Vigilância do óbito infantil no Recife, Pernambuco: operacionalização, potencialidades e limites**Relato de experiência originado da tese de Doutorado intitulada ‘Avaliação da vigilância do óbito infantil na cidade do Recife-PE’, defendida por Conceição Maria de Oliveira junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) em agosto de 2016. A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) - Processo nº 480718/2012-1 - e pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE) - Processo nº 2133-4.0012.

Vigilancia de mortalidad infantil en Recife, Pernambuco, Brasil: operacionalización, potencialidades y límites

Conceição Maria de Oliveira Cristine Vieira do Bonfim Maria José Bezerra Guimarães Paulo Germano Frias Verônica Cristina Sposito Antonino Zulma Maria Medeiros Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO:

relatar a experiência da vigilância do óbito infantil (VOI) na cidade do Recife-PE, Brasil.

MÉTODOS:

realizou-se pesquisa documental e consulta a informantes-chave, participantes do processo de implantação e consolidação da VOI; para mensuração da cobertura dos óbitos investigados, utilizaram-se dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e das planilhas de monitoramento dessa estratégia.

RESULTADOS:

a implantação da VOI, gradual, iniciou-se em 2003; a estratégia constitui-se dos componentes (i) identificação dos óbitos, (ii) investigação, (iii) discussão, (iv) recomendações e correção das estatísticas vitais; concluída a implantação (2006), 98,5% (256) dos óbitos haviam sido investigados e discutidos, com participação dos envolvidos na atenção aos casos; em 2015, essa cobertura correspondeu a 97,7%.

CONCLUSÃO:

as principais recomendações consistiram na ampliação do acesso e cobertura, e melhoria da qualidade da atenção primária, secundária e terciária; a VOI pode subsidiar mudanças nas práticas assistenciais, planejamento e organização da rede de atenção materno-infantil.

Palavras-chave:
Mortalidade Infantil; Vigilância Epidemiológica; Sistemas de Informação

Resumen

OBJETIVO:

describir la experiencia de vigilancia de mortalidad infantil (VOI) en la ciudad de Recife-PE, Brasil.

MÉTODOS:

se realizó una investigación documental y consulta a informantes-clave que participaron en el proceso de implantación y consolidación de esta vigilancia; para medir la cobertura de las muertes investigadas, utilizamos datos del Sistema de Informaciones sobre Mortalidad (SIM) y de las planillas de monitoreo de esta estrategia.

RESULTADOS:

la implantación de la VOI se produjo gradualmente a partir de 2003, constituida por los componentes (i) identificación de muertes, (ii) investigación, (iii) discusión, (iv) recomendaciones y corrección de las estadísticas vitales; concluyendo la implantación (2006), se investigó y discutió 98,5% (256) de las muertes, con la participación de los implicados en la atención al caso; en 2015, esta cobertura correspondía al 97,7%.

CONCLUSIÓN:

las principales recomendaciones consistieron en la ampliación de acceso y cobertura y mejoría de la calidad de atención primaria, secundaria y terciaria; la VOI puede subvencionar cambios en las prácticas asistenciales, planificación y organización de la red de atención materno-infantil.

Palabras-clave:
Mortalidad Infantil; Vigilancia Epidemiológica; Sistemas de Informaciones

Introdução

A vigilância do óbito infantil (VOI) é reconhecida como uma importante estratégia para o conhecimento da situação de saúde e da assistência prestada pela rede de atenção materno-infantil. Outrossim, trata-se de um instrumento de avaliação da efetividade do sistema de saúde.11. Frias PG, Lira PIC, Vidal SA, Vanderlei LC. Vigilância de óbitos infantis como indicador da efetividade do sistema de saúde - estudo em um município do interior do Nordeste brasileiro. J Pediatr. 2002 nov-dez;78(6):509-16.

2. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm. 2009 mar-abr;62(2):205-311.

