Recidivas de hanseníase em Centros de Referência de Teresina, Piauí, 2001-2008

Recurrence of leprosy in reference centers in Teresina, State of Piauí, Brazil, 2001-2008

Recidivas de hanseniasis en los Centros de Referencia de Teresina, Piauí, Brasil, 2001-2008

Sebastião Honório Bona Lara Oliveira Bona do Vale e Silva Uylma Assunção Costa Aldenora Oliveira do Nascimento Holanda Viriato Campelo Sobre os autores

Resumos

OBJETIVO:

descrever as características clínicas e epidemiológicas dos casos de recidivas de hanseníase diagnosticados nos serviços de referência do município de Teresina, Piauí.

MÉTODOS:

estudo de série de casos realizado na Clínica de Dermatologia do Hospital Getúlio Vargas e no Centro Maria Imaculada, no período de janeiro de 2001 a dezembro de 2008, com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) conferidos nos prontuários.

RESULTADOS:

foram confirmados 76 casos de recidivas nos serviços de referência, com média de idade de 44,2 anos; o tempo médio da alta em relação ao aparecimento da recidiva foi de 7,9 anos; os sinais e sintomas que caracterizaram as recidivas nas duas unidades estudadas foram manchas, infiltração, nódulos e placas; a conduta introduzida foi a multidrogaterapia.

CONCLUSÃO:

os casos de recidivas diagnosticados nos serviços de referência de Teresina possuem características clínicas semelhantes e apresentam perfil epidemiológico condizente com o do Brasil.

Hanseníase; Recidiva; Sinais e Sintomas; Epidemiologia Descritiva


OBJECTIVE:

To describe clinical and epidemiological characteristics of leprosy recurrence diagnosed at referemce centers in the city of Teresina, Piaui, Brazil.

METHODS:

Case series study conducted at the Getulio Vargas Hospital Dermatology Clinic and at the Maria Imaculada Center, from January 2001 to December 2008, using Notifiable Diseases Information System data checked against patients' records.

RESULTS:

76 cases of leprosy recurrence cases were confirmed with average patient age of 44.2 years. The average time between discharge and recurrence was 7.9 years. The signs and symptoms of recurrence in both clinics were skin patches, infiltration, nodules and plaques. Multidrug therapy was used.

CONCLUSIONS:

Recurring cases diagnosed at the clinics in Teresina have clinical characteristics and an epidemiological profile similar to those of Brazil as a whole.

Leprosy; Recurrence; Signs and Symptoms; Descriptive Epidemiology


OBJETIVO:

describir las características clínicas y epidemiológicas de los casos de recurrencia de hanseniasis diagnosticados en los centros de referencia del municipio de Teresina, Piauí, Brasil.

MÉTODOS:

Estudio de serie de casos realizado en la Clínica de Dermatología del Hospital Getulio Vargas y en el Centro María Inmaculada, en el período de enero de 2001 hasta diciembre de 2008, con datos del Sistema de Informacion de Enfermidades de Declaración Obligatoria (Sinan) adjudicados en los prontuarios.

RESULTADOS:

fueron confirmados 76 casos de recidivas en los centros, con media de edad de 44,2 años; el tiempo medio de alta, en relación al aparecimiento de la recidiva fue de 7,9 años; las señales y síntomas que caracterizaron las recidivas en las dos unidades estudiadas fueron: manchas, infiltraciones, nódulos y placas; la conducta introducida fue multidrogo terapia.

CONCLUSIÓN:

los casos de recurrencia diagnosticados en los servicios de referencia de Teresina tienen características clínicas similares y el perfil epidemiológico es consistente con el de Brasil.

Lepra; Recurrencia; Signos y Síntomas; Epidemiología Descriptiva


Introdução

A recidiva em hanseníase é definida como o desenvolvimento de novos sinais e sintomas, seja durante o período de vigilância epidemiológica, seja a qualquer tempo, em um paciente que tenha completado o tratamento com poliquimioterapia (PQT).11. Hulmani M, Marne RB, Dandakeri S. A case of lepromatous leprosy with multiple relapses. Lepr Rev. 2009 Jun;80(2):210-4.

