Condições socio-ocupacionais e saúde de pescadores expostos ao desastre-crime do petróleo em Pernambuco

José Erivaldo Gonçalves Ana Catarina Véras Medeiros Leite Verônica Maria Cadena Lima Wayner Vieira de Souza Rita de Cássia Franco Rego Mariana Olívia Santana dos Santos Idê Gomes Dantas Gurgel Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Descrever os perfis sociodemográfico e socio-ocupacional e efeitos na saúde dos pescadores artesanais de Pernambuco afetados pelo desastre-crime do petróleo no Brasil em 2019.

Métodos:

Estudo epidemiológico transversal, realizado em 16 municípios do litoral pernambucano, com amostra composta por 1.259 pescadores artesanais. Foi utilizado um questionário contendo 14 blocos, incluindo questões socioeconômicas, de exposição ao petróleo, entre outras. Foi realizada uma análise descritiva com cálculo de frequências simples e percentual.

Resultados:

No total, 95,1% das pessoas consideram a pesca como seu principal trabalho e 97% estavam exercendo essa atividade. Entre os pescadores, o local de pesca mais comum foi o mangue, e o fogo à lenha foi utilizado no processo de trabalho por cerca de 60% da população. Em relação a problemas de saúde, 34,4% relataram dor de cabeça forte ou enxaqueca e 28,2%, ardência nos olhos, no período de 1 a 3 meses após o derramamento de petróleo.

Conclusão:

As condições de trabalho, de saúde e de estilo de vida foram impactadas pelo desastre-crime do petróleo. Outras pesquisas deverão ser desenvolvidas para melhor compreender os danos da exposição ao petróleo e seus efeitos na saúde dos pescadores. Observar o perfil das pessoas que vivem nos territórios da pesca artesanal em Pernambuco é fundamental para políticas públicas e ações governamentais que promovam territórios saudáveis e sustentáveis.

Palavras-chave:
Epidemiologia descritiva; Derramamentos de petróleo; Saúde pública; Saúde ambiental