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-44. Bamber JH, Kinsella SM. MBRRACE-UK - the new home for the Confidential Enquiries into Maternal Deaths - reports for the first time. Anaesthesia. 2015 Jan;70(1):5-9. A partir de 2010, o Ministério da Saúde do Brasil instituiu a obrigatoriedade da vigilância do óbito infantil e fetal em todo o território nacional.55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Estabelece que a Vigilância fetal é obrigatória nos serviços de saúde (públicos e privados) que integram o Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2010 jan 12;Seção 1:29. Graças a uma normativa definida, publicada mediante Portaria, a investigação dos óbitos passou a ser reconhecida institucionalmente, enquanto ferramenta para a compreensão da cadeia de determinantes das mortes, especialmente as evitáveis.55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Estabelece que a Vigilância fetal é obrigatória nos serviços de saúde (públicos e privados) que integram o Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2010 jan 12;Seção 1:29.,66. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de Vigilância do óbito infantil e fetal e do comitê de prevenção do óbito infantil e fetal. 2 ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e manuais técnicos). Contudo, o número de óbitos infantis investigados no país ainda precisa ser ampliado.77. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad Saude Colet. 2013 jul-set;21(3):309-17.

8. Santana IP, Santos JM, Costa JR, Oliveira RR, Orlandi MHF, Mathias TAF. Aspectos da mortalidade infantil conforme informações da investigação de óbito. Acta Paul Enferm. 2011;24(4):556-62.

9. Santana M, Aquino R, Medina MG. Efeito da Estratégia Saúde da Família na vigilância de óbitos infantis. Rev Saude Publica. 2012 fev;46(1):59-67.

10. Santos HG, Andrade SM, Silva AMR, Carvalho WO, Mesas AE, Gonzáles AD. Concordância sobre causas básicas de morte infantile entre registros originais e após investigação: análise de dois biênios dos anos 2000. Rev Bras Epidemiol. 2014 abr-jun;17(2):313-22.

11. Silva VLS, Santos IS, Medronha NS, Matijasevich A. Mortalidade infantil na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período 2005-2008: uso da investigação de óbitos na análise de causas evitáveis. Epidemiol Serv Saude. 2012 abr-jun;21(2):265-74.
-1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Rev Min Enferm. 2015 jul-set;19(3):597-604.

Na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, a VOI foi implantada como instrumento crítico-reflexivo da organização da rede de saúde, diferenciando-se das demais localidades/Unidades da Federação que conduziam essas atividades vinculadas aos Comitês de Prevenção dos Óbitos Municipais, Regionais e Estaduais.22. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm. 2009 mar-abr;62(2):205-311.,1313. Venâncio SI, Paiva R. O processo de implantação dos comitês de investigação do óbito infantil no estado de São Paulo. Rev Bras Saude Mater Infant. 2010 jul-set;10(3):369-75. O conhecimento do processo de desenvolvimento da VOI pode contribuir para a efetivação da estratégia, além de fornecer informações relevantes sobre os desafios na operacionalização, e favorecer instituições que todavia não implantaram ou que precisam fortalecer a VOI, ao antever impasses diante da normatização instituída no país e do contexto socioeconômico e organizacional local.

Este artigo teve por objetivo relatar a experiência da vigilância do óbito infantil no Recife, onde a atividade era realizada anteriormente à instituição dessa vigilância pelo Ministério da Saúde. Aborda-se a utilidade dessa estratégia para a gestão da política de saúde da mulher e da criança, a produção de informações relevantes e a formação de consciência crítica dos profissionais da Saúde.

Métodos

Realizou-se pesquisa documental para a reconstituição histórica da intervenção. Foram realizadas consultas a informantes-chave e aos acervos - impresso e digital - da Secretaria de Saúde do Recife.

