Concordância entre as medidas aferidas de peso, altura e IMC e autorrelatadas pela internet em participantes da coorte de nascimentos de Pelotas de 1993: estudo transversal de validação

Vivian Hernandez Botelho Aluísio J. D. Barros Renata Gonçalves de Oliveira Rafaela Costa Martins Helen Gonçalves Ana M. B. Menezes Cauane Blumenberg Sobre os autores

Resumo

Objetivo:

avaliar a concordância entre altura, peso e índice de massa corporal (IMC) aferidos durante o acompanhamento dos 22 anos da coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 1993, e dados autorrelatados durante o acompanhamento online da coortesnaweb.

Métodos:

estudo transversal de validação; a concordância foi avaliada pelos coeficientes de correlação de Lin para medidas contínuas e de Kappa ponderado para o estado nutricional; utilizou-se a correlação de Spearman para estimar a correlação entre as medidas.

Resultados:

783 participantes foram incluídos; observou-se alta correlação e alta concordância entre as medidas de altura (r = 0,966; ρ = 0,966), peso (r = 0,934; ρ = 0,928) e IMC (r = 0,903; ρ = 0,910) aferidas e as autorrelatadas via internet; não houve correlação entre as diferenças médias e o intervalo de tempo entre as medidas.

Conclusão:

utilizar a internet para coletar medidas antropométricas autorrelatadas é um método válido, comparado ao método tradicional.

Palavras-chave:
Estudo de Validação; Pesos e Medidas Corporais; Índice de Massa Corporal; Medidas de Correlação

