Resumo
OBJETIVO:
descrever a classificação de risco de doenças imunopreveníveis nos municípios brasileiros.
MÉTODOS:
estudo epidemiológico descritivo com dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) para 2014; os indicadores de coberturas vacinais foram utilizados para classificar o risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos municípios.
RESULTADOS:
dos 5.570 municípios brasileiros, 12,0% foram classificados como de risco muito baixo, 29,6% de risco baixo, 2,2% de risco médio, 54,3% de risco alto e 1,8% de risco muito alto.
Conclusão:
a vigilância das coberturas vacinais permitiu identificar a maioria dos municípios em situação de alto risco e a minoria das crianças vivendo em municípios com cobertura adequada; a vigilância das coberturas utilizando indicadores pactuados no Sistema Único de Saúde (SUS) oferece nova ferramenta para identificação de áreas prioritárias, onde as ações poderão ter maiores chances de acerto pelos gestores e melhorar a qualidade e o sucesso do PNI.
Palavras-chave:
Cobertura Vacinal; Vigilância; Monitoramento; Gerenciamento de Risco; Epidemiologia Descritiva
Resumen
OBJETIVO:
describir la clasificación de riesgo de enfermedades prevenibles en municipios brasileños.
MÉTODOS:
estudio epidemiológico descriptivo con datos del Sistema de informaciones del programa nacional de inmunizaciones (PNI) de 2014; los indicadores de cobertura fueron utilizados para clasificar el riesgo de transmisión de enfermedades prevenibles en los municipios.
RESULTADOS:
de los 5.570 municipios brasileños, 12,0% fueron clasificados de muy bajo riesgo, 29,6% de bajo riesgo, 2,2% de riesgo medio, 54,3% de alto riesgo y 1,8% de riesgo muy alto.
CONCLUSIÓN:
la vigilancia de la cobertura de vacunación permitió identificar la mayoría de los municipios en situaciones de alto riesgo y la minoría de niños que viven en municipios con una cobertura adecuada; la vigilancia de la cobertura de vacunación según indicadores acordados en el sistema de salud pública ofrece una nueva herramienta para la identificación de áreas prioritarias en las que la acción pueda tener mayores posibilidades de éxito por los administradores de salud para mejorar la calidad y el éxito del programa de inmunización.
Palabras-clave:
Cobertura de Vacunación; Vigilancia; Monitoreo; Gestión de Riesgos; Epidemiología Descriptiva
Introdução
A vacinação contribuiu para o alcance de resultados positivos na Saúde Pública do Brasil, a exemplo da eliminação da poliomielite, interrupção da transmissão do sarampo e da rubéola, redução intensa da incidência de difteria, coqueluche, meningite causada por H. influenzae tipo B,11. Pinto EF, Matta NE, Da-Cruz AM. Vacinas: progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis. Acta Biol Colomb. 2011 jul;16(3):197-212. tétano, tuberculose em menores de 15 anos de idade, além da redução significativa na mortalidade infantil.22. Teixeira AMS, Domingues CMAS. Monitoramento rápido de coberturas vacinais pós-campanhas de vacinação no Brasil: 2008, 2011 e 2012. Epidemiol Serv Saude. 2013 out-dez;22(4):565-78. Destaca-se, ademais, a eliminação da febre amarela urbana e a erradicação da varíola.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Programa Nacional de Imunizações (PNI): 40 anos. Brasília, Brasil: Ministério da Saúde; 2013. Houve declínio nas taxas de hospitalizações e de mortalidade por doenças imunopreveníveis,44. Domingues CMAS, Teixeira AMS. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saude. 2013 jan-mar;22(1):9-27. no Brasil e em outros países.55. Whitney CG, Zhou F, Singleton J, Schuchat A. Benefits from immunization during the vaccines for children Program Era - United States, 1994-2013. MMWR. 2014 Apr;63(16):352-5. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é considerado a intervenção de Saúde Pública de maior sucesso no Brasil.66. Reid M, Fleck F. The immunization programme that saved millions of lives. Bull World Health Organ. 2014 May;92(5):314-5.
O Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) permite estimar as coberturas vacinais e sua homogeneidade entre as vacinas e entre os municípios das Unidades da Federação do país, com boa aceitabilidade e representatividade.77. Nóbrega AA, Teixeira AMS, Lanzieri TM. Avaliação do sistema de informação do Programa de Imunizações (SI-API). Cad Saude Coletiva. 2010;18(1):145-53. Apesar das adequadas coberturas vacinais nos âmbitos nacional e estadual, nos municípios as coberturas são heterogêneas, menores nos grupos socioeconômicos mais altos e nos mais baixos.88. Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RAA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011 May;377(9780):1877-89. A vacinação ainda não alcança toda a população-alvo99. Andrade MV, Chein F, Souza LR, Puig-Junoy J. Income transfer policies and the impacts on the immunization of children: the Bolsa Família Program. Cad Saude Publica. 2012 Jul;28(7):1347-58.,1010. Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão. Inquérito de cobertura vacinal nas áreas urbanas das capitais, Brasil: cobertura vacinal 2007. São Paulo, Brasil: Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão; 2007. e a baixa cobertura pode estar relacionada ao nível de conhecimento, atitudes e práticas sobre ações de vacinação.1111. Rukmanee N, Yimsamran S, Rukmanee P, Thanyavanich N, Maneeboonyang W, Puangsa-art S, et al. Knowledge, attitudes and practices (KAP) regarding influenza A (H1N1) among a population living along Thai-Myanmar border, Ratchaburi province, Thailand. Southeast Asian J Trop Med Public Health. 2014 Jul;45(4):825-33. Essa situação demanda atenção especial no nível local, desde que a poliomielite e o sarampo, por exemplo, continuam a ser problemas sanitários em países da Ásia, África Central e Oriente Médio,1212. Gordillo MAM, Cano NB. El camino hacia la erradicación de la poliomielitis a través de la Organización Panamericana de la Salu. Ver Panam Salud Publica. 2014 Sep;36(3):185-92. com os quais o Brasil mantém intercâmbio comercial e turístico.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda pelo menos 95% de cobertura vacinal para manutenção da erradicação, eliminação ou controle de doenças imunopreveníveis, além de indicadores como a proporção de municípios com coberturas vacinais adequadas e a proporção de crianças vivendo em municípios com coberturas vacinais adequadas.1313. Dietz V, Venczel L, Izurieta H, Stroh G, Zell ER, Monterroso E, et al. Assessing and monitoring vaccination coverage levels: lessons from the Americas. Rev Panam Salud Publica. 2004 Dec;16(6):432-42. No Brasil, também se adota a homogeneidade de cobertura entre vacinas, medida pela proporção desses imunobiológicos cujas metas de coberturas foram alcançadas em cada município.1414. Domingues CMAS, Teixeira AMS, Carvalho SMD. National Immunization Program: vaccination, compliance and pharmacovigilance. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2012 Oct;54 Suppl 18: S22-7. Esses indicadores devem ser acompanhados por um sistema de vigilância do risco de transmissão de doenças imunopreveníveis no município e em áreas com a presença de suscetíveis, característica de situações que merecem intervenções oportunas.1515. Zell ER, Ezzati-Rice TM, Battaglia MP, Wright RA. National immunization survey: the methodology of a vaccination surveillance system. Public Health Rep. 2000 Jan-Feb;115(1):65-77. O sistema de vigilância deve garantir (i) coberturas adequadas, evitando doenças e mortes desnecessárias,1616. Teixeira AMS, Rocha CMV. Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Epidemiol Serv Saude. 2010 jul-set;19(3):217-26. (ii) alertas para incentivar a adesão às vacinações agendadas e (iii) chamadas para atualização de vacinas atrasadas.1717. Luhm KR, Waldman EA. Sistemas informatizados de registro de imunização: uma revisão com enfoque na saúde infantil. Epidemiol Serv Saude.2009 jan-mar;18(1):65-78.