Recife, capital de Pernambuco, localiza-se na região Nordeste do Brasil. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, era a cidade do país com a quarta maior população urbana: 1.537.704 habitantes, dos quais 19.142 (1,24%) crianças menores de um ano de idade.1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pernambuco: Recife: censo demográfico 2010: resultados do universo - características da população e dos domicílios [Internet]. Brasília: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010 [citado em 2015 jul 29]. Disponível em: Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=261160&idtema=67&search=pernambuco|recife|censo-demografico-2010:-resultados-do-universo-caracteristicas-da-populacao-e-dos-domicilios
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/tem...

Foram revisados os seguintes documentos: projeto de implantação da VOI,1515. Secretaria de Saúde (Recife). Projeto de implantação da vigilância do óbito infantil no Recife. Recife (PE), 2002. relatórios, apresentações realizadas para os profissionais dos distritos sanitários, apresentações em congressos,1616. Lima RGS, Oliveira CM, Antonino VCS, Guimarães MJB. Contribuições da vigilância do óbito em menores de um ano para o sistema de informação sobre mortalidade, distrito sanitário III, Recife, 2003. VI Congresso Brasileiro de Epidemiologia, 2004, Recife. Recife: Anais do VI Congresso Brasileiro de Epidemiologia; 2004.

17. Oliveira CM. Processo de validação de endereço de residência dos óbitos infantis como aprimoramento do cálculo do coeficiente de mortalidade infantil - Recife-PE. 2ª Mostra de Saúde SUS Recife, 2009, Recife. Recife: Anais da Mostra de Saúde SUS Recife; 2009.

18. Rodrigues MOS, Antonino VCS, Oliveira CM. Contribuição da vigilância do óbito infantil para a qualidade do sistema de informação sobre nascidos vivos. VIII Congresso Brasileiro de Epidemiologia, 2011, São Paulo. São Paulo: Anais do VIII Congresso Brasileiro de Epidemiologia; 2011.
-1919. Guimarães ALS, Marques LJP, Silva MG, Oliveira CM, Bonfim CV. Análise da completitude da ficha confidencial de investigação da Vigilância do Óbito Infantil. II Congresso IMIP de Saúde Integral do Vale do Médio São Francisco, Juazeiro, 2013. Juazeiro: IMIP; 2013. ofícios, comunicações internas e fichas-síntese dos óbitos infantis investigados e discutidos. A consulta e análise desses documentos teve como eixo a identificação e compreensão dos elementos centrais do processo de implantação, componentes, operacionalização e recomendações da VOI, revelando-se seu conteúdo aparente e latente. Foram selecionados documentos datados de 2002 (ano da proposta de implantação da estratégia) até 2015.

Em seguida, foram realizadas consultas a informantes-chave, participantes da implantação e consolidação dessa vigilância. Descreveu-se o processo de implantação, componentes, operacionalização e recomendações da VOI. Para mensuração da cobertura da estratégia, utilizou-se como fonte de dados o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e as planilhas elaboradas pela Secretaria de Saúde do Recife para o monitoramento da operacionalização da VOI, relacionados ao período de 2003 a 2015. Os bancos de dados foram disponibilizados pela referida secretaria, obtendo-se as frequências absolutas e relativas dos óbitos investigados. No município, as informações do SIM são consideradas consolidadas: historicamente, Recife tem apresentado avanços na cobertura e qualidade dos dados desse sistema, utilizado como fonte de informações dos óbitos para o cálculo direto da mortalidade infantil.2020. Rodrigues M, Bonfim C, Portugal JL, Frias PG, Gurgel IGD, Costa TR, et al. Análise espacial da mortalidade infantil e adequação das informações vitais: uma proposta para definição de áreas prioritárias. Cienc Saude Coletiva. 2014 jul;19(7):2047-54.

Este estudo obteve a anuência da Secretaria de Saúde do Recife e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Instituto Oswaldo Cruz: Protocolo nº 07336313.6.0000.5190, de 3 de abril de 2013.

