Prevalência de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em mulheres trans e travestis no Brasil: dados do estudo TransOdara

Inês Dourado Laio Magno Beo Oliveira Leite Francisco Inácio Bastos Jurema Corrêa da Mota Maria Amélia de Sousa Mascena Veras TransOdara Research GroupSobre os autores

RESUMO

Objetivo

Investigar a prevalência do vírus da imunodeficiência humana (HIV) entre mulheres trans e travestis em cinco capitais no Brasil.

Métodos

TransOdara foi um estudo de corte transversal que avaliou comportamentos e a prevalência de infecções sexualmente transmissíveis (IST) entre mulheres trans e travestis em cinco capitais brasileiras, entre 2019 e 2021. Mulheres trans e travestis ≥18 anos foram recrutadas utilizando respondent-driven sampling, responderam a um questionário e fizeram testes rápidos para HIV e outras IST. O desfecho foi o resultado do teste rápido para HIV. Estimaram-se razões de prevalência ajustadas e intervalos de confiança de 95% por meio da regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

No seu conjunto, esta população mostrou-se vulnerabilizada, com níveis elevados de moradia instável e no mercado de trabalho informal. Habitualmente, essas mulheres recorrem ao sexo comercial como sua atividade profissional principal. Metade delas receberam menos do que um salário mínimo, vivendo em condições desfavoráveis. A prevalência da infecção pelo HIV foi de 34.40%. No modelo final, as variáveis associadas com a prevalência do HIV foram: ter 31 anos ou mais, não estar estudando no momento da entrevista, estar desempregada e estar engajada em sexo comercial.

Conclusão

Foi identificada uma prevalência substancialmente elevada para o HIV entre as mulheres trans e travestis (em contraste com a prevalência baixa na população geral de mulheres brasileiras), sublinhando o contexto de vulnerabilidade desta população. Os achados indicam claramente a premência de intensificar e expandir o acesso à prevenção do HIV e da implementação de estratégias que interrompam o processo de discriminação vivenciado nos serviços de saúde e ofereçam serviços apropriados a esta população.

Palavras-chave:
HIV; Travestis; Pessoas transsexuais; Prevalência; Brasil

INTRODUÇÃO

A saúde das mulheres trans tem sido cada vez mais objeto de investigação11. Sweileh WM. Bibliometric analysis of peer-reviewed literature in transgender health (1900–2017). BMC Int Health Hum Rights 2018; 18(1): 16. https://doi.org/10.1186/s12914-018-0155-5
https://doi.org/10.1186/s12914-018-0155-...
, dadas as urgentes necessidades de saúde dessa população22. Heng A, Heal C, Banks J, Preston R. Transgender peoples’ experiences and perspectives about general healthcare: a systematic review. Int J Transgend 2018; 19(4): 359-78. https://doi.org/10.1080/15532739.2018.1502711
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-66. Hughto JMW, Reisner SL, Pachankis JE. Transgender stigma and health: a critical review of stigma determinants, mechanisms, and interventions. Soc Sci Med 2015; 147: 222-31. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.11.010
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. As estimativas globais da prevalência do vírus da imunodeficiência humana (HIV) entre mulheres trans para vários países foram de 19,9% na primeira década do século 21, correspondendo a um odds ratio (OR) de 66,0 em comparação com adultos de idade reprodutiva da população em geral77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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. A desproporcionalidade entre as taxas de infecção e os dados demográficos fica evidente quando são realizadas comparações cruzadas entre mulheres trans e a população em geral, qualquer que seja a unidade geográfica em análise, em todo o mundo88. Russi JC, Serra M, Viñoles J, Pérez MT, Ruchansky D, Alonso G, et al. Sexual transmission of hepatitis B virus, hepatitis C virus, and human immunodeficiency virus type 1 infections among male transvestite comercial sex workers in Montevideo, Uruguay. Am J Trop Med Hyg 2003; 68(6): 716-20. PMID: 12887033.

9. Herbst JH, Jacobs ED, Finlayson TJ, McKleroy VS, Neumann MS, Crepaz N, et al. Estimating HIV prevalence and risk behaviors of transgender persons in the United States: a systematic review. AIDS Behav 2008; 12(1): 1-17. https://doi.org/10.1007/s10461-007-9299-3
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10. Farías MS, Garcia MN, Reynaga E, Romero M, Vaulet MLG, Fermepín MR, et al. First report on sexually transmitted infections among trans (male to female transvestites, transsexuals, or transgender) and male sex workers in Argentina: high HIV, HPV, HBV, and syphilis prevalence. Int J Infect Dis 2011; 15(9): e635-40. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2011.05.007
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11. Martins TA, Kerr LRFS, Macena RHM, Mota RS, Carneiro KL, Gondim RC, et al. Travestis, an unexplored population at risk of HIV in a large metropolis of northeast Brazil: a respondent-driven sampling survey. AIDS Care 2013; 25(5): 606-12. https://doi.org/10.1080/09540121.2012.726342
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-1212. Costa AB, Fontanari AMV, Jacinto MM, Silva DC, Lorencetti EK, Rosa Filho HT, et al. Population-based HIV prevalence and associated factors in male-to-female transsexuals from Southern Brazil. Arch Sex Behav 2015; 44(44): 521-4. https://doi.org/10.1007/s10508-014-0386-z
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.

