RESUMO
Objetivo:
Verificar o efeito da Atenção Primária à Saúde (APS) na associação entre multimorbidade e utilização dos serviços de emergência em adultos do Brasil.
Métodos:
Trata-se de um estudo transversal, de base domiciliar em âmbito nacional, sendo utilizados dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. A regressão de Poisson foi aplicada para avaliar a utilização do serviço de emergência entre pessoas com multimorbidade. Também foi avaliada a interação das variáveis cobertura de Saúde da Família e orientação para a APS nessas associações.
Resultados:
A prevalência de multimorbidade foi de 31,2% (IC95% 30,9–31,5), a cobertura de Saúde da Família foi de 71,8% (IC95% 71,4–72,0) e a baixa orientação dos serviços para a APS foi de 70% (IC95% 69,1–70,9). O uso do serviço de emergência apresentou uma prevalência de 2,0% (IC 95% 1,9–2,0), sendo duas vezes maior entre indivíduos com multimorbidade (3,1; IC95% 2,9–3,3) em comparação com aqueles sem essa condição (1,4; IC95% 1,3–1,5). No entanto, pessoas com multimorbidade e cobertura de Saúde da Família apresentaram prevalência de utilização de serviços de emergência 20% menor do que aquelas sem cobertura de Saúde da Família (RP 0,8; IC95% 0,6–0,9). A associação entre o uso do serviço de emergência e a multimorbidade não foi modificada pela avaliação do serviço, como altamente orientado para a APS (p=0,956).
Conclusão:
O estudo evidenciou que a cobertura de Saúde da Família exerceu um efeito positivo na associação entre multimorbidade e utilização dos serviços de emergência.
Palavras-chave:
Multimorbidade; Atenção primária à saúde; Serviços de saúde; Acesso aos serviços de saúde; Avaliação em saúde
INTRODUÇÃO
As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são o grupo de doenças de maior magnitude no país, representando um grande desafio para os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) devido à sua alta prevalência e à origem multifatorial11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.. Mesmo com o avanço diagnóstico e terapêutico, as taxas de controle das principais DCNT permanecem baixas, com essas doenças correspondendo a 54,7% dos óbitos registrados no Brasil em 201911 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.,22 Harzheim E, Santos CMJ, D’Avila OP, Wollmann L, Pinto LF. Bases para a reforma da Atenção Primária à Saúde no Brasil em 2019: mudanças estruturantes após 25 anos do Programa de Saúde da Família. Rev Bras Med Fam Comunidade 2020; 15(42): 2354. https://doi.org/10.5712/rbmfc15(42)2354
https://doi.org/10.5712/rbmfc15(42)2354... .
Nesse contexto, estudos sobre multimorbidade têm ganhado destaque tanto no Brasil quanto internacionalmente. Embora existam diferentes definições na literatura, a mais comum descreve a multimorbidade como a presença de duas ou mais doenças em um indivíduo, e a prevalência estimada pode variar conforme a definição utilizada33 Skou ST, Mair FS, Fortin M, Guthrie B, Nunes BP, Miranda JJ, et al. Multimorbidity. Nat Rev Dis Primers 2022; 8(1): 48. https://doi.org/10.1038/s41572-022-00376-4
https://doi.org/10.1038/s41572-022-00376... . Uma pesquisa realizada em 14 países europeus e em Israel revelou uma prevalência de multimorbidade de 31,4% (IC95% 30,7–32,2) entre pessoas com 50 anos ou mais44 Nielsen CR, Halling A, Andersen-Ranberg K. Disparities in multimorbidity across Europe – findings from the SHARE survey. Eur Geriatr Med 2017; 8(1): 16-21. https://doi.org/10.1016/j.eurger.2016.11.010
https://doi.org/10.1016/j.eurger.2016.11... . No Brasil, a prevalência de multimorbidade na mesma faixa etária foi estimada em 67,8% (IC95% 65,6–69,9)55 Nunes BP, Batista SRR, Andrade FB, Souza-Júnior PRB, Lima-Costa MF, Facchini LA. Multimorbidade em indivíduos com 50 anos ou mais de idade: ELSI-Brasil. Rev Saúde Pública 2018; 52 Supl 2: 10s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000637
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A multimorbidade é considerada um dos principais preditores do uso frequente dos serviços de emergência, estando fortemente associada ao aumento das hospitalizações e visitas ao pronto-socorro. Características como idade avançada, baixa renda e menor nível de escolaridade amplificam essa relação66 Giannouchos TV, Kum HC, Foster MJ, Ohsfeldt RL. Characteristics and predictors of adult frequent emergency department users in the United States: a systematic literature review. J Eval Clin Pract 2019; 25(3): 420-33. https://doi.org/10.1111/jep.13137
https://doi.org/10.1111/jep.13137... ,77 Fisher KA, Griffith LE, Gruneir A, Upshur R, Perez R, Favotto L, et al. Effect of socio-demographic and health factors on the association between multimorbidity and acute care service use: population-based survey linked to health administrative data. BMC Health Serv Res 2021; 21(1): 62. https://doi.org/10.1186/s12913-020-06032-5