Resultados

Processo de implantação da vigilância do óbito infantil - VOI

Em 2002, após a análise da situação da mortalidade infantil no Recife, elaborou-se uma proposta para a VOI, construída coletivamente, com a participação de gestores, gerentes e trabalhadores da assistência e vigilância. A estratégia tinha como propósitos (i) identificar as falhas na atenção à saúde materno-infantil que contribuíam para as mortes, definindo sua evitabilidade, (ii) melhorar a qualidade dos sistemas de informações e (iii) utilizá-los para a reflexão, planejamento e adoção de medidas voltadas à redução da mortalidade infantil.1515. Secretaria de Saúde (Recife). Projeto de implantação da vigilância do óbito infantil no Recife. Recife (PE), 2002.

A operacionalização da VOI aconteceu de forma gradativa, nos seis distritos sanitários (DS) do Recife, condicionada pela disponibilidade de recursos humanos e pela magnitude do problema, sendo concluída em 2006. Essa estratégia foi implantada no Recife, antes mesmo do Ministério da Saúde tornar obrigatória sua realização,55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Estabelece que a Vigilância fetal é obrigatória nos serviços de saúde (públicos e privados) que integram o Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2010 jan 12;Seção 1:29. a exemplo de outras experiências em municípios22. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm. 2009 mar-abr;62(2):205-311.,88. Santana IP, Santos JM, Costa JR, Oliveira RR, Orlandi MHF, Mathias TAF. Aspectos da mortalidade infantil conforme informações da investigação de óbito. Acta Paul Enferm. 2011;24(4):556-62.,1010. Santos HG, Andrade SM, Silva AMR, Carvalho WO, Mesas AE, Gonzáles AD. Concordância sobre causas básicas de morte infantile entre registros originais e após investigação: análise de dois biênios dos anos 2000. Rev Bras Epidemiol. 2014 abr-jun;17(2):313-22.,1111. Silva VLS, Santos IS, Medronha NS, Matijasevich A. Mortalidade infantil na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período 2005-2008: uso da investigação de óbitos na análise de causas evitáveis. Epidemiol Serv Saude. 2012 abr-jun;21(2):265-74. e estados do país.99. Santana M, Aquino R, Medina MG. Efeito da Estratégia Saúde da Família na vigilância de óbitos infantis. Rev Saude Publica. 2012 fev;46(1):59-67.,1313. Venâncio SI, Paiva R. O processo de implantação dos comitês de investigação do óbito infantil no estado de São Paulo. Rev Bras Saude Mater Infant. 2010 jul-set;10(3):369-75.

Em cada distrito sanitário, assim como no nível central municipal, pelo menos um técnico de nível superior ficou responsável pela VOI e foi capacitado para desenvolver as atividades previstas. Entre os requisitos desejados, esse profissional deve ter uma visão global do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente do modelo de atenção à saúde, saber ouvir e estimular a reflexão, sistematizar a investigação e conduzir as discussões sobre os óbitos, demonstrando habilidade para agregar o grupo e mediar conflitos. Suas atribuições relacionam-se à execução e organização das ações de investigação, promoção de contatos interinstitucionais, coordenação das discussões e elaboração de relatórios.

Componentes, objetivos e operacionalização

A VOI constitui-se de quatro componentes:

  1. Identificação dos óbitos infantis

  2. Investigação epidemiológica

  3. Discussão dos óbitos

  4. Encaminhamento das propostas de promoção, atenção à saúde e correção das estatísticas vitais.

A Figura 1 representa uma síntese do processo de trabalho desenvolvido na VOI, com destaque para as diferentes atuações do nível central municipal e do DS.

Figura 1
- Componentes e atividades da vigilância do óbito infantil na cidade do Recife, Pernambuco, 2015

O primeiro componente (identificação dos óbitos infantis) tem como objetivo captar - via setor responsável da Secretaria Municipal de Saúde - todos os óbitos registrados por meio das Declarações de Óbito (DO), nos estabelecimentos de saúde, Serviço de Verificação de Óbito (SVO), Instituto de Medicina Legal (IML) e cartórios. Em seguida, procede-se a triagem dos óbitos de residentes no Recife e seleção dos elegíveis para investigação (excluídas as malformações congênitas). Cada um desses óbitos é direcionado para a equipe da VOI, encarregada da localização da respectiva Declaração de Nascido Vivo (DN) no banco de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Considerando-se o endereço de residência da mãe, as cópias das DO e DN são encaminhadas semanalmente aos distritos sanitários, responsáveis pelo processo de investigação em seu território.