Dados recentes destacam as necessidades de saúde de mulheres trans, além de taxas desproporcionalmente mais elevadas de infecção pelo HIV77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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,1313. UNAIDS. UNAIDS Data 2022. Genova: UNAIDS; 2022. e sífilis1414. Avila MM, Farías MSR, Fazzi L, Romero M, Reynaga E, Marone R, et al. High frequency of illegal drug use influences condom use among female transgender sex workers in argentina: impact on HIV and syphilis infections. AIDS Behav 2017; 21(7): 2059-68. https://doi.org/10.1007/s10461-017-1766-x
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. Uma revisão sistemática relatou prevalência global de infecção pelo HIV de 19,9% entre mulheres trans77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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. A prevalência estimada para um conjunto de estudos brasileiros foi ainda maior — 14,3% (IC95% 6,8–21,8) a 40,9% (IC95% 35,7–46,1) em 202177. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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. No entanto, são poucos os estudos que estimam a prevalência do HIV entre mulheres trans e travestis no Brasil. Em geral, a prevalência é elevada, mas varia de acordo com a região e a metodologia utilizada pelos estudos. A prevalência pontual variou de 12 a 32% nos inquéritos sorológicos realizados em 2013 e 2017, respectivamente1111. Martins TA, Kerr LRFS, Macena RHM, Mota RS, Carneiro KL, Gondim RC, et al. Travestis, an unexplored population at risk of HIV in a large metropolis of northeast Brazil: a respondent-driven sampling survey. AIDS Care 2013; 25(5): 606-12. https://doi.org/10.1080/09540121.2012.726342
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,1212. Costa AB, Fontanari AMV, Jacinto MM, Silva DC, Lorencetti EK, Rosa Filho HT, et al. Population-based HIV prevalence and associated factors in male-to-female transsexuals from Southern Brazil. Arch Sex Behav 2015; 44(44): 521-4. https://doi.org/10.1007/s10508-014-0386-z
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,1515. Grinsztejn B, Jalil EM, Monteiro L, Velasque L, Moreira RI, Garcia ACF, et al. Unveiling of HIV dynamics among transgender women: a respondent-driven sampling study in Rio de Janeiro, Brazil. Lancet HIV 2017; 4(4): e169-e176. https://doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30015-2
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,1616. Sousa PJ, Ferreira LO, Sá JB. Descriptive study of homophobia and vulnerability to HIV/Aids of the transvestites in the Metropolitan Region of Recife, Brazil. Cien Saude Colet 2013; 18(8): 2239-51. https://doi.org/10.1590/s1413-81232013000800008
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, muito maior quando comparada à população geral feminina brasileira em 2015 (0,4%)1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. A resposta brasileira ao HIV e a AIDS. Relatório global de respostas a AIDS. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

Tais desigualdades em relação ao HIV e às infecções sexualmente transmissíveis (IST) podem ser explicadas por contextos de vulnerabilidade que contribuem para o aumento do risco de HIV e outras IST: a vulnerabilidade estrutural inclui más condições socioeconômicas (por exemplo, quando a identidade de gênero representa uma barreira para garantir um emprego estável e, em muitos contextos, moradia) e difícil acesso a serviços de prevenção e cuidados para o HIV e outras IST (por exemplo, discriminação nos serviços de saúde por parte de profissionais de saúde ou usuários e falta de cuidados qualificados)1818. Leite BO, Medeiros DS, Magno L, Bastos FI, Coutinho C, Brito AM, et al. Association between gender-based discrimination and medical visits and HIV testing in a large sample of transgender women in northeast Brazil. Int J Equity Health 2021; 20(1): 199. https//doi.org/10.1186/s12939-021-01541-z
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19. Rocon PC, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2016; 21(8): 2517-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
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20. Yi S, Sok S, Chhim S, Chhoun P, Chann N, Tuot S, et al. Access to community-based HIV services among transgender women in Cambodia: findings from a national survey. Int J Equity Health 2019; 18(1): 72. https://doi.org/10.1186/s12939-019-0974-6
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-2121. Sevelius JM, Patouhas E, Keatley JG, Johnson MO. Barriers and facilitators to engagement and retention in care among transgender women living with human immunodeficiency virus. Ann Behav Med 2014; 47(1): 5-16. https://doi.org/10.1007/s12160-013-9565-8
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; a vulnerabilidade interpessoal, como o estigma, a discriminação e a violência motivada pela identidade de gênero (por exemplo, transfobia), nas interações sociais cria uma maior vulnerabilidade ao HIV2222. Magno L, Dourado I, Silva LAV, Brignol S, Amorim L, MacCarthy S. Gender-based discrimination and unprotected receptive anal intercourse among transgender women in Brazil: a mixed methods study. PLoS One 2018; 13(4): e0194306. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0194306
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23. Magno L, Silva LAV, Veras MA, Pereira-Santos M, Dourado I. Stigma and discrimination related to gender identity and vulnerability to hiv/aids among transgender women: a systematic review. Cad Saude Publica 2019; 35(4): e00112718. https://doi.org/10.1590/0102-311X00112718
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24. Yi S, Ngin C, Tuot S, Chhoun P, Chhim S, Pal K, et al. HIV prevalence, risky behaviors, and discrimination experiences among transgender women in Cambodia: descriptive findings from a national integrated biological and behavioral survey. BMC Int Health Hum Rights 2017; 17(1): 14. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0122-6
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-2525. Wilson E, Pant SB, Comfort M, Ekstrand M. Stigma and HIV risk among Metis in Nepal. Cult Health Sex 2011; 13(3): 253-66. https://doi.org/10.1080/13691058.2010.524247
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. As dimensões da vulnerabilidade biológica e psicossocial são compostas por comportamentos e práticas sexuais2424. Yi S, Ngin C, Tuot S, Chhoun P, Chhim S, Pal K, et al. HIV prevalence, risky behaviors, and discrimination experiences among transgender women in Cambodia: descriptive findings from a national integrated biological and behavioral survey. BMC Int Health Hum Rights 2017; 17(1): 14. https://doi.org/10.1186/s12914-017-0122-6
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,2626. Lai J, Pan P, Lin Y, Ye L, Xie L, Xie Y, et al. A survey on HIV/AIDS-related knowledge, attitudes, risk behaviors, and characteristics of men who have sex with men among University Students in Guangxi, China. Biomed Res Int 2020; 2020: 7857231. https://doi.org/10.1155/2020/7857231
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27. Van Schuylenbergh J, Motmans J, Defreyne J, Somers A, T’Sjoen G. Sexual health, transition-related risk behavior and need for health care among transgender sex workers. Int J Transgend 2019; 20(4): 388-402. https://doi.org/10.1080/15532739.2019.1617217
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28. UNAIDS. Global HIV & AIDS statistics — fact sheet 2022. Geneva: UNAIDS; 2022.
-2929. Poteat T, Reisner SL, Radix A. HIV epidemics among transgender women. Curr Opin HIV AIDS 2014; 9(2): 168-73. https://doi.org/10.1097/COH.0000000000000030.
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.

