Campanhas de vacinação antirrábica em cães e gatos e positividade para raiva em morcegos, no período de 2004 a 2014, em Campinas, São Paulo

Campañas de vacunación antirrábica en perros y gatos y positividad para la rabia en murciélagos, en 2004 a 2014, en Campinas, São Paulo, Brasil

Ricardo Conde Alves Rodrigues Andrea Paula Bruno von Zuben Tosca de Lucca Maria de Lourdes Aguiar Bonadia Reichmann Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO:

descrever os resultados das campanhas de vacinação antirrábica em cães e gatos, nos períodos de 2004-2009 e 2012-2014, e a positividade para raiva em morcegos, de 2004 a 2014, em Campinas-SP, Brasil.

MÉTODOS:

foi realizado um estudo descritivo com dados secundários da Unidade de Vigilância de Zoonoses municipal.

RESULTADOS:

verificou-se redução acentuada do número de cães vacinados, de 105.764 (2004) para 65.561 (2014), com coberturas vacinais abaixo de 80%, exceto em 2004; e pouca oscilação no número de gatos vacinados, de 10.212 (2004) para 9.522 (2014), com coberturas vacinais abaixo dos 80%, exceto em 2014; foram recolhidos 4.464 morcegos por vigilância passiva, com positividade para raiva de 2,17%.

CONCLUSÃO:

as baixas coberturas vacinais em cães e gatos e a circulação do vírus em morcegos impõem a necessidade de aprimoramento das ações de vigilância, visando prevenir a ocorrência de casos humanos de raiva.

Palavras-chave:
Raiva; Vigilância Epidemiológica; Vacinação; Cobertura Vacinal; Epidemiologia Descritiva

Resumen

OBJETIVO:

describir los resultados de campañas de vacunación antirrábica en perros y gatos, de 2004 a 2009 y 2012 a 2014, y la positividad para rabia en murciélagos, de 2004 a 2014, en Campinas-SP, Brasil.

MÉTODOS:

fue realizado un estudio descriptivo con datos secundarios de la Unidad de Vigilancia de Zoonosis.

RESULTADOS:

se verificó caída del número de perros vacunados, de 105.764 (2004) para 65.561 (2014), coberturas vacunales abajo de 80%, excepto en 2004; y poca oscilación en el número de gatos vacunados, de 10.212 (2004) para 9.522 (2014), con coberturas de vacunación debajo de 80%, excepto en 2014; fueron colectados 4.464 murciélagos, 2,17% positivos para rabia.

CONCLUSIÓN:

la baja cobertura de vacunación en perros y gatos y la circulación del virus en murciélagos imponen la necesidad de perfeccionar acciones de vigilancia para prevenir la ocurrencia de casos de rabia humana.

Palabras-clave:
Rabia; Vigilancia Epidemiológica; Vacunación; Cobertura de Vacunación; Epidemiología Descriptiva

Introdução

A raiva é uma encefalite viral, de caráter zoonótico e com letalidade próxima de 100%,11. Wada MY, Rocha SM, Maia-Elkhoury ANS. Situação da raiva no Brasil, 2000 a 2009. Epidemiol Serv Saude. 2011 out-dez;20(4):509-18. causada por um vírus ácido ribonucleico (família Rhabdoviridae, gênero Lyssavirus), sendo os mamíferos os únicos animais susceptíveis à doença.22. Instituto Pasteur. Profilaxia da raiva humana. 2 ed. São Paulo: Instituto Pasteur; 2000. (Manual Técnico do Instituto Pasteur, 4). Com maior frequência, a infecção do organismo pelo vírus rábico ocorre por mordeduras ou arranhaduras na pele íntegra.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8 ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série B. Textos básicos de saúde).

