Resumo
OBJETIVO:
mensurar o sub-registro de acidentes de trabalho típicos fatais (ATTF) no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, em 2011.
MÉTODOS:
utilizou-se o método de captura-recaptura para estudo de todos os ATTF registrados no município, por residência e/ou ocorrência, mediante relacionamento probabilístico dos dados de três fontes - SIM, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e Banco de Necropsias do Instituto Médico Legal de Belo Horizonte.
RESULTADOS:
entre os 54 casos encontrados, a maioria foi de homens (n=53) e a metade ocorreu com motoristas e trabalhadores da construção civil (n=28); os acidentes de transporte (n=18) e as quedas (n=10) foram as causas mais comuns de óbito; houve subnotificação de 15 óbitos no SIM.
CONCLUSÃO:
a utilização do método de captura-recaptura contribuiu para a detecção do sub-registro de ATTF.
Palavras-chave:
Sistemas de Informação; Saúde do Trabalhador; Mortalidade Ocupacional; Medicina Legal
Resumen
OBJETIVOS:
estimar el subregistro de accidentes de trabajo típicos fatales (ATTF) en el Sistema de Información de Mortalidad (SIM) de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, en 2011.
MÉTODOS:
fue utilizado el método de captura-recaptura para el estudio de todos los ATTF registrados en el municipio, por residencia y/u ocurrencia, mediante relacionamiento probabilística de datos de tres fuentes- SIM, Sistema de Información de Agravios de Notificación (Sinan) y Banco de Necropsias del Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte.
RESULTADOS:
entre los 54 casos de ATTF, la mayoría eran hombres (n=53); la mitad ocurrió enconductores y trabajadores de construcción civil (n=28); los accidentes de transporte (n=18) y las caídas (n=10) fueron las causas más comunes de óbito; hubo subnotificación de 15 óbitos en el SIM.
CONCLUSIÓN:
la utilización del método de captura-recaptura contribuye para la detección del subregistro de ATTF.
Palabras-clave:
Sistemas de Información; Salud Laboral; Mortalidad Laboral; Medicina Legal
Introdução
Óbitos por acidentes de trabalho são um grave problema de Saúde Pública no Brasil e no mundo. Um acidente de trabalho pode ser definido como 'típico' quando ocorre durante a atividade profissional, e como de 'trajeto' se acontece no percurso entre a residência e o local de trabalho do acidentado (e vice-versa).11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Notificação de acidentes do trabalho fatais, graves e com crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos); (Saúde do Trabalhador; 2. Protocolos de Complexidade Diferenciada). Em 2010, estimou-se a ocorrência de 350 mil óbitos por ano relacionados ao trabalho no mundo.22. Hämäläinen P, Leena Saarela K, Takala J. Global trend according to estimated number of occupational accidents and fatal work-related diseases at region and country level. J Safety Res. 2009;40(2):125-39.,33. International Labour Organization. Safety and health at work: a vision for sustainable prevention. In: Annals of 20th World Congress on Safety and Health at Work: Global Forum for Prevention. 2014 Aug 24-27; Frankfurt. Frankfurt: International Labour Organization; [s.d]. 48p. São números relevantes, especialmente quando se considera o possível sub-registro dos casos, principalmente nos países em desenvolvimento.44. Fingerhut M, Driscoll T, Nelson DI, Concha-Barrientos M, Punnet L, Pruss-Ustin A, et.al. Contribution of occupational risk factors to the global burden of disease. SJWEH. Suppl. 2005; 1(1):58-61. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no mesmo ano de 2010, cerca de 18 mil óbitos ocorreram em países de baixa e de média renda das Américas - incluindo o Brasil.33. International Labour Organization. Safety and health at work: a vision for sustainable prevention. In: Annals of 20th World Congress on Safety and Health at Work: Global Forum for Prevention. 2014 Aug 24-27; Frankfurt. Frankfurt: International Labour Organization; [s.d]. 48p.