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Como primeiro nível de atenção e principal porta de entrada do sistema de saúde brasileiro, a APS é composta por equipes multidisciplinares que cobrem toda a população, integrando e coordenando o cuidado para atender às necessidades de saúde das pessoas em seu território. Desempenhando um papel estratégico em uma rede poliárquica de atenção à saúde, a APS é fundamental para o ordenamento do sistema e para garantir um cuidado integral, resolutivo e acessível88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.,99 Almeida ER, Sousa ANA, Brandão CC, Carvalho FFB, Tavares G, Silva KC. Política Nacional de Atenção Básica no Brasil: uma análise do processo de revisão (2015–2017). Rev Panam Salud Publica 2018; 42: e180. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.180
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No Brasil, apesar dos esforços para a consolidação da APS e dos importantes resultados alcançados com a ampliação da cobertura e sua efetividade1010 Macinko J, Mendonça CS. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. Saúde Debate 2018; 42 (spe 1): 18-37. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S102
https://doi.org/10.1590/0103-11042018S10... , ainda existem entraves para a operacionalização de um serviço qualificado e eficiente que impactam diretamente a rede de atenção à saúde1111 Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, Andrade GCL. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saúde Debate 2018; 42 (spe 1): 38-51. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S103
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Quando a APS oferece acesso facilitado aos serviços, os usuários tendem a procurá-la para necessidades de saúde menos urgentes e, ao estabelecerem um relacionamento de confiança, são mais propensos a buscar cuidados preventivos e contínuos. Esse cenário, combinado com uma coordenação eficaz do cuidado, pode atenuar agravamentos de condições crônicas, crises agudas, visitas repetidas aos serviços de emergência e internações desnecessárias1212 Kraaijvanger N, van Leeuwen H, Rijpsma D, Edwards M. Motives for self-referral to the emergency department: a systematic review of the literature. BMC Health Serv Res 2016; 16(1): 685. https://doi.org/10.1186/s12913-016-1935-z
https://doi.org/10.1186/s12913-016-1935-... –1414 Morley C, Unwin M, Peterson GM, Stankovich J, Kinsman L. Emergency department crowding: A systematic review of causes, consequences and solutions. PLoS One 2018; 13(8): e0203316. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0203316
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No entanto, mesmo com o vínculo com a APS, indivíduos com multimorbidade frequentemente recorrem aos serviços de emergência, sugerindo que essa condição por si só é um preditor significativo para o uso desses serviços66 Giannouchos TV, Kum HC, Foster MJ, Ohsfeldt RL. Characteristics and predictors of adult frequent emergency department users in the United States: a systematic literature review. J Eval Clin Pract 2019; 25(3): 420-33. https://doi.org/10.1111/jep.13137
https://doi.org/10.1111/jep.13137... ,77 Fisher KA, Griffith LE, Gruneir A, Upshur R, Perez R, Favotto L, et al. Effect of socio-demographic and health factors on the association between multimorbidity and acute care service use: population-based survey linked to health administrative data. BMC Health Serv Res 2021; 21(1): 62. https://doi.org/10.1186/s12913-020-06032-5
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Embora a literatura mencione a influência das características da APS na utilização dos serviços de emergência, ainda há uma escassez de estudos que investiguem empiricamente essa relação ou que explorem mais profundamente a interação no contexto da multimorbidade. Diante do exposto, o presente estudo objetiva verificar o efeito da APS na associação entre multimorbidade e utilização dos serviços de emergência em adultos no Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, de base domiciliar em âmbito nacional, sendo utilizados dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 20191515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..
A amostra é representativa da população brasileira residente em domicílios particulares permanentes, desagregados por áreas urbanas e rurais, por regiões, Unidades da Federação, capitais e regiões metropolitanas1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..
