Características da violência por parceiro íntimo em Mato Grosso do Sul, 2009-2018

Jacqueline dos Santos Cleber Nascimento do Carmo Sobre os autores

Resumo

Objetivo:

analisar a violência por parceiros íntimos (VPI) em Mato Grosso do Sul, Brasil, com destaque para violência física.

Métodos:

estudo transversal, com análise de correspondências (AC) dos registros no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, em 2009-2018.

Resultados:

de 9.950 notificações registradas, 91,8% foram de violência física; maiores taxas foram encontradas em jovens do sexo feminino (189,2/100 mil), com escolaridade até o ensino médio incompleto (139,6/100 mil), com companheiro (202,7/100 mil), indígenas (488,8/100 mil) e residentes na fronteira (223,1/100 mil); os agressores eram majoritariamente parceiros atuais (76,9%) e homens (95,5%); sobre a violência física, a AC revelou predominância em fins de semana, à noite, com utilização de força corporal e agressor sob efeito de álcool; entretanto, ocorreu principalmente fora da residência, cometida por parceiro atual e não constituiu evento de repetição.

Conclusão:

destacaram-se vítimas jovens, com companheiro, baixa escolaridade, mulheres indígenas e ocorrência expressiva em região de fronteira.

Palavras-chave:
Violência por Parceiro Íntimo; Violência contra a Mulher; Sistemas de Informação em Saúde; Notificação; Estudos Transversais; Análise Multivariada

Contribuições do estudoPrincipais resultados

A violência por parceiros íntimos (VPI) predominou em vítimas jovens, com companheiro, baixa escolaridade, indígenas e ocorrência em região de fronteira, em fins de semana, à noite, com utilização de força corporal e agressor sob efeito de álcool.

Implicações para os serviços

O atendimento às vítimas de VPI pertence ao cotidiano dos serviços de saúde, sendo indispensável despertar a atenção dos profissionais para a importância da identificação e abordagem adequada desse agravo.

Perspectivas

Dadas as limitações dos estudos de fontes secundárias, reforça--se a necessidade da realização de inquéritos populacionais para caracterizar o evento na população, buscando nortear a elaboração de políticas de saúde para minimização do problema.

Introdução

A violência é definida como o uso intencional da força ou poder, por ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa, grupo ou comunidade, podendo resultar em lesões, mortes, danos psíquicos, alterações do desenvolvimento ou privações.11. Krug EG, Mercy JA, Dahlberg LL, Zwi AB. The world report on violence and health. Lancet. 2002;360(9339):1083-8. doi: 10.1016/S0140-6736(02)11133-0
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Entre suas diversas formas, encontra-se a violência perpetrada por parceiro íntimo (VPI), ou seja, referente a comportamentos ocorridos no contexto de uma relação íntima, resultando em danos físicos, psicológicos ou sexuais para seus integrantes.11. Krug EG, Mercy JA, Dahlberg LL, Zwi AB. The world report on violence and health. Lancet. 2002;360(9339):1083-8. doi: 10.1016/S0140-6736(02)11133-0
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A relação entre vítima e perpetrador da violência pode ser atual (por iniciativa de cônjuge, companheiro ou namorado) ou anterior (por ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-namorado).22. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB, Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Rev Saude Publica. 2007;41(3):359-67. doi:10.1590/S0034-89102007000300006
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A violência física dentro das relações atinge uma em cada três mulheres ao longo da vida, no mundo,33. Heise L, Ellsberg M, Gottemoeller M. Ending violence against women. Popul Rep L. 1999;27(4):1-44. Available from: https://www.researchgate.net/publication/287170875_Population_reports_Ending_violence_against_women
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,44. World Health Organization. Global status report on violence prevention 2014 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2022 [acesso em 17 out 2021]. 292 p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/145086
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culminando, muitas vezes, na morte da vítima. No Brasil, mais de 100 mil mulheres foram vítimas de homicídio entre 1980 e 2014, e a região Centro-Oeste apresentou os maiores coeficientes de mortalidade por essa causa.55. Souza ER, Meira KC, Ribeiro AP, Santos JD, Guimarães RM, Borges LF, et al. Homicídios de mulheres nas distintas regiões brasileiras nos últimos 35 anos: análise do efeito da idade-período e coorte de nascimento. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2949-62. doi: 10.1590/1413-81232017229.12392017
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Sabe-se que esses dados incluem os óbitos resultantes da violência urbana e outros tipos de violência; entretanto, as mulheres submetidas à VPI são mais suscetíveis às mortes por agressões que aquelas sem histórico de violência intrafamiliar.66. Pinto IV, Bernal RTI, Souza MFM, Malta DC. Fatores associados ao óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo no Brasil. Cien Saude Colet. 2021;26(3):975-85. doi: 10.1590/1413-81232021263.00132021
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Estimativas de feminicídio, para o período de 2003 a 2007, indicaram que Mato Grosso do Sul apresentou um dos maiores coeficientes de homicídios de mulheres no país.77. Meneghel SN, Hirakata VN. Femicides: female homicide in Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(3):564-74. doi:10.1590/S0034-89102011000300015
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O estado dispõe de extensa área de fronteira com a Bolívia e o Paraguai, e grande contingente populacional indígena, o que lhe confere características culturais peculiares, capazes de impactar em seus indicadores de violência, uma vez que esses eventos são fortemente associados aos modos de vida de cada sociedade.88. Lucena KDT, Silva ATMC, Moraes RM, Silva CC, Bezerra IMP. Análise espacial da violência doméstica contra a mulher entre os anos de 2002 e 2005 em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(6):1111-21. doi:10.1590/S0102-311X2012000600010
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Mulheres indígenas são desproporcionalmente marginalizadas, em todo o mundo, tornando-as mais expostas à violência de gênero.99. United Nations Children's Fund. United Nations Population Fund. Breaking the silence on violence against indigenous girls, adolescents and young women [Internet]. New York: United Nations Children's Fund.; 2013 [acesso em 13 jun 2022]. 75 p. Available from: https://www.unwomen.org/breaking-the-silence-on-violence-against-indigenous-girls
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Da mesma forma, observa-se maior vulnerabilidade de mulheres residentes em regiões fronteiriças.1010. Monteiro LCR, Amaral PAT. A rede de enfrentamento à violência contra a mulher na faixa de fronteira: em busca da visibilidade. Perspectiva Geográfica. 2016;11(15):143-51. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/pgeografica/article/view/16594
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Este artigo teve por objetivo analisar as características da VPI contra pessoas do sexo feminino, de 20 a 59 anos de idade, no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, no período de 2009 a 2018.