Neste país, os trabalhadores sob contrato regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são submetidos ao Regime Geral de Previdência Social. Todo acidente de trabalho fatal ocorrido entre trabalhadores cobertos pelo Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) deve ser comunicado ao Ministério da Previdência Social (MPS) mediante preenchimento da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Em 2010 foram notificados mais de 2.800 óbitos laborais no sistema do MPS.55. Universidade Federal da Bahia, Centro Colaborador em Vigilância dos Acidentes de Trabalho; Ministério da Saúde (BR). Acidentes de trabalho fatais no Brasil 2000-2010: óbitos por acidentes de trabalho caem em todo país. Bol Epidemiol Acid Trab Fatais. 2011 abr;1(1):1-4. Ainda de acordo com dados previdenciários, houve queda do coeficiente de mortalidade por acidentes de trabalho, de 14,9 em 1998 para 7,7 por mil em 2006.66. Lippel TH. Mortalidade por acidentes de trabalho, Brasil: análise de séries temporais, 1998 a 2006 [dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2009. Em contrapartida observou-se, no estado de São Paulo, aumento de quase seis vezes na taxa de letalidade, que passou de 0,18% em 1970 para 1,07% em 2003.77. Santana V, Nobre L, Waldvogel BC. Acidentes de trabalho no Brasil entre 1994 e 2004: uma revisão. Cien Saude Coletiva. 2005 out-dez;10(4):841-55. O aumento da letalidade e a redução da mortalidade podem indicar sub-registro de casos pelo MPS.77. Santana V, Nobre L, Waldvogel BC. Acidentes de trabalho no Brasil entre 1994 e 2004: uma revisão. Cien Saude Coletiva. 2005 out-dez;10(4):841-55. Além disso, ressalta-se que entre os trabalhadores cobertos pelo SAT, não são incluídos, por exemplo, funcionários públicos, empregados domésticos e trabalhadores informais. A ausência de cobertura pelo SAT desses trabalhadores impede o real dimensionamento da situação epidemiológica dos casos no país e pode gerar impacto no planejamento de ações voltadas para seu controle.77. Santana V, Nobre L, Waldvogel BC. Acidentes de trabalho no Brasil entre 1994 e 2004: uma revisão. Cien Saude Coletiva. 2005 out-dez;10(4):841-55.
8. Gonçalves KR. Análise especial dos acidentes de trabalho assentados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) em uma capital brasileira [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.
9. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.
10. Correa PRL, Assunção AA. A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados. Epidemiol Serv Saude. 2003 dez;12(4):203-12.-1111. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município polo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015 jan-mar;18(1):123-36.
A notificação de acidentes de trabalho fatais faz parte das atribuições do Ministério da Saúde, que utiliza ficha de notificação específica como fonte alimentadora do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Quando tais acidentes levam a óbito, deve-se notificá-los no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) utilizando-se da Declaração de Óbito (DO), a qual apresenta campo específico para relacionar o óbito ao trabalho.99. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.
10. Correa PRL, Assunção AA. A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados. Epidemiol Serv Saude. 2003 dez;12(4):203-12.
11. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município polo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015 jan-mar;18(1):123-36.-1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5. Os dois sistemas são alimentados pelas Secretarias Municipais de Saúde (SMS), podem ser considerados universais e significam grande avanço na captação dos casos não registrados pelo MPS, apesar de ainda apresentarem problemas de subnotificação.1010. Correa PRL, Assunção AA. A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados. Epidemiol Serv Saude. 2003 dez;12(4):203-12.
11. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município polo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015 jan-mar;18(1):123-36.
12. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.-1313. Waldvogel BC, Salim CA, coordenadores. Vinculação de bancos de dados de acidentes do trabalho fatais dos Estados de São Paulo e Minas Gerais 2006-2008: relatório técnico - banco de dados. São Paulo: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho; 2012.
Ainda que a cobertura universal de óbitos seja um dos objetivos do SIM, é praticamente impossível estimar o número de óbitos por acidentes de trabalho não captados por esse sistema. A recuperação rotineira de dados, a partir de diferentes fontes de informação, pode servir como estratégia para minimizar a ocorrência do problema. O relacionamento entre os registros de acidentes de trabalho graves notificados no Sinan e os de óbitos elencados no SIM, bem como a avaliação conjunta de outros sistemas de informações existentes na área da Saúde do Trabalhador (MPS), têm se mostrado exequíveis, haja vista o êxito de alguns autores em identificar casos não notificados utilizando tais alternativas.1010. Correa PRL, Assunção AA. A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados. Epidemiol Serv Saude. 2003 dez;12(4):203-12.,1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.,1313. Waldvogel BC, Salim CA, coordenadores. Vinculação de bancos de dados de acidentes do trabalho fatais dos Estados de São Paulo e Minas Gerais 2006-2008: relatório técnico - banco de dados. São Paulo: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho; 2012.
A busca desses eventos ausentes dos sistemas de informações nacionais de notificação obrigatória, realizada mediante investigação em fontes policiais e realização da técnica de autopsia verbal, por exemplo, é outra forma - todavia pouco utilizada - de reduzir a subnotificação dos acidentes de trabalho fatais.1414. Pepe CCCA. Estratégias para superar a desinformação: um estudo sobre os acidentes de trabalho fatais no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2002.,1515. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC, Pena PGL. A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas externas: estudo qualitativo. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jul-dez;39(130):127-35. Uma opção de fácil execução e baixo custo encontra-se na estimação de casos subnotificados pelo método de captura-recaptura. Este método consiste em buscar dados comuns e exclusivos, em fontes de informação independentes, de modo a possibilitar a avaliação da subnotificação em cada uma das bases de dados, o levantamento total dos casos e a correção dos bancos.1616. Coeli CM, Veras RP, Coutinho ESF. Metodologia de captura-recaptura: uma opção para a vigilância das doenças não transmissíveis na população idosa. Cad Saude Publica. 2000 out-dez;16(4):1071-82.,1717. Schmid B, Silva NN. Estimação de sub-registro de nascidos vivos pelo método de captura e recaptura. Rev Saude Publica. 2011 dez; 45(6):1088-98.