Foi adotado plano amostral por conglomerado em três estágios, em que inicialmente foram selecionados os setores censitários que formaram as unidades primárias de amostragem, seguido pela seleção dos domicílios e, por fim, dos indivíduos1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,1616 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECD, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(5): e2020315. https://doi.org/10.1590/s1679-49742020000500004
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A coleta de dados foi realizada entre agosto de 2019 e março de 2020 e envolveu agentes de coleta, supervisores e coordenadores. Para as entrevistas foram utilizados dispositivos móveis de coleta. Mais detalhes sobre aspectos metodológicos da PNS podem ser encontrados em publicações específicas1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,1616 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECD, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(5): e2020315. https://doi.org/10.1590/s1679-49742020000500004
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Nesta análise, foram incluídos somente os dados de informantes com 18 anos ou mais. A variável dependente empregada foi a utilização do serviço de emergência (sim; não), obtida por meio das seguintes perguntas: "Nas duas últimas semanas, procurou algum lugar, serviço ou profissional de saúde para atendimento relacionado à própria saúde?" e, caso respondesse afirmativamente, "Onde procurou o primeiro atendimento de saúde por este motivo nas duas últimas semanas?". A utilização do serviço de emergência foi considerada mediante a confirmação do atendimento em Unidade de Pronto Atendimento ou outro tipo de Pronto Atendimento, Pronto-Socorro ou Emergência de Hospital, seja público ou privado.
A principal variável independente foi a multimorbidade (sim; não), definida mediante duas ou mais respostas afirmativas do mesmo indivíduo sobre a ocorrência de doenças crônicas no módulo Q do questionário. Duas outras importantes variáveis independentes foram a cobertura de Saúde da Família (sim; não), utilizada como proxy para a existência/presença, determinada através da resposta afirmativa à pergunta: "O seu domicílio está cadastrado na unidade de saúde da família?"; e a qualidade dos serviços de APS, analisada por meio do grau de orientação para a APS (alta orientação; baixa orientação), utilizando o Escore Geral obtido através da versão reduzida do Primary Care Assessment Tool-Brasil (PCATool-Brasil) para pacientes adultos, disponível no módulo H do questionário. A alta orientação para a APS foi considerada na situação em que o escore foi ≥6,6, adotando o critério do próprio Manual de Aplicação do Instrumento que considera esse ponto de corte por caracterizar a presença e a extensão dos atributos da APS1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: PCATool – Brasil 2020. Brasília: Ministério da Saúde; 2020..
Na análise de associação entre multimorbidade e utilização do serviço de emergência, a cobertura de Saúde da Família e a orientação para a APS foram testadas como possíveis variáveis modificadoras de efeito.
Outras variáveis independentes, consideradas como possíveis fatores de confusão, incluíram dados socioeconômicos e demográficos, como: região (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste); sexo (masculino; feminino); cor ou raça (branca; preta; parda; indígena/amarela); faixa etária (18–39 anos; 40–59 anos; 60 anos ou mais); estado civil (casado; solteiro; separado/divorciado; viúvo); nível de instrução (sem instrução e fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto; superior completo); ocupação (sim; não); rendimento domiciliar per capita (sem rendimento até ½ salário-mínimo; mais de ½ até 1 salário-mínimo; mais de 1 a 2 salários-mínimos; mais de 2 a 3 salários-mínimos; mais de 3 salários-mínimos); cobertura de plano de saúde (sim; não) e autoavaliação de saúde (boa/muito boa; regular; ruim/muito ruim).
A base de dados foi obtida no site do IBGE (http://www.ibge.gov.br). As análises estatísticas foram conduzidas utilizando o software Stata, versão 17.0, considerando o desenho amostral do estudo por meio do módulo survey. A análise dos dados se iniciou a partir de análise descritiva, incluindo a prevalência das principais variáveis abarcadas no estudo com seus respectivos intervalos de confiança. Também estimamos a prevalência das variáveis "utilização do serviço de emergência" e "multimorbidade" de acordo com as variáveis independentes e seus respectivos intervalos de confiança de 95% e p valores, com as diferenças avaliadas pelo teste qui-quadrado.
Para as análises de associação, foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta empregada em sete modelos, conforme modelo hierárquico proposto. Inicialmente foi analisado o efeito da multimorbidade sobre o desfecho (Modelo 1). Em seguida, a cobertura de Saúde da Família foi inserida no modelo (Modelo 2). O Modelo 3 foi acrescido da variável região geopolítica e o Modelo 4, por sua vez, teve a adição das variáveis sexo, faixa etária, estado civil, nível de instrução, ocupação e rendimento domiciliar per capita. No Modelo 5 foi inserida a variável autoavaliação de saúde. O Modelo 6 foi semelhante ao Modelo 4, acrescido da variável cobertura de plano de saúde. No Modelo 7 testou-se a interação entre multimorbidade e cobertura de Saúde da Família.