Métodos

Estudo transversal, sobre VPI contra pessoas do sexo feminino, de 20 a 59 anos, a partir da análise de todos os casos notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), em Mato Grosso do Sul, no período de 2009 a 2018.

Mato Grosso do Sul conta com aproximadamente 2,5 milhões de habitantes e concentra a segunda maior população indígena do país, composta por mais de 72 mil indivíduos de oito etnias, distribuídos entre 75 aldeias localizadas em 29 municípios.1111. Silva OLO, Lindemann IL, Prado SG, Freitas KC, Souza AS. Vigilância alimentar e nutricional de crianças indígenas menores de cinco anos em Mato Grosso do Sul, 2002-2011. Epidemiol. Serv Saude. 2014; 23(3):541-6. doi: 10.5123/S1679-49742014000300017
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Ademais, 73% da área territorial do estado localiza-se na faixa de fronteira, abrangendo 45 de seus 79 municípios. Neste estudo, especialmente, foram considerados como municípios de fronteira apenas aqueles cujo perímetro urbano toca a linha de fronteira com outros países, totalizando 11 localidades, das quais cinco constituem “cidades gêmeas”, ou seja, com maior potencial para integração econômica e cultural entre si.1212. Borba V. Fronteiras e faixa de fronteira: expansionismo, limites e defesa. Historiae. 2013;4(2):59-78. Disponível em: https://periodicos.furg.br/hist/article/view/4131
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Participantes

A população do estudo constituiu-se do conjunto das notificações de VPI contra pessoas do sexo feminino, nas idades de 20 a 59 anos, no estado, registradas no Sinan.

Cada notificação foi considerada como uma unidade de análise, pois, devido às características do banco de dados, não foi possível identificar as vítimas da agressão. Sendo assim, a mesma pessoa pode referir um único registro ou mais de um, no período avaliado.

Foram considerados casos de VPI todas as notificações com resposta afirmativa a pelo menos um dos campos referentes ao tipo de relação do autor da agressão com a vítima [cônjuge; ex-cônjuge; namorado(a); ex-namorado(a)], independentemente do sexo do agressor (masculino; feminino; ambos os sexos; ignorado).

Foram considerados critérios de exclusão os eventos nos quais o local de residência da vítima ou o local de ocorrência não pertencesse ao território de Mato Grosso do Sul, bem como aqueles em que não foi possível identificar o local de residência e o local de ocorrência.

Para os cálculos da taxa de notificação de VPI, considerou-se, como numerador, o total de notificações de VPI contra pessoas do sexo feminino, de 20 a 59 anos de idade, registradas no estado de Mato Grosso do Sul no período de 2009 a 2018; e como denominador, a população feminina residente no estado, da mesma faixa etária (população sob risco), de acordo com os dados do Censo Demográfico 2010, respeitando-se a distribuição em cada uma das categorias das variáveis analisadas: faixa etária; raça/cor da pele; situação conjugal; escolaridade; e município de residência. O quociente obtido foi dividido pelo total de anos de estudo (dez anos), para se obter a média anual da taxa de notificações. Os resultados foram apresentados por 100 mil (fator de multiplicação).

Fonte de dados

Os dados das notificações foram extraídos diretamente do banco do Sinan, disponibilizado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em junho de 2020. Os dados relativos à população provieram do banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos os dados utilizados pela pesquisa são de domínio público e acesso irrestrito.

Variáveis de estudo

O desfecho de interesse deste estudo constituiu-se dos eventos de VPI nos quais houve registro de agressão. Para delimitação dessa variável, foram consideradas todas as notificações de VPI com resposta afirmativa para violência física, no campo relativo ao tipo de violência, fossem elas de caráter isolado ou concomitantemente a outros tipos de violência (psicológica/moral; negligência/abandono; sexual; tráfico de seres humanos; trabalho infantil; tortura; patrimonial; outros). O grupo de comparação constituiu-se do conjunto das notificações de VPI para as quais não havia registro de violência física, podendo contar com resposta afirmativa para um ou mais dos outros tipos de violência.

