Reemergência da febre amarela no estado de São Paulo: o papel estruturante da vigilância de epizootias em primatas não humanos numa abordagem em saúde única

Leila del Castillo Saad Francisco Chiaravalloti-Neto Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Apresentar uma análise abrangente da ocorrência da febre amarela (FA) no estado de São Paulo desde a sua reemergência e o processo contínuo de estruturação da vigilância de epizootias em primatas não humanos (PNHs) numa abordagem em saúde única.

Métodos:

Estudo descritivo dos casos humanos e de epizootias em PNHs, bem como das ações estruturantes e da abordagem em saúde única empregadas no estado de São Paulo para a vigilância da febre amarela de 2000 a 2023.

Resultados:

De 2000 a 2023, foram registrados 679 casos humanos e confirmadas 857 epizootias em PNHs para FA. Houve intensificação das ações de vigilância de epizootias em PNHs desde 2017, quando o vírus circulou em áreas sem recomendação de vacina no estado.

Conclusão:

Foram registrados cinco surtos no período avaliado, e a vigilância de epizootias em primatas não humanos desempenhou papel fundamental para a implementação de medidas de prevenção e controle da doença no estado, nas áreas sem recomendação de vacina, guiando as ações de imunização, e é exemplo de como a abordagem em saúde única pode ser adotada no âmbito da vigilância epidemiológica, tornando-a mais resiliente às ameaças emergentes.

Palavras-chave:
Febre amarela; Primatas; Vigilância epidemiológica; Saúde única

INTRODUÇÃO

Mais de duas décadas se passaram desde que a febre amarela (FA) foi novamente detectada no estado de São Paulo (ESP)11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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. Doença viral de transmissão vetorial e imunoprevenível, gera grande impacto onde quer que seja detectada22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,33 Silva NIO, Sacchetto L, Rezende IM, Trindade GS, LaBeaud AD, Thoisy B, et al. Recent sylvatic yellow fever virus transmission in Brazil: the news from an old disease. Virol J 2020; 17(1): 9. https://doi.org/10.1186/s12985-019-1277-7
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. No Brasil, são descritos dois padrões de ocorrência: a febre amarela silvestre (FAS) e a febre amarela urbana (FAU)11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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2 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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-33 Silva NIO, Sacchetto L, Rezende IM, Trindade GS, LaBeaud AD, Thoisy B, et al. Recent sylvatic yellow fever virus transmission in Brazil: the news from an old disease. Virol J 2020; 17(1): 9. https://doi.org/10.1186/s12985-019-1277-7
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. Inúmeros relatos apresentam a FA como sendo de elevada importância no contexto da vigilância e do controle dada sua acentuada letalidade entre os casos graves da doença e seu grande potencial de disseminação11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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2 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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3 Silva NIO, Sacchetto L, Rezende IM, Trindade GS, LaBeaud AD, Thoisy B, et al. Recent sylvatic yellow fever virus transmission in Brazil: the news from an old disease. Virol J 2020; 17(1): 9. https://doi.org/10.1186/s12985-019-1277-7
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-44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e Ambiente. Guia de vigilância em saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [cited on Jan 20, 2024]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigilancia/guia-de-vigilancia-em-saude-volume-2-6a-edicao/view
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. Embora o ciclo urbano não ocorra no Brasil desde 1942, a reurbanização da FA é motivo de grande preocupação, visto que seu vetor urbano, o Aedes aegypti, apresenta-se disseminado em quase a totalidade das áreas urbanas densamente povoadas do país55 Cunha MS, Tubaki RM, Menezes RMT, Pereira M, Caleiro GS, Coelho E, et al. Possible non-sylvatic transmission of yellow fever between non-human primates in São Paulo city, Brazil, 2017–2018. Sci Rep 2020; 10(1): 15751. https://doi.org/10.1038/s41598-020-72794-x
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6 Gebreyes WA, Dupouy-Camet J, Newport MJ, Oliveira CJ, Schlesinger LS, Saif YM, et al. The global one health paradigm: challenges and opportunities for tackling infectious diseases at the human, animal, and environment interface in low-resource settings. PLoS Negl Trop Dis 2014; 8(11): e3257. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0003257
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-77 Kelly TR, Karesh WB, Johnson CK, Gilardi KVK, Anthony SJ, Goldstein T, et al. One health proof of concept: bringing a transdisciplinary approach to surveillance for zoonotic viruses at the human-wild animal interface. Prev Vet Med 2017; 137(Pt B): 112-8. https://doi.org/10.1016/j.prevetmed.2016.11.023
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.

