Resumo
Objetivo
Analisar a relação das condições de saúde com a mudança de peso entre idosos em um período de dez anos em São Paulo/SP.
Métodos
Estudo longitudinal que acompanhou (2000-baseline, 2006 e 2010) a mudança do peso corporal (variável desfecho) e condições de saúde associadas (variáveis de exposição) em idosos (n=571); análises de regressão logística multinomial foram empregadas.
Resultados
O aumento médio de peso no período foi de 29,0%. Perderam peso 34,0% (2006) e 12,5% (2010); e ganharam peso 18,2% (2006) e 39,9% (2010). A prevalência de doenças crônicas aumentou de 34,1% (2000) para 51,9% (2006) e 60,1% (2010). Idosos com aumento de peso avaliaram pior sua saúde geral em 2006 (RR:3,15; IC95% 1,21;8,17) e 2010 (RR:2,46; IC95% 1,02;5,94). Maior número de doenças (RR:2,12; IC95% 1,00;4,46) e internações (RR:3,50; IC95% 1,40;8,72) associaram-se a diminuição de peso em 2010.
Conclusão
Mudanças de peso estão relacionadas a um pior estado de saúde entre idosos.
Envelhecimento; Mudança de Peso Corporal; Doença Crônica; Estado Nutricional; Estudos Longitudinais
Resumen
Objetivo
Analizar la relación entre las condiciones de salud y el cambio de peso entre adultos mayores durante un período de diez años en São Paulo/SP.
Métodos
Estudio longitudinal (2000-baseline, 2006 y 2010) que siguió el cambio en el peso corporal (variable de resultado) y las condiciones de salud asociadas (variables de exposición) en adultos mayores (n=571); se emplearon análisis de regresión logística multinomial.
Resultados
El aumento de peso promedio en el período evaluado fue del 29,0%. Un 34,0% (2006) y 12,5% (2010) perdieron peso; 18,2% (2006) y 39,9% (2010) ganaron peso. La prevalencia de enfermedades crónicas aumentó del 34,1% (2000) para 51,9% (2006) y 60,1% (2010). Las personas mayores con aumento de peso calificaron su salud general peor en 2006 (RR:3,15; IC95% 1,21;8,17) y 2010 (RR:2,46; IC95% 1,02;5,94). El mayor número de enfermedades (RR:2,12; IC95% 1,00;4,46) y hospitalizaciones (RR:3.50; IC95% 1,40;8,72) se asociaron con una disminución del peso en 2010.
Conclusión
Los cambios de peso están relacionados con un peor estado de salud entre los adultos mayores.
Envejecimiento; Cambio de Peso Corporal; Enfermedades Crónicas; Estado Nutricional; Estudios Longitudinales
Introdução
A menor probabilidade de doenças e a boa capacidade funcional são componentes fundamentais para um envelhecimento bem-sucedido.(11. Rowe JW, Kahn RL. Successful aging. Gerontologist [Internet]. 1997 Aug [cited 2020 Jun 22];37(4):433-40. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/37.4.433
https://doi.org/10.1093/geront/37.4.433... ) Dieta e estilo de vida, juntamente com a manutenção de um peso corporal saudável, também são cruciais para o envelhecimento saudável(22. Leslie W, Hankey C. Aging, nutritional status and health. Healthcare (Basel) [Internet]. 2015 Sep [cited 2020 Jun 22];3(3):648-58. Available from: https://dx.doi.org/10.3390%2Fhealthcare3030648
https://dx.doi.org/10.3390%2Fhealthcare3... )
Idosos são mais suscetíveis ao aparecimento de doenças crônicas, devido principalmente a alterações fisiológicas características dessa fase da vida, como aumento da rigidez arterial, redução dos níveis de estrogênio e declínio de massa muscular.(33. Vetrano DL, Foebel AD, Marengoni A, Brandi V, Collamati A, Heckman GA, et al. Chronic diseases and geriatric syndromes: the different weight of comorbidity. Eur J Intern Med [Internet]. 2016 Jan [cited 2020 Jun 22];27:62-7. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ejim.2015.10.025
https://doi.org/10.1016/j.ejim.2015.10.0... ) Essas condições podem ainda afetar o apetite, a capacidade funcional ou a deglutição, levando a ingestão alimentar alterada e comprometimento do estado nutricional.(22. Leslie W, Hankey C. Aging, nutritional status and health. Healthcare (Basel) [Internet]. 2015 Sep [cited 2020 Jun 22];3(3):648-58. Available from: https://dx.doi.org/10.3390%2Fhealthcare3030648
https://dx.doi.org/10.3390%2Fhealthcare3... )