O objetivo do presente estudo foi estimar o sub-registro de acidentes de trabalho típicos fatais (ATTF) no SIM, no município de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil, no ano de 2011.
Métodos
Estudo descritivo com emprego do método de captura-recaptura, de modo a abranger a totalidade dos ATTF notificados em Belo Horizonte (BH) como local de ocorrência e/ou residência. Optou-se pela utilização desse método, haja vista ser simples e de fácil execução, já implementado no passado, na estimação da população da França e do tamanho de populações de animais selvagens. O método também pode ser aplicado em pesquisas epidemiológicas, por permitir a utilização de fontes sabidamente incompletas utilizando a superposição de registros para medir as subestimações de cada uma delas.1616. Coeli CM, Veras RP, Coutinho ESF. Metodologia de captura-recaptura: uma opção para a vigilância das doenças não transmissíveis na população idosa. Cad Saude Publica. 2000 out-dez;16(4):1071-82. Foram atendidas as premissas1717. Schmid B, Silva NN. Estimação de sub-registro de nascidos vivos pelo método de captura e recaptura. Rev Saude Publica. 2011 dez; 45(6):1088-98. do referido método: população fechada (óbitos de residentes em BH e/ou ocorridos no município em 2011); registro unívoco e inequívoco (óbito); cada indivíduo apresentou a mesma probabilidade de pertencer a cada amostra (equiprobabilidade); em cada fonte de dados, o caso foi capturado independentemente dos demais; e a busca foi realizada em fontes de dados independentes (cada uma delas considerada uma amostra da população) - SIM, Sinan e Banco de Necropsias do Instituto Médico Legal de BH (BNIML/BH). O identificador de registros para pareamento dos casos foi formado com base na combinação de pelo menos dois dos seguintes atributos: nome completo, data de nascimento do caso e nome da mãe. Considerou-se como caso capturado o ATTF registrado no SIM; e como recapturado, aquele registrado apenas no Sinan e/ou no BNIML/BH.
De acordo com o Censo Demográfico de 2010, naquele ano, BH apresentou população de 2.375.151 pessoas e densidade demográfica de 7.167. Havia 1.590.502 pessoas empregadas e poder-se-ia considerar seu índice de desenvolvimento humano alto (IDH=0,810), apesar de a cidade possuir áreas de aglomerados e de extrema pobreza.1818. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Epidemiologia e Estatística; 2010 [citado 2015 nov 09]. Disponível em: Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
http://censo2010.ibge.gov.br/... O ano de 2011 foi o escolhido para dar continuidade a outro estudo.1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.
No SIM e no Sinan, foram processados os ATTF ocorridos no município. No SIM, os casos de residentes de BH falecidos em outros municípios passaram a integrar a base municipal a partir da realização de processo de retroalimentação. No Instituto Médico Legal de BH (IML/BH), foram realizadas necropsias dos ATTF ocorridos em Belo Horizonte e nos municípios de sua região metropolitana, exceto Betim. Portanto, as fontes utilizadas neste estudo contêm informações de óbitos de residentes no município, ocorridos em BH e em outros municípios.
A seleção dos óbitos obedeceu aos seguintes passos:
no SIM, foi considerado caso todo óbito que contivesse o campo 49 (Trata-se de acidente de trabalho?) da DO preenchido na opção 1 (Sim);
no Sinan, foram selecionados os casos que tinham o item 1 (Típico) do campo 55 (Tipo de acidente) da ficha de notificação preenchido, especificando tratar-se de acidente de trabalho típico, além do item 5 (Óbito por acidente de trabalho) do campo 66 (Evolução do caso), que especificava os casos fatais; e
no BNIML/BH, foi realizada busca textual de expressões-chave no campo/formulário denominado 'Histórico' dos laudos de necropsia, tais como 'acidente de trabalho', 'local de trabalho', 'construção civil', 'interior da empresa', 'interior de obra', 'interior de construção', 'queda de andaime', 'interior de local de trabalho' e pequenas variações dessas expressões, como 'interior da obra'; todos os laudos necroscópicos foram confeccionados pelos médicos legistas, sobre plataforma Word(r); cada laudo continha vários campos definidos (de tipo formulário), que foram exportados para o programa Excel(r) mediante programação em Visual Basic; cada laudo representava uma linha da planilha Excel(r), ficando seus campos/formulários inseridos nas colunas; um dos campos/formulários presente nos laudos continha as informações do 'Histórico' das ocorrências, coluna na qual foi realizada a busca textual das palavras-chave citadas.
Para garantir a confiabilidade dos dados, a digitação das DO e dos laudos de necropsia foi conferida pelos pesquisadores. Para resolução de dúvidas decorrentes da caracterização do ATTF em cada uma das fontes, foram buscadas informações complementares em prontuários médicos. Foram excluídos os casos cuja informação sobre ATTF estava incorreta e aqueles cuja investigação não foi conclusiva. Também foram excluídos os acidentes de trabalho de trajeto, pois acidentes típicos tendem a ser mais bem caracterizados e são menos passíveis de sub-registro.1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74.