Entre 2004 e 2009, o número de recidivas de hanseníase em nível mundial permaneceu estável, entre 2.000 a 3.000 casos; entretanto, o número de países que apresentaram casos de recidiva passou de 49 em 2008 para 122 em 2009. Nas Américas, de um total de 1.602 casos de recidivas, o Brasil contribuiu com 1.483, correspondendo a 92,6% do total.22. World Health Organization. Update on oseltamivir-resistant pandemic A (H1N1) 2009 influenza virus: January 2010 = Le point sur le virus de la grippe pandémique A (H1N1) 2009 résistant à l'oseltamivir: janvier 2010. Wkly Epidemiol Rec. 2010 Feb;6(85):37-48. English, French [cited 2011 Jan 09]. Available from: http://who.int/wer/2010/wer8506.pdf
Available from: http://who.int/wer/2010/...

Há importantes diferenças de registros de recidivas em regiões brasileiras nas quais a prevalência da doença é alta, como a borda da Amazônia Legal. Os estados de Mato Grosso, Acre, Amazonas, São Paulo, Paraná e Santa Catarina registraram as maiores taxas do país, entre 4 e 8% de casos de recidiva.33. Ferreira SMB, Ignotti E, Senigalia LM, Silva DRX, Gamba MA. Recidivas de casos de hanseníase no estado de Mato Grosso. Rev Saude Publica. 2010 ago;44(4):650-7. No Piauí, o número de casos de recidivas passou de 47 em 2001 para 87 casos em 2008; em sua capital, Teresina, o número aumentou de 17 casos em 2001 para 44 em 2008,44. Oliveira MLW. Monitoramento de recidivas e resistência medicamentosa em hanseníase no Brasil, protocolos para investigação clínica e laboratorial. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. representando uma proporção de casos de recidiva de 3% em um período de 7 anos.

O município de Teresina possui o maior número de casos de hanseníase notificados em todo o estado.55. Campelo V, organizador. Situação da hanseníase em Teresina-Piauí no Século XXI. Teresina: EDUFPI; 2013. Vários estudos relataram (i) detecção tardia de diagnóstico em pacientes com grau II de incapacidade, gerando baixa qualidade de vida, (ii) elevado número de casos em menores de 15 anos, revelando a continuidade da transmissão da doença, (iii) distribuição espacial da hanseníase, concentrada em bairros mais antigos da capital, (iv) aparecimento das principais reações hansênicas e (v) dificuldades de adesão ao tratamento.66. Pereira EVE, Nogueira LT, Machado HAS, Lima LAN, Ramos CHM. Perfil epidemiológico da hanseníase no município de Teresina, no período de 2001-2008. An Bras Dermatol. 2011 mar-abr;86(2):235-40.

7. Oliveira CAR. Perfil epidemiológico da hanseníase em menores de 15 anos no município de Teresina [dissertação]. Teresina: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2008.

8. Lustosa AA, Nogueira LT, Pedrosa JIS, Teles JBM, Campelo V. The impact of leprosy on health-related quality of life. Rev Soc Bras Med Trop. 2011 set-out;44(5):621-6.

9. Lages RB, Bona SH, Campelo V. Estudo das reações hansênicas na clínica dermatológica do Hospital Getúlio Vargas, 2008-2010, Teresina-PI: experiência de três anos [Internet]. Teresina: Universidade Federal do Piauí; 2012 [citado 2011 jun 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.ufpi.br/20sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Vida/eeb69a3cb92300456b6a5f4162093851.pdf .
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-1010. Pereira EVE. Avaliação das ações do Programa de Controle da Hanseníase. [dissertação]. Teresina (PI): Universidade Federal do Piauí; 2010.

Geralmente, as recidivas entre os pacientes que se submetem à PQT para o tratamento da hanseníase ocorrem quando passado um período superior a cinco anos desde a alta.1111. Pattyn S, Grillone S. Relapse rates and a 10-year follow-up of a 6-week quadruple drug regimen for multibacillary leprosy. Lepr Rev. 2002 Sep;73(3):245-7. O diagnóstico de recidiva obedece a certos critérios clínicos, normatizados pela Portaria do Ministério da Saúde MS/GM nº 3.125, de 7 de outubro de 2010, embora também possam-se considerar os critérios laboratoriais.