A substituição do modo de vida tradicional pelo industrializado também tem impulsionado, mesmo entre idosos, o aumento de peso e da prevalência de doenças crônicas.(44. Prince MJ, Wu F, Guo Y, Gutierrez Robledo LM, O'Donnell M, Sullivan R, et al. The burden of disease in older people and implications for health policy and practice. Lancet [Internet]. 2015 Nov [cited 2020 Jun 22];385(9967):549-62. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61347-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61... ) Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares revelam, por exemplo, que, entre 2002/2003 e 2008/2009, a prevalência de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) aumentou de 45,1% para 53,9% entre as pessoas de 60 a 74 anos e de 32,5% para 43,6% entre aquelas com idade igual ou superior a 75 anos.(55. Silva VSD, Souza I, Silva DAS, Barbosa AR, Fonseca M. Trends and association of BMI between sociodemographic and living conditions variables in the Brazilian elderly: 2002/03-2008/09. Ciên Saúde Coletiva [Internet]. 2018 Mar [cited 2020 Jun 22];23(3):891-901. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018233.12532016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018233... )
Estudos internacionais apontam para maior fragilidade e mortalidade entre idosos que mudaram o peso corporal.(66. So ES. The impacts of weight change and weight change intention on health-related quality of life in the Korean elderly. J Aging Health [Internet]. 2019 Aug [cited 2020 Jun 22];31(7):1106-20. Available from: https://doi.org/10.1177/0898264318761908
https://doi.org/10.1177/0898264318761908... ) Pouco se sabe, porém, do perfil de saúde dos idosos residentes em países em desenvolvimento que tiveram alteração no seu peso corporal. O conhecimento desse panorama poderá auxiliar decisores em saúde na implementação de medidas protetivas. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi analisar a relação das condições de saúde com a mudança de peso entre idosos, em um período de dez anos, em São Paulo/SP.
Métodos
Este é um estudo longitudinal de base populacional. Os dados originaram-se do Estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento),(88. Organización Panamericana de la Salud. Salud, bienestar y envejecimiento (SABE) en América Latina y el Caribe: informe preliminar Washington (D.C.): Organización Panamericana de la Salud; 2001 [cited 2020 Jun 22]. Available from: http://envejecimiento.csic.es/documentos/documentos/paho-salud-01.pdf
http://envejecimiento.csic.es/documentos... ) iniciado em 2000, com seguimento e coletas nos anos de 2006, 2010 e 2015 (não avaliados neste trabalho).
Indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, de uma amostra probabilística, em múltiplos estágios, representativa da cidade de São Paulo, foram visitados e avaliados em 2000 (n=2.143), revisitados e reavaliados em 2006 (n=1.115) e em 2010 (n=748). (Ver detalhes no fluxograma do Suplemento 1). Além disso, novos participantes, com idade entre 60 e 64 anos, foram incluídos em 2006 e 2010 (n=298) e em 2010 (n=355), a fim de manter a faixa etária original e representativa da amostra, pois em 2006 não havia idosos na faixa etária de 60 a 64 anos. Esses novos participantes não foram incluídos neste trabalho. Detalhes sobre a metodologia estão descritos em outro trabalho.(99. Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2005 jun [citado 2020 jun 22];8(2):127-41. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000200005
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500... )
As perdas no decorrer da pesquisa se deram devido a mortes, recusas, institucionalizações, não localização ou mudança de endereço de indivíduos (fluxograma do Suplemento 1). Todos os participantes que tiveram os dados coletados nas três ondas do estudo (2000, 2006 e 2010) foram incluídos, sendo excluídos aqueles que não possuíam dados de altura e/ou peso (n=114), como indivíduos acamados.
As estimativas para análises de associação calculadas a posteriori indicam que o poder do estudo é de 90,7%, considerando-se uma prevalência de 30% de ganho de peso e 10% de perda de peso, com os 571 indivíduos avaliados e um nível de confiança de 95%.