As variáveis estudadas foram:
1) Características do acidentado
- sexo (feminino; masculino)
- estado civil (solteiro; casado; separado; viúvo)
- raça/cor (parda; branca; preta)
- escolaridade (Ensino Fundamental incompleto; Ensino Fundamental completo; Ensino Médio incompleto; outros)
- idade, estratificada em faixas etárias considerando-se anos completos (15-24; 25-34; 35-44; 45-54; 55-64; 65-82)
- grupos de ocupação (trabalhadores da construção civil; motoristas; trabalhadores dos serviços; trabalhadores da indústria de transformação de metais e compósitos; outros)
- situação no mercado de trabalho do acidentado (carteira da Previdência Social assinada; outros)
2) Características dos acidentes
- município de residência e de ocorrência do óbito (Belo Horizonte; outros municípios)
- local do óbito (via pública; instalações de terceiros; dependências do contratante)
- momento do óbito (mesmo dia do acidente; dias após o acidente)
- realização de atendimento médico (sim; não)
- causa do acidente (acidente de trânsito; queda; exposição a força mecânica inanimada; agressão; contato com corrente elétrica; outros).
Nem todas as variáveis/categorias estavam disponíveis nas três fontes estudadas. Nos casos com divergências de informações, foram consideradas as informações do SIM.
Utilizou-se o software R (versão 3.0.1) para a descrição dos dados e obtenção de medidas de tendência central.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS/BH) - Registro n° 0002.0.410.000-11 - e foi realizada em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Resultados
Dos 43 casos de ATTF notificados no SIM, 4 foram excluídos (Figura 1): 2 por não se tratar de acidente de trabalho e 2 por serem inconclusivos quanto ao tipo de acidente (típico ou de trajeto). Todos os 46 casos registrados no Sinan foram considerados elegíveis. Dos 39 casos obtidos no BNIML/BH, 2 foram excluídos por serem inconclusivos quanto à caracterização do acidente de trabalho e 10 por não serem de ocorrência ou de residência em BH (Figura 2).
- Fluxograma da seleção de óbitos por acidentes de trabalho registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do município de Belo Horizonte-MG, 2011
- Fluxograma da seleção de óbitos por acidentes de trabalho registrados no Banco de Necropsias do Instituto Médico Legal do município de Belo Horizonte-MG, 2011
Entre os 25 óbitos de residentes em BH, ocorridos ou não nessa cidade, 16 foram registrados no SIM, 22 no Sinan e 12 no BNIML/BH. Dos 9 casos que não estavam notificados como ATTF no SIM, 5 foram captados apenas pelo Sinan devido à impossibilidade de inclusão do nexo entre morte por agressão e trabalho no SIM (Tabela 1). Os outros 4 casos não ocorreram em BH: 3 foram capturados pelo BNIML/BH e 1 pelo Sinan. A subnotificação desses casos ocorreu pelo não estabelecimento do nexo entre o óbito e o trabalho pelo município de ocorrência. No Sinan, 3 ATTF não foram notificados, tendo sido capturados no BNIML/BH. Com relação ao BNIML/BH, houve sub-registro de 13 casos: destes óbitos, 7 ocorreram fora de BH e não foram necropsiados na capital mineira (6 capturados exclusivamente pelo Sinan e 1, simultaneamente, pelo SIM e pelo Sinan), 5 óbitos foram relacionados a agressão (registrados apenas pelo Sinan) e 1 devido a acidente de transporte (notificado, simultaneamente, pelo SIM e pelo Sinan) (Tabela 1).
Os 29 ATTF de residentes em outros municípios que ocorreram em BH foram assim registrados: 23 no SIM, 24 no Sinan e 15 no BNIML/BH. Dos 6 casos não capturados pelo SIM, 3 encontravam-se apenas no Sinan, 2 exclusivamente no BNIML/BH e 1 caso, simultaneamente, no Sinan e no BNIML/BH. Três desses casos não puderam ser notificados como ATTF no SIM, por se tratar de agressões relacionadas ao trabalho (Tabela 1). O Sinan apresentou subnotificação de 5 casos: 1 capturado apenas pelo SIM, 2 exclusivamente pelo BNIML/BH e 2, simultaneamente, pelo BNIML/BH e pelo SIM. Houve sub-registro de 14 casos no BNIML/BH: 10 foram registrados simultaneamente, pelo SIM e pelo Sinan, 1 apenas pelo SIM e 3 exclusivamente pelo Sinan. Desses 14 casos, 3 eram relacionados a agressão e 7 a acidentes de transporte.