A FA é considerada uma zoonose reemergente. Dos patógenos considerados emergentes ou reemergentes, 75% são de origem zoonótica66 Gebreyes WA, Dupouy-Camet J, Newport MJ, Oliveira CJ, Schlesinger LS, Saif YM, et al. The global one health paradigm: challenges and opportunities for tackling infectious diseases at the human, animal, and environment interface in low-resource settings. PLoS Negl Trop Dis 2014; 8(11): e3257. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0003257
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,77 Kelly TR, Karesh WB, Johnson CK, Gilardi KVK, Anthony SJ, Goldstein T, et al. One health proof of concept: bringing a transdisciplinary approach to surveillance for zoonotic viruses at the human-wild animal interface. Prev Vet Med 2017; 137(Pt B): 112-8. https://doi.org/10.1016/j.prevetmed.2016.11.023
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. Saúde humana, animal e ambiental são interdependentes e indissolúveis, cerne do conceito de saúde única, despontando há alguns anos como paradigma importante da discussão sobre saúde ampliada nos diversos contextos em que se apresenta66 Gebreyes WA, Dupouy-Camet J, Newport MJ, Oliveira CJ, Schlesinger LS, Saif YM, et al. The global one health paradigm: challenges and opportunities for tackling infectious diseases at the human, animal, and environment interface in low-resource settings. PLoS Negl Trop Dis 2014; 8(11): e3257. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0003257
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,77 Kelly TR, Karesh WB, Johnson CK, Gilardi KVK, Anthony SJ, Goldstein T, et al. One health proof of concept: bringing a transdisciplinary approach to surveillance for zoonotic viruses at the human-wild animal interface. Prev Vet Med 2017; 137(Pt B): 112-8. https://doi.org/10.1016/j.prevetmed.2016.11.023
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Depois de aproximadamente 50 anos de silêncio epidemiológico, o ESP passou a detectar a reemergência da circulação silvestre do vírus em suas fronteiras no ano 200011 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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. Em 2003, foram iniciadas pelo Centro de Vigilância Epidemiológica estadual (CVE), em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e os municípios, ações de estruturação da vigilância de epizootias em primatas não humanos (PNHs), visando à detecção precoce da circulação viral, ainda em seu ciclo enzoótico, numa abordagem em saúde única, oportunizando ações de prevenção e controle da FA. Desde 2003, foram realizados diversos treinamentos, reuniões e capacitações, visando ampliar e qualificar a informação epidemiológica de presença ou ausência viral, por meio da vigilância de PNHs11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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A FA continuou a apresentar comportamento não endêmico, não sendo possível prever seu comportamento de circulação. Assim, o estado era dividido em áreas com recomendação de vacina (ACRV), isto é, com evidência de circulação viral, seja em vetores, PNHs ou humanos, e áreas sem recomendação de vacina (ASRV), até 2019, quando o estado inteiro passou a ser ACRV22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,88 Moreno ES, Rocco IM, Bergo ES, Brasil RA, Siciliano MM, Suzuki A, et al. Reemergence of yellow fever: detection of transmission in the State of São Paulo, Brazil, 2008. Rev Soc Bras Med Trop 2011; 44(3): 290-6. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011005000041
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,99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Sáude e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited on Nov 22, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2019_analise_situacao.pdf
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.

O estado registrou, desde 201622 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,77 Kelly TR, Karesh WB, Johnson CK, Gilardi KVK, Anthony SJ, Goldstein T, et al. One health proof of concept: bringing a transdisciplinary approach to surveillance for zoonotic viruses at the human-wild animal interface. Prev Vet Med 2017; 137(Pt B): 112-8. https://doi.org/10.1016/j.prevetmed.2016.11.023
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,88 Moreno ES, Rocco IM, Bergo ES, Brasil RA, Siciliano MM, Suzuki A, et al. Reemergence of yellow fever: detection of transmission in the State of São Paulo, Brazil, 2008. Rev Soc Bras Med Trop 2011; 44(3): 290-6. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011005000041
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, a maior circulação viral em seu território desde as grandes epidemias de FAU, no século XIX99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Sáude e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited on Nov 22, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2019_analise_situacao.pdf
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. Ainda em 2017, quando a FA atingiu regiões populosas, nas áreas anteriormente denominadas ASRV, a vigilância de epizootias em PNHs foi fundamental não só para a confirmação da circulação enzoótica do vírus, mas também para a articulação, o delineamento e o planejamento das ações de vacinação99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Sáude e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited on Nov 22, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2019_analise_situacao.pdf
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,1010 Cunha MS, Costa AC, Fernandes NCCA, Guerra JM, Santos FCP, Nogueira JS, et al. Epizootics due to yellow fever virus in São Paulo state, Brazil: viral dissemination to new areas (2016–2017). Sci Rep 2019; 9(1): 5474. https://doi.org/10.1038/s41598-019-41950-3
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Em meio ao maior surto na história recente de circulação viral no estado de São Paulo, o vírus expandiu-se rapidamente para áreas sem recomendação de vacina, sendo necessário imunizar um grande contingente populacional em curto período. Desta maneira, o estado alterou a proposta vigente até então, proveniente do Ministério da Saúde, que trabalhava com a vacinação em área afetada e área ampliada, para a metodology de vacinação percorrendo corredores ecológicos de dispersão viral, embasada nas informações geradas por meio da vigilância de epizootias em PNHs22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e Ambiente. Guia de vigilância em saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [cited on Jan 20, 2024]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigilancia/guia-de-vigilancia-em-saude-volume-2-6a-edicao/view
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,99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Sáude e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited on Nov 22, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2019_analise_situacao.pdf
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.

