Resumo
OBJETIVO:
descrever a proporção de hipertensos e diabéticos que referiram obter medicamentos para controle dessas doenças no Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), segundo características sociodemográficas.
MÉTODOS:
estudo descritivo de base populacional, com indivíduos adultos (18 anos ou mais), sobre dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013.
RESULTADOS:
cerca de um terço dos indivíduos hipertensos (35,9% - IC95% 34,1;37,7) e mais da metade dos diabéticos (57,4% - IC95% 54,2;60,2) obtiveram pelo menos um medicamento no PFPB, com algumas diferenças entre as grandes regiões brasileiras; para os diabéticos, foram encontradas maiores proporções de obtenção de medicamentos pelo PFPB por indivíduos de cor preta (69,4% - IC95% 60,8;77,9) e com menor nível de escolaridade (≤8 anos de estudo) (63,9% - IC95% 60,2;67,7), sem diferenças significativas entre os grupos etários e sexos.
CONCLUSÃO:
a obtenção de pelo menos um medicamento para tratamento da hipertensão e diabetes pelo PFPB foi elevada, especialmente nos segmentos menos favorecidos socioeconomicamente.
Palavras-chave:
Epidemiologia Descritiva; Política Nacional de Assistência Farmacêutica; Equidade no Acesso; Hipertensão; Diabetes Mellitus
Abstract
OBJECTIVE:
to describe the proportion of hypertensive and diabetic patients who reported getting medicines to control these diseases via the Brazilian People's Pharmacy Program, according to sociodemographic factors.
METHODS:
this was a population-based descriptive study using 2013 National Health Survey data on individuals aged over 18 years.
RESULTS:
around one third of hypertensive individuals (35.9%; 95%CI 34.1-37.7) and more than half of those with diabetes (57.4%; 95%CI 54.2-60.2%) had got at least one kind of medication via the Program, there being some differences between the country's regions. Among patients with diabetes, higher rates of getting medication were found in black people (69.4%; 95%CI 60.8-77.9) and those with less schooling (0-8 years) (63.9%; 95%CI 60.2-67.7), with no significant differences between age groups or sex.
CONCLUSION:
obtaining at least one kind of medication to treat hypertension and diabetes via the Program was high, especially among the underprivileged.
Key words:
Epidemiology, Descriptive; National Policy of Pharmaceutical Assistance; Equity in Access; Hypertension; Diabetes Mellitus
Resumen
OBJETIVO:
describir la proporción de hipertensos y diabéticos que reportaron conseguir medicamentos para controlar estas enfermedades en el Programa Farmacia Popular de Brasil (PFPB), de acuerdo con factores sociodemográficos.
MÉTODOS:
estudio descriptivo poblacional, con individuos adultos (18 años o más), con datos de la Encuesta Nacional de Salud (PNS) 2013.
RESULTADOS:
cerca de un tercio de los individuos hipertensos (35,9%; IC95% 34,1-37,7) y más de la mitad de los diabéticos (57,4%; IC95% 54,2-60,2) obtuvieron al menos un medicamento en el PFPB, con diferencias entre las regiones; entre los diabéticos se encontraron mayores proporciones de obtención de medicamentos por el PFPB en individuos negros (69,4%; IC95% 60,8-77,9) y menor nivel de educación (<8 años de estudio) (63,9%; IC95% 60,2-67,7), sin diferencias significativas entre los grupos etario o sexo.
CONCLUSIÓN:
la obtención de al menos un medicamento para el tratamiento de hipertensión y diabetes por el PFPB fui significativo, especialmente en los sectores menos favorecidos socioeconómicamente.
Palabras-clave:
Epidemiología Descriptiva; Equidad en el Acceso; Hipertensión; Política Nacional de Asistencia Farmacéutica; Diabetes Mellitus
Introdução
Os medicamentos são instrumentos terapêuticos utilizados no processo saúde-doença. Responsáveis pelo aumento da expectativa e da qualidade de vida da população, medicamentos podem salvar vidas e melhorar a saúde das pessoas. Para que se realize essa perspectiva, o acesso aos medicamentos torna-se fundamental, uma vez que representa condição para a prevenção, controle, tratamento e cura de doenças.11. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: um estudo de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2011 abr;27(4):649-58.,22. Bermudez JAZ. Acesso a medicamentos: direito ou utopia? Rio de Janeiro: Faperj; 2014.
