88; IC95% 1,30–2,72) em relação às mulheres que nunca engravidaram.

Tabela 3
Regressão logística multinomial de fatores associados ao uso de repelente em uma coorte de mulheres de 15 a 39 anos. Fortaleza (CE), Brasil. 2018–2019.

DISCUSSÃO

Estudos realizados durante a epidemia do ZIKV documentaram a relação entre o nível de escolaridade frente às mudanças comportamentais e o conhecimento da população na prevenção às arboviroses. Identificaram que uma menor escolaridade levou ao baixo uso das precauções recomendadas2626. Maharajan MK, Rajiah K, Belotindos JAS, Basa MS. Social determinants predicting the knowledge, attitudes, and practices of women toward zika virus infection. Front Public Health 2020; 8: 170. https://doi.org/10.3389/fpubh.2020.00170
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,2727. Piltch-Loeb R, Abramson DM, Merdjanoff AA. Risk salience of a novel virus: US population risk perception, knowledge, and receptivity to public health interventions regarding the Zika virus prior to local transmission. PLoS One 2017; 12(12): e0188666. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0188666
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, enquanto que um maior nível de escolaridade e melhores condições econômicas favoreceram a adoção de medidas de proteção pessoal28-30, corroborando com esta pesquisa. Porém, aproximadamente 9% das participantes desta pesquisa informaram possuir o ensino superior, um quantitativo muito abaixo do nível brasileiro que, em 2019, registrou que 19,4% das mulheres com 25 anos ou mais tinham o ensino superior completo3131. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Pessoas de 25 anos ou mais de idade, por sexo e grupamentos de nível de instrução [Internet]. 2019 [cited on Nov. 10, 2023]. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7135
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, revelando que as mulheres participantes compõem um grupo de alta vulnerabilidade social.

No Brasil, o direcionamento de políticas públicas às mulheres grávidas durante a epidemia da Zika, incluindo a entrega de repelente, orientações nos manuais de pré-natal e propagação de informações através da mídia1313. Garcia LP. Epidemia do vírus zika e microcefalia no Brasil: emergência, evolução e enfrentamento. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018.,2323. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [cited on Oct. 04, 2020]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/virus_zika_brasil_resposta_sus.pdf
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, tornaram a gravidez um fator de destaque na associação ao uso do repelente, como encontrado neste estudo. Países atingidos pela epidemia de ZIKV também evidenciaram esse achado. Pesquisa realizada em Porto Rico, durante o período epidêmico, registrou que mulheres grávidas tiveram a probabilidade 1,44 vezes maior de usar repelente em relação às não grávidas3232. Ellington SR, Simeone RM, Serrano-Rodriguez RA, Bertolli J, Swartzendruber A, Goldberg HI, et al. Zika prevention behaviors among women of reproductive age in Puerto Rico, 2016. Am J Prev Med 2021; 61(3): e149-e155. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2021.03.004
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. Nas Ilhas Virgens houve uma elevada taxa de adesão ao repelente por gestantes (74%), as quais receberam materiais educativos e recursos de proteção domiciliar e pessoal, dentre eles o repelente3333. Prue CE, Roth Jr JN, Garcia-Williams A, Yoos A, Camperlengo L, DeWilde L, et al. Awareness, beliefs, and actions concerning zika virus among pregnant women and community members – U.S. Virgin Islands, November–December 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2017; 66(34): 909-13. https://doi.org/10.15585/mmwr.mm6634a4
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.

Nesta coorte, apesar da forte associação entre a gravidez e o uso de repelente, observou-se um baixo percentual para uso continuado de repelente por mulheres grávidas entre 2016 e 2019, em comparação ao encontrado nas Ilhas Virgens. Ressalta-se ainda que 29% dessas gestantes não aderiram à medida apesar de receberem o produto gratuitamente durante o período, sugerindo falhas de orientações sobre a oferta e uso do repelente, para além de outras justificativas de não uso encontradas neste estudo.

As participantes da pesquisa, grávidas e não grávidas, evidenciaram como principais justificativas da não adesão o insuficiente conhecimento sobre o repelente e o fator financeiro atrelado a sua aquisição. Durante a epidemia do ZIKV, a prevenção à doença acarretou custos às mulheres, levando as mais pobres a deixarem de lado as práticas que requeriam gastos financeiros3030. Dantas Melo VA, Santos Silva JR, La Corte R. Use of mosquito repellents to protect against Zika virus infection among pregnant women in Brazil. Public Health 2019; 171: 89-96. https://doi.org/10.1016/j.puhe.2019.04.002
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,3434. Stolow J, Kendall C, Pinheiro FML, Feitosa MCR, Furtado KAA, Martins AF, et al. Women’s perceptions of zika virus prevention recommendations in Fortaleza, Brazil. J Prev Health Promot 2020; 1(2): 288-314. https://doi.org/10.1177/2632077020970875
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. É o caso do repelente, que, quando não ofertado gratuitamente, sua aquisição implica em custos adicionais para a família.