No estado de São Paulo, o último caso de raiva humana, cuja variante viral isolada foi a canina, aconteceu em 1997. No ano seguinte, foi registrado o último caso de raiva canina ocasionado por essa variante viral e, desde então, os casos diagnosticados em humanos e animais foram ocasionados por variantes virais oriundas de morcegos.44. Moretti GMA. Estudo da campanha de vacinação contra a raiva em cães e gatos em área do município de São Paulo, SP [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013. No município paulista de Campinas, o último caso de raiva humana foi registrado em 1981.55. De Lucca T, Rodrigues RC, Castagna C, Presotto D, De Nadai DV, Fagre A, et al. Assessing the rabies control and surveillance systems in Brazil: an experience of measures toward bats after the halt of massive vaccination of dogs and cats in Campinas, Sao Paulo. Prev Vet Med. 2013 Aug;111(1-2):126-33.

Atualmente, a doença tem sido transmitida através do “ciclo aéreo”, no qual os morcegos, hematófagos ou não, mantêm a circulação do vírus entre animais domésticos de estimação, como cães e gatos, e animais domésticos de interesse econômico, como bovinos e equinos.66. Instituto Pasteur. Raiva: aspectos gerais e clínica. São Paulo: Instituto Pasteur; 2009 (Manual Técnico do Instituto Pasteur, 8). Por essa razão, realiza-se vigilância passiva de morcegos como uma importante atividade de vigilância desse agravo.77. Instituto Pasteur. Manejo de quirópteros em áreas urbanas. São Paulo: Instituto Pasteur; 2003 (Manual Técnico do Instituto Pasteur, 7).

Em Campinas, no ano de 2014, houve um caso da doença em um gato,88. Dias RA, Baquero OS, Guilloux AG, Moretti CF, De Lucca T, Rodrigues RC, et al. Dog and cat management through sterilization: implications for population dynamics and veterinary public policies. Prev Vet Med. 2015 Nov;122(1-2):154-63. 15 anos após o último registro em animais dessa espécie. Em 2015, foi diagnosticado um cão com raiva. Para animais dessa espécie, a última ocorrência havia sido registrada em 1982.99. Secretaria Municipal de Saúde (Campinas). Informe epidemiológico: campanha de vacinação contra a raiva em cães e gatos, 2016 [Internet]. Campinas: Secretaria Municipal de Saúde; 2016 [citado 2017 jan 10]. Disponível em: Disponível em: http://www.saude.campinas.sp.gov.br/vigilancia/informes/2016/Informe_Epidemiologico_Campanha_Antirrabica_2016.pdf
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Em ambos os casos, de acordo com o Instituto Pasteur, São Paulo-SP, as variantes virais identificadas foram oriundas de morcegos (variante de morcego Nyctinomops, no caso do gato;1010. Castilho JG, Souza DN, Oliveira RN, Carnieli Júnior P, Batista HBCR, Pereira PMC, et al. The epidemiological importance of bats in the transmission of rabies to dogs and cats in the state of São Paulo, Brazil, between 2005 and 2014. Zoonoses Public Health. 2016 Nov;1-8. e variante 3, de morcegos hematófagos Desmodus rotundus, no caso do cão).99. Secretaria Municipal de Saúde (Campinas). Informe epidemiológico: campanha de vacinação contra a raiva em cães e gatos, 2016 [Internet]. Campinas: Secretaria Municipal de Saúde; 2016 [citado 2017 jan 10]. Disponível em: Disponível em: http://www.saude.campinas.sp.gov.br/vigilancia/informes/2016/Informe_Epidemiologico_Campanha_Antirrabica_2016.pdf
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Tais fatos alertaram a vigilância local para a possibilidade de transmissão de raiva a humanos, fato já descrito em outro município do estado, Dracena, onde no ano de 2001, uma mulher foi a óbito após ter sido agredida por sua gata infectada por variante viral proveniente de morcego.66. Instituto Pasteur. Raiva: aspectos gerais e clínica. São Paulo: Instituto Pasteur; 2009 (Manual Técnico do Instituto Pasteur, 8).