No Brasil, o direito de acesso à saúde é instituído pela Constituição Federal, em cujo texto foi estabelecido que a saúde representa "direito da população e dever do Estado". Para tanto, a estruturação legal do Sistema Único de Saúde (SUS) estabelece, entre outras atribuições, a garantia à assistência terapêutica integral da população, incluída a assistência farmacêutica.33. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil Brasil, Brasília (DF), 1988 out 5; Seção 1:1.
Nesse campo, o Estado brasileiro tem implementado diferentes iniciativas e estratégias de ação com o propósito de implementar suas políticas de assistência farmacêutica. No conjunto das diversas ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde para assegurar o acesso aos medicamentos, insere-se o Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), criado em 2004 com o objetivo de ampliar o acesso da população aos medicamentos, bem como diminuir o impacto dos gastos com medicamentos no orçamento familiar. Na etapa inicial da implantação do PFPB, foi constituída uma rede própria de farmácias, incialmente sob a responsabilidade da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e posteriormente, em parcerias com estados, municípios, entidades filantrópicas e instituições de Ensino Superior. A partir de 2006, o PFPB foi expandido, também mediante parcerias, desta vez com farmácias e drogarias privadas, em uma iniciativa institucional conhecida como o programa 'Aqui Tem Farmácia Popular'.44. Brasil. Lei nº 10.858, de 13 de abril de 2004. Autoriza a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz a disponibilizar medicamentos, mediante ressarcimento, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,Brasília (DF),2004 abr 14; Seção 1:1.
5. Pereira MA.Programa Farmácia Popular no Brasil: uma análise sobre sua relação com o complexo econômico-industrial da saúde e os programas estratégicos do governo federal [dissertação].Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2013.
6. Costa KS, Francisco PMSB, Barros MBA. Conhecimento e utilização do Programa Farmácia Popular do Brasil: estudo de base populacional no município de Campinas-SP. Epidemiol Serv Saude. 2014 jul-set;23(3):397-408.-77. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 184, de 3 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre o Programa Farmácia Popular do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília(DF), 2011 fev 4; Seção 1:35.
O PFPB fora criado sob a lógica de co-pagamento e complementaridade às demais ações desenvolvidas no âmbito do SUS. Em fevereiro de 2011, o PFPB foi reformulado a partir da incorporação de uma nova ação, denominada 'Saúde Não Tem Preço' (SNTP), em que os medicamentos indicados para o tratamento da hipertensão e diabetes passaram a ser fornecidos de modo totalmente gratuito. Tal medida representou o fim da contrapartida do usuário na aquisição da terapêutica medicamentosa prescrita para esses agravos.77. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 184, de 3 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre o Programa Farmácia Popular do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília(DF), 2011 fev 4; Seção 1:35.
No Brasil, a elevada magnitude da prevalência de hipertensão (21,4% dos adultos: 31,3 milhões de pessoas) e de diabetes (6,2% dos adultos: 9,1 milhões de pessoas)88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. aponta para a necessidade de articular um conjunto de políticas públicas, entre elas as políticas voltadas à garantia do acesso a medicamentos, visando o controle e monitoramento desses agravos na forma como propõe o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022.99. Ministério da Saúde (BR).Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de Ações Estratégicas para Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
Devido à relevância sanitária, o acesso aos medicamentos vêm sendo objeto de análise em diferentes iniciativas, entre as quais a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que permite identificar, ademais, outros aspectos como as características dos diabéticos e hipertensos, incluindo a utilização de medicamentos e sua forma de obtenção.