Conforme Dorsett et al.3535. Dorsett C, Oh H, Paulemond ML, Rychtář J. Optimal repellent usage to combat dengue fever. Bull Math Biol 2016; 78(5): 916-22. https://doi.org/10.1007/s11538-016-0167-z
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, o uso do repelente de forma voluntária não levaria à erradicação da doença, porém, quando seu acesso é possibilitado e ampliado, seja em custos mais acessíveis ou distribuídos gratuitamente, sua eficácia aumenta e fornece uma maior proteção à coletividade.

Diante disso, a descontinuidade da política de oferta do repelente no Brasil, em 2019, impactará no acesso à medida, principalmente por mulheres mais desfavorecidas, aumentando o risco de exposição ao vírus e a possibilidade de novas epidemias. O fim da política de distribuição do repelente ocorreu um mês antes do término da coleta de dados da coorte, impossibilitando a análise do impacto no acesso à medida após esse período.

Acessar o produto não torna o seu uso garantido. Nesta pesquisa, orientações fornecidas por profissionais da saúde e pela mídia favoreceram a prática do uso de repelente, dado também encontrado em outros estudos2828. Pires LC, Dantas LR, Witkin SS, Bertozzi APAP, Dezena RCAB, Rodrigues MMD, et al. Knowledge of zika virus transmission and its prevention among high-risk pregnant women in Brazil. Viruses 2021; 13(2): 242. https://doi.org/10.3390/v13020242
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,3030. Dantas Melo VA, Santos Silva JR, La Corte R. Use of mosquito repellents to protect against Zika virus infection among pregnant women in Brazil. Public Health 2019; 171: 89-96. https://doi.org/10.1016/j.puhe.2019.04.002
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. Em contrapartida, a informação só pareceu fazer diferença para uma parcela de mulheres expostas às recomendações. Pesquisa realizada na Colômbia, entre 2017 e 2018, identificou entre as gestantes um elevado conhecimento sobre Zika e suas formas de transmissão, entretanto, esses fatores não resultaram em impacto na mudança de comportamento e adesão às medidas de proteção3636. Burkel VK, Newton SM, Acosta J, Valencia D, Benavides M, Tong VT, et al. Zika virus knowledge, attitudes and prevention behaviors among pregnant women in the ZEN cohort study, Colombia, 2017–2018. Trans R Soc Trop Med Hyg 2023; 117(7): 496-504. https://doi.org/10.1093/trstmh/trad005
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.

O fornecimento de orientações sem considerar as características do público-alvo, as mudanças comportamentais e a aplicação dos avanços da teoria e prática da comunicação em saúde2727. Piltch-Loeb R, Abramson DM, Merdjanoff AA. Risk salience of a novel virus: US population risk perception, knowledge, and receptivity to public health interventions regarding the Zika virus prior to local transmission. PLoS One 2017; 12(12): e0188666. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0188666
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,3434. Stolow J, Kendall C, Pinheiro FML, Feitosa MCR, Furtado KAA, Martins AF, et al. Women’s perceptions of zika virus prevention recommendations in Fortaleza, Brazil. J Prev Health Promot 2020; 1(2): 288-314. https://doi.org/10.1177/2632077020970875
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, reflete na baixa adesão à medida ou no uso irregular, mesmo quando uma estratégia preventiva é acessada28,29,37.

Salienta-se que após a queda dos casos de Zika e dos nascimentos de crianças com síndromes congênitas relacionadas ao Zika vírus, houve uma redução na propagação de orientações de combate às arboviroses. Não obstante, o enfrentamento à situação pandêmica do Sars-Cov-2, em 2020, camuflou a atenção às arboviroses3838. Azevedo C. Pandemia pode mascarar casos de arboviroses, indica seminário [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021 [cited on July 14, 2022]. Available at: https://portal.fiocruz.br/noticia/pandemia-pode-mascarar-casos-de-arboviroses-indica-seminario
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, provocando uma subnotificação de casos e relaxamento das medidas de saúde pública.