Como variáveis independentes, foram consideradas aquelas relacionadas às características das vítimas, dos agressores e do evento violento:

  1. a) Variáveis relacionadas às características da vítima

  2. - faixa etária (em anos: 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59);

  3. - raça/cor da pele (branca; preta; amarela; parda; indígena);

  4. - situação conjugal (solteira; casada/união consensual; viúva; separada);

  5. - escolaridade (sem instrução e ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo e ensino médio incompleto; ensino médio completo e ensino superior incompleto; ensino superior completo); e

  6. - região do município de residência (linha de fronteira; interior do estado).

  7. b) Variáveis relacionadas às características do agressor

  8. - sexo (masculino; feminino; ambos os sexos);

  9. - quantidade de agressores (um; dois ou mais); e

  10. - tipo de relação com a vítima (cônjuge; ex-cônjuge; namorado; ex-namorado).

  11. c) Variáveis relacionadas às características dos eventos

  12. - região do município de ocorrência (linha de fronteira; interior do estado);

  13. - local de ocorrência (residência; habitação coletiva; via pública; ambiente de trabalho; escola; creche; estabelecimento de saúde; instituição socioeducativa; instituição de longa permanência; instituição prisional; terreno baldio; bar ou similar; outros; ignorado);

  14. - dia da semana da ocorrência (domingo; segunda-feira; terça-feira; quarta-feira; quinta-feira; sexta-feira; sábado);

  15. - período do dia da ocorrência (manhã, das 6h às 11h59; tarde, das 12h às 17h59; noite, das 18h às 23h59; madrugada, da 0h às 5h59);

  16. - tipo de violência (física; psicológica/moral; sexual; outros);

  17. - meio utilizado (força corporal/espancamento; ameaça; objeto perfurocortante; enforcamento; objeto contundente; arma de fogo; substância/objeto quente; envenenamento/intoxicação; outros);

  18. - evento de repetição (sim; não); e

  19. - agressor sob efeito de álcool (sim; não).

Foram considerados como dados ignorados as variáveis preenchidas com o código relacionado a esse aspecto, bem como as variáveis sem nenhuma outra opção preenchida (missing).

Métodos estatísticos

Inicialmente, procedeu-se ao cálculo das taxas de notificação segundo as características das vítimas. Para comparação dos coeficientes obtidos, foi calculada a razão de prevalências (RP) e respectivo intervalo de confiança (IC95%), por meio da regressão de Poisson com ajuste robusto da variância.

Realizou-se, então, a análise bivariada das características da vítima, do agressor e das circunstâncias do evento, em relação à tipologia da violência (violência física; outras violências). As diferenças nas proporções dos eventos violentos em relação às variáveis explicativas foram analisadas pelo teste qui-quadrado de Pearson e, nos casos em que o número de observações foi menor que cinco, utilizou-se o teste exato de Fisher. Para análise da variável “faixa etária”, utilizou-se o teste qui-quadrado de tendência linear, por se tratar de variável categórica ordinal. Para todos os testes, adotou-se um nível de significância de 5%.

As variáveis com p-valor < 0,05 foram submetidas à análise de correspondências múltiplas (ACM). A ACM é um método estatístico que procura analisar a existência de padrões de distribuição de variáveis categóricas1313. Infantosi AFC, Costa JCGD, Almeida RMVR. Análise de correspondência: bases teóricas na interpretação de dados categóricos em Ciências da Saúde. Cad Saude Publica. 2014;30(3):473-86. doi:10.1590/0102-311X00128513
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a partir da análise de dependência entre as linhas e as colunas de tabelas de contingência, buscando sintetizar a estrutura de variabilidade dos dados (também chamada de inércia) em poucas dimensões (eixos). Quanto maior a inércia, maior a associação entre linha e coluna.1414. Mingoti SA. Análise de dados através de métodos estatísticos multivariados. Uma abordagem aplicada. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2005. 295 p.

A referida técnica não faz suposições sobre a distribuição dos dados, sendo não paramétrica, o que possibilita observar diversos padrões de associação, inclusive não lineares. Contudo, o método não permite inferências para outras amostras, dado seu aspecto descritivo e a ausência de pressupostos.

Para a interpretação dos dados, utiliza-se o gráfico formado pelas coordenadas de cada categoria, em cada dimensão ou eixo. Pelo gráfico, a existência de conglomerados e a proximidade das categorias de variáveis são avaliadas para identificar padrões de relações entre essas características:1515. Souza AC, Bastos RR, Vieira MT. Análise de correspondência simples e múltipla para dados amostrais complexos [Internet]. 2010. 6p. In: 19º SINAPE - Simpósio Nacional de Probabilidade e Estatística. 2010. [acesso em 04 dez 2020]. Disponível em: http://www.ime.unicamp.br/sinape/node
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quanto mais próximas duas variáveis no gráfico, mais frequente sua ocorrência conjunta. O gráfico gera quatro quadrantes, representados por dois eixos ou dimensões. Estes fatores, conjuntamente, distinguem as características que se alocam nos diferentes quadrantes, caracterizando grupos com perfis opostos. Para a interpretação dos resultados, analisaram-se a distância geométrica entre as categorias das covariáveis e a presença ou ausência de violência física.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o software R, versão 3.6.3.