Os critérios clínicos de recidivas em casos paucibacilares (PB) baseiam-se em pacientes, após alta por cura, que apresentam dor no trajeto de nervos, novas áreas de alteração de sensibilidade, lesões novas ou exacerbação das existentes que não respondem ao tratamento com corticosteroides por 90 dias. Nos casos multibacilares (MB), os pacientes, após alta por cura, apresentam novas lesões e/ou exacerbação das antigas, novas alterações neurológicas que não respondem ao tratamento com talidomida e/ou corticosteroide nas doses e prazos recomendados, baciloscopia positiva e quadro compatível com paciente virgem de tratamento.1212. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.125, de 07 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para vigilância, atenção e controle da hanseníase. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, (DF), 2010 out; Seção 1:55.

Os fatores predisponentes que influenciam na patogênese da recidiva são a persistência bacilar, presente em cerca de 10% dos pacientes MB, sendo mais frequente nos casos com alto índice baciloscópico (IB), resistência medicamentosa e erros na classificação operacional adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na persistência bacilar, os bacilos conseguem sobreviver sob condições de baixo metabolismo e em localizações que escapam à ação das drogas, como nervos dérmicos, músculos lisos, nódulos linfáticos, íris, medula óssea e fígado.11. Hulmani M, Marne RB, Dandakeri S. A case of lepromatous leprosy with multiple relapses. Lepr Rev. 2009 Jun;80(2):210-4.,1313. Kamal S, Thappa DM. Relapse in leprosy. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2009 Mar-Apr;75:126-35.

14. Agrawal A, Dalal M, Makkannavar JH, Shetty JP. Ulnar nerve abscess and relapse in a patient with indeterminate leprosy 1 year after completion of multidrug therapy. Pediatr Neurosurg. 2005 May-Jun;41(3):162-4.
-1515. Opromolla DV. Recidiva ou reação reversa. Hansen Int. 1994;19(1):10-6. A persistência bacilar é responsável pelos casos de recidiva nos pacientes com IB>4 e sem nenhum caso detectado entre os contatos íntimos, após cinco anos de alta por cura.1616. Oliveira ML, Pierro AP, Silveira PA, Campos MM, Vilela MF. Relapse of lepromatous after WHO/MDT with rapid bacterial growth. Lepr Rev. 2002 Dec;73(4): 386-8.

Quanto à resistência medicamentosa, esta pode ser primária ou secundária. A resistência primária ocorre no próprio paciente, devido a irregularidades no tratamento e à ocorrência de mutações nos genes específicos do bacilo, folp1, rpoB e gyrA, que codificam a resistência a dapsona, rifampicina e quinolonas, respectivamente. A resistência secundária ocorre em indivíduos infectados por bacilos já previamente resistentes.1717. Matsuoka M, Maeda S, Kai M, Nakata N, Chae GT, Gillis TP, et al. Mycobacterium leprae typing by genomic diversity and global distribution of genotypes. Int J Lepr Other Mycobact Dis. 2000 Jun;68(2):121-8. Cabe destacar que a persistência bacilar e a resistência à droga por mutação são responsáveis pelos casos de recidivas tardias, enquanto o tratamento inadequado, com morte insuficiente de bacilos, causa recidivas precoces.1818. Shetty VP, Wakade AV, Ghate SD, Pai VV, Ganapati RR, Antia NH. Clinical, histopathological and bacteriological study of 52 referral MB cases relapsing after MDT. Lepr Rev. 2005 Sep;76(3).241-52.

O erro na classificação inicial pode ocorrer em pacientes previamente diagnosticados como PB, quando apresentam esfregaços intradérmicos positivos e o esquema terapêutico adotado para tratamento mostra-se inadequado, acarretando recidivas anos depois, em uma forma MB bem caracterizada.1919. Büker-Sékula S, Cunha MG, Foss NT, Oskam L, Faber WR, Klatser PR. Dipstick assay to identify leprosy patients who have in increased risk of relapse. Trop Med Int Health. 2001 Apr;6(4):317-23.