Avaliadores treinados coletaram dados em entrevistas domiciliares, utilizando um questionário estruturado que abordava variáveis socioeconômicas, estado geral de saúde, condições de vida e medidas antropométricas.(99. Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2005 jun [citado 2020 jun 22];8(2):127-41. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000200005
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500... ) Quando não era possível que o entrevistado respondesse, solicitava-se o auxílio de um respondente (geralmente um familiar).
Variáveis
A mudança de peso foi avaliada segundo variações do Índice de Massa Corporal (IMC) nos períodos de 2000 a 2006 e de 2006 a 2010. Para verificação dos fatores associados a essas mudanças, foi utilizado o bloco de variáveis de condições de saúde. Características sociodemográficas descreveram a amostra e, devido a potenciais fatores confundidores, foram empregadas como ajuste nos modelos de regressão.
Variável dependente
A variável dependente foi a mudança de peso. Considerou-se que o indivíduo mudou de peso quando a diferença do IMC mais atual em relação ao IMC do baseline foi superior a 5%. Assim, foram classificados na categoria “ganhou peso” aqueles com diferença de IMC maior ou igual a +5% em relação à avaliação anterior, e na categoria “perdeu peso” aqueles com diferença menor ou igual a -5% em relação à avaliação anterior. Os demais participantes foram classificados como “peso estável” (categoria de referência). O IMC (kg/m2) foi calculado dividindo-se a massa corporal (em quilogramas) pelo quadrado da altura (em metros). O peso corporal foi medido por um entrevistador treinado, usando uma balança calibrada (marca SECA®), e a altura foi aferida usando-se um estadiômetro fixo em uma parede, com o indivíduo descalço, vestindo roupas leves, segundo a padronização de Frisancho.(1010. Frisancho AR. New standards of weight and body composition by frame size and height for assessment of nutritional status of adults and the elderly. Am J Clin Nutr [Internet]. 1984 Oct [cited 2020 Jun 22];40(4):808-19. Available from: https://doi.org/10.1093/ajcn/40.4.808
https://doi.org/10.1093/ajcn/40.4.808... )
Variáveis independentes
O estado nutricional foi classificado com base nos pontos de corte do IMC adotados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para o Estudo SABE: ≤23kg/m2 = baixo peso; >23,0; <28,0kg/m2 = eutrófico; ≥28,0 e <30,0kg/m2 = sobrepeso; ≥30,0kg/m2 = obesidade. Devido à baixa frequência de participantes com excesso de peso, as duas categorias finais foram agrupadas, ou seja: aqueles com valores de IMC ≥28,0kg/m2 foram considerados com sobrepeso/obesidade.
As características sociodemográficas foram: sexo; idade (em anos); escolaridade (analfabetos, 1 a 3 anos, ≥4 anos); e estado civil (casados ou não casados, divorciados, separados ou viúvos).
Como condições de saúde autorreferidas, têm-se: internação (sim ou não); autoavaliação de saúde (muito boa e boa; regular; ou ruim e muito ruim); doenças crônicas diagnosticadas pelo médico (sim ou não): hipertensão, diabetes, câncer, doenças pulmonares, acidente vascular cerebral, doença cardiovascular e osteoartrite; número de doenças crônicas (nenhuma ou uma; duas ou mais).
Análise estatística
Como os dados são provenientes de uma amostragem por conglomerados em múltiplos estágios, os pesos amostrais de cada participante foram utilizados em todas as análises. Utilizou-se o teste Rao-Scott-χ2 (qui-quadrado para amostras complexas) para descrição da amostra e comparação das proporções de variáveis sociodemográficas e de saúde segundo a mudança de peso e os anos avaliados (2000-2006 e 2006-2010). Categorias do estado nutricional (baixo peso, eutrofia e obesidade) foram utilizadas apenas para descrição dos dados. A comparação da média da idade e IMC entre avaliados e perdas foi realizada por meio do teste t-student. Para verificar a relação das condições de saúde com a mudança de peso, utilizou-se análise de regressão logística multinomial no modo survey nos anos de 2000-2006 e 2006-2010, estimada pela razão de risco relativo (RR) e seus intervalos de confiança (IC) de 95%; as diferenças entre valores de β foram estimadas pelo teste de Wald. Nos modelos multinominais, o peso estável foi a categoria de referência da variável dependente, e as doenças crônicas foram agrupadas na variável “número de doenças”. Todos os modelos foram ajustados por sexo, idade, escolaridade e estado civil. Ao fim das análises, foi realizado o teste de Hosmer-Lemeshow para verificar a qualidade do ajuste dos modelos. Adotou-se nível de confiança de 5%. Os dados foram analisados utilizando-se o STATA 13.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sob os números de controle 315 (aprovado em 24 de maio de 1999), 83 (aprovado em 14 de março de 2006) e 2.044 (aprovado em 5 de março de 2010). Os participantes foram convidados a ler, aprovar e assinar uma carta de consentimento antes do início das avaliações e entrevistas.