Diante desse cenário, o Brasil vem registrando uma elevação dos casos de Dengue, Chikungunya e Zika3939. Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de arboviroses até a semana epidemiológica 31 de 2022 [Internet]. Boletim Epidemiológico 2022; 53 [cited on Nov. 08, 2022]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2022/boletim-epidemiologico-vol-53-no30.pdf
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,4040. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento das arboviroses urbanas: semanas epidemiológicas 1 a 35 de 2023 [Internet]. Boletim Epidemiológico 2023; 54. [cited on Dec. 01, 2023]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2023/boletim-epidemiologico-volume-54-no-13#:~:text=No%20per%C3%ADodo%20compreendido%20entre%20a,18.564%20de%20DSA%20e%20DG
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. O aumento de casos atrelado às condições socioeconômicas da população agravadas pela pandemia da COVID-19 pode transformar a Zika e demais arboviroses em um verdadeiro desastre social, econômico e de saúde pública no país, se não forem prevenidas e controladas.

Este estudo apresenta limitações, dentre elas a homogeneidade da amostra que, em virtude dos propósitos do estudo, não torna possível extrapolar os dados para grupos de maior vantagem socioambiental e econômica. Além disso, podem existir vieses de perdas de seguimento ocorridos na segunda onda, mesmo após tentativas de contato através de ligações telefônicas e apoio dos agentes de saúde. Identificou-se diferenças estatísticas entre as ondas para as variáveis situação de trabalho e orientações fornecidas por profissionais da saúde e pela mídia. Para além das perdas de seguimento, entendemos que a instabilidade econômica do Brasil refletiu nas altas taxas de desemprego, sendo agravadas no período da coorte. Sobre as orientações do uso de repelente, viu-se uma queda na disseminação de informações ao passo que se distanciava no início da epidemia, provocando diferenças entre as ondas da coorte. Ademais, as informações coletadas foram autorreferidas pelas participantes, podendo existir vieses de memória que, para minimizá-los, se utilizou de métodos recordatórios durante a entrevista, sendo relembrado às participantes os anos referentes à epidemia e acontecimentos relacionados. Por fim, a identificação do uso de repelente não considerou a frequência das aplicações, não sendo possível garantir que ocorreu conforme as orientações do produto4141. Tavares M, Silva MRM, Siqueira LBO, Rodrigues RAS, Bodjolle-d’Almeira L, Santos EP, et al. Trends in insect repellent formulations: a review. Int J Pharm 2018; 539(1-2): 190-209. https://doi.org/10.1016/j.ijpharm.2018.01.046
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.

Apesar dessas limitações, este estudo tem potencial para apoiar a realização de outras pesquisas ao apresentar achados relevantes e orientar os órgãos governamentais na formulação de políticas públicas para a prevenção às arboviroses. Ao adotar o delineamento do tipo coorte, foi possível identificar fatores que influenciam, ao longo do tempo, o uso de repelente como medida de proteção pessoal entre mulheres em idade fértil, grávidas e não grávidas.

Por fim, este estudo conclui que o uso do repelente como medida de proteção pessoal entre mulheres em idade fértil mostrou-se associado a um maior nível de escolaridade, ao emprego, às orientações fornecidas por profissionais de saúde e mídia e, especialmente, à gravidez e às mudanças comportamentais voltadas para o cuidado contra a Zika e demais arboviroses. Todavia, o perfil socioeconômico atrelado ao uso da medida não representa uma grande parcela da população brasileira, fazendo-se necessário o fortalecimento de políticas públicas que garantam o acesso à educação, aos serviços e aos meios de proteção pessoal e domiciliar recomendados. Diante disso, essa pesquisa recomenda o fornecimento de repelente às mulheres em idade fértil, moradoras de áreas endêmicas e com baixa condição socioeconômica, aliado ao fornecimento de orientações seguras e confiáveis, utilizando-se uma linguagem acessível e praticável à realidade dessas mulheres e famílias para, assim, fortalecer o conhecimento e a adesão à medida e amenizar o alto risco de exposição ao vírus.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às agências de fomento CNPq, CAPES e FUNCAP, que tornaram possível a execução deste projeto e por proporcionarem o financiamento de bolsas de estudos aos alunos e pesquisadores. Às mulheres participantes da pesquisa, motivo maior deste estudo.

  • Fonte de financiamento: os autores divulgaram o recebimento do seguinte apoio financeiro para a execução da pesquisa. Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo no 440778/2016-6; 312493/2021-5; 350167/2022-2); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (processo no 88881.130806/2016-01; 88887.130795/2016-00); Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) (processo no 3898920/2017).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2023
  • Revisado
    11 Jan 2024
  • Aceito
    30 Jan 2024
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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