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA) considera as comunidades da pesca artesanal como “povos e comunidades com modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com os ambientes aquáticos”11. Brasil. Portaria no 2.311, de 23 de outubro de 2014. Altera a Portaria no 2.866/GM/MS, de 2 de dezembro de 2011, que institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF) [Internet]. 2014 [cited on July 29, 2024]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2311_23_10_2014.html
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. Os pescadores artesanais (PA) realizam atividades de pesca em pequena escala, desembarcados — como a pesca de mariscos, em que utilizam o fogo à lenha na etapa de processamento do pescado, ou em embarcações — pesca em rio ou mar aberto, para fins de comercialização e, para além desta condição, a pesca assume uma dimensão afetiva e de consumo alimentar dessas populações22. Rêgo RF, Müller JS, Falcão IR, Pena PGL. Vigilância em saúde do trabalhador da pesca artesanal na Baía de Todos os Santos: da invisibilidade à proposição de políticas públicas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Rev Bras Saúde Ocup 2018; 43(Suppl 1): e10s. https://doi.org/10.1590/2317-6369000003618
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Os PA possuem um modo de vida atrelado às condições produtivas saudáveis e sustentáveis e de subsistência do ambiente — mares, rios, estuários, manguezais, dentre outros22. Rêgo RF, Müller JS, Falcão IR, Pena PGL. Vigilância em saúde do trabalhador da pesca artesanal na Baía de Todos os Santos: da invisibilidade à proposição de políticas públicas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Rev Bras Saúde Ocup 2018; 43(Suppl 1): e10s. https://doi.org/10.1590/2317-6369000003618
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. Esses trabalhadores possuem uma autonomia de trabalho relativa, ameaçada por matrizes de desenvolvimento que inserem contextos de injustiça ambiental nos territórios33. Brandão CRA. A comunidade tradicional. In: Costa JBA, Luz C, orgs. Cerrados, gerais, sertão: comunidades tradicionais dos sertões roseanos. Montes Claros: Intermeios; 2010, p. 347-61.. A injustiça ambiental, de acordo com Acselrad44. Acselrad H. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. Estud Av 2010; 24(68): 103-19. https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000100010
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, é a exposição desigual de populações ao risco proveniente do modelo de acumulação de capital, introduzindo, nos territórios historicamente vulnerabilizados, novos processos que ampliam essa condição, tais como: especulação imobiliária, avanço da indústria petroquímica e implantação de complexos turísticos que incidem em questões sociais, econômicas, ecológicas e de saúde55. Ramalho CWN, Santos SO. O cotidiano das comunidades pesqueiras entre o petróleo e o novo coronavírus. In: Barros S, Medeiros A, Gomes EB, orgs. Conflitos socioambientais e violações de direitos humanos em comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil: relatório 2021. 2a ed. Olinda: Conselho Pastoral dos Pescadores; 2021. p. 224-9.,66. Santos MOS, Santos CPS, Alves MJCF, Gonçalves JE, Gurgel IGD. Oil in Northeast Brazil: mapping conflicts and impacts of the biggest disaster on the country’s coast. An Acad Bras Ciênc 2022; 94(suppl 2): e20220014. https://doi.org/10.1590/0001-3765202220220014
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O processo de vulnerabilização acontece mediante as correlações de forças sociais, econômicas e políticas nos territórios, causando impactos diretos nas tomadas de decisão da gestão em saúde, formação de políticas territoriais e das ações direcionadas para a prevenção e recuperação em casos como o desastre-crime do derramamento de petróleo que atingiu o litoral brasileiro em 2019, sobretudo a região Nordeste66. Santos MOS, Santos CPS, Alves MJCF, Gonçalves JE, Gurgel IGD. Oil in Northeast Brazil: mapping conflicts and impacts of the biggest disaster on the country’s coast. An Acad Bras Ciênc 2022; 94(suppl 2): e20220014. https://doi.org/10.1590/0001-3765202220220014
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,77. Porto MFS. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça ambiental: Um ensaio de epistemologia política. Rev Crit Cienc Sociais 2011; 93: 31-58. https://doi.org/10.4000/rccs.133
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. Esse desastre-crime, considerado uma tragédia socioambiental e um dos maiores ocorridos no atlântico Sul e o maior da costa brasileira, causou impactos ambientais, socioeconômicos e na saúde, refletidos na exposição ao petróleo, insegurança alimentar, vulnerabilidade econômica e contaminação do ambiente — principalmente para as comunidades da pesca artesanal que vivem diretamente da biodiversidade pesqueira55. Ramalho CWN, Santos SO. O cotidiano das comunidades pesqueiras entre o petróleo e o novo coronavírus. In: Barros S, Medeiros A, Gomes EB, orgs. Conflitos socioambientais e violações de direitos humanos em comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil: relatório 2021. 2a ed. Olinda: Conselho Pastoral dos Pescadores; 2021. p. 224-9.,66. Santos MOS, Santos CPS, Alves MJCF, Gonçalves JE, Gurgel IGD. Oil in Northeast Brazil: mapping conflicts and impacts of the biggest disaster on the country’s coast. An Acad Bras Ciênc 2022; 94(suppl 2): e20220014. https://doi.org/10.1590/0001-3765202220220014
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Em relação à saúde humana, centenas de pessoas foram expostas diretamente ao petróleo durante a atuação na limpeza das praias, subdimensionando os efeitos na saúde55. Ramalho CWN, Santos SO. O cotidiano das comunidades pesqueiras entre o petróleo e o novo coronavírus. In: Barros S, Medeiros A, Gomes EB, orgs. Conflitos socioambientais e violações de direitos humanos em comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil: relatório 2021. 2a ed. Olinda: Conselho Pastoral dos Pescadores; 2021. p. 224-9.. A exposição ao petróleo pode gerar efeitos na saúde mental e física, com repercussões genotóxicas e imunotóxicas e toxicidade endócrina, as quais podem se manifestar anos após a exposição, sendo mulheres, idosos e crianças os mais suscetíveis88. Laffon B, Pasáro E, Valdiglesias V. Effects of exposure to oil spills on human health: updated review. J Toxicol Environ Health B Crit Rev 2016; 19(3-4): 105-28. https://doi.org/10.1080/10937404.2016.1168730
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Apesar da importância cultural e produtiva dessas populações, os registros dos trabalhadores da pesca artesanal estão desatualizados, e os dados existentes não seguem um padrão de organização e uniformização, dificultando a obtenção de informações fidedignas99. Mendonça JT, Mattos SMG. Panorama da política pesqueira no Brasil em 2020. In: Barros S, Medeiros A, Gomes EB, orgs. Conflitos socioambientais e violações de direitos humanos em comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil: relatório 2021. 2a ed. Olinda: Conselho Pastoral dos Pescadores; 2021. p. 189-93.. Associado à ausência de informações sobre o perfil dessa população, houve uma falha no monitoramento da exposição e dos casos de intoxicação durante o desastre-crime do petróleo, o que implicou em dificuldades nas tomadas de decisão para o enfrentamento do desastre e a implementação de ações sociais e em saúde para comunidades atingidas1010. Freitas PAN, Machado RM, Silva ES, Santos MOS, Gurgel IGD. Derramamento de petróleo e responsabilização do Estado: desafios da pesca artesanal em Pernambuco/Brasil. SER Social 2023; 27(53): 314-40. https://doi.org/10.26512/ser_social.v25i53.46248
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. A ausência de informações também provocou morosidade na ativação de planos de contingência e negligência em alguns cenários66. Santos MOS, Santos CPS, Alves MJCF, Gonçalves JE, Gurgel IGD. Oil in Northeast Brazil: mapping conflicts and impacts of the biggest disaster on the country’s coast. An Acad Bras Ciênc 2022; 94(suppl 2): e20220014. https://doi.org/10.1590/0001-3765202220220014
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O conhecimento dos aspectos gerais e singulares dessas comunidades é fundamental para o subsídio de ações e políticas sociais e em saúde que podem ser implementadas de forma eficiente nos territórios. Assim, este artigo pretende descrever e analisar as características socio-ocupacionais e alguns efeitos na saúde de pescadores expostos ao desastre-crime do petróleo em 2019 no estado de Pernambuco.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico de corte transversal, realizado na região Nordeste do Brasil com dados coletados em 16 municípios do litoral de Pernambuco afetados pelo desastre-crime do petróleo em 2019, sendo eles: Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Rio Formoso, Sirinhaém, Tamandaré, Barreiros, São José da Coroa Grande, Goiana, Igarassu, Itapissuma, Itamaracá, Recife, Jaboatão dos Guararapes, Paulista, Olinda, Abreu e Lima.