O sexo sem preservativo entre mulheres trans e os seus parceiros sexuais é o principal fator de risco proximal para a infecção pelo HIV2929. Poteat T, Reisner SL, Radix A. HIV epidemics among transgender women. Curr Opin HIV AIDS 2014; 9(2): 168-73. https://doi.org/10.1097/COH.0000000000000030.
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. A ampla gama de riscos associados compreende o sexo transacional88. Russi JC, Serra M, Viñoles J, Pérez MT, Ruchansky D, Alonso G, et al. Sexual transmission of hepatitis B virus, hepatitis C virus, and human immunodeficiency virus type 1 infections among male transvestite comercial sex workers in Montevideo, Uruguay. Am J Trop Med Hyg 2003; 68(6): 716-20. PMID: 12887033.,99. Herbst JH, Jacobs ED, Finlayson TJ, McKleroy VS, Neumann MS, Crepaz N, et al. Estimating HIV prevalence and risk behaviors of transgender persons in the United States: a systematic review. AIDS Behav 2008; 12(1): 1-17. https://doi.org/10.1007/s10461-007-9299-3
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,3030. Nemoto T, Operario D, Keatley J, Villegas D. Social context of HIV risk behaviours among male-to-female transgenders of colour. AIDS Care 2004; 16(6): 724-35. https://doi;org/10.1080/09540120412331269567
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31. Clements-Nolle K, Marx R, Guzman R, Katz M. HIV prevalence, risk behaviors, health care use, and mental health status of transgender persons: implications for public health intervention. Am J Public Health 2001; 91(6): 915-21. https://doi.org/10.2105/ajph.91.6.915
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32. Silva-Santisteban A, Eng S, De La Iglesia G, Falistocco C, Mazin R. HIV prevention among transgender women in Latin America: implementation, gaps and challenges. J Int AIDS Soc 2016; 19(3Suppl 2): 20799. https://doi.org/10.7448/IAS.19.3.20799
https://doi.org/10.7448/IAS.19.3.20799...

33. Poteat T, Wirtz AL, Radix A, Borquez A, Silva-Santisteban A, Deutsch MB, et al. HIV risk and preventive interventions in transgender women sex workers. Lancet 2015; 385(9964): 274-86. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60833-3
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-3434. Guadamuz TE, Wimonsate W, Varangrat A, Phanuphak P, Jommaroeng R, McNicholl JM, et al. HIV prevalence, risk behavior, hormone use and surgical history among transgender persons in Thailand. AIDS Behav 2011; 15(3): 650-8. https://doi.org/10.1007/s10461-010-9850-5.
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, múltiplos parceiros88. Russi JC, Serra M, Viñoles J, Pérez MT, Ruchansky D, Alonso G, et al. Sexual transmission of hepatitis B virus, hepatitis C virus, and human immunodeficiency virus type 1 infections among male transvestite comercial sex workers in Montevideo, Uruguay. Am J Trop Med Hyg 2003; 68(6): 716-20. PMID: 12887033.,99. Herbst JH, Jacobs ED, Finlayson TJ, McKleroy VS, Neumann MS, Crepaz N, et al. Estimating HIV prevalence and risk behaviors of transgender persons in the United States: a systematic review. AIDS Behav 2008; 12(1): 1-17. https://doi.org/10.1007/s10461-007-9299-3
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,3131. Clements-Nolle K, Marx R, Guzman R, Katz M. HIV prevalence, risk behaviors, health care use, and mental health status of transgender persons: implications for public health intervention. Am J Public Health 2001; 91(6): 915-21. https://doi.org/10.2105/ajph.91.6.915
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,3434. Guadamuz TE, Wimonsate W, Varangrat A, Phanuphak P, Jommaroeng R, McNicholl JM, et al. HIV prevalence, risk behavior, hormone use and surgical history among transgender persons in Thailand. AIDS Behav 2011; 15(3): 650-8. https://doi.org/10.1007/s10461-010-9850-5.
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e o uso indevido de substâncias, especialmente imediatamente antes ou durante o sexo3131. Clements-Nolle K, Marx R, Guzman R, Katz M. HIV prevalence, risk behaviors, health care use, and mental health status of transgender persons: implications for public health intervention. Am J Public Health 2001; 91(6): 915-21. https://doi.org/10.2105/ajph.91.6.915
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,3232. Silva-Santisteban A, Eng S, De La Iglesia G, Falistocco C, Mazin R. HIV prevention among transgender women in Latin America: implementation, gaps and challenges. J Int AIDS Soc 2016; 19(3Suppl 2): 20799. https://doi.org/10.7448/IAS.19.3.20799
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,3434. Guadamuz TE, Wimonsate W, Varangrat A, Phanuphak P, Jommaroeng R, McNicholl JM, et al. HIV prevalence, risk behavior, hormone use and surgical history among transgender persons in Thailand. AIDS Behav 2011; 15(3): 650-8. https://doi.org/10.1007/s10461-010-9850-5.
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, alterando a capacidade dos indivíduos de adotar e manter comportamentos sexuais mais seguros3535. Shoptaw S, Montgomery B, Williams CT, El-Bassel N, Aramrattana A, Metsch L, et al. Not just the needle: the state of HIV prevention science among substance users and future directions. J Acquir Immune Defic Syndr 2013; 63(0 2): S174-8. https://doi.org/10.1097/QAI.0B013E3182987028
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, além dos riscos óbvios associados ao uso compartilhado de instrumentos para injeção.