O presente estudo teve por objetivo descrever a proporção de hipertensos e diabéticos que referiram obter medicamentos para controle dessas doenças no Programa Farmácia Popular do Brasil - PFPB -, segundo características sociodemográficas.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo de base populacional, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde - PNS - realizada em 2013 pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. A população pesquisada compreendeu adultos (18 anos ou mais de idade), moradores de domicílios particulares no Brasil.
A amostra da PNS constitui uma subamostra da Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisa Domiciliares (SIPD) do IBGE, cuja abrangência inclui os setores censitários da Base Operacional Geográfica do Censo Demográfico 2010, à exceção daqueles setores com número muito pequeno de domicílios e dos setores especiais (quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações, colônias penais, presídios, penitenciárias, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais).88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.
Foi realizada amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das Unidades Primárias de Amostragem (UPA). Os setores censitários ou conjunto de setores censitários formam as UPA, os domicílios são unidades de segundo estágio, e os moradores definem as unidades de terceiro estágio. O tamanho da amostra foi definido considerando-se o nível de precisão (intervalo de confiança de 95%) desejado para as estimativas de alguns indicadores de interesse. A descrição completa do plano de amostragem do inquérito está disponível em publicação do IBGE.88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.
A amostra inicial era de 81.167 domicílios com uma perda estimada de 20,7%, do que deveriam resultar 64.348 pessoas;1010. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL,Souza Júnior PRB, et al. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cienc Saude Coletiva. 2014 fev;19(2):333-42. entretanto, foram entrevistados 60.202 moradores selecionados, o que representa uma perda de 25,8% sobre a amostra estimada inicialmente.
Nas entrevistas, realizadas sob a responsabilidade do IBGE, foram utilizados computadores de mão - personal digital assistance (PDA) - programados para os processos de crítica das variáveis. No processo da entrevista, primeiramente, os agentes de coleta apresentaram o objetivo do estudo; a seguir, foram identificados todos os moradores do domicílio, além do informante que responderia ao questionário domiciliar; nesse momento, também foi identificado, com apoio do programa de seleção aleatória do PDA, o morador adulto - 18 anos ou mais - que responderia à entrevista individual.
A obtenção de medicamentos por intermédio do PFPB foi investigada para todos os indivíduos que referiram diagnóstico médico e uso de medicamentos para tratamento de hipertensão e diabetes (considerado o uso de medicamentos orais ou insulina) nas duas semanas anteriores à entrevista, e que responderam 'sim' à seguinte pergunta:
Algum dos medicamentos foi obtido no Programa Farmácia Popular (PFP)?
Foram estimados os percentuais de indivíduos hipertensos e de diabéticos que obtiveram pelo menos um medicamento para tratamento da hipertensão ou diabetes, em relação ao total de indivíduos que referiram diagnóstico médico e uso de medicamentos para seu tratamento, segundo variáveis sociodemográficas e sua distribuição entre as grandes regiões e unidades da Federação (UF). A avaliação dos dados do presente artigo foi realizada a partir da amostra estratificada por sexo (masculino; feminino), grupos de idade (em anos: 18 a 29; 30 a 59; 60 a 64; 65 a 74; e 75 ou mais), cor da pele/raça autodeclarada (branca; preta; parda) e nível educacional (sem instrução e Ensino Fundamental incompleto; Ensino Fundamental completo e Médio incompleto; Ensino Médio completo e Superior incompleto; e Ensino Superior completo).
Foram descritas as variáveis envolvidas no estudo, apresentadas as frequências relativas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), considerando-se o plano amostral complexo e a ponderação da amostra, com auxilio do software SAS versão 9.0. Foi considerada como diferença estatisticamente significativa quando os IC95% não apresentaram sobreposição na comparação das categorias das variáveis de interesse e apresentados somente os resultados com coeficiente de variação inferior a 30%.
O projeto da Pesquisa Nacional de Saúde foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), mediante o Parecer no 328.159, de 26 de junho de 2013. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
No ano de 2013, no Brasil, a proporção de indivíduos de 18 anos ou mais de idade que referiram diagnóstico de hipertensão arterial foi de 21,4% (IC95% 20,8;22,0), e de diabetes, de 6,2% (IC95% 5,9;6,6).