Aspectos éticos

Os dados que serviam de base a esta pesquisa provêm, exclusivamente, de bancos de dados de domínio público e acesso irrestrito, sem identificação dos registros, razão por que o projeto do estudo foi dispensado de análise por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), mas seguiu Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

Entre 2009 e 2018, foram registradas 64.110 notificações de violência em Mato Grosso do Sul, sendo 41.986 (65,5%) das vítimas do sexo feminino. Foram excluídos eventos ocorridos fora de Mato Grosso do Sul (n = 93), aqueles cujas vítimas não residiam no estado (n = 13), bem como os registros que não permitiam identificar a Unidade da Federação de ocorrência (n = 590). No que concerne aos registros restantes (n = 22.022), 53,3% das vítimas tinham idade entre 20 e 59 anos, e destas, 9.950 (45,2%) constituíram casos de VPI.

Entre as 9.950 notificações analisadas, os percentuais de dados ignorados das variáveis estudadas foram: 35,9% para escolaridade das vítimas; 9,7% para raça/cor da pele das vítimas; 8,2% para situação conjugal das vítimas; 1,0% para sexo do agressor; 0,1% para quantidade de agressores; 23,0% para hora da ocorrência do evento; 16,6% para agressor sob efeito de álcool; 14,9% para evento de repetição; e 3,9% para local de ocorrência do evento. A distribuição do percentual de informação ignorada foi similar entre as vítimas de violência física e as vítimas dos demais tipos de violência.

A análise da taxa de notificações em relação às características das vítimas é apresentada na Tabela 1. A taxa de notificação diminuiu com o aumento da idade das mulheres. A VPI foi mais evidente entre mulheres de raça/cor da pele indígena (488,8/100 mil mulheres/ano), correspondendo a 5,41 (IC95% 4,98;5,88) vezes a taxa de notificação de VPI entre mulheres de raça/cor da pele branca.

Tabela 1
Notificações de violência por parceiro íntimo contra pessoas do sexo feminino de 20 a 59 anos de idade, segundo características das vítimas, Mato Grosso do Sul, 2009-2018

Mulheres com companheiro (casadas ou em união consensual) e separadas tiveram maiores taxas de notificação de VPI, respectivamente 3,00 (IC95% 2,86;3,15) e 2,59 (IC95% 2,40;2,79) vezes as taxas encontradas para mulheres solteiras (referência). Mulheres com ensino fundamental completo e ensino médio incompleto apresentaram as maiores taxas de notificação de VPI, seguidas pelas mulheres sem escolaridade ou com o ensino fundamental incompleto. Mulheres residentes em municípios de fronteira apresentaram 1,65 (IC95% 1,56;1,73) vez a taxa de notificação de VPI das residentes em outros municípios do estado.

Entre as 9.950 notificações de VPI, 9.131 (91,8%) tinham registro de violência física. A distribuição proporcional dos eventos de VPI segundo as características das vítimas e agressores, em relação à agressão física, é apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Características das vítimas de violência por parceiro íntimo e dos agressores, segundo a tipologia da violência, Mato Grosso do Sul, 2009-2018

As faixas etárias de 20 a 39 anos contribuíram para a maioria das notificações de VPI (n = 7.506; 75,4%) e de violência física (n = 6.978; 76,4%). As maiores proporções, tanto de VPI (n = 3.220; 32,4%) como de violência física (n = 2.967; 32,5%), ocorreram entre as mulheres com menor escolaridade e que possuíam companheiro (para a VPI, n = 5.909; 59,4%; e para a violência física, n = 5.481; 60,0%). A taxa de notificação de VPI foi maior nos municípios de fronteira. Por sua vez, a proporção de violência física, no conjunto das violências, foi maior nos municípios do interior do estado (n = 7.818; 85,6%). A análise das notificações evidenciou que os agressores eram, majoritariamente, do sexo masculino (n = 9.411; 94,6%), cônjuges (n = 6.955; 69,9%) ou ex-cônjuges (n = 2.093; 21,0%) da vítima, e agiram sozinhos (n = 8.486; 85,3%).

A Tabela 3 apresenta a distribuição proporcional dos eventos de VPI notificados, segundo suas características e de acordo com a presença ou ausência de violência física. A violência física foi o tipo de violência predominante nas notificações, mesmo tendo ocorrido simultaneamente a outras violências em 42,8% dos casos. Houve predominância de violência física nos municípios do interior, em relação aos municípios situados em região de fronteira. A maior parte de todos os eventos registrados ocorreu no domicílio das vítimas; porém, a violência física foi mais elevada nos eventos ocorridos na via pública, em bares ou ambientes similares. Os eventos ocorreram principalmente nos finais de semana (sábados e domingos) e no período noturno, tanto no que se refere ao conjunto das VPIs como aos eventos em que houve violência física. O meio mais frequentemente utilizado foi a força corporal, destacando-se os eventos de repetição e o uso de álcool pelo agressor.