Um dos importantes pilares do programa de vigilância da raiva preconizado pelo Ministério da Saúde é a campanha anual de vacinação contra raiva em cães e gatos, de modo a manter, no curto prazo, parcela significativa dessas populações imunes ao vírus. Essas campanhas foram iniciadas com a criação do Programa Nacional de Profilaxia da Raiva (PNPR) em 1973. O advento do PNPR fez com que o número de casos de raiva em cães e gatos no Brasil sofresse redução significativa. Até os dias de hoje, porém, a distribuição dos casos humanos mantém-se heterogênea, com incidência maior nas regiões Norte e Nordeste do país.44. Moretti GMA. Estudo da campanha de vacinação contra a raiva em cães e gatos em área do município de São Paulo, SP [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013.,1111. Schneider MC, Almeida GA, Souza LM, Morares NB, Diaz RC. Controle da raiva no Brasil de 1980 a 1990. Rev de Saude Publica. 1996 abr;30(2):196-203. No entanto, municípios das regiões Sul (Capão do Leão, no Rio Grande do Sul), Sudeste (Campinas, Ribeirão Preto e Jaguariúna, em São Paulo) e Centro-Oeste (Goiânia, capital de Goiás; e Corumbá e Ladário, em Mato Grosso do Sul) registraram casos de raiva em cães e/ou em gatos, entre 2014 e 2015.1212. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis. Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis. Unidade Técnica de Zoonoses. Mapas da raiva no Brasil - 2014 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2016 jan 29]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/08/MAPAS-ATUALIZADOS-RAIVA-2014
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Em Campinas, além da vacinação anual, outras atividades de vigilância da raiva são realizadas com o objetivo de evitar casos em humanos e animais domésticos. Entre essas atividades, destacam-se o recolhimento de cães e gatos em áreas de risco, envio de amostras de animais suspeitos de encefalopatias para análise laboratorial, observação clínica de cães e gatos suspeitos e/ou causadores de agravos a humanos durante dez dias, encaminhamento de vítimas de agravos para profilaxia, bloqueio de focos nas áreas onde foram encontrados animais positivos para raiva, vigilância passiva de morcegos recolhidos em situações de risco, observação e vacinação de cães e gatos contactantes de morcegos.1313. Instituto Pasteur. Vacinação contra a raiva em cães e gatos. São Paulo: Instituto Pasteur; 1999 (Manual Técnico do Instituto Pasteur, 3).,1414. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis. Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis. Nota técnica 19/2012. Diretrizes da vigilância em saúde para atuação diante de casos de raiva em morcegos em áreas urbanas. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.

Em 2014, a campanha de vacinação antirrábica em Campinas aconteceu em 327 postos. Essa campanha visa atingir cobertura vacinal mínima de 80% (em cães e gatos), para que haja o controle da raiva.55. De Lucca T, Rodrigues RC, Castagna C, Presotto D, De Nadai DV, Fagre A, et al. Assessing the rabies control and surveillance systems in Brazil: an experience of measures toward bats after the halt of massive vaccination of dogs and cats in Campinas, Sao Paulo. Prev Vet Med. 2013 Aug;111(1-2):126-33. Entretanto, ano após ano, nota-se uma diminuição do número de cães vacinados.

O objetivo do presente artigo foi descrever os resultados das campanhas de vacinação antirrábica em cães e gatos realizadas nos períodos de 2004 a 2009 e 2012 a 2014, e a positividade de raiva em morcegos, de 2004 a 2014, no município de Campinas, estado de São Paulo, Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo sobre campanhas de vacinação antirrábica em cães e gatos e a positividade de raiva em morcegos, no período de 2004 a 2014. Os dados foram obtidos a partir da análise de dados secundários coletados e tabulados pela Unidade de Vigilância de Zoonoses de Campinas. Destaca-se que, em 2010, a campanha de vacinação foi suspensa em todo o país, após a ocorrência de reações adversas associadas à administração do imunobiológico.1515. Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Instituto Pasteur. Informe Técnico. Vacina contra a raiva canina e felina. 3 de março de 2011. São Paulo: Instituto Pasteur; 2011. Em Campinas, a campanha foi retomada em 2012.1616. Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Instituto Pasteur. Informe Técnico. Vacina contra a raiva canina e felina no Estado de São Paulo. 17 de fevereiro de 2012. São Paulo: Instituto Pasteur; 2012. Dessa forma, não foram analisadas as coberturas vacinais no período de 2010 a 2011.