INTRODUÇÃO

A coleta de dados face a face é a forma mais utilizada em estudos epidemiológicos. Não obstante o avanço da cobertura de internet, seu uso para coleta de dados por pesquisadores vem ganhando evidência.11. Amoutzopoulos B, Steer T, Roberts C, Cade JE, Boushey CJ, Collins CE, et al. Traditional methods v. new technologies - dilemmas for dietary assessment in large-scale nutrition surveys and studies: a report following an international panel discussion at the 9th International Conference on Diet and Activity Methods (ICDAM9), Brisbane, 3 September 2015. J Nutri Sci. 2018;7:e11. doi: 10.1017/jns.2018.4
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)-(33. Brice A, Price A, Burls A. Creating a database of internet-based clinical trials to support a public-led research programme: a descriptive analysis. Digit Health 2015;1:2055207615617854. doi: 10.1177/2055207615617854
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Questionários online permitem obter dados rapidamente, de forma mais ampla, e a baixo custo;44. Zazpe I, Santiago S, De La Fuente-Arrillaga C, Nuñez-Córdoba JM, Bes-Rastrollo M, Martínez-González MA. Paper-based versus Web-based versions of self-administered questionnaires, including food-frequency questionnaires: prospective cohort study. JMIR Public Health Surveill. 2019;5(4):e11997. doi: 10.2196/11997
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entretanto, se elaborados sem rigor metodológico, esses instrumentos de pesquisa podem apresentar baixas taxas de resposta e limitações quanto à validade dos dados coletados.55. van Gelder MMHJ, Bretveld RW, Roeleveld N. Web-based questionnaires: the future in epidemiology? Am J Epidemiol. 2010;172(11):1292-8. doi: 10.1093/aje/kwq291
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A maioria dos estudos epidemiológicos conduzidos pela internet limita-se a investigar questões menos sensíveis ao autorrelato, replicando questionários convencionais em versão eletrônica.66. Lassale C, Péneau S, Touvier M, Julia C, Galan P, Hercberg S, et al. Validity of web-based self-reported weight and height: results of the Nutrinet-Santé study. J Med Internet Res. 2013;15(8):e152. doi: 10.2196/jmir.2575
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),(44. Zazpe I, Santiago S, De La Fuente-Arrillaga C, Nuñez-Córdoba JM, Bes-Rastrollo M, Martínez-González MA. Paper-based versus Web-based versions of self-administered questionnaires, including food-frequency questionnaires: prospective cohort study. JMIR Public Health Surveill. 2019;5(4):e11997. doi: 10.2196/11997
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Contudo, o número de estudos online que coletam dados antropométricos autorrelatados, especialmente altura e peso, está em ascensão.77. Ekström S, Kull I, Nilsson S, Bergström A. Web-based self-reported height, weight, and body mass index among Swedish adolescents: a validation study. J Med Internet Res. 2015;17(3):e73. doi: 10.2196/jmir.3947
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Os dados antropométricos, particularmente a altura e o peso, são essenciais para monitorar questões de saúde pública em populações e sua associação com doenças e agravos, como a obesidade.77. Ekström S, Kull I, Nilsson S, Bergström A. Web-based self-reported height, weight, and body mass index among Swedish adolescents: a validation study. J Med Internet Res. 2015;17(3):e73. doi: 10.2196/jmir.3947
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),(88. Teixeira IP, Pereira JL, Barbosa JPAS, Mello AV, Onita BM, Fisberg RM, et al. Validade da massa corporal e da estatura autorreferidas: relações com sexo, idade, atividade física e fatores de risco cardiometabólicos. Rev Bras Epidemiol. 2021;24:e210043. doi: 10.1590/1980-549720210043
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Dados antropométricos coletados por meio da internet podem reduzir a complexidade logística, visto não ser necessário treinar uma equipe na aferição dessas medidas, tampouco adquirir ou deslocar equipamentos, além da redução de custos. Estes fatores têm motivado novos estudos online. Outrossim, alguns estudos têm avaliado as medidas antropométricas aferidas, comparando-as com as medidas autorrelatadas mediante questionário autoaplicado, de forma presencial, e assim, demonstraram elevada concordância entre ambos os métodos.88. Teixeira IP, Pereira JL, Barbosa JPAS, Mello AV, Onita BM, Fisberg RM, et al. Validade da massa corporal e da estatura autorreferidas: relações com sexo, idade, atividade física e fatores de risco cardiometabólicos. Rev Bras Epidemiol. 2021;24:e210043. doi: 10.1590/1980-549720210043
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)-(1010. Rech CR, Petroski EL, Böing O, Babel Júnior RJ, Soares MR. Concordância entre as medidas de peso e estatura mensuradas e autorreferidas para o diagnóstico do estado nutricional de idosos residentes no sul do Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(2):126-31. doi: 10.1590/S1517-86922008000200009
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Não existe consenso, todavia, sobre a validade das informações autorrelatadas via internet, situação em que nenhum membro da equipe está presente para coletar os dados.55. van Gelder MMHJ, Bretveld RW, Roeleveld N. Web-based questionnaires: the future in epidemiology? Am J Epidemiol. 2010;172(11):1292-8. doi: 10.1093/aje/kwq291
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Este estudo busca preencher tal lacuna, contribuindo com a literatura sobre a metodologia de coleta de dados, qual seja, verificação da validade das medidas autorrelatadas pela internet com base em sua comparação às medidas aferidas presencialmente, o que pode auxiliar na realização de novos estudos, assim como na monitoração dessas medidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O objetivo deste estudo foi, justamente, avaliar a concordância entre (i) a altura e o peso aferidos e (ii) o índice de massa corporal (IMC) calculado durante o acompanhamento dos 22 anos da coorte de nascimentos no município de Pelotas de 1993, autorrelatadas via internet durante o acompanhamento da coortesnaweb.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal de validação, baseado em dados da coorte de nascimentos de Pelotas de 1993, que, durante o acompanhamento perinatal, incluiu 5.249 bebês nascidos vivos em 1993 na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Os dados são provenientes de dois acompanhamentos da coorte, um realizado de forma presencial e outro pela internet. No período do acompanhamento presencial, 2015-2016, os participantes tinham 22 anos de idade e 3.810 deles responderam ao questionário e passaram por uma série de exames. Neste estudo, foram utilizadas medidas antropométricas de peso e altura, e IMC. O peso foi medido utilizando-se uma balança (COSMED) com 10 g de precisão; e a altura, com estadiômetro (Haspenden Portable Stadiometer) de 0,1 cm de precisão. O IMC foi calculado com a divisão da massa corporal pela altura elevada ao quadrado (IMC = peso/altura22. The World Bank. Individuals using the Internet (% of population). Washington: The World Bank; 2022 [cited 2022 Mar 14]. Available from: Available from: https://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.ZS
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).1111. Gonçalves H, Wehrmeister FC, Assunção MCF, Tovo-Rodrigues L, Oliveira IO, Murray J, et al. Cohort profile update: the 1993 Pelotas (Brazil) birth cohort follow-up at 22 years. Int J Epidemiol. 2018;47(5):1389-90e. doi: 10.1093/ije/dyx249
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Todas as medidas de altura e peso foram feitas por profissionais treinados na sua padronização. As medidas antropométricas, obtidas no ambiente da clínica, passavam por rigoroso controle de qualidade a cada semana, para evitar qualquer tipo de viés de mensuração.