Têm-se empreendido esforços pela obtenção de informações confiáveis para monitoramento dos programas de imunizações.1818. Murray CJ, Shengelia B, Gupta N, Moussavi S, Tandon A, Thieren M. Validity of reported vaccination coverage in 45 countries. Lancet.2003 Sep;362(9389):1022-7 O método administrativo disponibiliza dados da rotina de forma mais barata e oportuna, enquanto os inquéritos domiciliares constituem a única fonte de estimativas reais de coberturas vacinas,1919. World Health Organization. WHO vaccine-preventable diseases: monitoring system: 2010 global summary [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2010 [cited 2016 Jun 1]. Avaliable from: Avaliable from: http://whqlibdoc.who.int/hq/2010/WHO_IVB_2010_eng.pdf .
http://whqlibdoc.who.int/hq/2010/WHO_IVB... embora estes sejam morosos e de alto custo. Os dois métodos são utilizados no país; contudo, o monitoramento sistemático da situação de risco não foi totalmente implantado, apesar de os indicadores de cobertura e homogeneidade terem sido pactuados no Sistema Único de Saúde brasileiro, o SUS.2020. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Cadernos de diretrizes, objetivos, metas e indicadores 2013-2015. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Série Articulação Interfederativa; v.1).,2121. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1708, de 16 de março de 2013. Regulamenta o Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQAVS), com a definição de suas diretrizes, financiamento, metodologia de adesão e critérios de avaliação dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2013 ago 19; Seção 1:44.
Este estudo teve por objetivo descrever a classificação de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos municípios brasileiros.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo com dados secundários referentes às coberturas de dez vacinas administradas em 2014, na população menor de dois anos de idade residente nos 5.570 municípios brasileiros. Trata-se das seguintes vacinas: (i) bacilo de Calmette e Guérin (BCG); (ii) febre amarela (FA); (iii) hepatite A (HA); (iv) meningocócica C conjugada (meningo C); (v) difteria, tétano, pertussis, hepatite B e Haemophilus influenzae b (pentavalente); (vi) pneumocócica 10 valente (pneumo 10); (vii) poliomielite inativada (VIP)/poliomielite atenuada oral (VOP) (poliomielite); (viii) sarampo, caxumba e rubéola (tríplice viral); (ix) sarampo, caxumba, rubéola e varicela atenuada (tetraviral); e (x) rotavírus humano (VORH).
A situação vacinal foi verificada utilizando-se os indicadores de cobertura vacinal (CV) e homogeneidade de coberturas vacinais entre vacinas no município (HCV), ambos pactuados no SUS por meio do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAP)2020. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Cadernos de diretrizes, objetivos, metas e indicadores 2013-2015. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Série Articulação Interfederativa; v.1). e do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQAVS).2121. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1708, de 16 de março de 2013. Regulamenta o Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQAVS), com a definição de suas diretrizes, financiamento, metodologia de adesão e critérios de avaliação dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2013 ago 19; Seção 1:44. Também foram avaliados os indicadores de proporção de abandono (PA), proporção de crianças menores de dois anos vivendo em municípios com cobertura vacinal adequada (PCVA) e risco de transmissão de doenças imunopreveníveis no município (RTDI).