Resultados
A amostra final deste estudo é composta por 571 participantes, todos avaliados em 2000, 2006 e 2010. Entre 2000 e 2006, perderam-se 48,0% da amostra, e entre 2006 e 2010, 32,9% da amostra. Em ambos os períodos, as perdas ocorreram principalmente devido a mortes (63,1% e 72,8%, respectivamente). Dados de participantes devidos a outras perdas (institucionalização, recusas, mudança de endereço e não localizados) foram semelhantes aos daqueles avaliados. No entanto, os que morreram possuíam maior idade e menor IMC.
A média de idade dos idosos avaliados foi de 73 anos em 2000 (DP: 8,25), 75 anos em 2006 (DP: 6,65) e 79 anos em 2010 (DP: 6,61). Dados dos participantes perdidos (mortes e outras perdas), em 2006 e 2010, referem-se à última avaliação realizada, ou seja, 2000 e 2006, respectivamente. Os participantes que morreram possuíam média de idade de 78 anos (DP:8,02) em 2000 e de 82 anos (DP:7,38) em 2006; para outras perdas, de 71 anos (DP:7,51) em 2000 e 76 anos (DP:7,01) em 2006. O IMC médio dos avaliados foi de 27,16kg/m2 em 2000 (DP:4,73), 26,57kg/m2 em 2006 (DP:4,85) e de 27,35kg/m2 em 2010 (DP:5,24). O IMC médio daqueles que morreram foi de 25,13kg/m2 (DP:4,95) em 2000 e de 24,41kg/m2 (DP:4,49) em 2006; para outras perdas, foi de 26,63kg/m2 (DP:4,96) em 2000 e de 26,19kg/m2 (DP:4,67) em 2006.
A Figura 1 apresenta o estado nutricional e a mudança de peso corporal dos participantes. Embora a proporção daqueles que mantiveram o peso corporal praticamente não tenha se alterado entre os anos avaliados (48,1% em 2000, 45,4% em 2006 e 42,7% em 2010), destaca-se o aumento da proporção daqueles que ganharam peso (18,2% em 2006 e 39,9% em 2010) e daqueles que atingiram a obesidade (35,9% em 2000, 33,7% em 2006 e 40,7% em 2010).
Observou-se maior proporção de peso estável entre os idosos que avaliaram sua saúde como muito boa, boa ou regular, ao contrário daqueles que tiveram pelo menos uma internação no último ano, cuja perda de peso corporal foi mais frequente (Tabela 1).
A prevalência das doenças crônicas não transmissíveis também aumentou durante o período avaliado. De acordo com a Figura 2, nota-se aumento proporcional em todos os anos, principalmente para doenças como hipertensão (50,9% em 2000, 65,7% em 2006 e e 72,6% em 2010) e artropatias (23,4% em 2000, 36,5% em 2006 e 36,7% em 2010) – as mais frequentes no período avaliado.
– Prevalência de doenças crônicas em idosos, Estudo SABE, São Paulo, 2000, 2006 e 2010a
a) Amostra total: 571. Número (n) de participantes para cada doença nos anos de 2000, 2006 e 2010, respectivamente: câncer: 9, 22 e 47; embolia/derrame: 25, 42 e 59; doenças pulmonares: 39, 57 e 61; doenças cardíacas: 71, 129 e 162; diabetes: 87, 126 e 152; artropatias: 133, 215 e 210; hipertensão: 288, 381 e 414.
Nos modelos múltiplos, ter tido uma ou mais internações no último ano (RR:3,50; IC95% 1,40;8,72) ou uma ou mais doenças crônicas (RR:2,12; IC95% 1,00;4,46) contribuíram para que idosos perdessem peso em 2010 (Tabela 2). Por outro lado, a autopercepção ruim ou muito ruim da própria saúde foi um preditor para o aumento de peso na segunda onda do estudo, em 2006 (RR: 3,15; IC95% 1,21;8,17), e na terceira onda, em 2010 (RR: 2,46; IC95% 1,02;5,94), independentemente de sexo, idade, escolaridade ou estado civil (Tabela 3).
