Análise de impacto orçamentário

Análisis de impacto presupuestal

Marcus Tolentino Silva Everton Nunes da Silva Maurício Gomes Pereira Sobre os autores

Introdução

As análises de impacto orçamentário estimam as consequências financeiras da adoção e difusão de uma nova estratégia ou tecnologia em um sistema de saúde.11. Mauskopf J, Earnshaw S. A methodological review of us budget-impact models for new drugs. Pharmacoeconomics. 2016 Nov;34(11):1111-31. Se adequadamente realizadas, podem predizer como a mudança na oferta de insumos ou serviços influenciará o custeio futuro de um problema de saúde. Por exemplo, ao se introduzir um novo medicamento para tratamento de artrite reumatoide no Sistema Único de Saúde (SUS), é possível determinar o quanto de recurso adicional o gestor terá de dispor para cobrir as despesas dessa incorporação. A análise de impacto orçamentário fornece essa informação, pela comparação dos custos antes e depois da mudança. Este tipo de estudo é indicado para a análise de intervenções comprovadamente eficazes, seguras e custo-efetivas.22. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Estudos de avaliação econômica em saúde: definição e aplicabilidade aos sistemas e serviços de saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 jan-mar;25(1):205-7. Em consequência, a análise de impacto orçamentário não é focada em questões de eficácia ou efetividade, mas sim em custos, ou seja, em como esses recursos variam com a incorporação de uma nova tecnologia.

Tem havido um esforço internacional considerável, com reflexo benéfico no País, de produzir recomendações metodológicas para análises de impacto orçamentário. Nelas, são definidos tópicos a serem avaliados neste tipo de estudo (Figura 1). O presente artigo tem como objetivo expor alguns elementos principais dessas recomendações, e as referências indicadas permitem maior aprofundamento sobre o assunto.

Figura 1
- Tópicos a serem avaliados em uma análise de impacto orçamentário

Estrutura do modelo

Impacto orçamentário diz respeito a mudanças financeiras ocasionadas em um cenário novo em relação ao cenário de referência. O cenário de referência engloba as consequências financeiras do manejo atual do problema estudado. O cenário novo, ou alternativo, contém os gastos consequentes da adoção da nova oferta de insumos e serviços.

Há necessidade de se especificar no modelo a perspectiva de análise. Em geral, adota-se a perspectiva do pagador, ou seja, do prestador ou do sistema de saúde.11. Mauskopf J, Earnshaw S. A methodological review of us budget-impact models for new drugs. Pharmacoeconomics. 2016 Nov;34(11):1111-31.,33. van de Vooren K, Duranti S, Curto A, Garattini L. A critical systematic review of budget impact analyses on drugs in the EU countries. Appl Health Econ Health Policy. 2014 Feb;12(1):33-40. Incluem-se também os custos diretos relacionados ao problema de interesse.44. Sullivan SD, Mauskopf JA, Augustovski F, Jaime Caro J, Lee KM, Minchin M, et al. Budget impact analysis-principles of good practice: report of the ISPOR 2012 Budget Impact Analysis Good Practice II Task Force. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):5-14.-55. Ferreira-Da-Silva AL, Ribeiro RA, Santos VCC, Elias FTS, d'Oliveira ALP, Polanczyk CA. Diretriz para análises de impacto orçamentário de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1223-38. O conjunto dessas informações permite utilizar modelos estáticos ou dinâmicos.66. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Modelos analíticos em estudos de avaliação econômica. Epidemiol Serv Saude. 2016 out-dez;25(4):855-8. Esses variam desde planilhas eletrônicas, que possibilitam a construção de modelos de análise de decisão, a softwares específicos, que elaboram modelos dinâmicos e outros mais avançados.

Habitualmente, opta-se pela construção de vários cenários, com o propósito de aumentar a validade da predição.44. Sullivan SD, Mauskopf JA, Augustovski F, Jaime Caro J, Lee KM, Minchin M, et al. Budget impact analysis-principles of good practice: report of the ISPOR 2012 Budget Impact Analysis Good Practice II Task Force. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):5-14.-55. Ferreira-Da-Silva AL, Ribeiro RA, Santos VCC, Elias FTS, d'Oliveira ALP, Polanczyk CA. Diretriz para análises de impacto orçamentário de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1223-38.