Do total de indivíduos que referiram diagnóstico médico de hipertensão, 81,4% (IC95% 80,1;82,7) afirmaram usar medicamento para seu tratamento, e do total de pacientes que mencionaram diagnóstico de diabetes, 80,2% (IC95% 78,0;82,5) afirmaram ter utilizado medicamento oral ou insulina nos 15 dias anteriores à entrevista.
Em todo o país, no período estudado, aproximadamente um terço dos indivíduos hipertensos (35,9% - IC95% 34,1;37,7) obtiveram pelo menos um medicamento no PFPB, representando 9,1 milhões de indivíduos. Não foram encontradas diferenças significativas entre as variáveis avaliadas, embora tenham sido observadas maiores frequências da obtenção de medicamentos para hipertensão arterial no PFPB entre mulheres (36,6% - IC95% 34,3;38,8), no grupo etário de 30 a 59 anos (37,1% - IC95% 34,5;39,7), por indivíduos com Ensino Médio incompleto (38,4% - IC95% 33,2;43,7) e de cor preta (37,4% - IC95% 31,5;43,4) (Figura 1).
- Proporção (%) de adultos (18 anos ou mais) que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e obtiveram pelo menos um medicamento para o tratamento dessa condição no Programa Farmácia Popular do Brasil, por sexo, grupo de idade, nível de escolaridade e cor da pele ou raça - Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
No Brasil, mais da metade dos diabéticos (57,4% - IC95% 54,2;60,2), ou cerca de 4,2 milhões de pessoas, referiram obter algum medicamento no PFPB para tratar a doença. Em relação à cor da pele/raça, foram encontradas diferenças significativas: os indivíduos que referiram ser diabéticos e de cor preta apresentaram maior obtenção de medicamentos no PFPB para tratar a doença (69,4% - IC95% 60,8;77,9), comparativamente aos indivíduos diabéticos de cor branca (53,5% - IC95% 48,7;58,2) (Figura 2).
- Proporção (%) de adultos (18 anos ou mais) que referiram diagnóstico médico de diabetes e obtiveram pelo menos um medicamento para o tratamento dessa condição no Programa Farmácia Popular do Brasil, por sexo, grupo de idade, nível de escolaridade e cor da pele ou raça - Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Ao se avaliar a proporção de diabéticos que obtiveram pelo menos um medicamento no PFPB segundo o nível de instrução, observou-se que os indivíduos com ensino superior completo apresentaram menor proporção de obtenção de medicamentos (31,7% - IC95% 21,6;41,7) do que aqueles com menor nível de instrução (63,9% - IC95% 60,2;67,7). No tocante à classificação dos diabéticos por grupos etários, verificou-se que, embora não tenham havido diferenças significativas entre as faixas de idade, houve maior obtenção de medicamentos para a doença pelo PFPB entre os grupos de diabéticos jovens, de 18 a 29 anos (65,2% - IC95% 42,6;87,8), e menor obtenção entre os grupos de indivíduos diabéticos idosos, com 75 anos ou mais de idade (39,9% - IC95% 32,0;47,9).
Os resultados relativos à hipertensão arterial, segundo as grandes regiões brasileiras, permitiram observar que a região Sul (40,9% - IC95% 36,7;45,0) apresentou a maior proporção de indivíduos com obtenção desses medicamentos no PFPB, significativamente maior que a proporção correspondente aos indivíduos da região Nordeste (28,7 - IC95% 25,5;31,8). Entretanto, nenhuma das grandes regiões apresentou diferença significativa na obtenção de pelo menos um medicamento para hipertensão segundo sexo (Tabela 1).