Discussão
Ao longo dos dez anos avaliados, ocorreu aumento na proporção de doenças crônicas, ganho de peso e obesidade, ainda que, no primeiro período avaliado (2000 a 2006), a perda de peso tenha sido mais prevalente entre os idosos. A percepção ruim ou muito ruim da própria saúde associou-se ao aumento do peso corporal em ambos os períodos avaliados (2006, RR:3,15; p:0,018), (2010, RR:2,46; p:0,046). Por sua vez, as internações (2010, RR:3,50; p:0,007) e o maior número de doenças crônicas associaram-se à diminuição do peso corporal.
A diminuição da atividade física por limitações físicas ou aspectos psicossociais(1111. Jesus-Moraleida FR, Ferreira PH, Silva JP, Andrade AGP, Dias RC, Dias JMD, et al. Relationship between physical activity, depressive symptoms and low back pain related disability in older adults with low back pain: a cross-sectional mediation analysis. J Aging Phys Act [Internet]. 2020 Apr [cited 2020 Jun 22];1-6. Available from: https://doi.org/10.1123/japa.2019-0077
https://doi.org/10.1123/japa.2019-0077... ) está associada a menor gasto energético na velhice. Viver em uma grande metrópole,(1212. Ramachandran M, D'Souza SA. A cross-sectional survey on older adults' community mobility in an Indian metropolis. J Cross Cult Gerontol [Internet]. 2016 Feb [cited 2020 Jun 22];31(1):19-33. Available from: https://doi.org/10.1007/s10823-015-9276-7
https://doi.org/10.1007/s10823-015-9276-... ) como São Paulo, também é um importante fator para a menor circulação dos mais idosos. Além disso, trata-se de uma amostra essencialmente feminina (63,5% de mulheres) e, por questões geracionais e estruturais, mais sujeita à restrição ao lar.(1313. Ko H, Park YH, Cho B, Lim KC, Chang SJ, Yi YM, et al. Gender differences in health status, quality of life, and community service needs of older adults living alone. Arch Gerontol Geriatr [Internet]. 2019 Jul-Aug [cited 2020 Jun 22];83:239-45. Available from: https://doi.org/10.1016/j.archger.2019.05.009
https://doi.org/10.1016/j.archger.2019.0... ) Postula-se que pessoas suscetíveis aos efeitos negativos da obesidade morrem precocemente,(1414. Cetin DC, Nasr G. Obesity in the elderly: more complicated than you think. Cleve Clin J Med [Internet]. 2014 Jan [cited 2020 Jun 22];81(1):51-61. Available from: https://doi.org/10.3949/ccjm.81a.12165
https://doi.org/10.3949/ccjm.81a.12165... ) e como esta é uma amostra de sobreviventes, isso também explicaria o maior peso corporal dos avaliados.
Além disso, ambientes obesogênicos, que vêm influenciando o ganho de peso em todas as faixas etárias, podem ter contribuído para o aumento de peso e obesidade(55. Silva VSD, Souza I, Silva DAS, Barbosa AR, Fonseca M. Trends and association of BMI between sociodemographic and living conditions variables in the Brazilian elderly: 2002/03-2008/09. Ciên Saúde Coletiva [Internet]. 2018 Mar [cited 2020 Jun 22];23(3):891-901. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018233.12532016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018233... ) como verificado na segunda onda, contrapondo estudos que demonstram a diminuição de peso entre idosos(1515. Cereda E, Klersy C, Pedrolli C, Cameletti B, Bonardi C, Quarleri L, et al. The Geriatric Nutritional Risk Index predicts hospital length of stay and in-hospital weight loss in elderly patients. Clin Nutr [Internet]. 2015 Feb [cited 2020 Jun 22];34(1):74-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.clnu.2014.01.017
https://doi.org/10.1016/j.clnu.2014.01.0... ) e os resultados encontrados na primeira onda do estudo.