São vários os fatores de risco para as recidivas, entre os quais se encontram a idade e o sexo. Casos multibacilares são mais frequentes nas faixas etárias mais avançadas, enquanto casos paucibacilares, mais frequentes entre os mais jovens. O sexo masculino é o mais atingido; nas mulheres, as recidivas mantêm relação com a gravidez e a lactação.1313. Kamal S, Thappa DM. Relapse in leprosy. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2009 Mar-Apr;75:126-35.

Outro fator de risco é o IB alto no início e no fim do tratamento, quando a recidiva ocorre com mais facilidade, razão porque esses pacientes devem merecer uma vigilância especialmente cuidadosa por parte dos programas de tratamento da hanseníase.2020. Ximenes RAA, Gallo MEN, Brito MFM. Retreatment in leprosy: a case control study. Rev Saude Publica. 2007 Aug;41(4):632-7 A irregularidade do tratamento pode determinar a ocorrência de recidivas, em função do aparecimento de resistência medicamentosa. Pacientes em contato com as formas bacilares da hanseníase constituem importante fator de risco de recidiva da doença.1919. Büker-Sékula S, Cunha MG, Foss NT, Oskam L, Faber WR, Klatser PR. Dipstick assay to identify leprosy patients who have in increased risk of relapse. Trop Med Int Health. 2001 Apr;6(4):317-23. O exame dos contatos é um relevante instrumento de controle da endemia, no sentido de evitar a reinfecção dos pacientes.2121. Haldar A, Mahapatra BS, Mundle M, Haldar S, Saha AK. A study of relapse after MDT in a district in Wheat Bengal, India. Indian J Lepr. 2003 Jan-Mar;75(1):1-8.

As recidivas constituem o principal indicador da efetividade de um programa de controle da hanseníase.2222. Linder K, Zia M, Kern WV, Pfau RKM, Wagner D. Relapses vs. reactions in multibacillary leprosy: proposal of new relapse criteria. Trop Med Int Health. 2008 Mar;13(3):295-309. Tornam-se necessários estudos que abordem as variáveis envolvidas na ocorrência de recidivas, para auxiliar na implementação e avaliação dos programas e na melhoria dos resultados no tratamento da hanseníase.

O objetivo deste estudo foi descrever as características clínicas e epidemiológicas dos casos de recidivas de hanseníase diagnosticados nos serviços de referência do município de Teresina, estado do Piauí, Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo de série de casos que incluiu todos os casos de recidivas de hanseníase identificados em residentes no município de Teresina, situado no meio norte da região Nordeste do Brasil.

A pesquisa foi realizada no período de janeiro de 2001 a dezembro de 2008, nos Centros de Referência para o tratamento da hanseníase no município: Clínica de Dermatologia do Hospital Getúlio Vargas, instituição de ensino conveniada com a Universidade Federal do Piauí; e Centro Maria Imaculada, vinculado à Arquidiocese de Teresina e dedicado ao tratamento e controle da doença.

Os casos foram obtidos do registro do Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) da Secretaria Municipal de Saúde, confirmados pelos dados da Secretaria de Estado da Saúde e pelos prontuários de atendimento.

Considerando-se os critérios preconizados pelo Ministério da Saúde para validação diagnóstica dos casos de recidiva, foram estabelecidos os seguintes escores: período de incubação >5 anos = 1 ponto; sinais e sintomas clínicos = 7 pontos; baciloscopia positiva = 1 ponto; e histopatologia compatível = 1 ponto. Foi estabelecido o ponto de corte = 7, correspondente à pontuação máxima atribuída aos achados clínicos.1212. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.125, de 07 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para vigilância, atenção e controle da hanseníase. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, (DF), 2010 out; Seção 1:55.

Foi incluído no estudo todo paciente notificado com o diagnóstico clínico de recidiva de hanseníase na ficha do Sinan, que havia se tratado para a doença de forma regular, recebido alta por cura e, entretanto, apresentado sinais clínicos e/ou laboratoriais de atividade da doença. Os casos com menos de um ano do término do tratamento e pacientes compatíveis com o diagnóstico de reação de hanseníase ou outro diagnóstico dermatológico foram excluídos da amostra do estudo.