Este estudo pretende descrever, segundo tempo, lugar, pessoa e PNH, a ocorrência da FA no ESP desde a sua reemergência, que se iniciou no ano 2000, bem como o processo contínuo de estruturação da vigilância em PNHs, e apontar e discutir seus desdobramentos no cenário das ações preconizadas na prevenção e no controle do agravo, além de discutir como a abordagem em saúde única foi essencial nesse contexto e deve ser ampliada no método epidemiológico aplicado à vigilância epidemiológica.

MÉTODOS

Estudo descritivo utilizando dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), dos módulos FA e epizootias em PNHs; informações referentes às investigações epidemiológicas e a relatórios técnicos desenvolvidos pelos técnicos das vigilâncias estaduais e municipais, de casos humanos autóctones e epizootias em PNHs confirmados para FA no estado desde 2000 até 2023, disponíveis na Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores e Zoonoses (DVZOO) do CVE da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES) ao longo de duas décadas.

A vigilância da FA é realizada por meio de notificações de suspeitas de ocorrência de casos humanos e epizootias em PNHs; as definições de casos suspeitos e confirmados estão apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Definições aplicadas pela vigilância epidemiológica para febre amarela. Brasil, 2023.

O local de estudo foi o ESP, que possui 645 municípios distribuídos em 248.221,996 km22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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e população estimada de 44.420.459 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022. Dos 645 municípios, 509 apresentavam populações inferiores a 50 mil habitantes e, apesar de grande representatividade, concentravam apenas 16% da população do estado. Dados do censo de 2022 apontaram 1.676.948 habitantes vivendo no campo, população considerada rural, evidenciando a acentuada urbanização paulista1111 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas do Censo Demográfico 2010 [Internet]. 2010 [cited on Nov 08, 2023]. Available at: https://censo2010.ibge.gov.br/apps/atlas/
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.

Foram incluídos todos os casos humanos autóctones e epizootias em PNHs confirmados, notificados ao sistema de vigilância de FA do ESP, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2023. Para os casos humanos, foram analisadas as seguintes variáveis: data de início dos sintomas (mês e ano), sexo e mediana de idade, letalidade e município do local provável de infecção. Para as epizootias em PNHs, foram analisadas as seguintes variáveis: data da ocorrência, gênero de PNHs e município de ocorrência.

A DVZOO do CVE coordena as ações referentes à implantação e à qualificação desse componente da vigilância do gravo no estado ao longo de mais de 20 anos, como treinamentos, capacitações e reuniões técnicas com os municípios. Para caracterizar os municípios com circulação do vírus, descrever os casos humanos e epizootias em PNHs, foram utilizados os dados epidemiológicos provenientes da vigilância do agravo. Para apresentar o processo de estruturação contínua da vigilância em PNHs, usaram-se documentos técnicos disponíveis na DVZOO do CVE.

RESULTADOS

Foram incluídos 679 casos humanos autóctones e 857 epizootias em PNHs confirmados para febre amarela pela SES desde a reemergência do vírus da FA no ESP, no ano 2000. Durante esse período, foram registrados cinco surtos em 2000, 2008, 2009, de 2016 a 2020 e em 2022 e 2023, com letalidade global de 35,7% e mediana de idade de 43,5 anos. Os homens foram a população predominantemente atingida, representando 73,7% dos casos (Tabela 1). As áreas de detecção de circulação viral aumentaram progressivamente ao longo dos mais de 20 anos da série histórica apresentada, passando de dois municípios, em 2000, para 140, em 2023, representando o incremento de 22% em relação ao total de municípios paulistas.

Tabela 1
Características dos casos confirmados de febre amarela em humanos (n= 679) e em primatas não humanos (n= 857). São Paulo, 2000–2023.

A vigilância de epizootias em PNHs notificadas e positivas para FA evidenciam que, desde 2003, foram confirmados 857 eventos, 677 (79%) deles com identificação de gênero de primata acometido e o predomínio de Aloutta sp (565, 83,4%) (Tabela 1). Inicialmente, as mortes de PNHs em decorrência da FA foram confirmadas em 2008 e 2009, na região de São José do Rio Preto e Botucatu, respectivamente, voltando a ocorrer em 2016, posteriormente à detecção de um caso humano (óbito) também na região de São José do Rio Preto (Tabela 1 e Figuras 1 e 2).

Figura 1
A) Municípios com casos humanos confirmados de febre amarela no estado de São Paulo, de 2000 a 2023; B) Municípios com epizootias em primatas não humanos confirmadas para febre amarela no estado de São Paulo, de 2008 a 2023.
Figura 2
A) Mapa de calor de casos humanos confirmados de febre amarela no estado de São Paulo, de 2000 a 2023; B) Mapa de calor de epizootias em primatas não humanos confirmadas para febre amarela no estado de São Paulo, de 2008 a 2023.

As transmissões sucessivas de 2016 a 2019 foram responsáveis por aproximadamente 94,8% dos casos humanos positivos. Houve expressivo incremento na vigilância de epizootias em PNHs, entre 2016 e 2020, período em que foram confirmadas 851 epizootias em PNHs, representando 99,3% dos casos da série histórica estudada (Tabela 1 e Figuras 1 e 3).

Figura 3
Série histórica de casos humanos, letalidade e epizootias em primatas não humanos confirmados para febre amarela no estado de São Paulo, de 2000 a 2023.