Reduções na mobilidade e a prevalência de comorbidades geralmente associadas ao aumento do peso,(1717. Dent E, Hoogendijk EO, Wright ORL. New insights into the anorexia of ageing: from prevention to treatment. Curr Opin Clin Nutr Metab Care [Internet]. 2019 Jan [cited 2020 Jun 22];22(1):44-51. Available from: https://doi.org/10.1097/mco.0000000000000525
https://doi.org/10.1097/mco.000000000000... ) como doenças cardiovasculares, além de fatores estigmatizantes da obesidade, podem favorecer uma percepção negativa do indivíduo sobre a própria saúde. Ademais, dado que a autoavaliação de saúde é um importante preditor de morbidade e mortalidade,(1818. Lartey ST, Magnussen CG, Si L, Boateng GO, de Graaff B, Biritwum RB, et al. Rapidly increasing prevalence of overweight and obesity in older Ghanaian adults from 2007-2015: Evidence from WHO-SAGE Waves 1 & 2. PLoS One [Internet]. 2019 Aug [cited 2020 Jun 22];14(8):e0215045. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0215045
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021... ) é possível que aqueles que relataram pior estado de saúde estejam percebendo e antecipando alguns diagnósticos.
A relação da hipertensão com desfechos desfavoráveis já foi relatada em outros trabalhos do Estudo SABE.(1919. Jerkovic OS, Sauliune S, ¦umskas L, Birt CA, Kersnik J. Determinants of self-rated health in elderly populations in urban areas in Slovenia, Lithuania and UK: findings of the EURO-URHIS 2 survey. Eur J Public Health [Internet]. 2017 May [cited 2020 Jun 22];27(suppl 2):74-9. Available from: https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv097
https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv097... ) Para diminuir os riscos associados às doenças crônicas, mudanças na dieta, como redução de gorduras e carboidratos simples, são incentivadas e podem acarretar perda de peso.(2020. Hulman A, Ibsen DB, Laursen ASD, Dahm CC. Body mass index trajectories preceding first report of poor self-rated health: A longitudinal case-control analysis of the English Longitudinal Study of Ageing. PLoS One [Internet]. 2019 Feb [cited 2020 Jun 22];14(2):e0212862. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0212862
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021... ) Nas artropatias, por exemplo, a perda de peso intencional de >10% apresenta benefícios clínicos importantes.(2121. Oliveira IM, Duarte YAO, Zanetta DMT. Prevalence of systemic arterial hypertension diagnosed, undiagnosed, and uncontrolled in elderly population: SABE study. J Aging Res [Internet]. 2019 Sep [cited 2020 Jun 22]:3671869. Available from: https://doi.org/10.1155/2019/3671869
https://doi.org/10.1155/2019/3671869... )
Por outro lado, alterações fisiológicas que promovem estresse catabólico ou inflamatório e maior gasto energético,(2222. Bruins MJ, Van Dael P, Eggersdorfer M. The role of nutrients in reducing the risk for noncommunicable diseases during aging. Nutrients [Internet]. 2019 Jan [cited 2020 Jun 22];11(1):85. Available from: https://doi.org/10.3390/nu11010085
https://doi.org/10.3390/nu11010085... ) como nas doenças pulmonares, podem acarretar perda de peso não intencional e piorar ainda mais o quadro de saúde dos mais velhos. A agudização dessas doenças e a demanda por cuidados hospitalares são importantes preditores da anorexia no envelhecimento.(2323. Messier SP, Resnik AE, Beavers DP, Mihalko SL, Miller GD, Nicklas BJ, et al. Intentional weight loss in overweight and obese patients with knee osteoarthritis: is more better? Arthritis Care Res (Hoboken) [Internet]. 2018 Nov [cited 2020 Jun 22];70(11):1569-75. Available from: https://doi.org/10.1002/acr.23608
https://doi.org/10.1002/acr.23608... )
A deterioração do estado nutricional durante a hospitalização geralmente está relacionada ao estresse metabólico, jejum, menor aceitação e ingestão alimentar.(2323. Messier SP, Resnik AE, Beavers DP, Mihalko SL, Miller GD, Nicklas BJ, et al. Intentional weight loss in overweight and obese patients with knee osteoarthritis: is more better? Arthritis Care Res (Hoboken) [Internet]. 2018 Nov [cited 2020 Jun 22];70(11):1569-75. Available from: https://doi.org/10.1002/acr.23608
https://doi.org/10.1002/acr.23608... ) Fragilidade, aumento da carga de doença e mortalidade(1515. Cereda E, Klersy C, Pedrolli C, Cameletti B, Bonardi C, Quarleri L, et al. The Geriatric Nutritional Risk Index predicts hospital length of stay and in-hospital weight loss in elderly patients. Clin Nutr [Internet]. 2015 Feb [cited 2020 Jun 22];34(1):74-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.clnu.2014.01.017
https://doi.org/10.1016/j.clnu.2014.01.0... ) são algumas das muitas consequências da perda de peso significativa entre idosos.