Foi utilizado, como instrumento de pesquisa, um questionário validado contendo 13 blocos de questões abordando variáveis de exposição ao petróleo e caracterização das condições sociais, ambientais, econômicas e de saúde da população entrevistada1111. Rêgo RCF, Machado LOR, Mota LSR, Caldas WM, Lima VMC, Muller JS. Pesquisa para monitorar os possíveis efeitos à saúde da exposição ao petróleo na população atingida pelo desastre de derramamento de Petróleo na Costa brasileira no ano de 2019: Relatório de Execução. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2024.. Foram acrescidas ao questionário original mais um bloco com variáveis relacionadas à saúde mental, constituindo no total 14 blocos e 361 perguntas. Para aplicação do questionário, foi utilizado o aplicativo offline HCMaps em tablets eletrônicos, e cada questionário durou em média 60 minutos de aplicação1212. Duarte KVN, Machado AS, Cesse EAP, Bezerra HMC, Chagas MBR, Carvalho EMF. Contribuições de um sistema tecnológico para a construção de ecomapas na atenção aos usuários hipertensos e diabéticos: estudo de caso com equipes NASF. Rev APS 2018; 21(4): 534-50. https://doi.org/10.34019/1809-8363.2018.v21.16411
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. A coleta de dados ocorreu entre setembro de 2021 e agosto de 2022.

A população do estudo foi composta por 12.472 pescadores, registrados nas 27 colônias e/ou associações de pescadores(as) do litoral de Pernambuco1313. Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco. Cadastro de pescadores(as) atingidos(as) pelo derramamento de petróleo em Pernambuco. Recife: Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco; 2019.. Os critérios de inclusão dos participantes foram: indivíduos maiores de 18 anos e trabalhadores da pesca artesanal que exerciam a atividade durante o período do desastre-crime do petróleo. Como critério de exclusão, foram dispensados trabalhadores aposentados e/ou que estavam afastados do trabalho durante o desastre-crime do petróleo.

Para definição da amostra, o litoral pernambucano foi estratificado em três segmentos (Norte, Metropolitano e Sul), adotando um efeito de estudo de 1.5 com prevalência de 40% para efeitos na saúde1414. Zock JP, Rodríguez-Trigo G, Rodríguez-Rodríguez E, Espinosa A, Pozo-Rodríguez F, Gómez F, et al. Persistent respiratory symptoms in clean-up workers 5 years after the Prestige oil spill. Occup Environ Med 2012; 69(7): 508-13. https://doi.org/10.1136/oemed-2011-100614
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, erro de 3,5% e confiança de 95%, resultando em um tamanho de amostra mínimo de 1.065 indivíduos. Foram adicionadas ao valor amostral as possibilidades de perdas na ordem de 25%, resultando em uma amostra de 1.331 pessoas. Devido ao número de cadastrados ser aproximadamente 1/3 do total da população, foi realizada uma distribuição proporcional para cada litoral e em seguida pelas associações/colônias de cada município. Após a finalização do trabalho de campo, foi realizada a adequação aos critérios de inclusão e exclusão da pesquisa, obtendo-se uma amostra final de 1.259 pessoas, superando em aproximadamente 18% o tamanho mínimo de amostra previsto.

Para este estudo, foram considerados os blocos relacionados às condições sociodemográficas, de saúde e trabalho, utilizando-se as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, raça/cor da pele, escolaridade, trabalho principal, trabalho na pesca/mariscagem, trabalho além da pesca, locais de pesca, tipo de fogão utilizado para o trabalho, interrupção da atividade devido ao derramamento de petróleo, danos ocasionados às áreas habituais de pesca, localização de petróleo enquanto pescava e principais frequências de sintomas apresentados no período de 1–3 meses após o início do derramamento de óleo/petróleo (nariz entupido, coceira ou corrimento nasal, forte dor de cabeça ou enxaqueca, olhos lacrimejantes ou com coceira, ardência nos olhos). Para a análise dos dados, foram calculadas as frequências absoluta e relativa percentual das variáveis selecionadas, através da plataforma computacional R v. 4.2.1 — disponível gratuitamente em cran.r-project.org.