Estudos epidemiológicos sobre a infecção pelo HIV entre mulheres trans no Brasil são relativamente raros e estão geograficamente agrupados em alguns locais do Sudeste, na parte sul da região Nordeste e, em menor proporção, no Sul77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.026...
,3636. Baral SD, Poteat T, Strömdahl S, Wirtz AL, Guadamuz TE, Beyrer C, et al. Worldwide burden of HIV in transgender women: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis 2013; 13(3): 214-22. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70315-8
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. Eles são praticamente inexistentes nas regiões Norte e Centro-Oeste, embora exista uma pequena fração de estudos de base populacional de mulheres trans, além daqueles realizados em serviços de referência para prevenção e tratamento dessa população, a partir de amostras de conveniência. O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência da infecção pelo HIV entre mulheres trans e travestis residentes em cinco capitais no Brasil e analisar os fatores associados à infecção pelo HIV.

METODOLOGIA

Trata-se de uma análise de dados de mulheres trans e travestis coletados em cinco capitais (Campo Grande, Manaus, Porto Alegre, Salvador e São Paulo) localizadas nas cinco macrorregiões brasileiras, no período de dezembro de 2019 a julho de 2021, que compuseram o estudo TransOdara, um inquérito com o objetivo de estimar a prevalência de HIV e de outras IST, e a monitorar práticas de risco para essas infecções.

“Mulheres trans e travestis” é usado aqui como um termo abrangente que inclui todos os indivíduos que se identificam com uma identidade de gênero diferente do sexo masculino atribuído no nascimento.

As participantes foram recrutadas por meio de amostragem orientada por respondentes (respondent-driven sampling – RDS), um método de amostragem em cadeia que começa com “sementes” — uma amostra de conveniência de membros da população-alvo escolhida pelos pesquisadores3737. Heckathorn DD. Respondent-driven sampling: a new approach to the study of hidden populations. Soc Probl 1997; 44(2): 174-99. https://doi.org/10.2307/3096941
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. No RDS, os participantes recrutaram seus conhecidos por meio de um sistema de cupons3737. Heckathorn DD. Respondent-driven sampling: a new approach to the study of hidden populations. Soc Probl 1997; 44(2): 174-99. https://doi.org/10.2307/3096941
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. Foram permitidos no máximo três recrutadoras por participante para reduzir a homofilia no recrutamento. Os critérios de elegibilidade foram ter idade igual ou superior a 18 anos, identificar-se com identidade de gênero feminina no momento do estudo, ser designada do sexo masculino ao nascer, e passar a maior parte do dia nos municípios estudados. Também era necessária a apresentação de um cupom de convite válido, concordar em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídas mulheres trans e travestis que, quando entrevistadas, estivessem sob efeito ou influência de drogas, inclusive álcool, de forma que dificultasse a compreensão da pesquisa.

Os pesquisadores selecionaram as primeiras participantes, as chamadas sementes, após pesquisa formativa qualitativa de forma a representar a heterogeneidade da população de mulheres trans e travestis segundo condições demográficas e socioeconômicas. Em cada cidade, 5 a 10 sementes iniciaram o processo de recrutamento. Cada semente, e posteriormente cada participante, recebeu três cupons para convidar mulheres trans e travestis de sua rede social de contato (cadeias de referência). Para um recrutamento bem-sucedido, o RDS incluiu incentivos primários e secundários. O primário foi de US$ 10,00 como indenização por transporte e perda de jornada de trabalho. Além disso, a compensação pelo recrutamento de contatos foi de US$ 10,00 para cada mulher trans e travesti recrutada para o estudo. Todas preencheram um questionário padrão conduzido pelo investigador para coleta de informações sociodemográficas e comportamento sexual, em um espaço reservado exclusivamente para esse fim. Maiores detalhes podem ser encontrados em Veras et al.3838. Veras MASM, Pinheiro TF, Galan L, et al. TransOdara study: the challenge of integrating methods, settings and procedures during the COVID-19 pandemic in Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2024; 27(Suppl 1): e240002.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720240002.supl.1
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Variáveis do estudo