O pico máximo da transmissão ocorreu na virada de 2017 para 2018, com mais de 350 eventos confirmados. A detecção de epizootias em PNHs começou a intensificar-se em setembro de 2017, chegando a 127 eventos registrados em dezembro desse ano. Os casos humanos atingiram o ápice de detecção em janeiro e fevereiro de 2018, com mais de 300 casos confirmados, sendo o município de Mairiporã local provável de infecção de 181 registros (Figuras 1, 2 e 3).

O vírus persistiu avançando rumo ao sul do estado, chegando ao Vale do Ribeira no fim de 2018, com a identificação de 67 casos humanos e poucos eventos confirmados em PNHs, com a letalidade mais baixa de todo o período de transmissão (19,4%) no início de 2019 (Figuras 1, 2 e 3).

Desde 2017, na sequência da detecção dos casos humanos e em PNHs em 2016, formou-se um grupo técnico envolvendo profissionais da SES, da Secretaria de Meio Ambiente (SMA), atualmente Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), e do Departamento de Fauna (DeFau), que coordena os Centros de Manejo de Fauna Silvestre ex situ e in situ, além da Comissão Pró-Primatas Paulista, também vinculada à SMA, da Polícia Militar Ambiental e da Comissão Técnica de Saúde Pública Veterinária, composta por membros do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo. Essas instituições, em colaboração, elaboraram diversos alertas, treinamentos e orientações com o intuito de ampliar o alcance da rede de médicos-veterinários, biólogos e zootecnistas, entre outros profissionais, para os eventos envolvendo morte e/ou adoecimento de primatas no ESP, qualificando as informações provenientes de vigilância de PNHs.

Depois da expansão do vírus em sentido ao sul do estado, foram detectadas duas epizootias em PNHs em 2020 nos municípios de Barueri e São José do Rio Preto. Em 2023, foram detectados os últimos eventos de circulação da febre amarela no período analisado, com a confirmação de epizootia em PNHs e casos humanos na região de São João da Boa Vista (Tabela 1 e Figuras 1 e 3).

DISCUSSÃO

É importante analisar os dados aqui apresentados de maneira distinta, à luz do conhecimento científico e usando ferramentas de vigilância disponíveis em cada momento de transmissão. Ainda no ano 2000, as ferramentas diagnósticas de biologia molecular não eram tão difundidas, aplicadas e sensíveis, assim, as maneiras de confirmação e investigation dos casos suspeitos eram limitadas11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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,88 Moreno ES, Rocco IM, Bergo ES, Brasil RA, Siciliano MM, Suzuki A, et al. Reemergence of yellow fever: detection of transmission in the State of São Paulo, Brazil, 2008. Rev Soc Bras Med Trop 2011; 44(3): 290-6. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011005000041
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. Além desse aspecto, a vigilância de epizootias em PNHs ainda não era práxis inerente à vigilância do agravo, passando a ser implementada em 2003, e somente por meio de detecções fora da área de recomendação vacinal no estado ocorridas em 2017 é que foi preconizada como ferramenta robusta de detecção de circulação viral11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
https://doi.org/10.5123/s1679-4974201600...
,22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539...
,1212 Possas C, Lourenço-de-Oliveira R, Tauil PL, Pinheiro FP, Pissinatti A, Cunha RV, et al. Yellow fever outbreak in Brazil: the puzzle of rapid viral spread and challenges for immunisation. Mem Inst Oswaldo Cruz 2018; 113(10): e180278. https://doi.org/10.1590/0074-02760180278
https://doi.org/10.1590/0074-02760180278...

13 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
https://doi.org/10.1590/0074-02760190076...

14 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
https://doi.org/10.1371/journal.ppat.100...

15 Fernandes NCCA, Guerra JM, Díaz-Delgado J, Cunha MS, Saad LDS, Iglezias SD, et al. 2021. Differential yellow fever susceptibility in new world non human primates, comparison with humans, and implications for surveillance. Emerg Infect Dis 2021; 27(1): 47-56. https://doi.org/10.3201/eid2701.191220
https://doi.org/10.3201/eid2701.191220...
-1616 Ribeiro Prist P, Reverberi Tambosi L, Filipe Mucci L, Pinter A, Pereira de Souza, R, Lara Muylaert R, et al. Roads and forest edges facilitate yellow fever virus dispersion. J Appl Ecol 2021; 59(1): 4-17. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031
https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031...
.

Foi empreendido grande esforço e articulação da vigilância estadual para auxiliar municípios para a oportuna coleta e notificação dos eventos. Esse debate ocorreu nos espaços de pactuação do Sistema Único de Saúde (SUS), isto é, nas reuniões dos conselhos intergestores bipartites regionais, nas quais foram deliberadas ações de ajuda mútua dos municípios para apoiar a coleta das amostras provenientes de PNHs.

Ao longo de mais de duas décadas de análise deste estudo, a FA apresentou um comportamento imprevisível de sua reemergência espacial11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
https://doi.org/10.5123/s1679-4974201600...
,1212 Possas C, Lourenço-de-Oliveira R, Tauil PL, Pinheiro FP, Pissinatti A, Cunha RV, et al. Yellow fever outbreak in Brazil: the puzzle of rapid viral spread and challenges for immunisation. Mem Inst Oswaldo Cruz 2018; 113(10): e180278. https://doi.org/10.1590/0074-02760180278
https://doi.org/10.1590/0074-02760180278...