Foram avaliadas as seguintes variáveis: sexo; idade; procedência; formas clínicas; incapacidades físicas; baciloscopia; grau de incapacidade; período de incubação a partir da alta; troncos nervosos acometidos; e esquemas terapêuticos.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Piauí - CEP-MEMO nº 0288.0.045.000-10, de 24 de setembro de 2010 -, em conformidade com as diretrizes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 196, de 10 de outubro de 1996, vigente à época do estudo.

Resultados

Foram confirmados 56 casos de recidivas: 36 casos diagnosticados na Clínica Dermatológica do Hospital Getúlio Vargas e 20 casos no Centro Maria Imaculada, sendo a maioria do sexo masculino (N=31). A idade média desses casos foi de 42,3 anos (desvio-padrão [DP] = ±1,2) para os homens e de 46,2 anos (DP = ±1,2) para as mulheres (Tabela 1).

Tabela 1
Idade e sexo dos pacientes que apresentaram recidiva de hanseníase segundo o local de atendimento no município de Teresina, estado do Piauí, 2001 a 2008

O tempo médio da alta em relação ao aparecimento da recidiva foi de 7,9 anos, (DP = ±1,9) (Tabela 2). O exame dermatoneurológico foi realizado em toda a população do estudo; as manchas predominaram, estando presentes em 49 pacientes, seguindo-se 12 pacientes com infiltração, 8 com nódulos e 7 com placas (Tabela 3).

Tabela 2
Intervalo de tempo entre a alta e o aparecimento da recidiva de hanseníase por local de atendimento no município de Teresina, estado do Piauí, 2001 a 2008

Tabela 3
Descrição das lesões apresentadas pelos pacientes na recidiva de hanseníase segundo o local de atendimento no município de Teresina, estado do Piauí, 2001 a 2008

Os sinais e sintomas que caracterizam as recidivas de hanseníase no município de Teresina estão representados na Tabela 4. Entre 56 pacientes, 52 apresentaram mal-estar sem febre.

Tabela 4
Sinais e sintomas apresentados pelos pacientes na recidiva de hanseníase segundo o local de atendimento no município de Teresina, estado do Piauí, 2001 a 2008

De acordo com os resultados desta pesquisa, 10 pacientes apresentaram pelo menos um nervo acometido (Tabela 4); entre eles, 4 pacientes tiveram acometimento do nervo ulnar, 2 apresentaram-se com nervo mediano acometido, 2 com lesão do nervo radial, 1 com acometimento do nervo fibular e 1 com o nervo tibial posterior acometido.

A maioria dos casos (44/56) recebeu tratamento com PQT MB (Tabela 5).

Tabela 5
Condutas adotadas no manejo de casos de recidivas de hanseníase segundo o local de atendimento no município de Teresina, estado do Piauí. Brasil, 2001 a 2008

Discussão

A presente pesquisa revelou que os pacientes com recidivas de hanseníase estiveram concentrados na faixa etária de 40 anos, em fase produtiva, quando muitos se encontram trabalhando. Houve predominância de recidiva entre pessoas do sexo masculino, em concordância com a literatura.1313. Kamal S, Thappa DM. Relapse in leprosy. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2009 Mar-Apr;75:126-35. O tempo médio transcorrido entre alta por cura e aparecimento da recidiva foi de 7,9 anos após a alta, corroborando os critérios estabelecidos para a diferenciação entre reação e recidiva que geralmente definem esse período em mais de cinco anos.1212. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.125, de 07 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para vigilância, atenção e controle da hanseníase. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, (DF), 2010 out; Seção 1:55. As manchas constituíram a lesão mais frequente nos casos de recidivas, sem presença de febre, com registro de mal-estar, sendo a MB a opção terapêutica mais utilizada.

Os serviços de saúde devem estar atentos ao aparecimento das reações hansênicas, para não incorrerem no risco de tratamento desnecessário e na mudança de parâmetros epidemiológicos não compatíveis com a realidade. A regressão espontânea dos sintomas pode ser consequência da resposta ao esquema terapêutico ou da resolução espontânea do processo da doença.2323. Oliveira MLW, Gomes MK, Pimentel MIF, Castro MCR. Reação reversamacular pós alta de poliquimioterapia multibacilar. Hansen Int. 1996;21(1):46-51.