RESULTADOS

Entre os 1.259 indivíduos participantes do estudo, 852 (67,7%) eram do sexo feminino, 616 (48,9%) possuíam idades na faixa etária de 45-59 anos e 1.068 (84,8%) pessoas se autodeclararam pardas e pretas; em relação à escolaridade, 71 (5,6%) eram analfabetos e 699 (55,6%) possuíam o ensino fundamental incompleto (EFI) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das variáveis sociodemográficas de pescadores artesanais nos municípios do litoral de Pernambuco, 2024.

A pesca artesanal foi considerada como o principal trabalho por 1.197 (95,1%) entrevistados, e 1.208 (95,9%) estavam trabalhando no processo produtivo da pesca. Dentre os que exerciam outras atividades além da pesca, somam-se 62 (26,2%) indivíduos. Quanto ao ambiente de trabalho da pesca artesanal, 644 (51,2%) tinham o mangue como seu lugar de trabalho. Por sua vez, o fogão à lenha para o trabalho é utilizado por 756 (60%) deles (Tabela 2).

Tabela 2
Condições de trabalho de pescadores artesanais dos municípios do litoral de Pernambuco afetados pelo desastre-crime do petróleo, 2024.

Observando a atividade da pesca e o desastre-crime do petróleo, 1.094 (86,9%) entrevistados interromperam a atividade laboral por conta do derramamento de petróleo. No que diz respeito aos danos às áreas habituais da pesca, 1.205 (95,7%) entrevistados afirmaram danos ocasionados pelo desastre e 873 (69,3%) encontraram petróleo enquanto pescavam (Tabela 3).

Tabela 3
Condições de trabalho e saúde de pescadores artesanais dos municípios do litoral de Pernambuco afetados pelo desastre-crime do petróleo, 2024.

Dentre os sintomas autorreferidos pela população após a exposição, durante o período de um a três meses após o desastre-crime do petróleo, os sintomas neurológicos dor de cabeça ou enxaqueca se apresentaram como dois dos mais frequentes, 433 (34%), seguidos do sintoma do sistema ocular ardência nos olhos para 355 (28,2%) e pelo nariz entupido, coceira ou corrimento nasal, sintomas do sistema respiratório, para 336 (26,7%) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A maioria dos participantes deste estudo são mulheres e pessoas negras com um nível escolar até ensino fundamental incompleto, com perfil etário entre 45 e 59 anos, que considera a pesca como seu principal trabalho e estão em atividade. O mangue foi o ambiente mais frequentemente mencionado enquanto local de pesca, e o fogo a lenha utilizado durante o processo de trabalho foi relatado por mais da metade dos participantes. Verificou-se que a maioria dos entrevistados parou de pescar durante o evento e que o desastre causou danos aos locais de pesca. Em relação à exposição ao petróleo, uma grande porcentagem encontrou petróleo enquanto trabalhava, e cerca de 1/3 dos entrevistados relatou a presença de sintomas relacionados ao sistema nervoso, ocular e respiratório.