Em relação às CV, o PNI estabeleceu a meta de 90% para as vacinas BCG e VORH, 95% para pentavalente, poliomielite, penumo 10, meningo C, tríplice viral, tetraviral e HA, e 100% para FA. A CV teve como numerador o total de doses que completam o esquema de cada vacina, e como denominador, o número de nascidos vivos no município registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) para o ano de 2012, utilizados para estimativas de crianças menores de um ano e de dois anos de idade. As CV foram obtidas no SI-PNI: http://pni.datasus.gov.br
Foram estabelecidas duas etapas de análise: (I) categorização dos indicadores CV, PA e HCV e (II) classificação do risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos municípios. A CV recebeu três classificações: baixa (<meta); adequada (≥meta a ≤120%); e elevada (>120%). Quanto à homogeneidade, o COAP definiu que o município deve alcançar a meta para 75% ou mais das vacinas, enquanto no PQAVS, essa proporção foi estabelecida em 100%. A HCV foi arbitrada em três classes: baixa (<75%); adequada para o COAP (≥75%); e adequada para o PQAVS (=100%). Para HCV nos 3.527 municípios com recomendação de vacinação contra FA (ACRV), foram consideradas as dez vacinas; nos demais, nove. A proporção de abandono - obtida em http://tabnet.datasus.gov.br - foi calculada somente para vacinas com esquema multidoses (meningo C, pentavalente, pneumo 10, poliomielite, VORH), considerando-se a diferença entre o número de primeiras doses e o número de últimas doses do esquema vacinal, dividido pelo número das primeiras doses, multiplicando-se o resultado por 100, estratificando-se em três categorias: baixa (<5%); média (≥5% a ≤10%); e alta (>10%). Para a proporção de crianças menores de dois anos em municípios com cobertura vacinal adequada, o numerador constituiu-se da população de crianças menores de dois anos dos municípios com HCV prevista no COAP e no PQAVS, e o denominador, o total de crianças dessa faixa etária existente em cada município. Os municípios foram classificados pelo porte populacional, adaptado do referencial do PQAVS: pequeno porte (≤20.000 habitantes); médio porte (≥20.001 a ≤100.000 habitantes); e grande porte (≥100.001 habitantes).
O risco de transmissão de doenças imunopreveníveis no município foi composto pelos indicadores de cobertura vacinal, homogeneidade de coberturas vacinais entre vacinas, proporção de abandono e porte populacional do município, definindo-se cinco categorias:
risco muito baixo - município com HCV=100%;
risco baixo - município com HCV≥75% a <100%, com CV adequada para as vacinas poliomielite, tríplice viral e tetraviral, as quais previnem doenças eliminadas ou em fase de eliminação (poliomielite, sarampo e rubéola), e ainda, a vacina pentavalente, devido ao componente contra difteria-tétano-pertussis (DTP), considerado como "marcador" de qualidade de serviço de vacinação devido ao esquema de três doses injetáveis até os seis meses de idade;
risco médio - município com HCV ≥75% a <100%, porém com cobertura vacinal abaixo da meta para uma ou mais das vacinas poliomielite, tríplice viral, tetraviral ou pentavalente;
risco alto - município com HCV <75%; e
risco muito alto - município de grande porte populacional, com HCV <75% e alta PA (≥10%), incluídos neste grupo os municípios sem registro de vacinação, independentemente do porte populacional.
No tratamento automatizado e análise dos dados, utilizou-se o programa Epi Info 2000 versão 3.5.1. (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, USA, 2008).
Por envolver apenas o uso de dados secundários, sem identificação de indivíduos, o estudo atendeu às considerações éticas previstas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012, e foi dispensado de aprovação prévia por Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
Em 2014, verificou-se que 54,2% dos municípios brasileiros alcançaram a meta de CV para vacina BCG, 39,6% para FA, 66,8% para hepatite A, 62,2% para meningo C, 60,9% para pentavalente, 58,2% para pneumo 10, 60,9% para poliomielite, 32,4% para tetraviral, 77,3% para tríplice viral e 67,7% para VORH. As vacinas BCG, FA e tetraviral tiveram maior percentual de municípios com cobertura muito baixa e baixa (Figura 1). Observou-se 409 municípios com coberturas vacinais iguais a zero. Não houve dados de cobertura vacinal para cinco municípios: Mojuí dos Campos (Pará), Paraíso das Águas (Mato Grosso do Sul), Pinto Bandeira (Rio Grande do Sul), Balneário Rincão e Pescaria Brava (Santa Catarina). Excluindo-se as coberturas vacinais iguais a zero, as demais coberturas variaram de 0,1% para FA a 3.240,0% para hepatite A. Nas Unidades da Federação, as coberturas variaram de 19,6% para FA em São Paulo a 166,0% para hepatite A no Espírito Santo. No âmbito nacional, a menor cobertura foi de 46,7% para FA, e a maior, de 120,3% para hepatite A, sendo que das dez vacinas avaliadas, alcançou-se cobertura adequada para seis delas.