Campinas é uma cidade situada no Nordeste do estado de São Paulo, possuía a população de 1.173.370 habitantes em 20161717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. São Paulo: Campinas [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2015 [citado 2016 jan 29]. Disponível em: Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=3509502
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e ocupa uma área de 796,4km².1818. Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Campinas). A cidade. Dados geográficos [Internet]. Campinas: Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano; 2017 [citado 2017 jan 13]. Disponível em: Disponível em: http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/dados-do-municipio/cidade/
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As variáveis selecionadas para compor o estudo foram: (i) número absoluto de cães e gatos vacinados em campanhas de vacinação contra a raiva; e (ii) proporção estimada de animais vacinados, considerando-se a população canina e felina estimada.

As estimativas populacionais de cães e gatos ao longo do período estudado foram determinadas pela Coordenação Estadual do Programa de Controle da Raiva de São Paulo (CEPCR/SP) e disponibilizadas aos municípios nos anos de campanha de vacinação. A partir desses dados, foram calculados os percentuais de coberturas vacinais para cães e gatos em cada ano da série histórica, obtidos da razão entre o número de cães e de gatos vacinados em cada ano e a população estimada de cada espécie para o mesmo ano, vezes 100.1919. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Cadernos de diretrizes, objetivos, metas e indicadores: 2013 -2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.

Foi também considerado o número absoluto de morcegos recolhidos anualmente, por meio de vigilância passiva, ou seja, em situações suspeitas para raiva, encontrados em locais e/ou horários não habituais. Esses morcegos, recolhidos pela Unidade de Vigilância de Zoonoses do município, foram encaminhados ao Instituto Pasteur de São Paulo-SP para diagnóstico laboratorial de raiva. A positividade de raiva na população de morcegos correspondeu ao quociente entre o número de morcegos positivos e o número total de animais examinados, multiplicado por 100.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa Microsoft® Office Excel® 2010.

O projeto do estudo, realizado com dados secundários da Unidade de Vigilância de Zoonoses, foi dispensado de aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510, de 7 de abril de 2016.

Resultados

Em 2004, a população canina estimada para o município foi de 128.979 animais. Nos anos seguintes, as estimativas oscilaram entre 129.624 (2005) e 153.628 cães (2012). Em 2013 e 2014, foi estimado o mesmo quantitativo de 111.092 cães para cada ano. Já a população de gatos estimada oscilou ao longo dos anos 2004-2012, com valores superiores a 18.000 animais; em 2013 e 2014 (como aconteceu para os caninos), foi estimado o mesmo quantitativo de 10.815 felinos para cada ano (Tabela 1).

Tabela 1
- Populações estimadas de cães e de gatos e frequência de cães e gatos vacinados nas campanhas de vacinação contra raiva realizadas no município de Campinas-SP, 2004-2009 e 2012-2014

Nas Figuras 1 e 2 , são apresentados os quantitativos de cães e de gatos vacinados em Campinas e respectivas coberturas vacinais, referentes aos períodos de 2004-2009 e 2012-2014.

Figura 1
- Número absoluto de cães vacinados e coberturas vacinais antirrábicas (%) no município de Campinas-SP, 2004-2009 e 2012-2014

Figura 2
- Número absoluto de gatos vacinados e coberturas vacinais antirrábicas (%) no município de Campinas-SP, 2004-2009 e 2012-2014

Em relação aos cães, o ano em que se vacinou o maior número de animais foi 2004: 105.764 cães vacinados. Naquele ano, foi atingida a maior cobertura vacinal da série avaliada (82%). A partir de 2006, a vacinação já não atingiu 100 mil cães em cada ano, sendo o pior resultado o de 2013, quando 62.122 animais foram vacinados, e a pior cobertura vacinal a de 2012 (49,6%) (Figura 1).

O número de gatos vacinados oscilou entre 8.297 (2008) e 10.833 (2012). As coberturas vacinais de felinos, até 2012, estiveram abaixo dos 60%. A menor cobertura vacinal desses animais ocorreu em 2007 (32,4%), e a maior em 2014 (88,0%) (Figura 2).