Na amostra, 67,7% de entrevistados eram do sexo feminino, estatística semelhante aos dados recentes do Ministério da Pesca e Aquicultura (2023)1515. Brasil. Ministério da Pesca e Aquicultura. Brasil tem mais de 1 milhão de pescadores profissionais e 49% são mulheres [Internet]. 2023 [cited on July 29, 2024]. Available at: https://www.gov.br/mpa/pt-br/assuntos/noticias/brasil-tem-mais-de-1-milhao-de-pescadores-profissionais-e-49-sao-mulheres#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20recente,de%20participação%20feminina%20no%20of%C3%ADcio
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, que divulgou informações sobre a população da pesca artesanal, evidenciando um número maior de mulheres pescadoras em relação aos homens em Pernambuco1515. Brasil. Ministério da Pesca e Aquicultura. Brasil tem mais de 1 milhão de pescadores profissionais e 49% são mulheres [Internet]. 2023 [cited on July 29, 2024]. Available at: https://www.gov.br/mpa/pt-br/assuntos/noticias/brasil-tem-mais-de-1-milhao-de-pescadores-profissionais-e-49-sao-mulheres#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20recente,de%20participação%20feminina%20no%20of%C3%ADcio
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. Pena et al.1616. Pena PGL, Martins V, Rego RF. Por uma política para a saúde do trabalhador não assalariado: o caso dos pescadores artesanais e das marisqueiras. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38(127): 57-68. https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100009
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identificaram que a maior parte dos trabalhadores da pesca artesanal atuam na coleta de mariscos, nos mangues e na areia, sendo este um trabalho predominantemente feminino. Apesar de as mulheres terem destaque no trabalho da pesca, elas são muitas vezes invisibilizadas1717. Gomes TMD, Lima MAG, Freitas MCS. Marisqueiras da Ilha das Fontes: descrição do trabalho e da tradição incorporadas na pesca artesanal. In: Fernandes RCP, Lima MAG, Araújo TM. Tópicos em saúde, ambiente e trabalho: um olhar ampliado. Salvador: EDUFBA; 2014. p. 129-52. https://doi.org/10.7476/9786556300122.0008
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,1818. Flores MG, Medeiros ACLV, Peixinho BC, Nepomuceno MM, Nascimento EF, Gurgel AM, et al. Processos críticos protetores e destrutivos no trabalho das pescadoras artesanais do litoral Pernambucano, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2024; 29(7): e03612024. https://doi.org/10.1590/1413-81232024297.03612024
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A proporção de pessoas da cor/raça negra entrevistadas foi similar à encontrada no estudo de Mesquita e Quinamo1919. Mesquita B, Quinamo T. Justiça azul e pesca artesanal no centro do debate do derramamento de petróleo no Brasil. In: Fundação Joaquim Nabuco. Impactos socioeconômicos e ambientais da contaminação por petróleo nas praias do litoral da região nordeste do Brasil – Relatório parcial [Internet]. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; 2020. p. 1-40 [cited on May 08, 2024]. Available at: https://www.gov.br/fundaj/pt-br/composicao/dipes-1/grupos-de-pesquisa-fundaj-cnpq/nucleos-e-centros/centro-integrado-de-estudos-georreferenciados-cieg/petroleo-nas-praias/IMPACTOS_SOCIOECONOMICOS_E_AMBIENTAIS_NAS_PRAIAS_DO_LITORAL_NORDESTE.pdf
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, reforçando a historicidade e a representação negra na história da pesca artesanal no Brasil1717. Gomes TMD, Lima MAG, Freitas MCS. Marisqueiras da Ilha das Fontes: descrição do trabalho e da tradição incorporadas na pesca artesanal. In: Fernandes RCP, Lima MAG, Araújo TM. Tópicos em saúde, ambiente e trabalho: um olhar ampliado. Salvador: EDUFBA; 2014. p. 129-52. https://doi.org/10.7476/9786556300122.0008
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,1818. Flores MG, Medeiros ACLV, Peixinho BC, Nepomuceno MM, Nascimento EF, Gurgel AM, et al. Processos críticos protetores e destrutivos no trabalho das pescadoras artesanais do litoral Pernambucano, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2024; 29(7): e03612024. https://doi.org/10.1590/1413-81232024297.03612024
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,2020. Ramalho CWN. A formação histórica da pesca artesanal: origens de uma cultura do trabalho apoiada no sentimento de arte e de liberdade. Cadernos de Estudos Sociais 2008; 24(2): 261-85.. Há uma concentração de pessoas entre 45 e 59 anos, que incide uma questão geracional no trabalho e na manutenção da pesca artesanal1616. Pena PGL, Martins V, Rego RF. Por uma política para a saúde do trabalhador não assalariado: o caso dos pescadores artesanais e das marisqueiras. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38(127): 57-68. https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100009
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O contexto de injustiça e racismo socioambiental é responsável, em grande medida, pela falta ou dificuldade do acesso à educação formal nos territórios da pesca artesanal, o que repercute de forma negativa na saúde e na construção de uma vida digna e feliz2121. Souza VM, Loureiro CFB. Povos tradicionais caiçaras, educação escolar e justiça ambiental na Península da Juatinga, Paraty-RJ. Ambiente & Educação: Revista de Educação Ambiental 2018; 23(1): 54-78. https://doi.org/10.14295/ambeduc.v23i1.7214
https://doi.org/10.14295/ambeduc.v23i1.7...
. Alencar e Maia2222. Alencar CAG, Maia LP. Perfil socioeconômico dos pescadores brasileiros. Arq Ciên Mar 2011; 44(3): 12-9. https://doi.org/10.32360/acmar.v44i3.149
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mostram em seu estudo que cerca de 75% dos pescadores brasileiros não concluíram o ensino fundamental. No Nordeste, cerca de 69,4% dos pescadores têm o ensino fundamental incompleto1919. Mesquita B, Quinamo T. Justiça azul e pesca artesanal no centro do debate do derramamento de petróleo no Brasil. In: Fundação Joaquim Nabuco. Impactos socioeconômicos e ambientais da contaminação por petróleo nas praias do litoral da região nordeste do Brasil – Relatório parcial [Internet]. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; 2020. p. 1-40 [cited on May 08, 2024]. Available at: https://www.gov.br/fundaj/pt-br/composicao/dipes-1/grupos-de-pesquisa-fundaj-cnpq/nucleos-e-centros/centro-integrado-de-estudos-georreferenciados-cieg/petroleo-nas-praias/IMPACTOS_SOCIOECONOMICOS_E_AMBIENTAIS_NAS_PRAIAS_DO_LITORAL_NORDESTE.pdf
https://www.gov.br/fundaj/pt-br/composic...
, proporção similar ao encontrado no presente estudo. São necessárias estratégias de educação que valorizem o conhecimento popular e o científico articulados, de forma que se compreenda e se integre o modo de vida dessas comunidades e o processo de trabalho desses pescadores — valorizando, assim, a pesca artesanal, a mobilização de saberes tradicionais e a garantia do direito ao trabalho digno, à saúde e à vida1616. Pena PGL, Martins V, Rego RF. Por uma política para a saúde do trabalhador não assalariado: o caso dos pescadores artesanais e das marisqueiras. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38(127): 57-68. https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100009
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,2323. Carvalho IGS, Rêgo RCF, Larrea-Killinger C, Rocha JCS, Pena PGL, Machado LOR. Por um diálogo de saberes entre pescadores artesanais, marisqueiras e o direito ambiental do trabalho Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(10): 4011-22. https://doi.org/10.1590/1413-812320141910.09432014
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,2424. Nascimento CHV, Rodrigues GG. Impactos socioambientais e implicações na pesca artesanal das comunidades beneficiárias da RESEX Acaú-Goiana. PerCursos 2022; 23(53): 240-61. https://doi.org/10.5965/1984724623532022240
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A estrutura governativa da pesca artesanal no país apresenta condições que, muitas vezes, deslegitimam o exercício representativo e autônomo dos pescadores2525. Gonçalves JE, Machado RM, Gurgel AM, Rego RCF, Santos MOS, Gurgel IGD. Determinação social da saúde de trabalhadores da pesca artesanal em desastres com petróleo. Sustainability in Debate 2023; 14(2): 55-67. https://doi.org/10.18472/SustDeb.v14n2.2023.49625
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. A relação desses indivíduos com o território e o trabalho é traçada a partir de cosmovisões e constructos culturais, sociais e identitários que transpassam a lógica extrativista e puramente comercial1616. Pena PGL, Martins V, Rego RF. Por uma política para a saúde do trabalhador não assalariado: o caso dos pescadores artesanais e das marisqueiras. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38(127): 57-68. https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100009
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,2020. Ramalho CWN. A formação histórica da pesca artesanal: origens de uma cultura do trabalho apoiada no sentimento de arte e de liberdade. Cadernos de Estudos Sociais 2008; 24(2): 261-85.. Isso significa que qualquer mudança ou alteração que tenha impacto no processo de trabalho da pesca pode configurar cenários de insegurança alimentar — visto que parte do pescado é para consumo próprio —, insegurança socioeconômica, alteração no modo de vida tradicional e agravos à saúde física e mental1010. Freitas PAN, Machado RM, Silva ES, Santos MOS, Gurgel IGD. Derramamento de petróleo e responsabilização do Estado: desafios da pesca artesanal em Pernambuco/Brasil. SER Social 2023; 27(53): 314-40. https://doi.org/10.26512/ser_social.v25i53.46248
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,2626. Santos MOS, Alves SG, Mertens FAG, Gurgel IGD, Augusto LGS. Excluídas pelo desenvolvimento: mulheres e o complexo industrial portuário de Suape. Revista de Geografia 2016; 33(3): 117-40..