Em seguida, foi realizada uma análise adicional seguindo o modelo hierárquico supracitado, substituindo a variável "cobertura de Saúde da Família" por "orientação para a APS". Nos modelos ajustados, a significância estatística foi determinada por meio do teste de Wald para heterogeneidade, sendo consideradas estatisticamente significativas as associações com p<0,05.
A PNS teve aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa sob o parecer n° 3.529.376.
RESULTADOS
Foram avaliados 88.531 adultos. A prevalência de multimorbidade foi de 31,2% (IC95% 30,9–31,5), a cobertura de Saúde da Família foi de 71,8% (IC95% 71,4–72,0) e a baixa orientação dos serviços para a APS foi de 70% (IC95% 69,1–70,9). O desfecho aqui adotado, que é o uso do serviço de emergência, apresentou prevalência de 2,0% (IC95% 1,9–2,0) (Tabela 1).
Distribuição proporcional (%) da amostra segundo presença de multimorbidade, cobertura de Saúde da Família, orientação para a Atenção Primária à Saúde e uso do serviço de emergência. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019.
As maiores prevalências de uso do serviço de emergência foram encontradas na região Sudeste (2,6%; IC95% 2,3–2,8), por adultos do sexo feminino (2,3; IC95% 2,1–2,4), com idade entre 40 e 59 anos (2,1; IC95% 1,8–2,2) e 60 anos ou mais (2,2%; IC95% 2,0–2,3), separados ou divorciados (2,5; IC95% 2,1–2,8), cobertos por plano de saúde (2,2%; IC95% 2,0–2,4), com autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim (4,4%; IC95% 3,9–5,0), com multimorbidade (3,1%; IC95% 2,9–3,3) e sem cobertura de Saúde da Família (2,2%; IC95% 2,1–2,4) (Tabela 2).
Prevalência de uso do serviço de emergência e multimorbidade entre adultos. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019.
Maiores prevalências de multimorbidade foram verificadas nas regiões Sudeste (36,3%; IC95% 35,6–36,9) e Sul (36,3%; IC95% 35,4–37,2), entre pessoas do sexo feminino (37,8%; IC95% 37,3–38,2), autodeclaradas brancas (34,8%; IC95% 34,3–35,3), com 60 anos ou mais (55,9%; IC95% 55,2–56,5), viúvas (58,9%; IC95% 57,8–60,0), sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (40,0%; IC95% 39,5–40,5), com ocupação (23,0%; IC95% 22,6–23,3), com um rendimento domiciliar per capita de mais de 3 salários-mínimos (37,0%; IC95% 36,1–38,0), cobertas por plano de saúde (36,7%; IC95% 36,0–37,3), com autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim (71,3%; IC95% 70,1–72,4), cobertura de Saúde da Família (32,3%; IC95% 31,9–32,6) e que avaliaram o serviço com alta orientação para APS (55,7%; IC95% 53,8–57,4) (Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta os modelos bruto e ajustado da associação entre o uso do serviço de emergência, a multimorbidade e a cobertura de Saúde da Família. No Modelo 1, observa-se que os indivíduos com multimorbidade apresentaram maior probabilidade de utilizar o serviço de emergência (RP 2,1; IC95% 1,9–2,3), persistindo mesmo após o ajuste para cobertura de Saúde da Família (RP 2,2; IC95% 1,9–2,3), região geopolítica (RP 2,1; IC95% 1,9–2,3) e características sociodemográficas (RP 2,1; IC95% 1,8–2,4).
Modelos brutos e ajustados da associação entre multimorbidade e uso do serviço de emergência entre adultos, testando o efeito da cobertura de Saúde da Família. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019.
No Modelo 5, ao introduzir a variável autoavaliação de saúde, nota-se uma redução importante na probabilidade de utilização do serviço de emergência (RP 1,7; IC95% 1,4–1,9). No entanto, ao realizar o ajuste para cobertura de plano de saúde, no Modelo 6, evidencia-se um aumento na prevalência de utilização (RP 2,1; IC95% 1,8–2,4), mantendo-se semelhante aos modelos anteriores.