Dos 54 casos, apenas uma vítima era do sexo feminino e 30 eram pardas. A média de idade foi de 41,81 anos (desvio-padrão [dp]=12,96; coeficiente de variação [cv]=0,31) e apenas 6 indivíduos tinham Ensino Fundamental completo (Tabela 2). Cerca de um terço tinha entre 45 a 54 anos e quase metade era de solteiros. Motoristas e trabalhadores da construção civil perfizeram metade dos óbitos, e 27 de 31 vítimas trabalhavam com carteira assinada.
- Características das vítimas de acidentes de trabalho fatais típicos no município de Belo Horizonte-MG, 2011
As causas mais comuns de óbito foram acidentes de transporte (um terço dos casos) e quedas (um quinto dos casos) (Tabela 3). A maioria das mortes ocorreu no mesmo dia do acidente (32 casos) e em via pública (20 casos). Entre as 34 vítimas que não faleceram no local do acidente, apenas uma não recebeu atendimento médico em hospital de referência metropolitana. O tempo médio decorrido entre o acidente e o óbito foi de três dias.
- Características dos acidentes de trabalho fatais típicos no município de Belo Horizonte-MG, 2011
Houve sub-registro de ATTF referentes a acidentes de transporte (15/18 casos), agressões (8/8 casos), óbitos de motoristas (13/14 casos) e óbitos de trabalhadores dos serviços (9/9 casos) no BNIML/BH. Observou-se incompletude de informações sobre as variáveis 'estado civil' (1 caso), 'cor' (5 casos), 'situação no mercado de trabalho' (23 casos) e 'local do óbito' (5 casos).
Discussão
Foram utilizados dados disponíveis em bancos informatizados, o que permitiria aplicar o método para a qualificação dessas fontes de informação, bases da vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil. A captura-recaptura permitiu identificar sub-registro de 15 dos 54 ATTF no SIM, e de 8 no Sinan. Foram encontradas maiores proporções de vitimas entre homens, solteiros, pardos, indivíduos com 45 a 55 anos de idade, e naqueles com baixa escolaridade. Entre os ATTF, prevaleceram os acidentes de transporte, em via pública, envolvendo motoristas, trabalhadores da construção civil, e indivíduos que trabalhavam com carteira assinada, tendo o evento ocorrido fora das dependências da empresa e levado a óbito no mesmo dia da ocorrência. Houve subnotificação - no SIM - de todos os homicídios e de 25% dos óbitos de residentes de BH ocorridos em outros municípios.
O sub-registro no SIM relacionou-se, principalmente, à atual impossibilidade desse sistema notificar mortes por agressões decorrentes de atividades laborais, deficiência de extrema relevância:99. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53. se fossem possíveis essas notificações no SIM, em BH, por exemplo, reduzir-se-ia o sub-registro em um terço (5 de 15 casos). Outras causas de sub-registro foram (i) dificuldades na troca de informações entre os municípios de residência e de ocorrência dos óbitos e a (ii) significativa incompletude da variável que relaciona óbito e trabalho nas DO.1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74.-2020. Alves MMM, Nomellini PF, Pranchevicius MCS. Mortalidade por acidente de trabalho no Estado do Tocantins, Brasil: estudo descritivo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saude. 2013 abr-jun;22(2):243-54. Estas questões, possivelmente, seriam solucionadas com o investimento na melhoria do fluxo da informação entre os municípios de residência e de ocorrência, o treinamento e a sensibilização dos responsáveis pelo preenchimento das DO e das equipes de investigação de óbitos, e a maior integração entre os gestores locais do SIM e a Vigilância em Saúde do Trabalhador.2121. Smarzaro DC. A informação sobre mortes por causas externas: estudo do preenchimento da causa básica de óbito em um serviço de medicina legal no Espírito Santo. 2000-2002 [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2005. A limitação na captação desses óbitos também pode estar relacionada a problemas com o fluxo das DO (nos cartórios e no IML, por exemplo), presença de cemitérios irregulares (permissivos com o sepultamento sem a documentação necessária) e falhas na integração entre gestores municipais de saúde.2222. Figueiroa BQ, Vanderlei LCM, Frias PG, Carvalho PI, Szwarcwald CL. Análise da cobertura do Sistema de Informações sobre Mortalidade em Olinda, Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica. 2013 mar;29(3):475-84.
A utilização dos dados do IML/BH contribuiu para o aumento na notificação de 5 ATTF no SIM e no Sinan, mostrando ser uma alternativa para a confirmação dos casos durante a investigação de rotina realizada pela SMS. Fontes de dados policiais já foram utilizadas - com êxito - no estado do Rio de Janeiro, na investigação dos óbitos relacionados ao trabalho.1414. Pepe CCCA. Estratégias para superar a desinformação: um estudo sobre os acidentes de trabalho fatais no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2002.,1515. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC, Pena PGL. A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas externas: estudo qualitativo. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jul-dez;39(130):127-35.