- Distribuição dos municípios (N e %) conforme a classificação da cobertura de dez vacinas, Brasil, 2014
A homogeneidade foi adequada para o PQAVS em 667 (12,0%) municípios. Em outros 1.775 (31,9%) municípios, a homogeneidade atendeu aos requisitos do COAP, em 2.801 (50,3%) foi baixa ou muito baixa e em 327 (5,9%) foi igual a zero. O estado do Mato Grosso do Sul alcançou 54,4% dos municípios com homogeneidade de cobertura, pelo critério do PQAVS, enquanto Rondônia teve 61,5% de municípios com homogeneidade de cobertura segundo o COAP (Tabela 1).
Do total de 2.902.041 menores de dois anos de idade, 14,9% residiam em municípios de pequeno porte (70,2% do total de municípios), 28,3% em municípios de médio porte (24,6% dos municípios) e 56,8% dessas crianças residiam em municípios de grande porte (5,2% dos municípios). Observou-se que 29,5% da população-alvo residia em municípios com homogeneidade de cobertura adequada para o COAP e 7,3% com homogeneidade de cobertura adequada para o PQAVS (Tabela 2).
O percentual de municípios com baixa proporção de abandono variou de 41,7% para vacina poliomielite a 62,9% para meningo C. A vacina poliomielite também teve o maior percentual de municípios com alta proporção de abandono (39,6%); o menor percentual de abandono (18,9%) foi para meningo C (Figura 2). A proporção de abandono oscilou de -543,4% (negativa) para meningo C a 100,0% (positiva) para pneumo 10.
- Distribuição dos municípios (N e %) conforme a classificação da proporção de abandono de cinco vacinas. Brasil, 2014
O indicador de risco de transmissão de doenças imunopreveníveis detectou dois grupos principais: o primeiro grupo, de baixo risco, correspondeu a 1.650 (29,6%) municípios; o segundo grupo, de alto risco, 3.027 (54,3%) municípios. No grupo de risco muito baixo, foram registrados 667 (12,0%) municípios. No grupo de médio risco, foram 125 (2,2%) municípios, enquanto no grupo de risco muito alto, encontrou-se 101 (1,8%) municípios. Predominaram municípios de pequeno porte populacional nos grupos de menor risco, variando de 68,2% no grupo de risco baixo a 73,6% no grupo de risco médio. No grupo de risco muito alto, predominaram os municípios de grande porte populacional (95,0%), conforme esperado. A análise espacial do risco de transmissão de doenças imunopreveníveis identificou que os municípios com risco muito baixo e risco muito alto se distribuíram por todos os estados brasileiros. Porém, houve maior concentração de municípios com risco alto e risco muito alto nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Piauí e Roraima (Figura 3).
- Distribuição dos municípios conforme a classificação de risco de transmissão das doenças imunopreveníveis, contemplados com dez vacinas do calendário da criança. Brasil, 2014
Discussão
O alcance das metas de coberturas vacinais pelos municípios, possivelmente, é o maior desafio para o PNI no momento. Este estudo mostrou que vários municípios não atingiram coberturas adequadas, principalmente para as vacinas tetraviral, FA e BCG. Em alguns municípios, a BCG é administrada nas maternidades logo após o nascimento da criança, promovendo altas coberturas, ao contrário daqueles municípios que não ofertam essa vacina nos estabelecimentos hospitalares destinados ao parto. Observou-se grande proporção de municípios com altas proporções de abandono para algumas vacinas, resultado acorde com outro estudo.2222. Luhm KR, Cardoso MRA, Waldman EA. Cobertura vicinal em menores de dois anos a partir de registro informatizado de imunização em Curitiba, PR. Rev Saude Publica. 2011 fev;45(1):90-8. A classificação da cobertura vacinal e da proporção de abandono foram semelhantes àquelas observadas em pesquisa sobre vacinação no Brasil.44. Domingues CMAS, Teixeira AMS. Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saude. 2013 jan-mar;22(1):9-27. A homogeneidade seguiu padrões pactuados no SUS;2020. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Cadernos de diretrizes, objetivos, metas e indicadores 2013-2015. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Série Articulação Interfederativa; v.1).,2121. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1708, de 16 de março de 2013. Regulamenta o Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQAVS), com a definição de suas diretrizes, financiamento, metodologia de adesão e critérios de avaliação dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2013 ago 19; Seção 1:44. entretanto, esses padrões podem ser alterados conforme a necessidade dos gestores, exigindo adaptação da vigilância a novos indicadores introduzidos.