Há muito tempo, a prevenção da diminuição do peso e anorexia é a principal meta no cuidado nutricional de idosos.(2424. Rinninella E, Cintoni M, De Lorenzo A, Anselmi G, Gagliardi L, Addolorato G, et al. May nutritional status worsen during hospital stay? A sub-group analysis from a cross-sectional study. Intern Emerg Med [Internet]. 2019 Jan [cited 2020 Jun 22];14(1):51-7. Available from: https://doi.org/10.1007/s11739-018-1944-5
https://doi.org/10.1007/s11739-018-1944-... ) Estudos mais atuais (realizados entre 2017 e 2019), no entanto, têm apontado aumento de peso, obesidade e consequências relacionadas nessa população.(1616. Fernandez-Barres S, Garcia-Barco M, Basora J, Martinez T, Pedret R, Arija V, Project ATDOM-NUT group. The efficacy of a nutrition education intervention to prevent risk of malnutrition for dependent elderly patients receiving Home Care: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud [Internet]. 2017 May [cited 2020 Jun 22];70:131-41. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.02.020
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.... ) Em estudo que avaliou idosos do Reino Unido no período de 1998-2015, à semelhança dos dados encontrados neste trabalho, aqueles que ganharam peso também sentiram uma piora na saúde geral,(1616. Fernandez-Barres S, Garcia-Barco M, Basora J, Martinez T, Pedret R, Arija V, Project ATDOM-NUT group. The efficacy of a nutrition education intervention to prevent risk of malnutrition for dependent elderly patients receiving Home Care: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud [Internet]. 2017 May [cited 2020 Jun 22];70:131-41. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.02.020
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.... ) contrapondo trabalho brasileiro que não encontrou associação entre excesso de peso e pior autoavaliação de saúde ao analisar adultos de capitais da região Centro-Oeste e o Distrito Federal, entre os anos de 2008 a 2014.(2626. 2Souza L, Brunken GS, Segri NJ, Malta DC. Trends of self-rated health in relation to overweight in the adult population in Brazilian Midwest capitals. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2017 Jun [cited 2020 Jun 22];20(2):299-309. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700020010
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000... ) De acordo com Hulman et al.,(1616. Fernandez-Barres S, Garcia-Barco M, Basora J, Martinez T, Pedret R, Arija V, Project ATDOM-NUT group. The efficacy of a nutrition education intervention to prevent risk of malnutrition for dependent elderly patients receiving Home Care: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud [Internet]. 2017 May [cited 2020 Jun 22];70:131-41. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.02.020
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.... ) o estágio de vida interfere na autopercepção de saúde, pois as condições que contribuem para a autoavaliação da saúde mudam de importância ao longo da vida. Entre os mais jovens, por exemplo, a maior disposição para atividades diárias e a menor prevalência de doenças contribuiriam para melhores resultados na autoavaliação de saúde.