Neste estudo, o maior sub-registro foi encontrado no BNIML/BH, relacionado a acidentes de trânsito e agressões. Este achado reforça a necessidade de dirimir uma percepção equivocada, todavia presente, de que os acidentes de trabalho seriam apenas aqueles ocorridos nas dependências das empresas, sendo possível sua vigilância mais efetiva mediante atividades de capacitação/treinamentos.1414. Pepe CCCA. Estratégias para superar a desinformação: um estudo sobre os acidentes de trabalho fatais no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2002.-1515. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC, Pena PGL. A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas externas: estudo qualitativo. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jul-dez;39(130):127-35.
Por se tratar de óbitos preveníveis e evitáveis, o número de ATTF encontrado indica precariedade das condições de trabalho, ainda não sanada pelo arcabouço legal vigente no país.1616. Coeli CM, Veras RP, Coutinho ESF. Metodologia de captura-recaptura: uma opção para a vigilância das doenças não transmissíveis na população idosa. Cad Saude Publica. 2000 out-dez;16(4):1071-82. Quanto ao perfil das vítimas, autores de outras pesquisas encontraram resultados semelhantes aos deste estudo: homens adultos,99. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.,1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.,1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74.,2020. Alves MMM, Nomellini PF, Pranchevicius MCS. Mortalidade por acidente de trabalho no Estado do Tocantins, Brasil: estudo descritivo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saude. 2013 abr-jun;22(2):243-54. com menor nível de escolaridade99. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.,1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.,1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74. e pardos.1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74. Acidentes de transporte típicos e quedas foram as principais causas de morte, respectivamente relacionadas às ocupações de motoristas e trabalhadores da construção civil. Reconhece-se que a associação entre causas de acidentes e ocupações predominantes podem variar de acordo com a região estudada, perfil produtivo, exposição ao risco, informalidade na relação de trabalho, existência de grupos vulneráveis, e outras características peculiares a cada população.88. Gonçalves KR. Análise especial dos acidentes de trabalho assentados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) em uma capital brasileira [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.,2323. Santana VS, Araújo-Filho JB, Silva M, Albuquerque-Oliveira PR, Barbosa-Branco A, Nobre LCC. Mortalidade, anos potenciais de vida perdidos e incidência de acidentes de trabalho na Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2007 nov;23(11):2643-52. Estudos localizados são necessários, para melhor esclarecer o perfil de cada região e estabelecer estratégias específicas visando ao controle dos acidentes de trabalho.2323. Santana VS, Araújo-Filho JB, Silva M, Albuquerque-Oliveira PR, Barbosa-Branco A, Nobre LCC. Mortalidade, anos potenciais de vida perdidos e incidência de acidentes de trabalho na Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2007 nov;23(11):2643-52.
Óbitos por agressão e acidentes de trânsito entre trabalhadores evidenciam a importância da violência urbana no Brasil e a ampliação do espaço das atividades laborais, mais além dos ambientes restritos às dependências do contratante, estendendo-se às vias públicas e dependências de terceiros.99. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.,1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74.,2424. Lucca SR, Mendes R. Epidemiologia dos acidentes do trabalho fatais em área metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979-1989. Rev Saude Publica. 1993 jun; 27(3):168-76.-2525. Miranda FMDA, Sarquis LMM, Cruz EDA, Kirchhof ALC, Scussiato LA. Caracterização das vítimas e dos acidentes de trabalho fatais. Rev Gauch Enferm. 2012 jun;33(2):45-51. A proporção de mortes por agressões relacionadas ao trabalho encontrada, assim como a descrita por outros autores, retrata a gravidade e a complexidade de um problema que requer intervenção multisetorial. Na região metropolitana de Campinas, estado de São Paulo, pesquisa sobre dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) referentes ao período de 1979 a 1989 identificou 9,2% de óbitos por acidente de trabalho relacionados a homicídios.2424. Lucca SR, Mendes R. Epidemiologia dos acidentes do trabalho fatais em área metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979-1989. Rev Saude Publica. 1993 jun; 27(3):168-76. Segundo dados do INSS e das DO referentes aos anos de 1997 a 1999, no estado de São Paulo, essa proporção foi de 18,8%; em unidade sentinela de Curitiba, estado do Paraná (2006 a 2010), foi de 12%; e de acordo com o IML de Salvador, estado da Bahia (2004), de 37,3%.99. Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.,1919. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74.,2525. Miranda FMDA, Sarquis LMM, Cruz EDA, Kirchhof ALC, Scussiato LA. Caracterização das vítimas e dos acidentes de trabalho fatais. Rev Gauch Enferm. 2012 jun;33(2):45-51. Apesar de esses trabalhos terem adotado metodologias distintas, apontam para uma evidência comum: a magnitude dos homicídios relacionados ao trabalho nos grandes centros urbanos. Em BH (2011), a proporção de acidentes de trabalho associados a homicídios foi de 14,8%, ligeiramente maior que os 13% encontrados para o mesmo município entre 2008 e 2010, quando foram utilizados apenas os dados do SIM e do Sinan.1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.