A validação de endereço da mãe é realizada mediante visita domiciliar, utilizando-se formulário específico, sob responsabilidade das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) nas áreas cobertas. Nas áreas sem cobertura, essa atividade é realizada pela equipe da VOI do DS. Graças a esse procedimento, cerca de 10% dos registros dos endereços de residência das mães referentes aos óbitos infantis necessitam ser retificados para outro município.1717. Oliveira CM. Processo de validação de endereço de residência dos óbitos infantis como aprimoramento do cálculo do coeficiente de mortalidade infantil - Recife-PE. 2ª Mostra de Saúde SUS Recife, 2009, Recife. Recife: Anais da Mostra de Saúde SUS Recife; 2009.

O segundo componente (investigação epidemiológica) objetiva identificar os eventos que levaram ao óbito, e sua atividade consiste da investigação domiciliar, nos estabelecimentos de atenção à saúde da mulher e da criança (desde a sua gestação) e nos serviços de necropsia, conforme o caso. Para essa etapa, utiliza-se uma ficha confidencial própria, composta de variáveis relacionadas com a (i) identificação da criança e da mãe, (ii) características da família, (iii) dados da gestação, (iv) do pré-natal, (v) do nascimento, (vi) da puericultura, (vii) do atendimento ambulatorial e hospitalar à gestante e à criança, e (viii) a ocorrência do óbito. A ficha utilizada no Recife contempla todas as variáveis recomendadas pelo Ministério.66. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de Vigilância do óbito infantil e fetal e do comitê de prevenção do óbito infantil e fetal. 2 ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e manuais técnicos).

Os profissionais da atenção primária e/ou da VOI do DS realizam consultas aos prontuários ambulatoriais e entrevistas domiciliares. As investigações hospitalares são conduzidas pela equipe da VOI do distrito sanitário e pelos Núcleos de Epidemiologia Hospitalar; e nos serviços de necropsia, pela equipe da VOI do nível central municipal.

A discussão dos óbitos, terceiro componente, tem por objetivo avaliar o papel do setor Saúde na ocorrência das mortes. Para tanto, elabora-se um resumo das informações obtidas pela investigação, destinado à discussão do óbito pelo Grupo Técnico-Gestor da VOI. Este grupo é composto pelo coordenador da vigilância do óbito do distrito sanitário, equipe da ESF e do PACS, profissionais dos hospitais envolvidos na atenção à gestante e à criança, gestores/técnicos dos DS e do nível central da vigilância e atenção à saúde (políticas específicas para a criança e a mulher, e atenção primária). A discussão dos óbitos com os envolvidos na assistência é uma característica marcante da VOI no Recife, diferenciando-a de outras iniciativas em que essa discussão acontece apenas no âmbito dos comitês de investigação do óbito infantil municipais, regionais ou estaduais.22. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm. 2009 mar-abr;62(2):205-311.,1313. Venâncio SI, Paiva R. O processo de implantação dos comitês de investigação do óbito infantil no estado de São Paulo. Rev Bras Saude Mater Infant. 2010 jul-set;10(3):369-75.