Horizonte temporal

Análises de impacto orçamentário incluem entre quatro e cinco anos nos cenários em comparação.44. Sullivan SD, Mauskopf JA, Augustovski F, Jaime Caro J, Lee KM, Minchin M, et al. Budget impact analysis-principles of good practice: report of the ISPOR 2012 Budget Impact Analysis Good Practice II Task Force. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):5-14.-55. Ferreira-Da-Silva AL, Ribeiro RA, Santos VCC, Elias FTS, d'Oliveira ALP, Polanczyk CA. Diretriz para análises de impacto orçamentário de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1223-38. Este horizonte temporal influenciará nos demais parâmetros, entre os quais: (i) a população-alvo - ela diminuirá ou aumentará no período?; (ii) os custos no contexto estudado - eles serão modificados ao longo do tempo?; (iii) os potenciais interessados nos cenários alternativos - eles influenciarão na tomada de decisão durante todo o período?

Características e tamanho da população

Na maior parte das vezes, mudanças nas tabelas de procedimento afetam uma parcela dos sujeitos cobertos pelo prestador ou sistema de saúde. Com isso, estimar a população beneficiada em termos de suas características e tamanho dimensionará o gasto em consonância com as perspectivas futuras. Duas abordagens são comuns na perspectiva do prestador ou sistema de saúde:44. Sullivan SD, Mauskopf JA, Augustovski F, Jaime Caro J, Lee KM, Minchin M, et al. Budget impact analysis-principles of good practice: report of the ISPOR 2012 Budget Impact Analysis Good Practice II Task Force. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):5-14.-55. Ferreira-Da-Silva AL, Ribeiro RA, Santos VCC, Elias FTS, d'Oliveira ALP, Polanczyk CA. Diretriz para análises de impacto orçamentário de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1223-38. (i) a série histórica da população em atendimento; e (ii) o cálculo da prevalência do problema ajustado pela capacidade de acesso.

O desafio reside em lidar com variáveis de difícil previsão de comportamento ao longo do tempo, como a incidência e a prevalência do problema de saúde, o nível de aperfeiçoamento dos procedimentos diagnósticos e o uso off label, ou seja, a utilização da tecnologia para propósitos outros que não aqueles a priori especificados.77. Watkins JB, Danielson D. Improving the usefulness of budget impact analyses: a U.S. payer perspective. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):3-4. Um problema comum, e de difícil equacionamento, refere-se ao fato de o novo cenário modificar a história natural da doença durante o horizonte temporal, aumentando ou diminuindo a morbimortalidade.

Custos relacionados à doença

Uma vez definida a perspectiva, o próximo passo consiste em identificar o percurso financeiro do problema de saúde no cenário de referência. Tendo como base o curso clínico mais frequente, estimam-se os custos diretos em termos, por exemplo, de consultas, internações e consumo de medicamentos.88. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Identificação, mensuração e valoração de custos em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 abr-jun;25(2):437-9. Os dados sobre custo são então ponderados em relação ao tamanho da população para se obter o valor do cenário de referência.

Com base na melhor evidência científica disponível, estimam-se as mudanças no curso clínico e, consequentemente, nos custos diretos dos cenários alternativos.99. Silva MT, Silva EN, Pereira MG. Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 jul-set;25(3):663-6. A partir do tamanho da população-alvo, calcula-se o valor de cada cenário alternativo. De posse das estimativas, é possível calcular a diferença entre os cenários alternativos e o de referência, de modo a estimar o impacto incremental no orçamento. Normalmente, o impacto no orçamento é apresentado em termos percentuais, de modo a facilitar a comunicação dos resultados.

Preferências e comportamento de mercado

Cabe destacar que as mudanças em tabelas de procedimento e reembolso dificilmente ocorrem de maneira abrupta. Diversos fatores influenciam na difusão da mudança, como interesse dos usuários, adoção do insumo pelos profissionais da saúde, influências externas e questões logísticas. Paralelamente, consequências inesperadas do cenário alternativo aparecem e influenciam no acesso à nova estratégia a ser adotada.