Em seguida, optou-se por testar, no modelo ajustado, a interação entre a multimorbidade e a cobertura de Saúde da Família. Esta apresentou interação significativa (p=0,035), sugerindo que a cobertura de Saúde da Família modifica o uso do serviço de emergência por pessoas com multimorbidade.
Na Tabela 4, é possível observar que pessoas com multimorbidade e com cobertura de Saúde da Família apresentaram prevalência de utilização de serviços de emergência 20% menor que aquelas com multimorbidade e sem cobertura de Saúde da Família (RP 0,8; IC95% 0,6–0,9).
Análise ajustada da interação entre multimorbidade e cobertura de Saúde da Família na associação entre multimorbidade e uso do serviço de emergência entre adultos. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019.
A Tabela 5, por sua vez, apresenta os modelos bruto e ajustados da associação entre o uso do serviço de emergência, a multimorbidade e a orientação para APS entre adultos. No Modelo 1, observa-se que os indivíduos com multimorbidade apresentaram maior probabilidade de utilizar o serviço de emergência (RP 2,1; IC95% 1,9–2,3), mesmo quando as variáveis foram ajustadas para orientação para APS e região geopolítica (RP 2,5; IC95% 1,7–3,7) ou após a inclusão das características sociodemográficas (RP 2,2; IC95% 1,2–4,0).
Modelos brutos e ajustados da associação entre multimorbidade e uso do serviço de emergência entre adultos, testando o efeito da orientação para a Atenção Primária à Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019.
Após a inclusão da variável autoavaliação de saúde, no Modelo 5, a associação perdeu a significância estatística. No Modelo 6 consideramos a interação entre a multimorbidade e a orientação para a APS. A interação não foi estatisticamente significativa (p=0,956), sugerindo que a associação entre o uso do serviço de emergência e a multimorbidade não é modificada pela avaliação do serviço como altamente orientado para a APS (Tabela 5).
DISCUSSÃO
Os achados deste estudo revelaram que a prevalência de uso de serviços de emergência foi duas vezes maior entre indivíduos com multimorbidade em comparação com aqueles sem essa condição. No entanto, observou-se menor utilização do serviço de emergência entre as pessoas com multimorbidade e cobertura de Saúde da Família em relação àquelas sem cobertura.
Um estudo revela um aumento significativo, em nível nacional, do uso das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) como fonte usual de cuidado, passando de 4,1% em 2013 para 14,1% em 20191818 Szwarcwald CL, Stopa SR, Damacena GN, Almeida WS, Souza-Júnior PRB, Vieira MLFP, et al. Mudanças no padrão de utilização de serviços de saúde no Brasil entre 2013 e 2019. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 (suppl 1): 2515-28. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.1.43482020
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266... . Nesse contexto, a sobrecarga dos serviços de emergência acarreta consequências negativas para os usuários, para a equipe e para o sistema de saúde como um todo e há um consenso entre pesquisas de que as causas para esse problema estão, majoritariamente, fora deste nível de atenção1414 Morley C, Unwin M, Peterson GM, Stankovich J, Kinsman L. Emergency department crowding: A systematic review of causes, consequences and solutions. PLoS One 2018; 13(8): e0203316. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0203316
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020... .
A elevada utilização dos serviços de emergência como fonte habitual de cuidado pode indicar uma deficiência no acesso à APS, que é considerada a principal porta de entrada do sistema de saúde brasileiro, uma vez que condições não urgentes poderiam ser tratadas em outros níveis de atenção, e mesmo aquelas de caráter urgente poderiam ser prevenidas com cuidados prévios. Entretanto, é importante reconhecer que a APS também desempenha um papel fundamental no atendimento de pacientes com problemas urgentes, ofertando cuidados iniciais de diagnóstico, manejo clínico, estabilização e encaminhamento, quando necessário. Embora nem todos os casos possam ser evitados, garantir que pacientes com condições não urgentes sejam atendidos na APS pode aumentar a eficiência da rede de atenção à saúde1919 Uscher-Pines L, Pines J, Kellermann A, Gillen E, Mehrotra A. Emergency department visits for nonurgent conditions: systematic literature review. Am J Manag Care 2013; 19(1): 47-59. PMID: 23379744.,2020 Hong M, Thind A, Zaric GS, Sarma S. The impact of improved access to after-hours primary care on emergency department and primary care utilization: a systematic review. Health Policy 2020; 124(8): 812-8. https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2020.05.015
https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2020... .