- Proporção de adultos (18 anos ou mais) que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e diabetes e obtiveram pelo menos um medicamento para o tratamento dessas condições no Programa Farmácia Popular do Brasil, por sexo, segundo grandes regiões e unidades da Federação - Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Quanto aos indivíduos diabéticos, o maior percentual de obtenção de pelo menos um medicamento no PFPB foi observado na região Centro-Oeste (61,1% - IC95% 55,0;67,2), enquanto a região Norte obteve o menor percentual (48,7% - IC95% 40,4;56,9). As mulheres diabéticas tiveram um maior percentual de obtenção de medicamentos para a doença nas regiões Norte (59,8% - IC95% 50,3;69,4) e Nordeste (64,5% - IC95% 59,2;69,7), comparativamente aos homens diabéticos (Tabela 1).
A partir das estimativas pontuais encontradas para as grandes regiões, não foram observadas diferenças significativas, segundo faixas etárias, entre os adultos que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial ou diabetes e obtiveram pelo menos um medicamento para tratar essas doenças no PFPB. Considerando-se cada UF individualmente, o número de observações não foi suficiente para comportar uma avaliação adequada da obtenção desses medicamentos pelo Programa.
Na Tabela 2, são apresentadas as proporções de pessoas de 18 anos ou mais de idade que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e diabetes e obtiveram pelo menos um medicamento para essas doenças no PFPB, por nível de instrução, segundo as grandes regiões e UF. Na região Sudeste, é mister observar uma menor obtenção de medicamentos para hipertensão (19,8% - IC95% 12,7;26,8) e diabetes (28,0% - IC95% 11,7;44,3) por indivíduos com Ensino Superior completo, em relação aos demais níveis de instrução, com diferenças significativas. Nas demais regiões, não foram encontradas diferenças com significância estatística.
- Proporção de adultos (18 anos ou mais) que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e diabetes e obtiveram pelo menos um medicamento para essas condições no Programa Farmácia Popular do Brasil, por nível de instrução, segundo grandes regiões - Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Em relação ao diabetes, na região Nordeste, identificou-se obtenção significativamente maior de medicamentos no PFPB entre indivíduos sem instrução/Ensino Fundamental incompleto (65,4% - IC95% 59,9;70,9), relativamente aos indivíduos com Ensino Fundamental completo/Médio incompleto (37,3% - IC95% 23,7;51,0). Na região Sul, portadores de diabetes com menor nível de instrução (64,4% - IC95% 55,2;73,6) referiram maior obtenção dos medicamentos no PFPB, na comparação com os indivíduos formados no Ensino Superior (23,5% - IC95% 12,1;35,0).
Entre as UF especificamente, para hipertensão arterial, observa-se uma obtenção significativamente menor entre indivíduos com Ensino Superior completo, residentes nos estados do Rio de Janeiro (20,3% - IC95% 11,4;29,3) e São Paulo (16,8% - IC95% 7,9;25,6), em relação àqueles sem instrução/Ensino Fundamental incompleto. Tal situação se mantém nas ocorrências de diabetes no estado de São Paulo, onde somente 20,0% (IC95% 4,5;36,1) dos diabéticos com Ensino Superior completo obtiveram medicamentos para essa doença, frente a 61,7% (IC95% 52,1;71,4) de indivíduos sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto (dados não apresentados em tabela). Nas demais UF, não houve número de observações suficientes para uma avaliação adequada da obtenção de medicamentos pelo PFPB.
Na região Sul, os indivíduos diabéticos de cor preta referiram um maior percentual de obtenção de medicamentos para diabetes no PFPB (79,5% - IC95% 58,8;100), frente aos de cor branca (50,2% - IC95% 41,8;58,7) (Tabela 3).
- Proporção de adultos (18 anos ou mais) que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e diabetes e obtiveram pelo menos um medicamento para essas condições, no Programa Farmácia Popular do Brasil, por cor da pele ou raça, segundo grandes regiões e unidades da Federação - Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013
Quanto aos medicamentos para hipertensão, não foram identificadas diferenças significativas entre as prevalências nas grandes regiões, em relação à cor da pele. Nas UF, os indivíduos residentes no estado de Goiás e de cor preta (68,5% - IC95% 49,9;87,1) tiveram maior obtenção de medicamentos para hipertensão, em relação aos de cor branca (39,4% - IC95% 30,8;48,0) (dados não apresentados na Tabela). Nas demais UF, não houve número de observações suficiente.