A análise conjunta da cobertura vacinal, da homogeneidade e da proporção de abandono possibilitou melhor entendimento do risco de transmissão de doenças imunopreveníveis nos municípios brasileiros, constituindo uma nova ferramenta para o gestor direcionar ações oportunas em locais com maior fragilidade da situação vacinal, conforme outros autores têm defendido,2323. Dabbagh A, Eggers R, Cochi S, Dietz V, Strebel P, Cherian T. A new global framework for immunization monitoring and surveillance. Bull World Health Org. 2007 Dec;85(12):901-80. em resposta às ameaças de epidemias e da emergência de doenças imunopreveníveis. As cinco categorias de risco possibilitarão mais opções de priorização de ações, devido ao grande número de municípios de alto risco. Posteriormente, essa categorização poderá ser reduzida para três níveis - baixo, médio e alto risco -, conforme estudo anterior, no qual cada prioridade recebeu diversos níveis de hierarquia:1616. Teixeira AMS, Rocha CMV. Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Epidemiol Serv Saude. 2010 jul-set;19(3):217-26. em relação à pesquisa referida, o diferencial deste estudo reside na ausência de hierarquias de prioridades e no processamento automatizado dos indicadores, possibilitando a elaboração rápida de um boletim para vigilância da situação vacinal nos municípios.
O presente trabalho permitiu identificar: maioria dos municípios com alto risco de doenças imunopreveníveis; coberturas vacinais atípicas (muito baixas; ou muito elevadas) em alguns municípios, possivelmente devidas a duplicidade de registro de doses aplicadas, subestimação da população ou falta de registro individual do vacinado por local de residência; oscilação nas proporções de abandono de valores negativos, decorrente do maior número de vacinados com a última dose do esquema vacinal quando comparados àqueles vacinados com a primeira dose, até abandono completo do esquema de algumas vacinas; municípios com homogeneidade igual a zero e vários com homogeneidade muito baixa; minoria das crianças vivendo em municípios com homogeneidade de cobertura adequada; e inexistência de informação sobre vacinação em alguns municípios. Essa situação evidenciou duas questões fundamentais.
A primeira questão remete a possíveis inconsistências nos dados do SI-PNI devidas ao registro - em alguns municípios - de dados agregados por local de ocorrência (ao invés do registro de dados individuais por residência do vacinado), capazes de distorcer as coberturas vacinais e proporções de abandono, interferindo no indicador de risco. A consistência dos dados do sistema de informações pode contribuir para a melhoria das coberturas, principalmente no seguimento individual das crianças, melhorando a oportunidade dos esquemas vacinais.2424. Danovaro-Holliday MC, Ortiz C, Cochi S, Ruiz-Matus C. Electronic immunization registries in Latin America: progress and lessons learned. Rev Panam Salud Publica. 2014 May-Jun;35(5-6):453-7. Vacinação inválida também interfere nas coberturas mas pode ser minimizada com um bom sistema de informações. O desvio do prazo para vacinação pode levar a baixa proteção contra doenças imunopreveníveis ou requerer a repetição da dose, causando perda evitável de tempo, recursos materiais e financeiros.2525. Akmatov MK, Kimani-Murage E, Pessler F, Guzman CA, Krause G, Kreienbrock L, et al. Evaluation of invalid vaccine doses in 31 countries of the WHO African Region. Vaccine. 2015;33(7):892-901. Abordagens sobre uso da informações para o direcionamento das ações no nível local têm ajudado a melhorar as coberturas vacinais em vários países,2626. Vandelaer J, Bilous J, Nshimirimana D. Reaching Every District (RED) approach: a way to improve immunization performance. Bull World Health Org. 2008 Mar;86(3):161-240. sendo imprescindível que os municípios mantenham os registros de vacinação no SI-PNI com qualidade e atualizados.