Entre 2004 e 2014, foram recolhidos pela Unidade de Vigilância de Zoonoses 4.464 morcegos (média anual de 405 morcegos), dos quais 97 apresentaram diagnóstico positivo para raiva (média de 8,8 por ano; desvio-padrão = 4,0;13,2). A positividade para raiva foi de 2,17%, variando de 5,66% (2004) a 1,14% (2011) (Tabela 2).

Tabela 2
- Número de morcegos recolhidos pela Unidade de Vigilância de Zoonoses municipal, encontrados em situações de risco para raiva e com diagnóstico positivo para a doença, no município de Campinas-SP, 2004-2014

Discussão

Verificou-se um queda acentuada do número de cães vacinados em Campinas, entre 2004 e 2014. Para animais dessa espécie, as coberturas vacinais só foram superiores a 80% em 2004. Em relação aos gatos do município, houve pouca oscilação do número de animais vacinados nesse período. As coberturas vacinais permaneceram baixas até 2012, porém aumentaram drasticamente em 2013 e 2014, à medida que as estimativas populacionais felinas diminuíram.

Em relação às ações de vigilância da raiva transmitida por morcegos, percebem-se avanços na última década, com aumento de recolhimentos de animais encontrados em situações de risco e enviados para análise laboratorial, sobretudo a partir de 2012. Uma vez que o vírus rábico está presente no “ciclo aéreo”,66. Instituto Pasteur. Raiva: aspectos gerais e clínica. São Paulo: Instituto Pasteur; 2009 (Manual Técnico do Instituto Pasteur, 8). a vigilância sistemática de morcegos encontrados em situações suspeitas é fundamental.

Em Campinas, a positividade média para raiva verificada em morcegos se assemelha à encontrada em outro estudo, realizado em 235 municípios do Norte e Noroeste do estado de São Paulo, sobre o período de 1997 a 2002, para o qual foram avaliados 7.393 morcegos, com positividade de 1,3%.2020. Cunha EMS, Silva LHQ, Lara MCCSH, Nassar AFC, Albas A, Sodré MM, et al. Raiva em morcegos na região norte-noroeste do Estado de São Paulo, Brasil: 1997-2002. Rev Saude Publica. 2006 dez;40(6):1082-6. Outro estudo, feito em 60 municípios de São Paulo, sobre o período de 1996 a 2004, mostrou que essa positividade superou 2% em raras ocasiões: por exemplo, em 2002, na região de Presidente Prudente, após a ocorrência de um caso humano da doença.2121. Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo). Raiva em morcegos em áreas urbanas no Estado de São Paulo. Bol Epidemiol Paulista. 2005 ago;2(20):7-9. A positividade observada em Campinas foi influenciada pelo número de morcegos diagnosticados em 2004 (3 casos, entre 53 animais recolhidos) e em 2010 (19 casos, entre 488 animais recolhidos).55. De Lucca T, Rodrigues RC, Castagna C, Presotto D, De Nadai DV, Fagre A, et al. Assessing the rabies control and surveillance systems in Brazil: an experience of measures toward bats after the halt of massive vaccination of dogs and cats in Campinas, Sao Paulo. Prev Vet Med. 2013 Aug;111(1-2):126-33.

As reduções sucessivas do número de cães vacinados ao longo do período avaliado provocam uma reflexão acerca das possíveis causas que as justifiquem. Uma das hipóteses seria o fato de não ter havido raiva em cães por décadas, no município, levando à falsa percepção, por parte da população, de que a vacina não seria mais importante para a manutenção do quadro epidemiológico vigente. Outra hipótese a ser considerada é de que a não realização de campanhas de vacinação em 2010 e 2011 teria desestimulado a população a levar seus animais às campanhas subsequentes, ou deixado a população receosa, uma vez que em algumas cidades que realizaram campanha em 2010, foram vinculadas pela imprensa notícias de efeitos adversos graves e de óbitos de cães e gatos pós-vacinação.