13 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
https://doi.org/10.1590/0074-02760190076...

14 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
https://doi.org/10.1371/journal.ppat.100...
-1515 Fernandes NCCA, Guerra JM, Díaz-Delgado J, Cunha MS, Saad LDS, Iglezias SD, et al. 2021. Differential yellow fever susceptibility in new world non human primates, comparison with humans, and implications for surveillance. Emerg Infect Dis 2021; 27(1): 47-56. https://doi.org/10.3201/eid2701.191220
https://doi.org/10.3201/eid2701.191220...
,1717 Abreu FVS, Ribeiro IP, Ferreira-de-Brito A, Santos AAC, Miranda RM, Bonelly IS, et. al. Haemagogus leucocelaenus and Haemagogus janthinomys are the primary vectors in the major yellow fever outbreak in Brazil, 2016-2018. Emerg Microbes Infect 2019; 8(1): 218-31. https://doi.org/10.1080/22221751.2019.1568180
https://doi.org/10.1080/22221751.2019.15...
, em decorrência do contexto e da influência da rota nacional de dispersão que o vírus apresentava33 Silva NIO, Sacchetto L, Rezende IM, Trindade GS, LaBeaud AD, Thoisy B, et al. Recent sylvatic yellow fever virus transmission in Brazil: the news from an old disease. Virol J 2020; 17(1): 9. https://doi.org/10.1186/s12985-019-1277-7
https://doi.org/10.1186/s12985-019-1277-...
,1313 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
https://doi.org/10.1590/0074-02760190076...
. Desde 2017, foi possível perceber a tendência de dispersão, quando o vírus atingiu a Mata Atlântica e a Serra do Mar no ESP22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539...
,1313 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
https://doi.org/10.1590/0074-02760190076...
,1414 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
https://doi.org/10.1371/journal.ppat.100...
.

A endemicidade discutida e apresentada como provável ao longo da transmissão intensa de FA, detectada desde 2016 no estado, parece não ter se concretizado, visto que a imprevisibilidade de sua ocorrência, dentre os inúmeros fatores (conhecidos ou não) que propiciaram sua transmissão, parece evidenciar exatamente o contrário1818 Kuno G. Mechanisms of yellow fever transmission: gleaning the overlooked records of importance and identifying problems, puzzles, serious issues, surprises and research questions. Viruses 2024; 16(1): 84. https://doi.org/10.3390/v16010084
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. Ainda persistem lacunas referentes a mecanismos de transmissão, processos que levam a surtos, dispersão e persistência do vírus na natureza1818 Kuno G. Mechanisms of yellow fever transmission: gleaning the overlooked records of importance and identifying problems, puzzles, serious issues, surprises and research questions. Viruses 2024; 16(1): 84. https://doi.org/10.3390/v16010084
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,1919 Garcia-Oliveira GF, Guimarães ACDS, Moreira GD, Costa TA, Arruda MS, Mello EM, et. al. YELLOW ALERT: persistent yellow fever virus circulation among non-human primates in urban areas of Minas Gerais State, Brazil (2021-2023). Viruses 2023; 16(1): 31. https://doi.org/10.3390/v16010031
https://doi.org/10.3390/v16010031...
.

Dada a imprevisibilidade de apontar os locais de reemergência da FA1313 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
https://doi.org/10.1590/0074-02760190076...
,1414 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
https://doi.org/10.1371/journal.ppat.100...
,1616 Ribeiro Prist P, Reverberi Tambosi L, Filipe Mucci L, Pinter A, Pereira de Souza, R, Lara Muylaert R, et al. Roads and forest edges facilitate yellow fever virus dispersion. J Appl Ecol 2021; 59(1): 4-17. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031
https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031...
,1818 Kuno G. Mechanisms of yellow fever transmission: gleaning the overlooked records of importance and identifying problems, puzzles, serious issues, surprises and research questions. Viruses 2024; 16(1): 84. https://doi.org/10.3390/v16010084
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,1919 Garcia-Oliveira GF, Guimarães ACDS, Moreira GD, Costa TA, Arruda MS, Mello EM, et. al. YELLOW ALERT: persistent yellow fever virus circulation among non-human primates in urban areas of Minas Gerais State, Brazil (2021-2023). Viruses 2023; 16(1): 31. https://doi.org/10.3390/v16010031
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e sua inegável importância epidemiológica, deve-se manter a vigilância do agravo operando de forma sensível, por meio da vigilância de epizootias em PNHs1010 Cunha MS, Costa AC, Fernandes NCCA, Guerra JM, Santos FCP, Nogueira JS, et al. Epizootics due to yellow fever virus in São Paulo state, Brazil: viral dissemination to new areas (2016–2017). Sci Rep 2019; 9(1): 5474. https://doi.org/10.1038/s41598-019-41950-3
https://doi.org/10.1038/s41598-019-41950...
,1414 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
https://doi.org/10.1371/journal.ppat.100...
,1616 Ribeiro Prist P, Reverberi Tambosi L, Filipe Mucci L, Pinter A, Pereira de Souza, R, Lara Muylaert R, et al. Roads and forest edges facilitate yellow fever virus dispersion. J Appl Ecol 2021; 59(1): 4-17. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031
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. Foram adotadas estratégias no sentido de ampliar o engajamento e a sensibilidade à vigilância de PNHs, para o que diversos órgãos estaduais intra e extrassaúde foram contatados, organizando-se em uma rede ampliada de vigilância de PNHs, com participação importante da SIMA, da Polícia Militar Ambiental, de universidades, conselhos de classe, médicos-veterinários autônomos e organizações não governamentais, entre outros organismos.