Dados da literatura também apontam que o número de doenças crônicas geralmente está associado ao ganho de peso.(2727. Afshin A, Forouzanfar MH, Reitsma MB, Sur P, Estep K, Lee A, et al. Health effects of overweight and obesity in 195 Countries over 25 years. N Engl J Med [Internet]. 2017 Jul [cited 2020 Jun 22];377(1):13-27. Available from: https://doi.org/10.1056/nejmoa1614362
https://doi.org/10.1056/nejmoa1614362... ) No presente trabalho, porém, esse foi um fator de risco para a perda, possivelmente devido ao estágio avançado das doenças. Em estudo realizado com adultos de meia idade e idosos da Costa Rica e da Inglaterra, no ano de 2015, doenças pulmonares e diabetes também estiveram associadas a diminuição de peso.(2828. Blue L, Goldman N, Rosero-Bixby L. Disease and weight loss: a prospective study of middle-aged and older adults in Costa Rica and England. Salud Pública Mex [Internet]. 2015 Jul-Aug [cited 2020 Jun 22];57(4):312-9. Available from: https://doi.org/10.21149/spm.v57i4.7574
https://doi.org/10.21149/spm.v57i4.7574... ) De outro modo, a relação da perda de peso em hospitalizações, embora grave, é uma ocorrência comum,(2121. Oliveira IM, Duarte YAO, Zanetta DMT. Prevalence of systemic arterial hypertension diagnosed, undiagnosed, and uncontrolled in elderly population: SABE study. J Aging Res [Internet]. 2019 Sep [cited 2020 Jun 22]:3671869. Available from: https://doi.org/10.1155/2019/3671869
https://doi.org/10.1155/2019/3671869... ) como também verificado neste trabalho e em estudo realizado entre os anos de 2011 e 2012 com idosos internados em hospitais do Sudeste brasileiro (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo).(2929. Cordeiro P, Martins M. Hospital mortality in older patients in the Brazilian Unified Health System, Southeast region. Rev Saúde Pública [Internet]. 2018 Jul [cited 2020 Jun 22];52:69. Available from: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000146
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018... )
Os resultados de trabalho que avaliou tendências de morbimortalidade em todo o mundo, no ano de 2015, também demonstraram uma alta carga de doenças crônicas em idosos de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.(3030. Chatterji S, Byles J, Cutler D, Seeman T, Verdes E. Health, functioning, and disability in older adults--present status and future implications. Lancet [Internet]. 2015 Nov [cited 2020 Jun 22];385(9967):563-75. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61462-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61... ) Ademais, apesar da existência de poucos estudos longitudinais, t diversos indícios sugerem que, nesses países, o cuidado à saúde não tem acompanhado o prolongamento da vida.
Os pontos fortes deste estudo incluem a amostra representativa de idosos da comunidade no início do período avaliado, e, apesar das perdas, os dez anos de acompanhamento permitem um maior conhecimento das mudanças de peso e fatores associados entre idosos. Além disso, peso e altura foram medidos (em vez de referidos) por profissionais treinados em todos os períodos. Dado que, em estudos que relacionam nutrição em geriatria em geral, avalia-se apenas o estado nutricional, este trabalho avança ao considerar a mudança de peso corporal – um método fácil de se utilizar na prática clínica e que ainda pode melhor predizer a saúde de idosos.
As limitações deste trabalho incluem o fato de serem autorreferidas as avaliações de saúde, o número de internações e o diagnóstico de doenças, pois, embora muito utilizadas, essas medidas podem ser passiveis de viés de recordatório, principalmente entre idosos. Para diminuir essas fontes de erros, foram tomados alguns cuidados, como revisão e crítica da entrevista realizada e auxílio de respondentes. Perdas são comuns em estudos longitudinais com idosos, e também constituem uma limitação desta pesquisa. No entanto, como os dados dos participantes perdidos não foram tão diferentes dos avaliados (exceto para óbitos), os resultados deste trabalho não foram influenciados por essas perdas. Tais dados referem-se a uma população de idosos sobreviventes e devem ser interpretados com essa cautela. Análises futuras poderão indicar a associação entre as mudanças no estado nutricional e a sobrevida, além de outros desfechos entre esses idosos.
Embora o progressivo aumento na prevalência das doenças crônicas com o avançar da idade não seja exatamente um evento inesperado, o aumento na proporção de indivíduos mais velhos que ganharam peso e daqueles que se tornaram obesos remete a novos desafios na gestão do cuidado de pessoas envelhecidas. As consequências desse novo perfil nutricional ainda não estão claras, mas este estudo demonstrou que ouvir e acompanhar a autoavaliação da saúde desses idosos pode contribuir para a antecipação de diagnósticos. Ademais, para garantir um envelhecimento saudável, é preciso agir rápido, prevenindo a obesidade e fatores de risco relacionados ao surgimento de doenças e implementando ações para tratamento e redução de danos, como a manutenção de peso.
Agradecimento
À investigadora principal e coordenadora do Estudo SABE, Maria Lucia Lebrão, in memoriam, que iniciou e conduziu toda a pesquisa até 2016.
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- *Artigo derivado da tese de doutorado de Tânia Aparecida de Araujo, intitulada“Mudança do peso corporal de idosos no período de 2000 a 2010: Estudo SABE”, defendida na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em 2019. O Estudo SABE é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sob o nº 99/05125-7. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sob o nº 1570936 – Código de Financiamento 001, Bolsa de Doutorado de Araujo TA.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
25 Set 2020 - Data do Fascículo
2020
Histórico
- Recebido
06 Abr 2020 - Aceito
05 Jun 2020