A prevalência de uso do serviço de emergência neste estudo foi maior entre mulheres, indivíduos com 40 anos ou mais, que referem uma autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim, com multimorbidade, cobertura de plano de saúde e sem cobertura de Saúde da Família.
Um estudo realizado no Brasil identificou que mulheres, idosos e indivíduos com maior renda e nível de escolaridade apresentaram os percentuais mais elevados de procura por atendimento e uso de consultas médicas1818 Szwarcwald CL, Stopa SR, Damacena GN, Almeida WS, Souza-Júnior PRB, Vieira MLFP, et al. Mudanças no padrão de utilização de serviços de saúde no Brasil entre 2013 e 2019. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 (suppl 1): 2515-28. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.1.43482020
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266... . Em relação à utilização dos serviços de emergência, uma pesquisa no Sul do país revelou uma predominância de uso por mulheres, com média de idade de 53,37 anos, principalmente portadoras de doenças crônicas2121 Acosta AM, Lima MADS. Usuários frequentes de serviço de emergência: fatores associados e motivos de busca por atendimento. Rev Latino-Am Enfermagem 2015; 23(2): 337-44. https://doi.org/10.1590/0104-1169.0072.2560
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0072.2... . Outro estudo realizado no interior de São Paulo indicou que a utilização desses serviços é mais prevalente entre mulheres de 20 a 29 anos, seguidas por idosos com 60 anos ou mais2222 Garcia VM, Reis RK. Perfil de usuários atendidos em uma unidade não hospitalar de urgência. Rev Bras Enferm 2014; 67(2): 261-7. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140035
https://doi.org/10.5935/0034-7167.201400... .
Em relação à multimorbidade neste estudo, foram observadas maiores prevalências entre mulheres com 60 anos ou mais, sem instrução ou com ensino fundamental incompleto.
A literatura indica que a multimorbidade está fortemente associada à idade, com a prevalência aumentando significativamente de 30% entre pessoas de 45 a 64 anos para 65% entre aquelas com 65 e 84 anos e alcançando 82% entre indivíduos com 85 anos ou mais. Além disso, é mais prevalente em mulheres, pessoas com menor escolaridade e que vivem em áreas mais desfavorecidas33 Skou ST, Mair FS, Fortin M, Guthrie B, Nunes BP, Miranda JJ, et al. Multimorbidity. Nat Rev Dis Primers 2022; 8(1): 48. https://doi.org/10.1038/s41572-022-00376-4
https://doi.org/10.1038/s41572-022-00376... . O baixo nível de escolaridade foi associado a um aumento de 64% no risco de desenvolver multimorbidade2323 Pathirana TI, Jackson CA. Socioeconomic status and multimorbidity: a systematic review and meta-analysis. Aust N Z J Public Health 2018; 42(2): 186-94. https://doi.org/10.1111/1753-6405.12762
https://doi.org/10.1111/1753-6405.12762... .
Maiores prevalências de multimorbidade estão entre usuários pertencentes aos estratos socioeconômicos mais baixos2424 Andrade FB, Thumé E, Facchini LA, Torres JL, Nunes BP. Education and income-related inequalities in multimorbidity among older Brazilian adults. PLoS One 2022; 17(10): e0275985. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0275985
https://doi.org/10.1371/journal.pone.027... . No presente estudo, apesar de a prevalência ter sido maior entre aqueles com rendimento domiciliar per capita de mais de 3 salários-mínimos, observa-se que esse achado está relacionado ao agrupamento das variáveis.
Ainda, constatou-se, entre os indivíduos com multimorbidade, maior prevalência de utilização do serviço de emergência. A demanda pelos serviços de emergência é influenciada pelo envelhecimento populacional, aumento no número de indivíduos com múltiplas doenças e necessidades de saúde complexas, assim como por fatores socioeconômicos e decisões políticas relacionadas ao planejamento e à prestação de serviços1313 Coster JE, Turner JK, Bradbury D, Cantrell A. Why do people choose emergency and urgent care services? A rapid review utilizing a systematic literature search and narrative synthesis. Acad Emerg Med 2017; 24(9): 1137-49. https://doi.org/10.1111/acem.13220
https://doi.org/10.1111/acem.13220... .