Tabela 3
Características dos eventos de violência por parceiro íntimo, segundo a tipologia da violência, Mato Grosso do Sul, 2009-2018

A Figura 1 apresenta a ACM de acordo com as características dos envolvidos nos eventos de VPI e o tipo de violência. A ACM explicou 67,4% da variabilidade dos dados. Verificou-se, em relação ao tipo de violência, a existência de proximidade do ponto relativo à violência física com os relacionados a vítimas pertencentes às faixas etárias mais jovens (20 a 49 anos), de raça/cor da pele não indígena, com menor escolaridade (de analfabetas àquelas com ensino fundamental incompleto), com companheiro e residentes no interior do estado. Em relação ao agressor, pôde-se observar associação do ponto relativo à violência física com os relacionados ao parceiro atual, do sexo masculino.

Figura 1
Mapa perceptual das características das vítimas e agressores para as duas primeiras dimensões em relação ao desfecho “tipo de violência”, Mato Grosso do Sul, 2009-2018

Não foi identificado padrão de distribuição das variáveis em relação aos demais tipos de violência. Esta conformação de distribuição no plano bidimensional confirma o padrão encontrado na análise bivariada, à exceção da variável raça/cor da pele, a qual, na distribuição bivariada, revelou destaque para a população indígena no que se refere à violência física. Na ACM, a raça/cor da pele indígena não apresentou, no plano bidimensional, um perfil bem definido com base nas variáveis analisadas, uma vez que o ponto relativo a essa variável não apresentou aproximação com nenhuma das categorias analisadas frente ao tipo de violência (física; outras violências). Desse modo, não foi possível estabelecer um padrão de associação entre a raça/cor da pele indígena e o tipo de violência, por meio da ACM.

O resultado da ACM segundo as características das circunstâncias dos eventos de VPI são apresentadas na Figura 2. Observou-se, no plano bidimensional, um perfil de ocorrência de violência física em finais de semana, no período noturno, fora da residência da vítima, em eventos ocorridos pela primeira vez, com o uso de força corporal, perpetrados por parceiros íntimos sob efeito de álcool. Não foi possível observar um padrão típico que caracterizasse as demais violências com as variáveis analisadas, aproximando-se apenas do ponto relativo ao uso da força corporal como meio de agressão. A ACM relacionada às circunstâncias e às características da VPI apresentou similaridade com a análise bivariada das mesmas variáveis, resultando em valor de inércia igual a 67,3%.

Figura 2
Mapa perceptual das características dos eventos para as duas primeiras dimensões em relação ao desfecho “tipo de violência”, Mato Grosso do Sul, 2009-2018

Discussão

A análise mostrou que a VPI esteve associada à idade da mulher, entre 20 e 29 anos, menor escolaridade, possuir companheiro, raça/cor da pele indígena e residência em município de fronteira. Os agressores eram, em sua maioria, parceiros atuais das vítimas e do sexo masculino. Os eventos ocorreram, prioritariamente, na residência das vítimas, aos finais de semana, no período noturno, com o uso da força corporal e sob influência de álcool; e principalmente no interior do estado. Estas características evidenciaram peculiaridades regionais da VPI, especialmente no que tange a grupos específicos, como as mulheres indígenas.

Do total de notificações de violência contra mulheres adultas, 45,2% corresponderam a VPI. Esse percentual foi inferior ao registrado no Brasil1616. Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB, et al. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Supl 01): e200007.SUPL.1. doi:10.1590/1980-549720200007.supl.1
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entre 2011 e 2017 (62,4%), e no Rio Grande do Sul1717. Lawrenz P, Macedo DM, Hohendorff JV, Freitas CPP, Foschiera LN, Habigzang LF, et al. Violence against women: notifications of health professionals in Rio Grande do Sul. Psic: Teor e Pesq. 2018;34: e34428. doi:10.1590/0102.3772e34428
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entre 2010 e 2014 (52,2%). Acredita-se que tal achado seja fruto da frequente invisibilidade da violência praticada no ambiente doméstico, de homens contra mulheres,1818. Dantas-Berger SM, Giffin K. A violência nas relações de conjugalidade: invisibilidade e banalização da violência sexual? Cad Saude Publica. 2005;21(2):417-25. doi:10.1590/S0102-311X2005000200008
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alicerçado pela cultura machista, mais evidente em Mato Grosso do Sul, estado onde ainda é dominante, comparado ao restante do país,1919. Sena ALS. Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso do Sul: uma experiência brasileira. 2011. 174 p. Dissetação Ciências Sociais. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011. o que leva muitas mulheres a não apontar o parceiro como o responsável pela agressão.

A análise das notificações evidenciou um perfil de vítimas de VPI coincidente com o descrito na literatura, com destaque para mulheres jovens,2020. Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. 2018;34(4):e00062317. doi:10.1590/0102-311X00062317
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21. Griebler CN, Borges JL. Violência contra a mulher: perfil dos envolvidos em Boletins de Ocorrência da Lei Maria da Penha. Psico. 2013;44(2):215-25. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/resource/psi-61385
https://pesquisa.bvsalud.org/resource/ps...