Na série histórica analisada, 79% (n=677) das epizootias em PNHs confirmadas para febre amarela têm identificação de gênero, sendo os macacos das espécies Alouatta spp e Callithrix spp mais frequentemente infectados. Poucas ocorrências foram registradas em espécies dos gêneros Cebus spp e Callicebus spp. Esses resultados são consistentes com achados anteriores e confirmam que as espécies Alouatta spp e Callithrix spp são mais frequentemente acometidas pela doença, e também registradas, do que outras espécies presentes no estado de São Paulo88 Moreno ES, Rocco IM, Bergo ES, Brasil RA, Siciliano MM, Suzuki A, et al. Reemergence of yellow fever: detection of transmission in the State of São Paulo, Brazil, 2008. Rev Soc Bras Med Trop 2011; 44(3): 290-6. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011005000041
https://doi.org/10.1590/S0037-8682201100...
,1313 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
https://doi.org/10.1590/0074-02760190076...
,1515 Fernandes NCCA, Guerra JM, Díaz-Delgado J, Cunha MS, Saad LDS, Iglezias SD, et al. 2021. Differential yellow fever susceptibility in new world non human primates, comparison with humans, and implications for surveillance. Emerg Infect Dis 2021; 27(1): 47-56. https://doi.org/10.3201/eid2701.191220
https://doi.org/10.3201/eid2701.191220...
,1919 Garcia-Oliveira GF, Guimarães ACDS, Moreira GD, Costa TA, Arruda MS, Mello EM, et. al. YELLOW ALERT: persistent yellow fever virus circulation among non-human primates in urban areas of Minas Gerais State, Brazil (2021-2023). Viruses 2023; 16(1): 31. https://doi.org/10.3390/v16010031
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.

Outros estados, também acometidos pela febre amarela, não conseguiram produzir informações tão qualificadas a respeito da ocorrência da doença em PNHs. Estudos semelhantes apontaram que 10% das epizootias confirmadas apresentavam identificação de gênero1212 Possas C, Lourenço-de-Oliveira R, Tauil PL, Pinheiro FP, Pissinatti A, Cunha RV, et al. Yellow fever outbreak in Brazil: the puzzle of rapid viral spread and challenges for immunisation. Mem Inst Oswaldo Cruz 2018; 113(10): e180278. https://doi.org/10.1590/0074-02760180278
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13 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
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-1414 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
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. Minas Gerais, durante o surto de 2016 a 2018, confirmou 1.006 casos humanos e 448 epizootias em primatas não humanos1313 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
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. A ocorrência de mais casos humanos diante da detecção da circulação em PNHs evidencia como a vigilância em PNHs é essencial para a vigilância de febre amarela ao detectar a circulação do vírus ainda em seu ciclo enzoótico33 Silva NIO, Sacchetto L, Rezende IM, Trindade GS, LaBeaud AD, Thoisy B, et al. Recent sylvatic yellow fever virus transmission in Brazil: the news from an old disease. Virol J 2020; 17(1): 9. https://doi.org/10.1186/s12985-019-1277-7
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,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e Ambiente. Guia de vigilância em saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [cited on Jan 20, 2024]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigilancia/guia-de-vigilancia-em-saude-volume-2-6a-edicao/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
,1212 Possas C, Lourenço-de-Oliveira R, Tauil PL, Pinheiro FP, Pissinatti A, Cunha RV, et al. Yellow fever outbreak in Brazil: the puzzle of rapid viral spread and challenges for immunisation. Mem Inst Oswaldo Cruz 2018; 113(10): e180278. https://doi.org/10.1590/0074-02760180278
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. Desta maneira, a estratégia adotada pelo ESP foi bem-sucedida, subsidiando a vacinação de populações suscetíveis, registrando-se também letalidade inferior à registrada pelo Ministério da Saúde22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e Ambiente. Guia de vigilância em saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [cited on Jan 20, 2024]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigilancia/guia-de-vigilancia-em-saude-volume-2-6a-edicao/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
,99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Sáude e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited on Nov 22, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2019_analise_situacao.pdf
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.