Ressalta-se, como uma limitação dos resultados apresentados neste estudo, que suas conclusões devem ser interpretadas com cautela, pela seguinte razão: os dados analisados foram obtidos de uma região específica, com fluxo de investigação peculiar, abrangendo o período de um ano tão somente. Como peculiaridades da SMS/BH na busca e caracterização de casos de ATTF, encontram-se as comunicações de acidente de trabalho - CAT - como principal fonte de investigação dos casos notificados no Sinan, às quais se somam buscas ativas na internet, em hospitais de referência para o trauma e no IML, e o constante cruzamento dos dados entre o SIM e o Sinan.1212. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5. Outro fato a considerar é o de que, não obstante os IML serem órgãos estaduais, existem particularidades administrativas envolvendo o funcionamento desses institutos nos diferentes estados brasileiros, capazes de influir no acesso, pelas SMS, aos dados relativos à busca por ATTF. O IML/BH, neste particular, é vinculado à Polícia Civil Estadual e possui fluxo objetivo, permitindo e facilitando as investigações de óbitos pelos membros das SMS. O Sinan demonstrou ser a mais importante fonte de informação na captação dos casos; porém, observou-se predomínio de notificações de óbitos em trabalhadores celetistas, limitando o entendimento dos riscos relacionados à atividade laboral de importante parcela de trabalhadores não coberta pelo Seguro de Acidente de Trabalho - SAT. Para alcançar todos os trabalhadores de forma satisfatória, as unidades sentinelas de notificação (Centros de Referência em Saúde do Trabalhador [Cerest]; hospitais de referência no atendimento de urgência e emergência e/ou atenção de média e alta complexidade; e/ou serviços de atenção básica e de média complexidade credenciados como sentinelas) devem ser estimuladas a intensificar sua atuação, valorizando a correção nos registros. No caso dos ATTF, a notificação é compulsória nessas unidades sentinelas e deve ser realizada por qualquer profissional da Saúde, assim como pelos responsáveis das organizações/estabelecimentos.2626. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2011 jan 26; Seção 1:37. A inclusão de novas unidades sentinelas notificadoras, como os IML, também poderia contribuir, de forma significativa, para a redução do sub-registro.88. Gonçalves KR. Análise especial dos acidentes de trabalho assentados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) em uma capital brasileira [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2012. Aventa-se, ainda, que falhas na notificação podem-se dever a razões relacionadas ao empregador, ao empregado e/ou profissional de saúde que atendeu o trabalhador acidentado, seja por mero desconhecimento do dever de notificação, seja pela não caracterização correta dos casos, seja pelo temor a implicações legais decorrentes. Por fim, a incompletude/perda das informações observada no estudo, mesmo após o cruzamento de três fontes de dados, continua sendo um desafio a superar, para que dados de maior qualidade estejam disponíveis.1111. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município polo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015 jan-mar;18(1):123-36.
Os sistemas de informação serão mais confiáveis na medida que suas limitações forem diagnosticadas e superadas.1111. Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município polo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015 jan-mar;18(1):123-36. Neste estudo, a vinculação de mais de uma fonte de informação pelo método de captura-recaptura foi fundamental para o resgate dos casos sub-registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM -, além de apontar algumas limitações importantes desse sistema, como sua impossibilidade atual de relacionar óbitos por agressões ao trabalho e a subnotificação de óbitos de residentes pelos municípios de ocorrência.
O incentivo e consequente utilização do método de captura-recaptura nos serviços de saúde que trabalham com dados epidemiológicos permitiria medir a subestimação das fontes de dados disponíveis, sabidamente incompletas, mediante a superposição de registros. Neste estudo, como houve recorte para a avaliação exclusiva de ATTF, o sub-registro obtido seria ainda mais significativo, uma vez que os acidentes de trajeto, provavelmente, são mais subnotificados. Fica a sugestão para futuras pesquisas sob essa abordagem mais ampla, como última recomendação deste relato.
Agradecimentos
Ao Dr. João Batista Rodrigues Júnior, responsável pelo incentivo para a realização do trabalho e pela autorização do estudo enquanto membro da Diretoria do Instituto Médico Legal, pelo apoio fundamental à realização deste estudo.
Referências
- 1Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Notificação de acidentes do trabalho fatais, graves e com crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos); (Saúde do Trabalhador; 2. Protocolos de Complexidade Diferenciada).
- 2Hämäläinen P, Leena Saarela K, Takala J. Global trend according to estimated number of occupational accidents and fatal work-related diseases at region and country level. J Safety Res. 2009;40(2):125-39.
- 3International Labour Organization. Safety and health at work: a vision for sustainable prevention. In: Annals of 20th World Congress on Safety and Health at Work: Global Forum for Prevention. 2014 Aug 24-27; Frankfurt. Frankfurt: International Labour Organization; [s.d]. 48p.
- 4Fingerhut M, Driscoll T, Nelson DI, Concha-Barrientos M, Punnet L, Pruss-Ustin A, et.al. Contribution of occupational risk factors to the global burden of disease. SJWEH. Suppl. 2005; 1(1):58-61.