O mangue, lugar onde mais da metade dos participantes deste estudo trabalha, foi afetado diretamente pelo derramamento de petróleo em 2019. Este ecossistema é considerado um berçário natural e, por isso, muito sensível às alterações ambientais, que podem provocar danos na estrutura genética das espécies que vivem ou se reproduzem nesse habitat, desencadeando efeitos em cascata de proporções micro e macroecológicas2727. Silva BRL, Rodrigues GG. Pescadoras e pescadores artesanais silenciados. Impactos socioambientais do derramamento de petróleo nas comunidades pesqueiras em Pernambuco. Mares: Revista de Geografia e Etnociências 2020; 2(2): 73-84.,2828. Silva FR, Schiavetti A, Malhado ACM, Ferreira B, Sousa CVP, Vieira FP, et al. Oil spill and socioeconomic vulnerability in marine protected areas. Front Mar Sci 2022; 9: 859697. https://doi.org/10.3389/fmars.2022.859697
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.

Além das repercussões no ambiente, os efeitos à saúde humana pela exposição ao petróleo são diversos, afetando a saúde física e mental, podendo apresentar-se de forma aguda ou crônica num espectro de tempo curto, médio ou longo88. Laffon B, Pasáro E, Valdiglesias V. Effects of exposure to oil spills on human health: updated review. J Toxicol Environ Health B Crit Rev 2016; 19(3-4): 105-28. https://doi.org/10.1080/10937404.2016.1168730
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,2929. Aguilera F, Mendez J, Pásaro E, Laffon B. Review on the effects of exposure to spilled oils on human health. J Appl Toxicol 2010; 30(4): 291-301. https://doi.org/10.1002/jat.1521
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. Os autores D’Andrea e Reddy3030. D’Andrea MA, Reddy GK. The development of long-term adverse health effects in oil spill cleanup workers of the deepwater horizon offshore drilling rig disaster. Front Public Health 2018; 6: 117. https://doi.org/10.3389/fpubh.2018.00117
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demonstraram o aparecimento de alterações ou piora de funções hematológicas, hepáticas, pulmonares e cardíacas em pessoas que trabalharam na limpeza durante o derramamento de petróleo na plataforma Deepwater Horizon, mesmo após sete anos da exposição3030. D’Andrea MA, Reddy GK. The development of long-term adverse health effects in oil spill cleanup workers of the deepwater horizon offshore drilling rig disaster. Front Public Health 2018; 6: 117. https://doi.org/10.3389/fpubh.2018.00117
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.