Em teoria, a migração do cenário de referência para o alternativo ocorre de maneira gradual dentro do horizonte temporal. Entretanto, os estudos que avaliam o impacto dessa mudança ainda são escassos.1010. Garuoliene K, Godman B, Gulbinovic J, Schiffers K, Wettermark B. Differences in utilization rates between commercial and administrative databases: implications for future health-economic and cross-national studies. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res. 2016;16(2):149-52. Considerando a perspectiva do Ministério da Saúde brasileiro, algumas análises envolvendo medicamentos apontam que essa migração é influenciada pelas alternativas disponíveis, pela combinação com outros produtos e pela inovação terapêutica.1111. Schneiders RE, Ronsoni RM, Sarti FM, Nita ME, Bastos EA, Zimmermann IR, et al. Factors associated with the diffusion rate of innovations: a pilot study from the perspective of the Brazilian Unified National Health System. Cad Saude Publica. 2016 Oct;32(9):e00067516.

Análise de sensibilidade

As possíveis variações dos parâmetros incluídos nas análises de impacto orçamentário precisam ser averiguadas. Em um primeiro momento, sugere-se a avaliação de todos os elementos inseridos no modelo, com destaque para o tamanho da população, os custos diretos e o comportamento do mercado. O procedimento é semelhante ao realizado em estudos de custo-efetividade, incluindo análises univariadas e diagramas de tornado.1212. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Incerteza em estudos de avaliação econômica. Epidemiol Serv Saude. No prelo 2017.

Adicionalmente, os estudos mais úteis são aqueles que introduzem informações clinicamente válidas (refletem o contexto), são transparentes (garantem repetição dos cálculos) e têm flexibilidade (permitem adaptação).77. Watkins JB, Danielson D. Improving the usefulness of budget impact analyses: a U.S. payer perspective. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):3-4.

Considerações finais

A assistência à saúde é marcada por períodos de crises financeiras e restrições orçamentárias. Mas mesmo em períodos de estabilidade financeira, há mais necessidades de saúde do que de recursos para enfrentá-las. Utilizar bem os recursos disponíveis permitirá alcançar mais benefícios por unidade de gastos. As análises de impacto orçamentário nos ajudam na tomada de decisão, pois estimam a factibilidade financeira de uma estratégia em um serviço ou sistema de saúde.

Referências

  • 1
    Mauskopf J, Earnshaw S. A methodological review of us budget-impact models for new drugs. Pharmacoeconomics. 2016 Nov;34(11):1111-31.
  • 2
    Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Estudos de avaliação econômica em saúde: definição e aplicabilidade aos sistemas e serviços de saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 jan-mar;25(1):205-7.
  • 3
    van de Vooren K, Duranti S, Curto A, Garattini L. A critical systematic review of budget impact analyses on drugs in the EU countries. Appl Health Econ Health Policy. 2014 Feb;12(1):33-40.
  • 4
    Sullivan SD, Mauskopf JA, Augustovski F, Jaime Caro J, Lee KM, Minchin M, et al. Budget impact analysis-principles of good practice: report of the ISPOR 2012 Budget Impact Analysis Good Practice II Task Force. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):5-14.
  • 5
    Ferreira-Da-Silva AL, Ribeiro RA, Santos VCC, Elias FTS, d'Oliveira ALP, Polanczyk CA. Diretriz para análises de impacto orçamentário de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1223-38.
  • 6
    Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Modelos analíticos em estudos de avaliação econômica. Epidemiol Serv Saude. 2016 out-dez;25(4):855-8.
  • 7
    Watkins JB, Danielson D. Improving the usefulness of budget impact analyses: a U.S. payer perspective. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):3-4.
  • 8
    Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Identificação, mensuração e valoração de custos em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 abr-jun;25(2):437-9.
  • 9
    Silva MT, Silva EN, Pereira MG. Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 jul-set;25(3):663-6.
  • 10
    Garuoliene K, Godman B, Gulbinovic J, Schiffers K, Wettermark B. Differences in utilization rates between commercial and administrative databases: implications for future health-economic and cross-national studies. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res. 2016;16(2):149-52.
  • 11
    Schneiders RE, Ronsoni RM, Sarti FM, Nita ME, Bastos EA, Zimmermann IR, et al. Factors associated with the diffusion rate of innovations: a pilot study from the perspective of the Brazilian Unified National Health System. Cad Saude Publica. 2016 Oct;32(9):e00067516.
  • 12
    Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Incerteza em estudos de avaliação econômica. Epidemiol Serv Saude. No prelo 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com