- 5Universidade Federal da Bahia, Centro Colaborador em Vigilância dos Acidentes de Trabalho; Ministério da Saúde (BR). Acidentes de trabalho fatais no Brasil 2000-2010: óbitos por acidentes de trabalho caem em todo país. Bol Epidemiol Acid Trab Fatais. 2011 abr;1(1):1-4.
- 6Lippel TH. Mortalidade por acidentes de trabalho, Brasil: análise de séries temporais, 1998 a 2006 [dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2009.
- 7Santana V, Nobre L, Waldvogel BC. Acidentes de trabalho no Brasil entre 1994 e 2004: uma revisão. Cien Saude Coletiva. 2005 out-dez;10(4):841-55.
- 8Gonçalves KR. Análise especial dos acidentes de trabalho assentados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) em uma capital brasileira [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.
- 9Waldvogel BC. A população trabalhadora paulista e os acidentes do trabalho fatais. Sao Paulo Perspect. 2003 abr-jun; 17(2):42-53.
- 10Correa PRL, Assunção AA. A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados. Epidemiol Serv Saude. 2003 dez;12(4):203-12.
- 11Alvares JK, Pinheiro TMM, Santos AF, Oliveira GL. Avaliação da completude das notificações compulsórias relacionadas ao trabalho registradas por município polo industrial no Brasil, 2007-2011. Rev Bras Epidemiol. 2015 jan-mar;18(1):123-36.
- 12Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Cien Saude Coletiva. 2013 mai;18(5):1361-5.
- 13Waldvogel BC, Salim CA, coordenadores. Vinculação de bancos de dados de acidentes do trabalho fatais dos Estados de São Paulo e Minas Gerais 2006-2008: relatório técnico - banco de dados. São Paulo: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho; 2012.
- 14Pepe CCCA. Estratégias para superar a desinformação: um estudo sobre os acidentes de trabalho fatais no Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2002.
- 15Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC, Pena PGL. A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas externas: estudo qualitativo. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jul-dez;39(130):127-35.
- 16Coeli CM, Veras RP, Coutinho ESF. Metodologia de captura-recaptura: uma opção para a vigilância das doenças não transmissíveis na população idosa. Cad Saude Publica. 2000 out-dez;16(4):1071-82.
- 17Schmid B, Silva NN. Estimação de sub-registro de nascidos vivos pelo método de captura e recaptura. Rev Saude Publica. 2011 dez; 45(6):1088-98.
- 18Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Epidemiologia e Estatística; 2010 [citado 2015 nov 09]. Disponível em: Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
» http://censo2010.ibge.gov.br/ - 19Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saude Ocup. 2014 jan-jun;39(129):63-74.
- 20Alves MMM, Nomellini PF, Pranchevicius MCS. Mortalidade por acidente de trabalho no Estado do Tocantins, Brasil: estudo descritivo, 2000-2010. Epidemiol Serv Saude. 2013 abr-jun;22(2):243-54.
- 21Smarzaro DC. A informação sobre mortes por causas externas: estudo do preenchimento da causa básica de óbito em um serviço de medicina legal no Espírito Santo. 2000-2002 [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2005.
- 22Figueiroa BQ, Vanderlei LCM, Frias PG, Carvalho PI, Szwarcwald CL. Análise da cobertura do Sistema de Informações sobre Mortalidade em Olinda, Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica. 2013 mar;29(3):475-84.
- 23Santana VS, Araújo-Filho JB, Silva M, Albuquerque-Oliveira PR, Barbosa-Branco A, Nobre LCC. Mortalidade, anos potenciais de vida perdidos e incidência de acidentes de trabalho na Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2007 nov;23(11):2643-52.
- 24Lucca SR, Mendes R. Epidemiologia dos acidentes do trabalho fatais em área metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979-1989. Rev Saude Publica. 1993 jun; 27(3):168-76.
- 25Miranda FMDA, Sarquis LMM, Cruz EDA, Kirchhof ALC, Scussiato LA. Caracterização das vítimas e dos acidentes de trabalho fatais. Rev Gauch Enferm. 2012 jun;33(2):45-51.
- 26Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2011 jan 26; Seção 1:37.
- 5
ERRATA
No artigo "Utilização do método de captura-recaptura de casos para a melhoria do registro dos acidentes de trabalho fatais em Belo Horizonte, Minas Gerais, 2011", com número de doi: 10.5123/S1679-49742016000100009, publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(1):85-94, na página 94. Correção na referência 18.
onde se lia:
18. Instituto Brasileiro de Epidemiologia e Estatística. Censo Demográfico de 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Epidemiologia e Estatística; 2010 [citado 2015 nov 09]. Disponível em: Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
leia-se:
18. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010 [citado 2015 nov 9]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
Errata publicada na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(3):669, acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n3/2237-9622-ress-25-03-00669.pdf.
Para o artigo original acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n1/2237-9622-ress-25-01-00085.pdf.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
- Recebido
19 Fev 2015 - Aceito
22 Nov 2015