A variável de desfecho foi o resultado do teste rápido de antígeno do HIV, classificado como positivo ou negativo. Outras variáveis de estudo selecionadas foram a identidade de gênero (mulher trans versus travesti versus sem gênero/outra identificação feminina), a orientação sexual (heterossexual versus bissexual/pansexual/homossexual/gay/lésbica/assexual/outra), a idade (18–30 anos versus 31–68 anos), a raça/cor da pele autorreferida (brancos versus pretos/pardos), se estava estudando no momento da entrevista (sim versus não); a escolaridade (sem escolaridade/apenas ensino fundamental versus ensino médio versus ensino superior); a situação de moradia (estável: casa ou apartamento próprio, casa ou apartamento alugado versus instável: família e amigos, situação de rua; abrigo ou pensão); a ocupação (empregado com carteira assinada versus empregado sem carteira assinada versus desempregado); o salário mínimo em reais (um ou menos versus mais de um); e o trabalho sexual ao longo da vida (não versus sim).

Análise de dados

Os dados sociodemográficos da população estudada foram descritos de acordo com o resultado do teste de HIV. As associações entre as variáveis do estudo, e a prevalência de HIV foram medidas pela razão de prevalência (RP) com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), em análise bivariada. E multivariada utilizando uma regressão de Poisson mista com variância robusta (um tutorial útil para iniciantes que usam R está disponível em https://stats.oarc.ucla.edu/r/dae/poisson-regression/).

Interceptos aleatórios foram aplicados a cada um dos locais (ou seja, as respectivas cidades) incluídos no estudo multicêntrico. A escolha de utilizar interceptos aleatório é subsequente à heterogeneidade entre os locais, respeitando tanto as taxas de infecção pelo HIV basais, como as características sociodemográficas de cada local.

Utilizando o modelo mencionado acima, assumimos que poderíamos capturar (pelo menos parcialmente) os efeitos subsequentes às diferentes heterogeneidades. Levamos em consideração a afirmação da American Statistical Association (ASA)3939. Wasserstein RL, Lazar NA. The ASA’s statement on p-values: context, process, and purpose. Am Stat 2016; 70(2): 129-33. https://doi.org/10.1080/00031305.2016.1154108
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, ou seja, consideramos que todo teste estatístico deve ser entendido no contexto de sua aplicação, procedimentos analíticos e finalidade. A ponderação não foi incluída nas análises conforme sugerido por Sperandei et al.4040. Sperandei S, Bastos LS, Ribeiro-Alves M, Reis A, Bastos FI. Assessing logistic regression applied to respondent-driven sampling studies: a simulation study with an application to empirical data. Int J Soc Res Methodol 2023; 26(3): 319-33. https://doi.org/10.1080/13645579.2022.2031153
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, respeitando a acurácia diferencial dos indicadores RDS para redes subjacentes de naturezas variadas.

As variáveis com valor de p≤0,20 na análise bivariada foram selecionadas para inclusão na modelagem inicial, e aquelas com valor de p<0,05 permaneceram no modelo final, juntamente com as variáveis que eram teoricamente importantes, utilizando a abordagem retrospectiva de seleção de variáveis. A adequação dos modelos finais foi analisada através dos critérios de informação de Akaike. Todas as análises foram realizadas no R versão 4.2.041, composto pelas bibliotecas lme4 e modelos estatísticos.

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (CAAE 05585518.7.0000.5479 - Nº parecer: 3.126.815 - 30/01/2019), assim como pelas demais instituições participantes: Instituto Leônidas e Maria Deane-ILMD/Fiocruz – Manaus; Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS, Instituto Adolfo Lutz; Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; e Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRS. O termo de consentimento livre e esclarecido por escrito foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo. Mulheres trans e travestis estiveram envolvidas na concepção e implementação do estudo e lideraram o recrutamento de participantes utilizando RDS.

RESULTADOS

Das 1.317 mulheres trans e travestis recrutadas e entrevistadas, 1.282 (97,3%) concordaram em fazer o teste de HIV. Entre elas, a prevalência geral foi de 34,40% (IC95% 31,8–37,1%) (número de testes positivos=441). Segundo cada cidade, a prevalência estimada foi de 26,55% (107) para São Paulo, 27,59% (48) para Campo Grande, 31,46% (56) para Salvador, 36,69% (124) para Manaus e 56,08% (106) para Porto Alegre.

A maioria das entrevistadas se autodefiniu como mulher ou mulher transexual (66,6%), heterossexual (79,2%), com idade até 30 anos (50,9%). Quase metade se autodefiniu como negra (45,6%) e uma grande maioria não estudava no momento da entrevista (78,6%). Pouco mais da metade (52,1%) completou o ensino médio, vivia em condições de moradia instáveis (74,2%), exercia trabalho informal (79,7%) e referiu trabalho sexual como principal atividade laboral ao longo da vida (73,7%). Metade delas (50,9%) ganhava menos que um salário-mínimo (Tabela 1).

Tabela 1
Análise bivariada de fatores associados à infecção pelo HIV entre participantes do TransOdara (dezembro de 2019 a julho de 2021).