22. Rodrigues CS, Malta DC, Godinho T, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Silva RE, et al. Acidentes e violências entre mulheres atendidas em serviços de emergência sentinela - Brasil, 2009. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2319-29. doi:10.1590/S1413-81232012000900013
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-2323. Holanda ER, Holanda VR, Vasconcelos MS, Souza VP, Galvão MTG. Fatores associados à violência contra as mulheres na atenção primária de saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018;31(1):1-9. doi: 10.5020/18061230.2018.6580
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com companheiro2121. Griebler CN, Borges JL. Violência contra a mulher: perfil dos envolvidos em Boletins de Ocorrência da Lei Maria da Penha. Psico. 2013;44(2):215-25. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/resource/psi-61385
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e referência de baixa escolaridade.2121. Griebler CN, Borges JL. Violência contra a mulher: perfil dos envolvidos em Boletins de Ocorrência da Lei Maria da Penha. Psico. 2013;44(2):215-25. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/resource/psi-61385
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,2222. Rodrigues CS, Malta DC, Godinho T, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Silva RE, et al. Acidentes e violências entre mulheres atendidas em serviços de emergência sentinela - Brasil, 2009. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2319-29. doi:10.1590/S1413-81232012000900013
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Ao contrário do reportado em estudos anteriores, que mostraram maior frequência de violência contra mulheres negras2020. Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. 2018;34(4):e00062317. doi:10.1590/0102-311X00062317
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,2222. Rodrigues CS, Malta DC, Godinho T, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Silva RE, et al. Acidentes e violências entre mulheres atendidas em serviços de emergência sentinela - Brasil, 2009. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2319-29. doi:10.1590/S1413-81232012000900013
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e brancas,2424. Moroskoski M, Brito FAM, Queiroz RO, Higarashi IH, Oliveira RR. Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência. Cien Saude Colet. 2021;26(supl 3):4993-5002. doi: 10.1590/1413-812320212611.3.02602020
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a análise mostrou maior frequência de notificações de violência e maior proporção de violência física contra mulheres de raça/cor da pele indígena. Mulheres indígenas constituem cerca de 2,0% da população feminina de Mato Grosso do Sul, na faixa etária de 20 a 59 anos, de acordo com o Censo 2010; entretanto, essas mulheres representaram 6,9% das notificações de VPI e 7,5% das notificações de violência física. Estudo anterior já havia apontado que as mulheres indígenas estão entre as mais vitimadas pela violência de gênero.2525. Zimmerman TR, Viana AEA. Apontamentos sobre gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai-MS (2007-2014). Tellus. 2014;27:117-28. doi: 10.20435/tellus.v0i27.311
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Estes achados, portanto, evidenciam uma característica peculiar de Mato Grosso do Sul, onde é marcante a presença indígena na população.

A violência entre os povos indígenas tem forte associação com o processo de espoliação de terras e seu consequente confinamento em reservas, obrigando-os a modificar seus modos de vida e fazendo com que homens e mulheres precisem buscar seu sustento fora da aldeia.2525. Zimmerman TR, Viana AEA. Apontamentos sobre gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai-MS (2007-2014). Tellus. 2014;27:117-28. doi: 10.20435/tellus.v0i27.311
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Em Mato Grosso do Sul, as relações de gênero entre os indígenas foram influenciadas pelo contato com os não indígenas, redução de rituais e práticas xamânicas, introdução de bebidas alcoólicas e drogas, reconfigurando-se e tornando-se muitas vezes conflituosas e violentas.2525. Zimmerman TR, Viana AEA. Apontamentos sobre gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai-MS (2007-2014). Tellus. 2014;27:117-28. doi: 10.20435/tellus.v0i27.311
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Além disso, como em outras partes do mundo, os povos indígenas são submetidos a diversas privações, de modo ainda mais acentuado entre as mulheres, resultando em marginalização, discriminação e inacessibilidade a recursos, o que as torna mais vulneráveis à violência de gênero quando comparadas a mulheres de raça/cor da pele distinta.99. United Nations Children's Fund. United Nations Population Fund. Breaking the silence on violence against indigenous girls, adolescents and young women [Internet]. New York: United Nations Children's Fund.; 2013 [acesso em 13 jun 2022]. 75 p. Available from: https://www.unwomen.org/breaking-the-silence-on-violence-against-indigenous-girls
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A taxa de notificação de VPI foi maior nos municípios fronteiriços com o Paraguai e a Bolívia, reiterando a problemática da violência contra a mulher em áreas de fronteira já apontada por estudo anterior.1010. Monteiro LCR, Amaral PAT. A rede de enfrentamento à violência contra a mulher na faixa de fronteira: em busca da visibilidade. Perspectiva Geográfica. 2016;11(15):143-51. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/pgeografica/article/view/16594
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A proporção de violência física, entretanto, foi maior no interior do estado do que nesses municípios. Este achado pode estar associado a subestimação dos eventos de VPI nos municípios fronteiriços, normalmente resultante de situações em que não há relatos ou evidências de violência física.