A atuação colaborativa, intersetorial, multidisciplinar, em rede, com olhar ampliado para o contexto da saúde única, permitiu melhor qualificação dos dados, fornecendo dados georreferenciados provenientes da vigilância de epizootias em PNHs, que foram utilizados para elaborar nova estratégia de vacinação baseada na metodology de corredores ecológicos de dispersão viral, num cenário de escassez nacional do imunobiológico diante da ocorrência de circulação da FA em diversos estados brasileiros22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Sáude e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited on Nov 22, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2019_analise_situacao.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
,1414 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
https://doi.org/10.1371/journal.ppat.100...
,1616 Ribeiro Prist P, Reverberi Tambosi L, Filipe Mucci L, Pinter A, Pereira de Souza, R, Lara Muylaert R, et al. Roads and forest edges facilitate yellow fever virus dispersion. J Appl Ecol 2021; 59(1): 4-17. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031
https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031...
. Tais informações deram origem a importantes produções científicas, colaborando não só com a vigilância da FA em PNHs, mas também para conservação desses animais1515 Fernandes NCCA, Guerra JM, Díaz-Delgado J, Cunha MS, Saad LDS, Iglezias SD, et al. 2021. Differential yellow fever susceptibility in new world non human primates, comparison with humans, and implications for surveillance. Emerg Infect Dis 2021; 27(1): 47-56. https://doi.org/10.3201/eid2701.191220
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,1616 Ribeiro Prist P, Reverberi Tambosi L, Filipe Mucci L, Pinter A, Pereira de Souza, R, Lara Muylaert R, et al. Roads and forest edges facilitate yellow fever virus dispersion. J Appl Ecol 2021; 59(1): 4-17. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031
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, corroborando a mudança do paradigma da vigilância antropocentrada.

Quando as informações provenientes da vigilância animal são confrontadas com aquelas provenientes de investigações de casos humanos, em que a prática da vigilância tem-se limitado a confirmar/descartar o caso, muitas vezes, sem avaliar o local provável de infecção, é possível compreender melhor o fenômeno por meio dos dados provenientes da vigilância animal, também em função da ocorrência silvestre da doença nesses mais de 20 anos de reemergência11 Saad LDC, Barata RB. Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saúde 2016; 25(3): 531-40. https://doi.org/10.5123/s1679-49742016000300009
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,22 Lacerda AB, Saad LDC, Ikefuti PV, Pinter A, Chiavaralloti-Neto F. Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil. Sci Rep 2021; 11(1): 16277 https://doi.org/10.1038/s41598-021-95539-w
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,1313 Abreu FVS, Delatorre E, Santos AAC, Ferreira-de-Brito A, Castro MG, Ribeiro IP, et al. Combination of surveillance tools reveals that Yellow Fever virus can remain in the same Atlantic Forest area at least for three transmission seasons. Mem Inst Oswaldo Cruz 2019; 114: e190076. https://doi.org/10.1590/0074-02760190076
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,1414 Hill SC, Souza R, Thézé J, Claro I, Aguiar RS, Abade L, et al. Genomic surveillance of yellow fever virus epizootic in São Paulo, Brazil, 2016 – 2018. PLoS Pathog 2020; 16(8): e1008699. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008699
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,1616 Ribeiro Prist P, Reverberi Tambosi L, Filipe Mucci L, Pinter A, Pereira de Souza, R, Lara Muylaert R, et al. Roads and forest edges facilitate yellow fever virus dispersion. J Appl Ecol 2021; 59(1): 4-17. https://doi.org/10.1111/1365-2664.14031
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,1717 Abreu FVS, Ribeiro IP, Ferreira-de-Brito A, Santos AAC, Miranda RM, Bonelly IS, et. al. Haemagogus leucocelaenus and Haemagogus janthinomys are the primary vectors in the major yellow fever outbreak in Brazil, 2016-2018. Emerg Microbes Infect 2019; 8(1): 218-31. https://doi.org/10.1080/22221751.2019.1568180
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.

É compreensível que os municípios não consigam avançar na qualificação das informações, tendo em vista os sucessivos cortes e desmontes que o SUS vem sofrendo ao longo dos anos2020 Pitombeira DF, Oliveita LC. Pobreza e desigualdades sociais: tensões entre direitos, austeridade e suas implicações na atenção primária. Ciênc Saúde Coletiva 2020; 25(5): 1699-708. https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33972019
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, e mais do que isso: demonstra fragilidade de compreensão do papel da vigilância epidemiológica e de qual modelo de saúde-doença vem sendo aplicado, executado e discutido2020 Pitombeira DF, Oliveita LC. Pobreza e desigualdades sociais: tensões entre direitos, austeridade e suas implicações na atenção primária. Ciênc Saúde Coletiva 2020; 25(5): 1699-708. https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33972019
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,2121 Barata RB. Epidemiologia social. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(1): 7-17. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000100002
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. É importante qualificar as informações de maneira sistemática para compreender os fenômenos e, assim, ampliar o debate da vigilância epidemiológica antropocentrada2121 Barata RB. Epidemiologia social. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(1): 7-17. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000100002
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,2222 Felisberto E, Sousa AIA, Souza NC, Guerra S, Samico I, Dubeux LS, et al. Avaliação das ações de vigilância sanitária: construção participativa de mecanismos para o monitoramento do desempenho da gestão. Vigil Sanit Debate 2022; 10(1): 2-13. https://doi.org/10.22239/2317-269x.01903
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para uma abordagem em saúde única2121 Barata RB. Epidemiologia social. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(1): 7-17. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000100002
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22 Felisberto E, Sousa AIA, Souza NC, Guerra S, Samico I, Dubeux LS, et al. Avaliação das ações de vigilância sanitária: construção participativa de mecanismos para o monitoramento do desempenho da gestão. Vigil Sanit Debate 2022; 10(1): 2-13. https://doi.org/10.22239/2317-269x.01903
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-2323 Di Giulio GM, Waldman EA, Nunes J, Buss PM, Jaime PC, Campelo T, et al. Global health and planetary health: perspectives for a transition to a more sustainable world post COVID-19. Cien Saude Colet 2021; 26(10): 4373-82. https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.14332021
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.