Nas análises bivariadas, as principais variáveis associadas à prevalência do HIV foram identificar-se como travesti (RP: 2,27; IC95% 1,11–4,63), referir-se heterossexual (RP: 1,43; IC95% 1,10–1,85), não estudar no momento da entrevista (RP: 1,49; IC95% 1,15–1,93), exercer trabalho informal (RP: 1,51; IC95% 1,02–2,22) ou desemprego (RP: 1,80; IC95% 1,14–2,86), bem como referência a trabalho sexual ao longo da vida (RP: 1,97; IC95% 1,52–2,55) (Tabela 1).

No modelo multivariado final, as variáveis associadas ao desfecho (prevalência de HIV) foram: ter 31 anos ou mais (RP: 1,76; IC95% 1,44–2,16), não estudar no momento das entrevistas (1,32; IC95% 1,01–1,73), estar desempregada (1,76; IC95% 1,10–2,80) e referência a trabalho sexual ao longo da vida (1,76; IC95% 1,35–2,29) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise multivariada de fatores associados à infecção pelo HIV entre participantes do TransOdara (dezembro de 2019 a julho de 2021).

DISCUSSÃO

Este estudo evidenciou uma prevalência elevada de HIV entre o grande número de mulheres trans e travestis recrutadas, bem como uma alta prevalência para cada um dos locais incluídos no estudo multicêntrico, variando de 26,32% a 56,08%.

Os resultados corroboram os achados anteriores tanto de estudos de base populacional como de estudos com amostras de conveniência de centros de referência77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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. Qualquer que seja o cenário e a estratégia de amostragem, as taxas de infecção pelo HIV são sempre muito elevadas e muito superiores às observadas entre as mulheres da população em geral77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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.

Uma das hipóteses para a taxa muito maior em Porto Alegre é a especificidade da epidemia no Rio Grande do Sul (RS). A taxa de detecção da AIDS no RS (24,3 por 100 mil habitantes) em 2022 foi uma vez e meia maior que a do país (16,5 por 100 mil habitantes). A taxa de mortalidade também foi superior (7,7 mortes por 100 mil habitantes) no RS à média nacional, que foi de 4,2 mortes por 100 mil habitantes. A maior taxa de mortalidade foi estimada para Porto Alegre (22,6 mortes por 100 mil habitantes), cinco vezes a taxa nacional. De acordo com o índice composto baseado nos indicadores de taxa de detecção de aids, taxa de mortalidade e primeira contagem de células CD4 dos últimos cinco anos, Porto Alegre ficou na segunda posição entre as capitais brasileiras4242. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de HIV/Aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2022..

Numa população profundamente afetada pelo estigma e pela marginalização66. Hughto JMW, Reisner SL, Pachankis JE. Transgender stigma and health: a critical review of stigma determinants, mechanisms, and interventions. Soc Sci Med 2015; 147: 222-31. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.11.010
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015...
,2323. Magno L, Silva LAV, Veras MA, Pereira-Santos M, Dourado I. Stigma and discrimination related to gender identity and vulnerability to hiv/aids among transgender women: a systematic review. Cad Saude Publica 2019; 35(4): e00112718. https://doi.org/10.1590/0102-311X00112718
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,4343. Magno L, Dourado I, Silva LAV. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(5): e00135917. https://doi.org/10.1590/0102-311x00135917
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, que vive em condições terríveis caracterizadas por habitações instáveis4343. Magno L, Dourado I, Silva LAV. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(5): e00135917. https://doi.org/10.1590/0102-311x00135917
https://doi.org/10.1590/0102-311x0013591...

44. Vartabedian J. Migraciones trans: Travestis Brasileñas migrantes trabajadoras del sexo en Europa. Cad Pagu 2014; (42): 275-312.; https://doi.org/10.1590/0104-8333201400420275
https://doi.org/10.1590/0104-83332014004...
-4545. Padilla MB, Rodríguez-Madera S, Varas-Díaz N, Ramos-Pibernus A. Trans-migrations: border-crossing and the politics of body modification among Puerto Rican transgender women. Int J Sex Health 2016; 28(4): 261-77. https://doi.org/10.1080/19317611.2016.1223256
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, enormes dificuldades de acesso ao mercado de trabalho formal, baixos rendimentos e desemprego frequente4646. Silva MA, Luppi CG, Veras MASM. Work and health issues of the transgender population: factors associated with entering the labor market in the state of São Paulo, Brazil. Cien Saude Colet 2020; 25(5): 1723-34. https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.33082019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020255...

47. Bonassi BC, Amaral MS, Toneli MJF, Queiroz MA. Vulnerabilidades mapeadas, Violências localizadas: Experiências de pessoas travestis e transexuais no Brasil. Quad Psicol (Bellaterra, Internet) 2015; 17(3): 83-98. https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1283
https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia....
-4848. Nadal KL, Davidoff KC, Fujii-Doe W. Transgender women and the sex work industry: roots in systemic, institutional, and interpersonal discrimination. J Trauma Dissociation 2014; 15(2): 169-83. https://doi.org/101080/152997322014867572
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, essa conclusão desfavorável não é de forma alguma surpreendente. As diversas condições adversas e fatores de risco tendem a agrupar-se e a interagir frequentemente, contribuindo para padrões de vida inaceitáveis e elevada vulnerabilidade ao HIV (entre outras infecções e outras condições de saúde e sociais não avaliadas no presente estudo).