A partir de 2012, com a retomada das campanhas de vacinação no município, observam-se reduções ainda mais acentuadas do número de cães vacinados. Uma possível explicação dessa diminuição estaria no fato de, a partir daquele ano, as campanhas passarem a ser realizadas sem padrão temporal, ou seja, em meses diferentes a cada ano, em consonância às recomendações da CEPCR/SP, que, por sua vez, dependia dos repasses do imunobiológico pelo Ministério da Saúde. Assim, a campanha foi realizada em maio de 2012, setembro de 2013 e outubro de 2014.1616. Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Instituto Pasteur. Informe Técnico. Vacina contra a raiva canina e felina no Estado de São Paulo. 17 de fevereiro de 2012. São Paulo: Instituto Pasteur; 2012.,2222. Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Instituto Pasteur. Ofício Circular IP DG 026-2014. Campanha de Vacinação 2014. 08 de julho de 2014. São Paulo: Instituto Pasteur; 2014. Em 2015, não houve campanha de vacinação contra raiva no município. Essa falta de padronização nas datas pode ter colaborado para a menor adesão da população, porque em Campinas, tradicionalmente, essas campanhas de vacinação ocorriam no mês de setembro.

Na última década, durante as campanhas de vacinação no município, muitas estratégias de trabalho foram implementadas: equipes volantes realizaram vacinação domiciliar em residências com muitos animais; aumentou-se o número de postos de vacinação; equipes de vacinadores foram qualificadas; foram destacadas equipes com médicos veterinários, para atendimento das reações adversas; e utilizou-se a internet para divulgação dos postos de vacinação. Essas estratégias procuraram qualificar a campanha e aumentar as coberturas vacinais antirrábicas.

Segundo dados de literatura, coberturas vacinais dos cães variando entre 60 e 80% poderiam prevenir a transmissão de raiva entre esses animais.2323. Grisi-Filho JHH, Amaku M, Dias RA, Montenegro Netto H, Paranhos NT, Mendes MCNC, et al. Uso de sistemas de informação geográfica em campanhas de vacinação contra a raiva. Rev Saude Publica. 2008 dez;42(6):1005-11. De acordo com Coleman e Dye, uma cobertura vacinal de 70% evitaria uma epidemia de raiva em 96,5% das situações por eles analisadas.2424. Coleman PG, Dye C. Immunization coverage required to prevent outbreaks of dog rabies. Vaccine. 1996 Feb;14(3):185-6.

Entretanto, restam dúvidas sobre a real cobertura vacinal no município durante o período avaliado, haja vista essa cobertura depender das estimativas populacionais de cães e gatos,1919. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Cadernos de diretrizes, objetivos, metas e indicadores: 2013 -2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. que oscilaram consideravelmente ao longo da última década e podem ter influenciado as análises das coberturas vacinais.

Os percentuais de cobertura vacinal são inversamente proporcionais às estimativas populacionais de cães e gatos. A partir de 2013, houve readequação dos cálculos das estimativas populacionais de animais, uma vez que alguns municípios as consideravam superestimadas.2525. Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Instituto Pasteur. Nota Técnica 02. Populações de cães e gatos: readequação para 2013. 07 de outubro de 2013. São Paulo, SP: Instituto Pasteur; 2013. Diante disso, o resultado foi uma maior cobertura vacinal, ainda que se tenha vacinado um número menor de animais se comparado ao da campanha de 2012. É possível verificar essa diferença quando o ano de 2012 (antes dessa readequação) é confrontado com 2013 e 2014. Para cães, se fosse mantida a estimativa populacional de 2012, as coberturas vacinais seriam de 40,4% (2013) e 42,6% (2014), ante 55,9% e 59,0% verificados para os respectivos anos; ainda que tenha havido queda da estimativa populacional, as coberturas vacinais continuaram abaixo dos 80% recomendáveis. Para gatos, se mantida a estimativa de 2012, as coberturas seriam de 36,2% (2013) e 40,5% (2014), abaixo dos 80% recomendáveis, ante os 78,7% e 88,0% verificados para estes dois últimos anos.