A vigilância de epizootias em PNHs (e outras doenças animais) é realizada, em grande parte, por médicos-veterinários e biólogos inseridos no SUS. Esses profissionais, ainda poucos nos quadros de servidores municipais, depois do corte do repasse federal, em 2019, para o funcionamento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs)1717 Abreu FVS, Ribeiro IP, Ferreira-de-Brito A, Santos AAC, Miranda RM, Bonelly IS, et. al. Haemagogus leucocelaenus and Haemagogus janthinomys are the primary vectors in the major yellow fever outbreak in Brazil, 2016-2018. Emerg Microbes Infect 2019; 8(1): 218-31. https://doi.org/10.1080/22221751.2019.1568180
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,2424 Giatti LL, Ribeiro RA, Nava AFD, Gutberlet J. Emerging complexities and rising omission: Contrasts among socio-ecological contexts of infectious diseases, research and policy in Brazil. Genet Mol Biol 2021; 44(1 Suppl1): e20200229. https://doi.org/10.1590/1678-4685-GMB-2020-0229
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, que previa a participação de médicos-veterinários na atenção primária, ficaram ainda mais escassos. Eles compreendem o conceito de saúde única, pois este é intrínseco às atividades que exercem, representando um movimento de implantação, capilarização e discussão no cotidiano do agir ampliado, apoiado no conceito de integralidade e multidisciplinaridade em saúde do sistema2222 Felisberto E, Sousa AIA, Souza NC, Guerra S, Samico I, Dubeux LS, et al. Avaliação das ações de vigilância sanitária: construção participativa de mecanismos para o monitoramento do desempenho da gestão. Vigil Sanit Debate 2022; 10(1): 2-13. https://doi.org/10.22239/2317-269x.01903
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24 Giatti LL, Ribeiro RA, Nava AFD, Gutberlet J. Emerging complexities and rising omission: Contrasts among socio-ecological contexts of infectious diseases, research and policy in Brazil. Genet Mol Biol 2021; 44(1 Suppl1): e20200229. https://doi.org/10.1590/1678-4685-GMB-2020-0229
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25 Mattos MP, Gutierrez AC, Campos GWS. Construção do referencial histórico-normativo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva 2022; 27(09): 3503-16. https://doi.org/10.1590/1413-81232022279.01472022
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.

A incorporação desse olhar, partindo da temática da determinação social das doenças2020 Pitombeira DF, Oliveita LC. Pobreza e desigualdades sociais: tensões entre direitos, austeridade e suas implicações na atenção primária. Ciênc Saúde Coletiva 2020; 25(5): 1699-708. https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33972019
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, coloca-nos num paradigma de reflexão-ação em saúde ampliada para além da saúde (apenas) humana. É importante e premente a discussão que permeie mecanismos, dentro da vigilância, e possibilite não só a coleta sistemática e qualificada de dados, mas espaços dialógicos e reflexivos sobre a temática.

Embora o conceito de saúde única não seja novo e esteja na vanguarda das discussões interdisciplinares e multissetoriais há anos, atualmente há interesse crescente para que essa abordagem seja aplicada e traduzida em ação, reforçando seus objetivos gerais e, particularmente, a ecossaúde (ao destacar o escopo ecocêntrico versus antropocêntrico) e a saúde planetária, reconhecendo explicitamente a relevância da saúde ambiental/ecossistêmica.

As limitações encontradas neste estudo são aquelas inerentes à pesquisa em bases de dados secundários, neste caso, procedentes dos processos de notificação passiva, o que pode levar a imprecisões na aplicação de definições de casos e na suspeição e na confirmação dos casos suspeitos, bem como sua notificação, investigation epidemiológica e registro no sistema.

O presente estudo apresenta o potencial de incorporação e qualificação sistemática da abordagem em saúde única para o método da vigilância epidemiológica, avançando num paradigma de ampliação de atuação de uma vigilância antropocentrada.

No período analisado nesta pesquisa, foram registrados cinco surtos de febre amarela no estado de São Paulo, com a confirmação de 679 casos humanos autóctones e 857 epizootias em PNHs, sendo a gravidade de maior magnitude a transmissão registrada desde 2016, quando o vírus atingiu áreas e populações (anteriormente) sem recomendação de vacina, fato que exigiu a ampliação de estratégias de vigilância animal para guiar a tomada de decisão. Essa estratégia bem-sucedida, proposta pelo Ministério da Saúde desde 2003, reforça como a abordagem em saúde única pode ser exitosa nas ações executadas nos três níveis de gestão do SUS, tornando o sistema mais resiliente e sensível à emergência/reemergência de doenças zoonóticas.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO:

    nenhuma.
  • APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA:

    O projeto do estudo foi aprovado pelo CEP da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (CEP/FSP/USP), por meio do Parecer no 5.536.721.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2024
  • Revisado
    01 Set 2024
  • Aceito
    02 Set 2024
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br