Discussão
Mais de um terço dos hipertensos e mais da metade dos diabéticos já haviam obtido pelo menos um medicamento no PFPB. A estratégia complementar de distribuição gratuita de medicamentos por intermédio do PFPB tem beneficiado especialmente as camadas socialmente desfavorecidas, representadas pelos segmentos com menor escolaridade, que encontram nesse Programa uma fonte acessível a medicamentos para seu tratamento. Esse achado reforça a importância e a magnitude do PFPB no sentido de garantir e ampliar o acesso a medicamentos pela população brasileira, especialmente no caso das doenças crônicas mais prevalentes no país.
A hipertensão arterial e o diabetes mellitus se configuram como epidemias resultantes, em grande parte, do envelhecimento populacional e do processo de globalização dos riscos, refletidos na crescente prevalência desses agravos no Brasil e no mundo.1111. Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, César CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011 set;16(9):3755-68.
12. Duncan BB, Chor D, Aquino EML, Bensenor IM, Mill JG, Schmidt MI, et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: prioridade para enfrentamento e investigação. Rev Saude Publ. 2012 dez;46supl 1:126-34.-1313. Goulart FAA. Doenças crônicas não transmissíveis: estratégias de controle e desafios para o sistema de saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.
Os dados da PNS revelaram prevalências elevadas de utilização de medicamentos - superiores a 80% - por 25,4 milhões de hipertensos e 7,3 milhões de diabéticos, nas duas semanas precedentes à entrevista.88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.
Os resultados de 2011 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) nas capitais brasileiras evidenciaram que 71,8% dos hipertensos e 78,2% dos diabéticos se encontravam em tratamento medicamentoso.1414. Costa KS. Acesso e uso de medicamentos: inquéritos de saúde como estratégia de avaliação [tese]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2014. É oportuno ressaltar que esses resultados podem subestimar as ocorrências relativas ao uso de medicamentos, pois quando os entrevistados referiram o diagnóstico de hipertensão e diabetes, inferiu-se o envolvimento dessas pessoas no tratamento medicamentoso sem que se mensurasse a proporção de uso de medicamentos por prescrição médica.
Alguns autores apresentam outras argumentações no tocante à pressão arterial (≥140/90mmHg), cuja ocorrência de forma isolada não caracterizaria necessariamente a população hipertensa como alvo prioritário de tratamento medicamentoso, devendo ser selecionados como prioritários para a terapêutica medicamentosa os indivíduos com risco cardiovascular.1515. MacMahon S, Neal B, Rodgers A. Hypertension: time to move on. Lancet. 2005 Mar;365(9464):1108-9.
16. Malta DC, Silva Junior JB. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiol Serv Saude. 2013 mar;22(1):151-64.-1717. Beaglehole R, Bonita R, Horton R, Ezzati M, Bhala N, Amuyunzu-Nyamongo M, et al. Measuring progress on NCDs: one goal and five targets. Lancet. 2012 Oct;380(9850):1283-5. Na abordagem dos hipertensos jovens, sem risco cardiovascular, devem ser consideradas medidas não medicamentosas, como redução do sal, estímulo à prática de atividade física e alimentação saudável.1616. Malta DC, Silva Junior JB. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiol Serv Saude. 2013 mar;22(1):151-64.,1717. Beaglehole R, Bonita R, Horton R, Ezzati M, Bhala N, Amuyunzu-Nyamongo M, et al. Measuring progress on NCDs: one goal and five targets. Lancet. 2012 Oct;380(9850):1283-5.