As discussões são realizadas nos DS ou nos hospitais onde ocorreram os óbitos, com finalidade educativa, reflexiva e propositiva, não coercitiva ou punitiva, e enfoque na busca dos determinantes e fatores de evitabilidade, para avaliação da atenção à saúde e proposição de medidas de intervenção.2121. Oliveira CM, Guimarães MJB, Bonfim CV, Frias PG, Antonino VCS, Guimarães ALS, et al. Adequação da investigação dos óbitos infantis no Recife, Pernambuco, Brasil [no prelo]. Cienc Saude Coletiva [Internet]. 2016 [citado em 2016 ago 20]. Disponível em: Disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/ingles/artigos/artigo_int.php?id_artigo=15697
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/...
Recomendação recente do Ministério da Saúde55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Estabelece que a Vigilância fetal é obrigatória nos serviços de saúde (públicos e privados) que integram o Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2010 jan 12;Seção 1:29. estabelece que, finda essa discussão, seja preenchida a ficha-síntese do óbito infantil, documento cuja finalidade é registrar a análise ou fechamento do caso investigado e discutido pelo Grupo Técnico-Gestor.

O quarto e último componente da VOI refere-se ao encaminhamento de propostas de promoção e atenção à saúde para as áreas responsáveis e correção das estatísticas oficiais de mortalidade infantil. As atividades desse componente estão relacionadas à elaboração e envio de relatório com as proposições destinadas ao setor Saúde e suas áreas responsáveis, para as devidas providências. As correções necessárias são realizadas no SIM e no Sinasc.2121. Oliveira CM, Guimarães MJB, Bonfim CV, Frias PG, Antonino VCS, Guimarães ALS, et al. Adequação da investigação dos óbitos infantis no Recife, Pernambuco, Brasil [no prelo]. Cienc Saude Coletiva [Internet]. 2016 [citado em 2016 ago 20]. Disponível em: Disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/ingles/artigos/artigo_int.php?id_artigo=15697
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/...
A partir de 2010, iniciou-se a digitação dos dados da ficha-síntese no módulo ‘Investigação do óbito infantil e fetal’ do SIM-Web, conforme indicação do Ministério.55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Estabelece que a Vigilância fetal é obrigatória nos serviços de saúde (públicos e privados) que integram o Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2010 jan 12;Seção 1:29.

Situação e contribuições

No primeiro ano da implantação da vigilância do óbito infantil, 2003, 27,5% dos óbitos sem malformação congênita foram investigados e discutidos. Essa proporção alcançou 98,5% em 2006, com a conclusão do processo de implantação em todos os DS, mantendo-se no mesmo patamar até o último ano da série analisada, 2015 (Tabela 1).

Tabela 1
- Situação da vigilância do óbito infantil na cidade do Recife, Pernambuco, 2003-2015

Com mais de dez anos de implantação da VOI, entre as várias recomendações do Grupo Técnico-Gestor para evitar novas mortes, foram pontuadas, com maior destaque, a ampliação do acesso e da cobertura, e melhoria da qualidade da atenção primária, secundária e terciária. Todas essas ações estão relacionadas ao planejamento reprodutivo, acompanhamento pré-natal, atenção ao parto e ao nascimento, e cuidados com a criança no primeiro ano de vida.

Discussão

Todos os componentes da VOI no Recife, ao buscar a integralidade da atenção e o envolvimento dos profissionais responsáveis pelo cuidado à mulher e à criança (nos diversos pontos assistenciais da linha de cuidado, particularizada a cada evento avaliado), promovem a reflexão sobre redes assistenciais de gestão interfederativa, articulando dimensões clínicas e organizacionais em sua operacionalização. Acredita-se que esse procedimento tem favorecido o reconhecimento de que nenhuma organização ou profissional, isoladamente, reúne competências suficientes para resolver problemas de saúde de complexa determinação.2222. Hartz ZMA, Contandriopoulos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saude Publica. 2004;20 supl 2:S331-6.