No Brasil, a prevalência do HIV nessa população é muito alta e parece improvável que seja controlada ou mesmo substancialmente melhorada, com exceção das mulheres que se beneficiam de programas de prevenção como a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP)4949. Magno L, Medeiros DS, Soares F, Grangeiro A, Caires P, Fonseca T, et al. Factors associated to HIV prevalence among adolescent men who have sex with men in Salvador, Bahia State, Brazil: baseline data from the PrEP1519 cohort. Cad Saude Publica 2023; 39 (Suppl 1): e00154021. https://doi.org/10.1590/0102-311XEN154021
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50. Veloso VG, Cáceres CF, Hoagland B, Moreira RI, Vega-Ramírez H, Konda KA, et al. Same-day initiation of oral pre-exposure prophylaxis among gay, bisexual, and other cisgender men who have sex with men and transgender women in Brazil, Mexico, and Peru (ImPrEP): a prospective, single-arm, open-label, multicentre implementation study. Lancet HIV 2023; 10(2): e84-e96. https://doi.org/10.1016/S2352-3018(22)00331-9
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51. Dourado I, Soares F, Magno L, Amorim L, Filho ME, Leite B, et al. Adherence, safety, and feasibility of HIV Pre-Exposure Prophylaxis among adolescent men who have sex with men and transgender women in Brazil (PrEP1519 study). J Adolesc Health 2023; 73(6S): S33-S42. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2023.09.005
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-5252. Dourado I, Magno L, Greco DB, Zucchi EM, Ferraz D, Westin MR, et al. Interdisciplinarity in HIV prevention research: the experience of the PrEP1519 study protocol among adolescent MSM and TGW in Brazil. Cad Saude Publica 2023; 39(Suppl 1): e00143221. https://doi.org/10.1590/0102-311XEN143221
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.

Uma revisão sistemática e metanálise de estudos brasileiros implementada entre 1995 e 2016, evidenciou taxas de prevalência variando entre 14,3% (6,8–21,8) e 40,9 (35,7–46,1)77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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. Estudos mais recentes têm mostrado prevalências um pouco mais baixas, apesar dos intervalos de confiança ainda tenderem a se sobrepor, variando de 9,0% (4,2–18,2) a 31,2% (18,8–43,6) para estudos realizados em Salvador5353. Leite BO, Magno L, Soares F, MacCarthy S, Brignol S, Bastos FI, et al. HIV prevalence among transgender women in Northeast Brazil – findings from two respondent driven sampling studies. BMC Public Health 2022; 22(1): 2120. https://doi.org/10.1186/s12889-022-14589-5
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e Rio de Janeiro1515. Grinsztejn B, Jalil EM, Monteiro L, Velasque L, Moreira RI, Garcia ACF, et al. Unveiling of HIV dynamics among transgender women: a respondent-driven sampling study in Rio de Janeiro, Brazil. Lancet HIV 2017; 4(4): e169-e176. https://doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30015-2
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, respectivamente.

Considerando que erros de amostragem tendem a ser ignorados (no caso de amostras de conveniência), ou são muito difíceis de estimar (no caso de estudos que utilizam as alternativas disponíveis aos estudos de probabilidade, como o RDS), é difícil distinguir tendências no sentido de um suposto declínio das taxas de infecção nos últimos anos devido a vieses secundários à inferência estatística em amostras não probabilísticas5454. Elliott MR, Valliant R. Inference for nonprobability samples. Statist Sci 2017; 32(2): 249-64. https://doi.org/101214/16-STS598
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.

Altas taxas de prevalência também foram demonstradas em estudos na Argentina (34,1%)5555. Farías MSR, Garcia MN, Reynaga E, Romero M, Vaulet MLG, Fermepín MR, et al. First report on sexually transmitted infections among trans (male to female transvestites, transsexuals, or transgender) and male sex workers in Argentina: high HIV, HPV, HBV, and syphilis prevalence. Int J Infect Dis 2011; 15(9): e635-40. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2011.05.007
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e no Uruguai (21,5%)88. Russi JC, Serra M, Viñoles J, Pérez MT, Ruchansky D, Alonso G, et al. Sexual transmission of hepatitis B virus, hepatitis C virus, and human immunodeficiency virus type 1 infections among male transvestite comercial sex workers in Montevideo, Uruguay. Am J Trop Med Hyg 2003; 68(6): 716-20. PMID: 12887033.. O fato de as taxas de prevalência serem quase invariavelmente superiores à estimativa única agrupada para essa população em todo o mundo (prevalência de 19,9%) é muito preocupante77. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063.
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.