Há, também, evidências do aparecimento de dores de cabeça e sintomas oculares e respiratórios mesmo depois de 12 meses após a exposição inicial ao petróleo, registrando uma diminuição dos sintomas respiratórios em relação aos primeiros 30 dias3131. Na JU, Sim MS, Jo IJ, Song HG. The duration of acute health problems in people involved with the cleanup operation of the Hebei Spirit oil spill. Mar Pollut Bull 2012; 64(6): 1246-51. https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2012.03.013
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. Em recorte etário, Jung et al.3232. Jung SC, Kim KM, Lee KS, Roh S, Jeong WC, Kwak SJ, et al. Respiratory effects of the hebei spirit oil spill on children in taean, Korea. Allergy Asthma Immunol Res 2013; 5(6): 365-70. https://doi.org/10.4168/aair.2013.5.6.365
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apresentam que crianças que moravam nas proximidades de onde ocorreu o desastre Hebei Spirit Oil Spill, na Coreia do Sul, apresentavam uma maior prevalência de sintomas respiratórios do que aquelas que viviam longe da área de derramamento do petróleo3232. Jung SC, Kim KM, Lee KS, Roh S, Jeong WC, Kwak SJ, et al. Respiratory effects of the hebei spirit oil spill on children in taean, Korea. Allergy Asthma Immunol Res 2013; 5(6): 365-70. https://doi.org/10.4168/aair.2013.5.6.365
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.

Entre os componentes do petróleo, 16 hidrocarbonetos aromáticos (acenafteno, acenaftileno, antraceno, benzo(a)antraceno, benzo(a)pireno, benzo(b) fluoranteno, benzo(ghi)perileno, benzo(K)fluoranteno, criseno, dibenzo(a,h)antraceno, fluoranteno, fluoreno, indeno [1,2,3-c,d] pireno, fenantreno, pireno e naftaleno) estão sob monitoramento prioritário pela United States Environmental Protection Agency — USEPA3333. Gioda A, Tonietto GB, Leon AP. Exposição ao uso da lenha para cocção no Brasil e sua relação com os agravos à saúde da população. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(8): 3079-88. https://doi.org/10.1590/1413-81232018248.23492017
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. O benzeno é considerado uma substância cancerígena a qual não há um limiar seguro de exposição, classificado como um produto químico altamente nocivo para a saúde humana3434. United Nations Environmental Programme, Chemicals. Regionally based assessment of persistent toxic substances: Eastern and Western South America regional report [Internet]. Switzerland: Global Environment Facility; 2002 [cited on July 10, 2024]. Available at: https://digitallibrary.un.org/record/487296?ln=ar&v=pdf
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. A entrada do composto no organismo acontece prioritariamente por via respiratória, provocando sintomas agudos, como cefaleia, náuseas, taquicardia, dificuldade respiratória, perda da consciência; e crônicos, por exemplo, deficiência imunológica, desregulação do sistema hematológico com propensão a câncer, entre outros efeitos3535. Sheikh M, Poustchi H, Pourshams A, Khoshnia M, Gharavi A, Zahedi M, et al. Household fuel use and the risk of gastrointestinal cancers: the Golestan Cohort Study. Environ Health Perspect 2020; 128(6): 67002. https://doi.org/10.1289/EHP5907
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.

A fumaça do uso do fogão à lenha durante o processamento do marisco é outro fator de exposição química decorrente do processo de trabalho dessa população e que implica em efeitos na saúde1616. Pena PGL, Martins V, Rego RF. Por uma política para a saúde do trabalhador não assalariado: o caso dos pescadores artesanais e das marisqueiras. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38(127): 57-68. https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100009
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. A fumaça expelida durante a queima da madeira pode ser responsável pelo agravamento de doenças respiratórias e por aumentar o risco no desenvolvimento de diversos tipos de câncer do trato gastrointestinal3636. International Agency for Research on Cancer. Arsenic, metals, fibres, and dusts. A review of human carcinogens [Internet]. Lyon: IARC; 2012 [cited on July 11, 2024]. Available at: https://publications.iarc.fr/Book-And-Report-Series/Iarc-Monographs-On-The-Identification-Of-Carcinogenic-Hazards-To-Humans/Arsenic-Metals-Fibres-And-Dusts-2012
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,3737. Agency for Toxic Substances and Disease Registry. 2007 CER­CLA priority list of hazardous substances [Internet]. Atlanta: ATSDR; 2007 [cited on July 11, 2024]. Available at: https://www.atsdr.cdc.gov/spl/supportdocs/appendix-e.pdf
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, gerando maiores prejuízos na saúde quando associada aos efeitos de intoxicantes como agrotóxicos ou compostos do petróleo.