Outro estudo afirma que idosos com multimorbidade utilizam mais os serviços de saúde, independente de fatores sociodemográficos, destacando o impacto dessa condição na determinação da utilização desses serviços2525 Francisco PMSB, Assumpção D, Bacurau AGM, Silva DSM, Malta DC, Borim FSA. Multimorbidade e uso de serviços de saúde em idosos muito idosos no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2021; 24 (suppl 2): E210014. https://doi.org/10.1590/1980-549720210014.supl.2
https://doi.org/10.1590/1980-54972021001... . Dessa forma, usuários idosos, com condições complexas de saúde e multimorbidade constituem um fator cada vez mais importante para sobrecarga dos serviços de emergência1414 Morley C, Unwin M, Peterson GM, Stankovich J, Kinsman L. Emergency department crowding: A systematic review of causes, consequences and solutions. PLoS One 2018; 13(8): e0203316. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0203316
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020... .
Também foi observada maior prevalência de avaliação dos serviços como altamente orientados para a APS entre os indivíduos com multimorbidade. Isso pode estar relacionado ao fato de o aumento na incidência de doenças implicar uma maior procura por serviços de saúde, o que, por sua vez, pode resultar em melhor avaliação desses serviços2626 Carvalho FC, Bernal RTI, Perillo RD, Malta DC. Associação entre avaliação positiva da atenção primária à saúde e características sociodemográficas e comorbidades no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2022; 25: e220023. https://doi.org/10.1590/1980-549720220023.2
https://doi.org/10.1590/1980-54972022002... .
No presente estudo foi constatado, ainda, que a associação entre o uso do serviço de emergência e a multimorbidade foi modificada pela cobertura de Saúde da Família. Indivíduos com multimorbidade e cobertura de Saúde da Família apresentaram uma prevalência de utilização de serviços de emergência menor que aqueles com multimorbidade, mas sem cobertura de Saúde da Família.
Esse resultado pode estar relacionado ao avanço da cobertura de APS ao longo do tempo, favorecendo o acesso aos serviços de saúde2727 Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Almeida PF, Sardinha LMV, Vieira MLFP. Cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil: o que nos mostram as Pesquisas Nacionais de Saúde 2013 e 2019. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 (suppl 1): 2543-56. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.1.43952020
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266... . A expansão da Estratégia Saúde da Família teve um impacto significativo na saúde da população brasileira, especialmente no que se refere à ampliação do acesso e à utilização dos serviços, além de melhores desfechos de saúde, tais como a redução da mortalidade infantil, desnutrição e Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP)1010 Macinko J, Mendonça CS. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. Saúde Debate 2018; 42 (spe 1): 18-37. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S102
https://doi.org/10.1590/0103-11042018S10... ,2828 Macinko J, Souza MFM, Guanais FC, Simões CCS. Going to scale with community-based primary care: an analysis of the family health program and infant mortality in Brazil, 1999-2004. Soc Sci Med 2007; 65(10): 2070-80. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2007.06.028
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2007... –3030 Monteiro CA, Benicio MHD, Konno SC, Silva ACF, Lima ALL, Conde WL. Causas do declínio da desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev Saúde Pública 2009; 43(1): 35-43. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000100005
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900... .
A qualidade da APS também tem referido efeitos positivos na literatura, embora sejam escassos os estudos que avaliam a associação desta com outros desfechos em saúde.
Estudos que investigaram as ICSAP evidenciaram que melhores resultados na qualidade da APS resultaram em redução dessas taxas, reafirmando a importância de se avançar para além da ampliação de cobertura. Municípios com menor qualidade de APS apresentaram 21,2% mais ICSAP em comparação com aqueles com serviços de maior qualidade3131 Castro DM, Oliveira VB, Andrade ACS, Cherchiglia ML, Santos AF. Impacto da qualidade da atenção primária à saúde na redução das internações por condições sensíveis. Cad Saúde Pública 2020; 36(11): e00209819. https://doi.org/10.1590/0102-311X00209819
https://doi.org/10.1590/0102-311X0020981... ,3232 Santos FM, Macieira C, Machado ATGM, Borde EMS, Jorge AO, Gomes BA, et al. Associação entre internações por condições sensíveis e qualidade da atenção primária. Rev Saúde Pública 2023; 57: 85. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2023057004879
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2023... .
Assim, a APS desempenha papel fundamental na promoção da saúde e no cuidado integral dos indivíduos, especialmente daqueles com multimorbidade, podendo contribuir significativamente para a redução da utilização de outros níveis de atenção. O fortalecimento da APS é essencial para atender às crescentes demandas de uma população com necessidades de saúde cada vez mais complexas.
Contudo, neste estudo a associação entre o uso do serviço de emergência e a multimorbidade não foi modificada pela avaliação do serviço como altamente orientado para a APS. Alguns fatores podem estar relacionados a este achado.
