Introdução
Os sistemas e serviços de saúde são influenciados por um conjunto de fatores, destacando-se o envelhecimento da população, o aumento da carga de doença devido principalmente às enfermidades crônicas e à maior oferta de tecnologias, as quais têm exigido cada vez mais recursos financeiros para adquiri-las, comprometendo a sustentabilidade do orçamento da saúde. Neste cenário, intervenções para prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e controle de doenças e agravos competem entre si por recursos escassos.
Em economia, trabalha-se com a noção de custo de oportunidade, em que há usos alternativos para os recursos limitados. Esse conceito pressupõe que, ao se optar por uma intervenção equivocada - aquela que não gere benefícios adicionais -, perde-se a oportunidade de usar a mesma quantia de dinheiro para investir em alternativas que poderiam trazer mais ganhos para a população.
A avaliação econômica em saúde teve início na década de 1960, como ferramenta para auxiliar o processo de tomada de decisão e possibilitar maior retorno aos investimentos.11. Gold M, Siegel J, Russel L, Weinstein M. Cost-effectiveness in health and medicine. New York: Oxford University Press; 1996.
Define-se avaliação econômica como uma análise comparativa de estratégias em termos de custos e desfechos em saúde.22. Drummond MF, Sculpher MJ, Claxton K, Stoddart GL, Torrance GW. Methods for the economic evaluation of health care programmes. 3th ed.; New York: Oxford University Press 2005. A definição evidencia duas características principais destes estudos. A primeira é a ênfase em comparações, pois, para que haja escolha, devem-se confrontar pelo menos duas intervenções que tenham a mesma finalidade - por exemplo, diferentes insulinas para o controle da diabetes tipo 1. A segunda característica diz respeito à relação entre custos e desfechos em saúde, sendo que para cada relação investigada se devem sistematizar informações relevantes ao longo de determinado período de tempo, referido como horizonte temporal.
Para a avaliação econômica auxiliar a tomada de decisão, deve-se informar a perspectiva adotada na análise, a qual indica quem tem a prerrogativa de selecionar alguma das estratégias em investigação. As três perspectivas mais comuns referem-se ao prestador de serviços (hospital, clínica), ao sistema de saúde (público ou privado) e à sociedade. Nesta última, inclui-se ampla gama de agentes, tais como os pacientes, a previdência e a assistência social. A opção por alguma das três perspectivas influencia a identificação, a mensuração e a valoração dos custos.
Tipos de avaliação econômica
A teoria do bem-estar é a base metodológica da avaliação econômica (welfare economics), em que se busca maximizar a satisfação da população a partir dos recursos disponíveis.33. Silva EN, Sousa TRV. Avaliação econômica no âmbito das doenças raras: isto é possível? Cad. Saude Publica. 2015 mar;31(3):496-506. A eficiência alocativa deriva desta teoria, que tem como fundamento aproveitar as oportunidades para garantir que alguns indivíduos possam melhorar sem que outros piorem.
A avaliação econômica engloba quatro tipos de estudo: i) custo-efetividade; ii) custo-utilidade; iii) custo-benefício; e iv) custo-minimização. De modo geral, o que os diferencia é a forma de mensurar os desfechos em saúde.44. Silva EN, Galvão TF, Pereira MG, Silva MT. Estudos de avaliação econômica de tecnologias em saúde: roteiro para análise crítica. Rev Panam Salud Publica. 2014 mar;35(3):219-27. A Figura 1 sintetiza as características de cada tipo.
A opção por um determinado desfecho depende de fatores como a perspectiva do estudo, a modalidade de estratégia e a disponibilidade de evidência científica. A perspectiva do estudo refere-se à escolha da medida mais relevante para o tomador de decisão, além de delimitar a identificação, a mensuração e a valoração dos custos. Quanto à modalidade de estratégia, opta-se pela que apresente maior impacto em termos de eficácia, efetividade, qualidade de vida ou benefício monetário. Finalmente, tudo depende de haver evidências de boa qualidade sobre o desfecho selecionado.
Vários países têm elaborado orientações de boas práticas em avaliação econômica, com vistas a dispor de recomendações que se ajustem às especificidades de cada sistema de saúde. Segundo a International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR), 38 países adotam guias próprios.55. International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research. Pharmacoeconomic guidelines around the world [Internet]. Lawrenceville: International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research; 2016 [citado 2016 jan 6]. Disponível em: Disponível em: http://www.ispor.org/PEguidelines/index.asp
http://www.ispor.org/PEguidelines/index.... Desde 2008, o Brasil possui as suas Diretrizes Metodológicas para Estudos de Avaliação Econômica em Saúde.66. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: diretriz de avaliação econômica. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
Por que a avaliação econômica se tornou um tópico importante para gestores e profissionais da saúde?
Cada vez mais, os conceitos de avaliação econômica fazem parte da rotina dos sistemas e serviços de saúde. As restrições orçamentárias e de recursos humanos impõem decisões complexas. Dessa forma, a sistematização de evidências sobre custos e resultados em saúde torna-se questão-chave para possibilitar melhores decisões quanto aos investimentos a serem feitos.
A decisão sobre disponibilizar uma determinada tecnologia no sistema de saúde, por sua vez, envolve gestores, profissionais de saúde, fornecedores e usuários, os quais não estão isentos de potenciais conflitos de interesse. Uma forma de mitigá-los é por meio de uso de evidências de boa qualidade, respaldando cientificamente as políticas públicas.
Referências
- 1Gold M, Siegel J, Russel L, Weinstein M. Cost-effectiveness in health and medicine. New York: Oxford University Press; 1996.
- 2Drummond MF, Sculpher MJ, Claxton K, Stoddart GL, Torrance GW. Methods for the economic evaluation of health care programmes. 3th ed.; New York: Oxford University Press 2005.
- 3Silva EN, Sousa TRV. Avaliação econômica no âmbito das doenças raras: isto é possível? Cad. Saude Publica. 2015 mar;31(3):496-506.
- 4Silva EN, Galvão TF, Pereira MG, Silva MT. Estudos de avaliação econômica de tecnologias em saúde: roteiro para análise crítica. Rev Panam Salud Publica. 2014 mar;35(3):219-27.
- 5International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research. Pharmacoeconomic guidelines around the world [Internet]. Lawrenceville: International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research; 2016 [citado 2016 jan 6]. Disponível em: Disponível em: http://www.ispor.org/PEguidelines/index.asp
» http://www.ispor.org/PEguidelines/index.asp - 6Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: diretriz de avaliação econômica. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
- 1O presente artigo inicia uma série de textos sobre os estudos de avaliação econômica. Nele são abordadas generalidades sobre o tema, entre as quais, os conceitos básicos e a sua aplicabilidade. Os próximos tópicos lidam com aspectos centrais da avaliação econômica, entre os quais se destacam os custos (diretos, indiretos e intangíveis), os desfechos em saúde (monetário, eficácia, efetividade e qualidade de vida), os modelos analíticos (árvore de decisão, modelos de Markov, eventos discretos e modelos dinâmicos) e as incertezas nos procedimentos (análise de sensibilidade determinística e probabilística). Espera-se que a série facilite o entendimento das bases da avaliação econômica e estimule a sua utilização por maior número de pessoas.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016