Estudo realizado no município de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, relatou uma taxa bruta de recidiva de 0,64% no período de 1990 a 2003. A maioria dos dados que serviram a esse estudo foi colhida em unidades básicas de saúde, onde os prontuários eram preenchidos por clínicos gerais, o que permitiu uma validação de apenas 11 prontuários em um universo de 325 com diagnóstico de recidiva de hanseníase.2424. Hércules FM. Recidiva de hanseníase no município de Duque de Caxias. [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2004. No município de Teresina, houve 56 casos notificados como recidiva no período de 2001 a 2008, número relativamente alto quando comparado ao encontrado em Duque de Caxias. O percentual de recidivas no total de casos novos foi de 17 casos em 2001, passando a 44 casos em 2008. Esses percentuais são equivalentes aos encontrados para o Brasil, cujos índices aparecem entre os maiores do mundo.77. Oliveira CAR. Perfil epidemiológico da hanseníase em menores de 15 anos no município de Teresina [dissertação]. Teresina: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2008. Provavelmente, o resultado da presente pesquisa explique-se pelo fato de o município piauiense possuir características de hiperendemicidade e os dois serviços analisados representarem Centros de Referência para a identificação da hanseníase, dotados de profissionais mais qualificados.

A análise dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes durante o diagnóstico das recidivas objetivou verificar se os critérios clínicos utilizados nos dois Centros de Referência estavam de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde para diagnóstico de recidivas - diferenciado do diagnóstico das reações hansênicas. Sobre as formas neurais puras, dois pacientes, ambos atendidos no Hospital Getúlio Vargas, não apresentaram acometimento cutâneo. Essas formas de recidivas neurais puras são de difícil avaliação, da mesma forma que o diagnóstico de novos casos, exigindo uma equipe multidisciplinar constituída de fisioterapeuta, dermatologista, ortopedista e neurologista, para um diagnóstico diferencial e de outras morbidades.1212. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.125, de 07 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para vigilância, atenção e controle da hanseníase. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, (DF), 2010 out; Seção 1:55. No diagnóstico, devem ser identificados novos troncos nervosos espessados e sensíveis, com extensão da área de perda de sensibilidade e um insidioso aparecimento de déficit motor.1313. Kamal S, Thappa DM. Relapse in leprosy. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2009 Mar-Apr;75:126-35. No presente estudo, entre 56 pacientes, 46 não apresentaram acometimento de tronco nervoso. Contudo, uma pesquisa realizada no estado do Espírito Santo, com 104 pacientes, identificou 10 (9,6%) com acometimento de um único tronco nervoso, 33 (31,7%) com dois troncos nervosos afetados, enquanto 54 (51,9%) não apresentaram nenhum tronco nervoso acometido e 7 (6,7%) não foram avaliados.2525. Diniz LM, Moreira MV, Puppin MA, Oliveira MLWDR. Estudo retrospectivo de recidiva da hanseníase no Estado do Espírito Santo. Rev Soc Bras Med Trop. 2009 jul-ago;42(4):420-4.

Quanto às condutas tomadas diante de recidivas, foi realizada nova PQT, na maior parte dos casos com a introdução do esquema MB. Estudo comparativo de vários esquemas terapêuticos comprovou que as recidivas, após cinco anos da liberação da terapia, estavam confinadas no polo multibacilar, com alta carga bacilar.2626. Fajardo TT, Villahermosa L, Pardillo FEF, Abalos RM, Burgos J, Dela Cruz E, et al. A comparative clinical trial in multibacilary leprosy with long-term relapse rates of four different multidrug regimens. Am J Trop Med Hyg. 2009 Aug;81(2):330-4. Estudo realizado em Cebu, Filipinas, com pacientes multibacilares, demonstrou que o risco de recidiva era maior nos casos que apresentavam IB≥4 (quando comparados àqueles com carga bacilar menor), resultando no crescimento residual dos bacilos persistentes pós-poliquimioterapia.2727. Balagon MF, Cellona RV, Cruz ED, Burgos JA, Abalos RM, Walsh GP, et al. Long-term relapse risk of multibacillary leprosy after completion of 2 years of multiple drug therapy (WHO-MDT) in Cebu, Philippines. Am J Trop Med Hyg. 2009 Nov;81(5):895-9. A OMS divulgou em 1994 - após a introdução da PQT - que o risco de recidiva era maior nos casos PB do que nos MB: 1,1% e 0,7%, respectivamente. Contudo, é possível que se tenha superestimado os casos paucibacilares, confundido-se muitas reações reversas com recidivas.