Na Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), realizada no período de setembro de 2013 a janeiro de 2014, a investigação levou em consideração, além do diagnóstico referido, a indicação médica para o tratamento medicamentoso, segundo a qual foi verificado um maior uso de medicamentos para essas doenças: 7,1% dos hipertensos não tinham indicação de tratamento com medicamentos; e daqueles que tinham indicação de tratamento com medicamentos, 6,0% não seguiam a terapêutica indicada. Para o diabetes, esses valores foram de 14,5% e 7,2% respectivamente.1818. Ministério da Saúde (BR). Primeiros resultados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos - PNAUM [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde;2014 [citado 2015 fev 27]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/18/PNAUM-cienciasus.pdf
http://portalsaude.saude.gov.br/images/p... Frequências mais reduzidas de tratamento medicamentoso ou a não utilização de medicamentos, entre portadores de hipertensão e diabetes, podem estar relacionadas a barreiras no acesso e na adesão ao tratamento, ao tratamento não farmacológico para o controle das doenças e a medidas de promoção da saúde, tais como mudanças de hábitos e de estilo de vida.1919. Gontijo MF, Ribeiro AQ, Klein CH, Rozenfeld S, Acurcio FA. Uso de anti-hipertensivos e antidiabéticos por idosos: inquérito em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1337-46.
A hipertensão e o diabetes constituem, por sua vez, fatores de risco para outras doenças cardiovasculares, cuja diminuição de mortalidade vem sendo parcialmente atribuída ao controle adequado da pressão arterial.2020. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2011: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
21. Ben AJ, Neumann CR, Mengue SS. Teste de Morisky-Green e Brief Medication Questionnaire para avaliar adesão a medicamentos. Rev Saude Publica. 2012 abr;46(2):279-89.-2222. Wang YR, Alexander GC, Stafford RS. Outpatient hypertension treatment, treatment intensification, and control in Western Europe and the United States. Arch Intern Med. 2007 Jan;167(2):141-7. O controle e prevenção das DCNT vem sendo alvo de diversos programas e ações, nos últimos anos.2323. Alleyne G, Binagwaho A, Haines A, Jahan S, Nugent R, Rojhani A, et al. Embedding non-communicable diseases in the post-2015 development agenda. Lancet.2013 Feb;381(9866):566-74. O tratamento medicamentoso, quando adequadamente conduzido, possibilita o controle das doenças, a redução da morbimortalidade e a melhoria da qualidade de vida dos usuários portadores de diversas condições de saúde.1919. Gontijo MF, Ribeiro AQ, Klein CH, Rozenfeld S, Acurcio FA. Uso de anti-hipertensivos e antidiabéticos por idosos: inquérito em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1337-46.
A oferta gratuita de medicamentos para o tratamento dessas doenças crônicas configura-se como uma medida de saúde essencial, com o propósito de contribuir ao controle da hipertensão e do diabetes e promover melhor qualidade de vida aos portadores dessas condições. O PFPB pode contribuir para a adesão ao tratamento medicamentoso, principalmente entre indivíduos com menor renda e que utilizam serviços privados de saúde mas encontram dificuldades para adquirir medicamentos em farmácias comerciais,2424. Ministério da Saúde (BR). Fundação Oswaldo Cruz. Programa Farmácia Popular do Brasil: manual básico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.,2525. Trevisan L, Junqueira LAP. Gestão em rede do SUS e a nova política de produção de medicamentos. Saude Soc. 2010 jul-set;19(3):638-52. uma vez que o Programa - presente na maioria dos municípios brasileiros - oferece medicamentos gratuitos para algumas doenças crônicas não transmissíveis.55. Pereira MA.Programa Farmácia Popular no Brasil: uma análise sobre sua relação com o complexo econômico-industrial da saúde e os programas estratégicos do governo federal [dissertação].Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2013.
Em relação ao sexo, mesmo sem a ocorrência de diferenças estatísticas expressivas, verificou-se que, na maior parte das grandes regiões, as mulheres apresentaram tendência a obter mais medicamentos para hipertensão e diabetes pelo PFPB, na comparação com os homens. Segundo a literatura, as mulheres utilizam os serviços de saúde em maior proporção que os homens, possuem maior prevalência de doenças crônicas, são dotadas de maior percepção quantos aos sinais e sintomas das doenças e apresentam maior consumo de medicamentos.1111. Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, César CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011 set;16(9):3755-68.,2626. Lima-Costa MFF, Guerra HL, Firmo JOA, Vidigal PG, Uchoa E, Barreto SM. The Bambuí Health and Aging Study (BHAS): private health plan and medical care utilization by older adults. Cad Saude Publica. 2002 jan-fev;18(1):177-86.