A intervenção dos grandes empreendimentos nos territórios, como a implantação de complexos petroquímicos e automobilísticos e a ocorrência de desastres naturais ou tecnológicos, como o ocorrido em 2019, levam a consequente contaminação do ecossistema costeiro, potencializando os riscos inerentes aos processos de trabalho e introduzindo outros agravos ao ambiente, à saúde, à vida e à reprodução social nessas comunidades1010. Freitas PAN, Machado RM, Silva ES, Santos MOS, Gurgel IGD. Derramamento de petróleo e responsabilização do Estado: desafios da pesca artesanal em Pernambuco/Brasil. SER Social 2023; 27(53): 314-40. https://doi.org/10.26512/ser_social.v25i53.46248
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,2323. Carvalho IGS, Rêgo RCF, Larrea-Killinger C, Rocha JCS, Pena PGL, Machado LOR. Por um diálogo de saberes entre pescadores artesanais, marisqueiras e o direito ambiental do trabalho Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(10): 4011-22. https://doi.org/10.1590/1413-812320141910.09432014
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,2424. Nascimento CHV, Rodrigues GG. Impactos socioambientais e implicações na pesca artesanal das comunidades beneficiárias da RESEX Acaú-Goiana. PerCursos 2022; 23(53): 240-61. https://doi.org/10.5965/1984724623532022240
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,2626. Santos MOS, Alves SG, Mertens FAG, Gurgel IGD, Augusto LGS. Excluídas pelo desenvolvimento: mulheres e o complexo industrial portuário de Suape. Revista de Geografia 2016; 33(3): 117-40..

É possível observar, neste estudo, vulnerabilidades historicamente imbricadas na reprodução social dessas comunidades no Brasil. Há um perfil de baixo nível de escolaridade, pessoas predominantemente negras, que dependem do trabalho da pesca artesanal e sobrevivem a partir da relação com o ambiente e de intervenções do antropoceno. A interrupção do trabalho e os danos causados ao ambiente de pesca podem ser percebidos como um possível fator de impacto nas condições de vida e na soberania alimentar dessas pessoas. Um estudo desenvolvido por Freitas et al.1010. Freitas PAN, Machado RM, Silva ES, Santos MOS, Gurgel IGD. Derramamento de petróleo e responsabilização do Estado: desafios da pesca artesanal em Pernambuco/Brasil. SER Social 2023; 27(53): 314-40. https://doi.org/10.26512/ser_social.v25i53.46248
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reforça impactos do derramamento do petróleo nessas comunidades.

Em relação à saúde, a presença dos sintomas sugere a necessidade de maiores investigações sobre a saúde e o processo de adoecimento dessas comunidades, podendo ser implementadas ações de monitoramento dos riscos à saúde e das pessoas expostas durante o derramamento de petróleo a fim de detectar precocemente os danos causados e os efeitos na saúde dessas comunidades88. Laffon B, Pasáro E, Valdiglesias V. Effects of exposure to oil spills on human health: updated review. J Toxicol Environ Health B Crit Rev 2016; 19(3-4): 105-28. https://doi.org/10.1080/10937404.2016.1168730
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Apresenta-se como limitações ser um estudo de corte transversal que considera a exposição e o efeito em um mesmo momento no tempo, não possibilitando o acompanhamento a longo prazo desses indivíduos e possíveis vieses de memória. Os resultados descritos contribuem para identificar o processo de exposição e a frequência de queixas de saúde relatadas pelos pescadores, sendo necessário outros estudos que aprofundem essa temática e viabilizem uma maior compreensão entre a exposição ao petróleo e a saúde dessas populações.

Observar o perfil das pessoas que vivem nos territórios da pesca artesanal em Pernambuco é fundamental para pensar estratégias de implementação de políticas públicas e ações governamentais para combater as injustiças socioambientais e o racismo ambiental, promovendo territórios saudáveis e sustentáveis que vivem em interdependência com o ambiente.

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  • Fonte de financiamento:

    Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS); Programa Fiocruz de fomento à Inovação – Inova Fiocruz – Encomendas Estratégicas, Territórios Sustentáveis e Saudáveis no contexto da pandemia Covid-19; Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (no 440784/2020-4); Ministério da Saúde do Brasil, Termo de Execução Descentralizada (TED no 49/2021); Ministério Tecnologia e Inovação (MCTI) INCT Ambtropic – Fase II (no 465634/2014-1).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2024
  • Aceito
    16 Ago 2024
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br