As características dos agressores também foram similares às relatadas na literatura, com predominância do sexo masculino1717. Lawrenz P, Macedo DM, Hohendorff JV, Freitas CPP, Foschiera LN, Habigzang LF, et al. Violence against women: notifications of health professionals in Rio Grande do Sul. Psic: Teor e Pesq. 2018;34: e34428. doi:10.1590/0102.3772e34428
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,2020. Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. 2018;34(4):e00062317. doi:10.1590/0102-311X00062317
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e de parceiros atuais das vítimas.1616. Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB, et al. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Supl 01): e200007.SUPL.1. doi:10.1590/1980-549720200007.supl.1
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,2323. Holanda ER, Holanda VR, Vasconcelos MS, Souza VP, Galvão MTG. Fatores associados à violência contra as mulheres na atenção primária de saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018;31(1):1-9. doi: 10.5020/18061230.2018.6580
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Contrariamente, estudo realizado com dados do Tribunal de Justiça do Estado do Pará apontou o ex-parceiro da vítima como autor da agressão em 56,7% dos casos.2626. Moraes MSB, Cavalcante LIC, Pantoja ZC, Costa LP. Violência por parceiro íntimo: características dos envolvidos e da agressão. Psi Unisc. 2018;2(2):78-96. doi: 10.17058/psiunisc.v2i2.11901
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Supõe-se, contudo, que essa diferença esteja relacionada à determinação de medidas protetivas nos casos que chegam ao sistema judiciário.

As características dos eventos notificados comportaram-se de modo análogo à literatura, com predomínio de ocorrências no domicílio das vítimas,1616. Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB, et al. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Supl 01): e200007.SUPL.1. doi:10.1590/1980-549720200007.supl.1
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,2020. Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. 2018;34(4):e00062317. doi:10.1590/0102-311X00062317
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,2222. Rodrigues CS, Malta DC, Godinho T, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Silva RE, et al. Acidentes e violências entre mulheres atendidas em serviços de emergência sentinela - Brasil, 2009. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2319-29. doi:10.1590/S1413-81232012000900013
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,2626. Moraes MSB, Cavalcante LIC, Pantoja ZC, Costa LP. Violência por parceiro íntimo: características dos envolvidos e da agressão. Psi Unisc. 2018;2(2):78-96. doi: 10.17058/psiunisc.v2i2.11901
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aos finais de semana e no período noturno,2626. Moraes MSB, Cavalcante LIC, Pantoja ZC, Costa LP. Violência por parceiro íntimo: características dos envolvidos e da agressão. Psi Unisc. 2018;2(2):78-96. doi: 10.17058/psiunisc.v2i2.11901
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tanto para o conjunto de violências praticadas por parceiro íntimo quanto para a violência física.

Inquéritos de base populacional têm demonstrado que o tipo mais comum de VPI é a violência psicológica, seguida pelas violências física e sexual.22. Schraiber LB, D&apos;Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB, Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Rev Saude Publica. 2007;41(3):359-67. doi:10.1590/S0034-89102007000300006
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,1616. Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB, et al. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Supl 01): e200007.SUPL.1. doi:10.1590/1980-549720200007.supl.1
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Estudos que investigam notificações, entretanto, têm por base atendimentos em serviços de saúde, geralmente em resposta a violência física e/ou sexual, em que prevalecem os casos de violência física.1616. Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB, et al. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Supl 01): e200007.SUPL.1. doi:10.1590/1980-549720200007.supl.1
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,1717. Lawrenz P, Macedo DM, Hohendorff JV, Freitas CPP, Foschiera LN, Habigzang LF, et al. Violence against women: notifications of health professionals in Rio Grande do Sul. Psic: Teor e Pesq. 2018;34: e34428. doi:10.1590/0102.3772e34428
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As agressões ocorreram de modo concomitante à violência psicológica, violência sexual e outros tipos de violência, demonstrando a frequente superposição dos diversos tipos de violência, já descrita na literatura.22. Schraiber LB, D&apos;Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB, Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Rev Saude Publica. 2007;41(3):359-67. doi:10.1590/S0034-89102007000300006
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De modo similar a outros estudos, o meio mais utilizado para a agressão foi a força corporal,2020. Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica. 2018;34(4):e00062317. doi:10.1590/0102-311X00062317
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,2424. Moroskoski M, Brito FAM, Queiroz RO, Higarashi IH, Oliveira RR. Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência. Cien Saude Colet. 2021;26(supl 3):4993-5002. doi: 10.1590/1413-812320212611.3.02602020
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,2626. Moraes MSB, Cavalcante LIC, Pantoja ZC, Costa LP. Violência por parceiro íntimo: características dos envolvidos e da agressão. Psi Unisc. 2018;2(2):78-96. doi: 10.17058/psiunisc.v2i2.11901
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e a maior parte dos registros identificou eventos de repetição.2626. Moraes MSB, Cavalcante LIC, Pantoja ZC, Costa LP. Violência por parceiro íntimo: características dos envolvidos e da agressão. Psi Unisc. 2018;2(2):78-96. doi: 10.17058/psiunisc.v2i2.11901
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A violência física foi mais evidente em eventos ocorridos pela primeira vez, podendo estar relacionada ao agravamento de situações anteriores, o que levaria a uma atitude mais incisiva da vítima.