Observou-se, na região Nordeste, uma menor proporção de indivíduos que obtiveram medicamentos pelo PFPB para o tratamento da hipertensão; e na região Norte, uma menor proporção de indivíduos que obtiveram medicamentos pelo Programa para o tratamento do diabetes. Poder-se-ia atribuir esse resultado à condição social e econômica mais desenvolvida nessas regiões. Tal ocorrência poderia sugerir (i) a aquisição dos tratamentos com custo integral, por parte dos indivíduos com maior poder aquisitivo, ou que (ii) os medicamentos para o tratamento dessas condições não estariam contemplados na lista do PFPB, ou ainda que (iii) as farmácias da rede pública dos municípios dessa região estejam garantindo a disponibilidade dos medicamentos com maior regularidade. Entretanto, na região Sul, maiores percentuais de hipertensos obtiveram medicamentos pelo PFPB. As diferenças observadas nas regiões Sudeste e Sul podem refletir a cobertura e organização dos serviços públicos e privados relacionados à assistência farmacêutica.
Na região Nordeste, foram maiores as proporções de diabéticos menos escolarizados (sem instrução/Ensino Fundamental incompleto) obtiveram os medicamentos no PFPB, em relação aos indivíduos com Ensino Fundamental completo/Médio incompleto. Essa constatação permite reforçar a relevância do PFPB, tanto pela oferta do conjunto de medicamentos para tratamento das DCNT mais prevalentes no país como pela cobertura dos segmentos populacionais menos favorecidos economicamente, uma vez que a obtenção gratuita de medicamentos apresenta-se, frequentemente, como opção preferencial de acesso aos medicamentos por esses grupos populacionais de menor instrução-renda.2727. Paniz VMV, Fassa AG, Facchini LA, Bertoldi AD, Piccini RX, Tomasi E , et al. Acesso a medicamentos de uso contínuo em adultos e idosos nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saude Publica. 2008 fev;24(2):267-80.
Um aspecto a ser considerado como limitação do estudo é representado pela estratégia de inquirir o entrevistado sobre o uso de medicamentos sem indagar a priori sobre a indicação ou não de tratamento com prescrição de medicamentos. Uma vez que a questão proposta ao entrevistado trata de alguma obtenção de medicamentos no PFPB em algum momento de sua vida, todas as pessoas em tratamento exclusivamente não farmacológico ou mesmo sem indicação de qualquer tratamento foram incluídas como não usuárias de medicamentos. Usuários pontuais do PFPB, ou que tenham, eventualmente, abandonado essa fonte de fornecimento de medicamentos, permaneceram como usuários do PFPB, o que pode ter superestimado o número de usuários contínuos do Programa. Outras limitações referem-se à informação autorreferida pelo entrevistado, a exemplo do que se observou sobre a informação do diagnóstico.
O presente estudo baseou-se em um dos primeiros inquéritos domiciliares de abrangência nacional a respeito da obtenção de medicamentos pelo PFPB, e esse aspecto restringiu a possibilidade de comparações dos dados coletados. Os resultados da investigação indicaram que, tanto nos casos de usuários hipertensos como nas ocorrências de usuários diabéticos, o Programa Farmácia Popular do Brasil - PFPB - atingiu parcelas importantes da população brasileira, especialmente seu segmento socioeconômico mais vulnerável. Os dados deste estudo sinalizam a necessidade de desenvolver pesquisas específicas, relacionadas ao acesso, uso e fontes de medicamentos para as doenças crônicas não transmissíveis - DCNT -, visando melhor compreensão a respeito das barreiras e disparidades a superar, no tratamento e redução de tais agravos no país.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
- Recebido
24 Mar 2015 - Aceito
23 Abr 2015