Os achados deste estudo confirmam serem os casos caracterizados como recidivas (i) mais expressivos em pacientes do sexo masculino, além de constatar um (ii) tempo médio entre a alta e o reaparecimento de sinais e sintomas de 7,9 anos, em concordância com a literatura. Ademais, a forma multibacilar foi a mais frequente e em idade mais avançada, dos 40 aos 50 anos. Recomenda-se a realização de estudos que abordem as variáveis envolvidas na ocorrência de recidivas, para auxiliar na implementação e avaliação dos programas e na melhoria dos resultados alcançados com o tratamento da hanseníase.

Finalmente, o presente trabalho indica a necessidade de um diagnóstico diferencial mais correto e efetivo, para se evitar confusões com reações hansênicas e, por conseguinte, tratamentos inadequados.

Nesse sentido, sugere-se a realização de uma capacitação mais eficaz dos profissionais de saúde dedicados à avaliação dos casos de hanseníase em tratamento nos Centros de Referência-objeto desta análise, como forma de eliminar os erros de diagnóstico tanto de recidivas como de reações hansênicas.

Agradecimentos

À Fundação Municipal de Saúde de Teresina e à Secretaria de Estado da Saúde do Piauí, pela concessão dos dados para a pesquisa.

À Professora Dra. Maria Leide Wan Rey de Oliveira e à Professora Telma Maria Evangelista de Araújo, pelas observações pertinentes ao aprimoramento do manuscrito.

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    Hulmani M, Marne RB, Dandakeri S. A case of lepromatous leprosy with multiple relapses. Lepr Rev. 2009 Jun;80(2):210-4.
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    World Health Organization. Update on oseltamivir-resistant pandemic A (H1N1) 2009 influenza virus: January 2010 = Le point sur le virus de la grippe pandémique A (H1N1) 2009 résistant à l'oseltamivir: janvier 2010. Wkly Epidemiol Rec. 2010 Feb;6(85):37-48. English, French [cited 2011 Jan 09]. Available from: http://who.int/wer/2010/wer8506.pdf
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    Ferreira SMB, Ignotti E, Senigalia LM, Silva DRX, Gamba MA. Recidivas de casos de hanseníase no estado de Mato Grosso. Rev Saude Publica. 2010 ago;44(4):650-7.
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    Oliveira MLW. Monitoramento de recidivas e resistência medicamentosa em hanseníase no Brasil, protocolos para investigação clínica e laboratorial. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
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    Campelo V, organizador. Situação da hanseníase em Teresina-Piauí no Século XXI. Teresina: EDUFPI; 2013.
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    Pereira EVE, Nogueira LT, Machado HAS, Lima LAN, Ramos CHM. Perfil epidemiológico da hanseníase no município de Teresina, no período de 2001-2008. An Bras Dermatol. 2011 mar-abr;86(2):235-40.
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    Oliveira CAR. Perfil epidemiológico da hanseníase em menores de 15 anos no município de Teresina [dissertação]. Teresina: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2008.
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    Lustosa AA, Nogueira LT, Pedrosa JIS, Teles JBM, Campelo V. The impact of leprosy on health-related quality of life. Rev Soc Bras Med Trop. 2011 set-out;44(5):621-6.
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    Lages RB, Bona SH, Campelo V. Estudo das reações hansênicas na clínica dermatológica do Hospital Getúlio Vargas, 2008-2010, Teresina-PI: experiência de três anos [Internet]. Teresina: Universidade Federal do Piauí; 2012 [citado 2011 jun 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.ufpi.br/20sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Vida/eeb69a3cb92300456b6a5f4162093851.pdf
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2014
  • Aceito
    13 Set 2015
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