É fundamental considerar que as motivações para uso do serviço de emergência são complexas e multifacetadas, podendo ser influenciadas por características individuais e contextuais, conforme descrito na literatura1212 Kraaijvanger N, van Leeuwen H, Rijpsma D, Edwards M. Motives for self-referral to the emergency department: a systematic review of the literature. BMC Health Serv Res 2016; 16(1): 685. https://doi.org/10.1186/s12913-016-1935-z
https://doi.org/10.1186/s12913-016-1935-... –1414 Morley C, Unwin M, Peterson GM, Stankovich J, Kinsman L. Emergency department crowding: A systematic review of causes, consequences and solutions. PLoS One 2018; 13(8): e0203316. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0203316
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020... . Nesse contexto, a versão reduzida do PCATool-Brasil nos fornece informações acerca da orientação do serviço para a APS, mas não necessariamente sobre sua capacidade de resolução das necessidades de saúde do indivíduo. A adoção do ponto de corte do escore em 6,6, apesar de estabelecido pela literatura, também pode ter corroborado para esse achado, podendo não ser sensível o suficiente para detectar diferenças sutis em determinadas populações ou contextos.
A versão reduzida do PCATool-Brasil também apresenta limitações, tais como: a ausência de análise dos escores por atributo, o que dificulta a mensuração da presença e extensão dos atributos essenciais e derivados da APS, mesmo que por meio do escore geral; e a adaptação das perguntas do questionário, substituindo o termo "profissionais da APS" pelo termo "médico"2626 Carvalho FC, Bernal RTI, Perillo RD, Malta DC. Associação entre avaliação positiva da atenção primária à saúde e características sociodemográficas e comorbidades no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2022; 25: e220023. https://doi.org/10.1590/1980-549720220023.2
https://doi.org/10.1590/1980-54972022002... ,3333 Perillo RD, Poças KC, Bernal RTI, Duarte EC, Malta DC. Fatores associados à avaliação da Atenção Primária à Saúde na perspectiva do usuário: resultados do inquérito telefônico Vigitel, 2015. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(3): 961-74. https://doi.org/10.1590/1413-81232021263.45722020
https://doi.org/10.1590/1413-81232021263... .
É importante ressaltar que, no instrumento da PNS 2019, todas as perguntas relacionadas ao PCATool-Brasil se referem ao médico que atendeu o indivíduo em sua última consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS), e não necessariamente ao médico ou serviço ao qual ele é afiliado. Isso pode influenciar os resultados obtidos no sentido de suavização do efeito, especificamente se o último atendimento tiver ocorrido em outro local, onde este não possui afiliação.
Por fim, as perguntas foram aplicadas exclusivamente a pessoas que fizeram uso de UBS, ou seja, pessoas cobertas pela Saúde da Família. Nesse sentido, seria necessário que a qualidade tivesse um efeito muito superior para que fosse considerada como uma variável modificadora de efeito.
Entre as limitações do estudo, além das relacionadas à aplicação do PCATool-Brasil mencionadas anteriormente, destaca-se a utilização do desenho transversal, que impede a determinação de causalidade entre as variáveis estudadas. Adicionalmente, o período recordatório de duas semanas para o uso de serviços de emergência, podendo restringir a análise em longo prazo.
Apesar das limitações supracitadas, este estudo se distingue por explorar o efeito da cobertura e da orientação dos serviços para APS na relação entre multimorbidade e o uso de serviços de emergência, preenchendo uma lacuna importante na literatura, utilizando uma base de dados representativa da população brasileira.
O estudo evidencia que a cobertura de Saúde da Família é suficiente para modificar o efeito entre multimorbidade e utilização dos serviços de emergência, no sentido de reduzir o uso desses serviços por indivíduos com multimorbidade. No entanto, em um cenário complexo e multifatorial, a multimorbidade surge como um importante desafio para os sistemas de saúde, demandando um esforço coordenado para o seu enfrentamento. Assim, sugere-se a realização de novas pesquisas sobre esse tema, que contemplem a resolutividade do serviço de APS em si, visando compreender o seu impacto nos desfechos em saúde de indivíduos com multimorbidade.
FINANCIAMENTO:
nenhum.APROVAÇÃO DO CEP:
Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) estão disponíveis para acesso e uso público. A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, sob parecer número 3.529.376/2019.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
16 Dez 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
16 Maio 2024 - Revisado
26 Ago 2024 - Aceito
27 Set 2024