No Brasil e na grande maioria dos países e contextos específicos, as mulheres trans vivem em contextos de alta vulnerabilidade e enfrentam diariamente a estigmatização e a marginalização55. Reisner SL, Poteat T, Keatley JA, Cabral M, Mothopeng T, Dunham E, et al. Global health burden and needs of transgender populations: a review. Lancet 2016; 388(10042): 412-36. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00684-X
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,2323. Magno L, Silva LAV, Veras MA, Pereira-Santos M, Dourado I. Stigma and discrimination related to gender identity and vulnerability to hiv/aids among transgender women: a systematic review. Cad Saude Publica 2019; 35(4): e00112718. https://doi.org/10.1590/0102-311X00112718
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,5656. Jesus JG, Belden CM, Huynh HV, Malta M, LeGrand S, Kaza VGK, et al. Mental health and challenges of transgender women: a qualitative study in Brazil and India. Int J Transgend Health 2020; 21(4): 418-30. https://doi.org/10.1080/26895269.2020.1761923
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57. Fredriksen-Goldsen KI, Cook-Daniels L, Kim HJ, Erosheva EA, Emlet CA, Hoy-Ellis CP, et al. Physical and mental health of transgender older adults: an at-risk and underserved population. Gerontologist 2014; 54(3): 488-500. https://doi.org/10.1093/geront/gnt021
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-5858. Valentine SE, Shipherd JC. A systematic review of social stress and mental health among transgender and gender non-conforming people in the United States. Clin Psychol Rev 2018; 66: 24-38. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2018.03.003
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. O Brasil continua sendo o país de maior proporção de casos de violência contra mulheres trans, com um nível muito elevado de homicídios (em comparação aos denominadores relativamente baixos)5959. Transgender Europe. Guidelines to human rights-based trans-specific healthcare. transgender Europe [Internet]. 2019 [cited on June 12, 2023]. Available from: https://tgeu.org/guidelines-to-human-rights-based-trans-specific-healthcare/
https://tgeu.org/guidelines-to-human-rig...
,6060. Benevides BG. Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022. Brasília: Associação Nacional de Travestis e Transexuais; 2023.. Apesar dos ganhos inegáveis dos projetos específicos, essa situação lamentável exige mudanças estruturais, com o profundo compromisso de diferentes níveis do governo e da sociedade civil.

Faz-se extremamente necessário um conjunto abrangente de iniciativas coordenadas, combinando intervenções específicas (por exemplo, no domínio da saúde) com mudanças estruturais, aumentando as possibilidades de pleno acesso à educação por parte dessa população, assim como oportunidades de trabalho em diferentes tipos de empregos, especialmente aqueles atualmente longe de serem acessíveis, ou seja, empregos bem remunerados e altamente qualificados6161. European Commission. On the implementation of the LGBTIQ equality strategy 2020-2025. Luxembourg: Publications Office of the European Union; 2023. https://doi.org/10.2838/909738
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62. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução no 26, de 28 de setembro de 2017. Dispõe sobre o II Plano Operativo (2017-2019) da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT) no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Diário Oficial da União de 28 de setembro de 2017 [cited on June 16, 2023]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2017/res0026_27_10_2017.html
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...

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https://doi.org/10.1590/1413-81232017225...
. As elevadas taxas de participação no mercado informal, as elevadas taxas de desemprego e os rendimentos muito baixos da grande maioria dessas mulheres mostram que tais objetivos continuam a ser um sonho e não oportunidades concretas.

Ainda existe uma grande lacuna entre o que foi prometido e que foi várias vezes traduzido em leis e iniciativas não discriminatórias. É claro que tais marcos jurídicos são essenciais, mas devem ser traduzidos em iniciativas práticas e contínuas. O preconceito está profundamente arraigado e difundido. A luta para contê-lo deve ser tão presente e implacável quanto as suas raízes abertas e disfarçadas.

Não está claro se as taxas de infecção pelo HIV estão realmente diminuindo nos últimos anos ou se as supostas tendências podem ser apenas uma consequência de muitas lacunas, advertências e preconceitos. Seja qual for a verdade, a diminuição real ou percebida é muito lenta e custará muitas vidas. Pessoas já foram vítimas de homicídios e outras condições médicas graves. Esses números não são compatíveis com o que poderíamos chamar de uma sociedade humana e compassiva.

Este estudo tem limitações. O desenho transversal apresenta desafios na captura de relações temporais dentro das associações exploradas. A concepção da metodologia RDS pode introduzir vieses de seleção através de amostragem não probabilística e homofilia de rede, embora não exclua a viabilidade de realizar tais inquéritos em populações de difícil acesso. Para minimizar o viés de desenho, as análises estatísticas incorporaram a cidade como um intercepto aleatório nos modelos de regressão de Poisson de efeitos mistos. No entanto, essas limitações não nos impedem de coletar informações valiosas sobre as redes de contato da nossa amostra, alinhando-se com outros resultados da literatura.

Apesar de o Brasil ter avançado com políticas públicas (por exemplo, a Política Nacional sobre IST/AIDS e a Política Nacional de Saúde Integral LGBT), muitas barreiras permanecem, impedindo, consequentemente, a plena implementação de estratégias de prevenção do HIV. A discriminação de gênero tem sido descrita na literatura como um fator estruturante das desigualdades sociais para a população trans, particularmente no aumento da vulnerabilidade das mulheres trans e travestis à infecção pelo HIV. Este estudo reforça a necessidade de priorizar o direito ao bem-estar social digno e à qualidade de vida, bem como indica claramente a urgência de intensificar e ampliar o acesso à prevenção do HIV e à implementação de estratégias que rompam a discriminação vivida nos serviços de saúde (entre outros) e prestar serviços adequados a essa população.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de expressar nossa gratidão às mulheres trans e travestis que participaram do estudo TransOdara em cinco capitais do Brasil. Agradecemos também aos profissionais do Ministério da Saúde do Brasil, Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI), em especial Cristina Pimenta e Silvana Giozza, e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em especial Grasiela Araújo.

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  • FONTE DE FINANCIAMENTO: Este estudo foi financiado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e pelo Ministério da Saúde do Brasil, Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) (acordo nº SCON2019-00162).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2023
  • Revisado
    19 Dez 2023
  • Aceito
    03 Jan 2024
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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