Conforme resultados de estudos realizados no Paraná (nos períodos de 2000-2001 e 2007-2008, 2005 e 2005 a 2008),22. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm. 2009 mar-abr;62(2):205-311.,88. Santana IP, Santos JM, Costa JR, Oliveira RR, Orlandi MHF, Mathias TAF. Aspectos da mortalidade infantil conforme informações da investigação de óbito. Acta Paul Enferm. 2011;24(4):556-62.,1010. Santos HG, Andrade SM, Silva AMR, Carvalho WO, Mesas AE, Gonzáles AD. Concordância sobre causas básicas de morte infantile entre registros originais e após investigação: análise de dois biênios dos anos 2000. Rev Bras Epidemiol. 2014 abr-jun;17(2):313-22. Rio Grande do Sul (2005 a 2008),1111. Silva VLS, Santos IS, Medronha NS, Matijasevich A. Mortalidade infantil na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período 2005-2008: uso da investigação de óbitos na análise de causas evitáveis. Epidemiol Serv Saude. 2012 abr-jun;21(2):265-74. São Paulo (2006),1313. Venâncio SI, Paiva R. O processo de implantação dos comitês de investigação do óbito infantil no estado de São Paulo. Rev Bras Saude Mater Infant. 2010 jul-set;10(3):369-75. Minas Gerais (2014),1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Rev Min Enferm. 2015 jul-set;19(3):597-604. Alagoas (outubro de 2009 a dezembro de 2010)77. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad Saude Colet. 2013 jul-set;21(3):309-17. e Bahia (2008),99. Santana M, Aquino R, Medina MG. Efeito da Estratégia Saúde da Família na vigilância de óbitos infantis. Rev Saude Publica. 2012 fev;46(1):59-67. o número de óbitos infantis investigados no país era reduzido. No Recife, desde 2006, a quase totalidade dos óbitos infantis - exceto aqueles por malformação congênita - vêm sendo investigados e discutidos.

A VOI, ao tentar eliminar barreiras do diálogo entre profissionais com diferentes saberes e competências, inseridos em diversos serviços de saúde, promove o conhecimento social e técnico-assistencial das situações de seus territórios e a coesão na busca dos melhores caminhos para o enfrentamento de situações complexas, vivenciadas no cotidiano dos serviços.33. Merali HS, Lipsitz S, Hevelone N, Gawande AA, Lashoher A, Agrawal P et al. Audit-identified avoidable factors in maternal and perinatal deaths in low resource settings: a systematic review. BMC Pregnancy and Childbirth. 2014 Aug;14:280.,44. Bamber JH, Kinsella SM. MBRRACE-UK - the new home for the Confidential Enquiries into Maternal Deaths - reports for the first time. Anaesthesia. 2015 Jan;70(1):5-9.,1010. Santos HG, Andrade SM, Silva AMR, Carvalho WO, Mesas AE, Gonzáles AD. Concordância sobre causas básicas de morte infantile entre registros originais e após investigação: análise de dois biênios dos anos 2000. Rev Bras Epidemiol. 2014 abr-jun;17(2):313-22.,1111. Silva VLS, Santos IS, Medronha NS, Matijasevich A. Mortalidade infantil na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período 2005-2008: uso da investigação de óbitos na análise de causas evitáveis. Epidemiol Serv Saude. 2012 abr-jun;21(2):265-74.,2222. Hartz ZMA, Contandriopoulos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saude Publica. 2004;20 supl 2:S331-6.,2323. Stratulat P, Curteanu A, Caraus T, Petrov V, Gardosi J. The experience of the implementation of perinatal audit in Moldova. BJOG. 2014 set;121 Suppl 4:167-71.

No Recife a VOI, ao agregar - na discussão - os envolvidos na assistência ao caso, configura-se como uma experiência inovadora, capaz de subsidiar mudanças nas práticas assistenciais, na formação de trabalhadores e gestores da Saúde, no planejamento e na organização da rede de atenção materno-infantil.

Referências

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    Relato de experiência originado da tese de Doutorado intitulada ‘Avaliação da vigilância do óbito infantil na cidade do Recife-PE’, defendida por Conceição Maria de Oliveira junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) em agosto de 2016. A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) - Processo nº 480718/2012-1 - e pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE) - Processo nº 2133-4.0012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2016
  • Aceito
    07 Nov 2016
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
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