O álcool é um dos principais fatores desencadeantes das agressões por parceiros íntimos.2323. Holanda ER, Holanda VR, Vasconcelos MS, Souza VP, Galvão MTG. Fatores associados à violência contra as mulheres na atenção primária de saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018;31(1):1-9. doi: 10.5020/18061230.2018.6580
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,2727. Adeodato VG, Carvalho RR, Siqueira VR, Souza FGM. Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros. Rev Saude Publica. 2005;39(1):108-13. doi: 10.1590/S0034-89102005000100014
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Seu consumo pelo agressor foi relatado pela maioria das vítimas de VPI e representou maior proporção entre os eventos nos quais houve violência física, em comparação aos casos em que a vítima negou o uso do álcool pelo agressor. É consenso na literatura que a ingestão de álcool pelos homens, presente na maior parte dos casos, guarda associação com situações de agressão, em maiores ou menores proporções, atuando como fator desencadeante ou agravante dos eventos violentos.2727. Adeodato VG, Carvalho RR, Siqueira VR, Souza FGM. Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros. Rev Saude Publica. 2005;39(1):108-13. doi: 10.1590/S0034-89102005000100014
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Apesar de a maior parte das características analisadas, em relação à vítima, ao agressor e ao evento, já estarem fortemente descritas na literatura, este trabalho contribui para evidenciar, a partir da análise bivariada, a violência contra a mulher indígena em Mato Grosso do Sul, reforçando os indicadores de que as mulheres indígenas são mais submetidas à violência do que o restante da população.99. United Nations Children's Fund. United Nations Population Fund. Breaking the silence on violence against indigenous girls, adolescents and young women [Internet]. New York: United Nations Children's Fund.; 2013 [acesso em 13 jun 2022]. 75 p. Available from: https://www.unwomen.org/breaking-the-silence-on-violence-against-indigenous-girls
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A análise das notificações dos casos de VPI, por meio do Sinan, mostrou-se uma ferramenta útil para estudo das características epidemiológicas desses eventos na população, mesmo diante das falhas de preenchimento evidenciadas neste trabalho.

O número crescente de eventos registrados pode representar não somente um aumento de ocorrências na população, mas também a maior sensibilização dos profissionais para seu registro, conferindo-lhes maior visibilidade e requerendo ênfase no seu enfrentamento.

Sabe-se que as notificações representam apenas uma parcela do total dos eventos violentos ocorridos na população, pois advêm da procura de serviços de saúde2828. Miranda MPDM, Paula CSD, Bordin IA. Violência conjugal física contra a mulher na vida: prevalência e impacto imediato na saúde, trabalho e família. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(4):300-8. doi: 10.1590/S1020-49892010000400009
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e dependem da sensibilidade do profissional para seu registro.22. Schraiber LB, D&apos;Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB, Durand JG, et al. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Rev Saude Publica. 2007;41(3):359-67. doi:10.1590/S0034-89102007000300006
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Ademais, aliada a dificuldades das mulheres em externalizar a violência vivenciada,2929. Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVB, Valongueiro SA. Frequência e padrão da violência por parceiro íntimo, antes, durante e depois da gravidez. Rev Saude Publica. 2011;45(6):1044-53. doi: 10.1590/S0034-89102011005000074
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encontra-se a limitação na identificação de casos pelos profissionais.3030. Moreira SNT, Galvão LLLF, Melo COM, Azevedo GD. Violência física contra a mulher na perspectiva de profissionais de saúde. Rev Saude Publica. 2008;42(6):1053-9. doi: 10.1590/S0034-89102008005000058
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A propósito, as limitações deste estudo devem-se, especialmente, ao fato de os eventos analisados basearem-se em dados secundários, originados de diversos serviços de saúde, não sendo possível garantir a padronização de preenchimento, tampouco corrigir as falhas de registro. É de conhecimento que as notificações compõem apenas uma parcela do total de ocorrências, de modo que as características encontradas podem divergir daquelas existentes no conjunto desses eventos entre a população. Outrossim, uma vez que as notificações constituem dados secundários, não é possível realizar a extrapolação dos achados deste estudo, haja vista a possibilidade de viés de seleção, dada a possibilidade de variações na frequência de notificação dos eventos de violência em determinados grupos e localidades.

Como conclusão, aponta-se a necessidade de sensibilização dos profissionais responsáveis pela assistência às mulheres, em todos os níveis de atenção a sua saúde, de modo a despertar o olhar da saúde pública para a identificação de sinais de VPI, preferencialmente antes do momento em que estes culminem em violência física. Finalmente, cabe aos responsáveis pelos serviços de saúde a realização de capacitações permanentes, especialmente para o registro adequado e completo dos eventos violentos, permitindo gerar evidências confiáveis, que sirvam de apoio a estudos epidemiológicos e elaboração de políticas públicas efetivas.

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  • Trabalho acadêmico associado

    Artigo derivado da tese de doutorado intitulada Violência contra a mulher por parceiro íntimo em Mato Grosso do Sul: análise da última década, de autoria de Jacqueline dos Santos, sob orientação do Prof. Cleber Nascimento do Carmo, apresentada ao curso de Epidemiologia em Saúde Pública, Programa de Doutorado em Epidemiologia, Equidade e Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz, cuja banca de qualificação aconteceu em março de 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    26 Out 2022
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