Dois estudos realizados no estado de São Paulo procuraram dimensionar a população de cães e gatos. Alves et al., ao realizarem um dimensionamento da população de cães e gatos do estado, obtiveram os seguintes resultados: razão cão:habitante = 4,0; e razão gato:habitante = 16,4.2626. Alves MCGP, Matos MR, Reichmann ML, Dominguez MH. Dimensionamento da população de cães e gatos do interior do Estado de São Paulo. Rev Saude Publica. 2005 dez;39(6):891-7. No município de São Paulo-SP, Canatto et al. encontraram razão cão:habitante = 4,34 e razão gato:habitante = 19,33.2727. Canatto BD, Silva EA, Bernardi F, Mendes MCNC, Paranhos NT, Dias RA. Caracterização demográfica das populações de cães e gatos supervisionados do município de São Paulo. Arq Bras Med Vet Zootec. 2012 dez;64(6):1515-23. Se for considerado o método de obtenção das informação dos estudos supracitados, utilizando-se como fonte de dados populacionais as estimativas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para Campinas em 2016,1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. São Paulo: Campinas [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2015 [citado 2016 jan 29]. Disponível em: Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=3509502
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os resultados mínimos obtidos para esse município seriam de 270.361 cães e 60.702 gatos, quantidades muito acima das populações de cães e gatos estimadas em 2014.

O conhecimento do número de cães e gatos vacinados pela rede privada do município também é de fundamental importância. Esse quantitativo, somado ao número de doses aplicadas durante a campanha, permitiria ao município conhecer - realmente - o total de animais vacinados. Esse mesmo conhecimento seria essencial para o planejamento dos recursos a serem obtidos pelo município, destinados à execução da campanha. O conhecimento acerca do número de postos de vacinação necessários, por área no município, permite dimensionar os recursos (equipes e insumos) de forma proporcional à necessidade da população e seus animais. Até o momento, não existem informações a respeito do montante de vacinas administradas pela rede privada.

Sugere-se que esforços sejam dirigidos a uma eficiente estimativa populacional de cães e gatos no município, gerando informações seguras de cobertura vacinal desses animais contra raiva. Também seria importante determinar a cobertura vacinal mínima a ser atingida para que o município minimizasse a chance de ocorrência de casos de raiva em cães e gatos, diante do atual cenário epidemiológico (ausência de casos pela variante canina), bem como se a campanha vacinal continua sendo uma estratégia efetiva.

Dada a situação epidemiológica da raiva no município, parece mais cabível a intensificação de outras estratégias de vigilância e controle desse agravo, tanto em seu âmbito profilático humano - considerando-se a observação de cães e gatos causadores de agravos e a indicação oportuna de condutas de profilaxia - como no aspecto ambiental, com a implementação de ações de vacinação e monitoramento de cães e gatos contactantes de morcegos, além da ampliação da vigilância passiva dos próprios morcegos.

Os casos de raiva felina e canina registrados em 20141010. Castilho JG, Souza DN, Oliveira RN, Carnieli Júnior P, Batista HBCR, Pereira PMC, et al. The epidemiological importance of bats in the transmission of rabies to dogs and cats in the state of São Paulo, Brazil, between 2005 and 2014. Zoonoses Public Health. 2016 Nov;1-8. e 201599. Secretaria Municipal de Saúde (Campinas). Informe epidemiológico: campanha de vacinação contra a raiva em cães e gatos, 2016 [Internet]. Campinas: Secretaria Municipal de Saúde; 2016 [citado 2017 jan 10]. Disponível em: Disponível em: http://www.saude.campinas.sp.gov.br/vigilancia/informes/2016/Informe_Epidemiologico_Campanha_Antirrabica_2016.pdf
http://www.saude.campinas.sp.gov.br/vigi...
indicam que a doença está presente e pode acometer humanos e animais domésticos em Campinas. O município deve estar preparado para prever situações de risco e realizar ações de vigilância adequadas, com o objetivo de minimizar os riscos da infecção em humanos e animais domésticos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2016
  • Aceito
    02 Mar 2017
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
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