A segunda questão diz respeito ao monitoramento da qualidade dos serviços de vacinação. Deve-se averiguar a confiança da comunidade nas vacinas e no serviço de imunização oferecido.2727. World Health Organization. Monitoring the immunization system: Training for mid-level managers (MLM) [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2008 [cited 2016 Jun 1]. Available from: Available from: http://www.who.int/immunization/documents/mlm/en/
http://www.who.int/immunization/document... Se a vacinação buscar tão somente o cumprimento do calendário ou responder a situações impositivas, ela ficará desassociada do cuidado das famílias com frágil sustentabilidade.2828. Figueiredo GLA, Pina JC, Tonete VLP, Lima RAG, Mello DF. Experiências de famílias na imunização de crianças brasileiras menores de dois anos. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011 mai-jun;19(3):1-8. A integração das ações do programa de vacinação com a Estratégia Saúde da Família pode ampliar seu alcance na comunidade, impactando positivamente as ações de imunoprevenção.2929. Guimarães TMR, Alves JGB, Tavares MMF. Impacto das ações de imunização pelo Programa Saúde da Família na mortalidade infantil por doenças evitáveis em Olinda, Pernambuco, Brasil. Cad Saude Pública. 2009 abr;25(4):868-876. Com o aumento da credibilidade, as coberturas vacinais melhoram enquanto as proporções de abandono tendem a declinar.3030. LaFond A, Kanagat N, Steinglass R, Fields R, Sequeira J, Mookherji S. Drivers of routine immunization coverage improvement in Africa: findings from district-level case studies. Health Policy Plan. 2014 Mar;1-11. O acesso aos serviços também pode afetar as coberturas vacinais, seja em função de áreas caracterizadas pela violência, seja pela dificuldade de acesso geográfico como acontece com áreas indígenas ou assentamentos agrícolas.1616. Teixeira AMS, Rocha CMV. Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Epidemiol Serv Saude. 2010 jul-set;19(3):217-26. Outros aspectos a considerar são a falta de disponibilidade de tempo dos pais para conduzir suas crianças e o posto de saúde encontrar-se fechado,22. Teixeira AMS, Domingues CMAS. Monitoramento rápido de coberturas vacinais pós-campanhas de vacinação no Brasil: 2008, 2011 e 2012. Epidemiol Serv Saude. 2013 out-dez;22(4):565-78. sendo recomendável a oferta de horários alternativos para vacinação.
A vigilância das coberturas requer avaliações sistemáticas e recomendações aos gestores de ações corretivas, priorizando os municípios conforme a classificação da situação de risco. Deve-se atentar para a atualização dos dados no SI-PNI, local e nacional, com correção das coberturas vacinais e proporções de abandono atípicas e realização de monitoramento rápido de coberturas, uma vez que a classificação de risco baseada exclusivamente em dados administrativos pode não refletir a cobertura real de cada vacina. É preciso incluir ações e metas de imunizações na Programação Anual de Saúde (PAS) e no Plano Plurianual (PPA) dos estados e municípios, para ampliar a governabilidade sobre a melhoria das coberturas. A distribuição, o armazenamento e a administração qualificada das vacinas também podem contribuir com a manutenção de coberturas vacinais adequadas, mesmo em situações de escassez desses produtos. Finalmente, faz-se necessário conhecer os locais e os problemas a demandar ações oportunas.
A classificação de risco de transmissão de doenças imunopreviníveis oferece uma ferramenta adicional para identificação de áreas prioritárias, onde as ações poderão ser direcionadas pelos gestores, melhorando a qualidade e contribuindo para o sucesso do Programa Nacional de Imunizações nos municípios, Unidades da Federação e, por conseguinte, no plano da nação.
Referências
- 1Pinto EF, Matta NE, Da-Cruz AM. Vacinas: progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis. Acta Biol Colomb. 2011 jul;16(3):197-212.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2016
Histórico
- Recebido
10 Mar 2016 - Aceito
17 Maio 2016