Em 2018, os membros da coorte 1993 participantes do acompanhamento aos 22 anos de idade concederam a entrevista sozinhos e declararam ter acesso à internet (n = 3.537). Para tanto eles receberam um convite, enviado pelas redes sociais e por e-mail, para participar da coortesnaweb - uma plataforma web gamificada, desenvolvida para coletar dados epidemiológicos de múltiplos propósitos, por meio de questionários autoaplicados, via internet.1212. Blumenberg C, Menezes AMB, Gonçalves H, Assunção MCF, Wehrmeister FC, Barros AJD. How different online recruitment methods impact on recruitment rates for the web-based coortesnaweb project: a randomised trial. BMC Med Res Methodol. 2019;19(1):127. doi: 10.1186/s12874-019-0767-z
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Dos 3.537 indivíduos elegíveis para participar da pesquisa, 1.306 realizaram o registro na plataforma. Um dos questionários aplicados pela coortesnaweb continha questões sobre medidas corporais, incluindo peso e altura - “Quantos quilos você pesa?” e “Qual a sua altura?” -, no momento da compilação do questionário. As informações dessas duas questões foram utilizadas no cálculo do IMC. As respostas dos participantes à solicitação para que inserissem os valores de peso e altura via internet tinham sua validação e consistência checada em tempo real: o questionário avisava ao participante qual o formato de número esperado e o intervalo de valores aceitáveis. Qualquer inconsistência dos dados inseridos na plataforma gerava um aviso de orientação aos participantes sobre como inserir valores válidos. Afinal, é presumível que a ausência do pesquisador no momento do relato de peso e altura via internet tenda a reduzir o viés de aceitabilidade social dessas medidas.

Dos 1.306 membros da coorte 1993 registrados na plataforma, 783 tinham informações completas de peso, altura e IMC nos dois acompanhamentos, resultando na amostra analítica do presente estudo (Material Suplementar 1).

Os valores de peso e altura, medidos em quilogramas e centímetros, foram analisados de maneira contínua, assim como o IMC, em kg/m² e classificado em quatro categorias: indivíduos de baixo peso (< 18,5 kg/m²), eutrofia (entre 18,5 kg/m² e 24,9 kg/m²), com sobrepeso (entre 25,0 kg/m² e 29,9 kg/m²) e obesidade (> 30 kg/m²).1313. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report a WHO consultation. Geneva; World Health Organization; 2000.

Para a análise dos dados, a amostra foi descrita em valores absolutos e relativos, de acordo com sexo (masculino; feminino), raça/cor da pele (branca; preta; parda; amarela), escolaridade (em anos completos de estudo) e índice de bens (em quintis). As características das amostras acompanhadas aos 22 anos e que participaram da coortesnaweb foram comparadas a partir da homogeneidade marginal, pelo teste de Stuart-Maxwell.

A diferença entre médias foi estimada pelo teste t de Student para amostras pareadas. A diferença entre as categorias de IMC foi analisada a partir da homogeneidade marginal, pelo teste de Stuart-Maxwell. A concordância com o IMC categórico foi avaliada a partir da estatística Kappa ponderada, aplicando-se a fórmula para construção da matriz de ponderação: 1−{(ij)/(k−1)}22. The World Bank. Individuals using the Internet (% of population). Washington: The World Bank; 2022 [cited 2022 Mar 14]. Available from: Available from: https://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.ZS
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, onde i e j representam os índices das linhas e colunas da matriz e k é o número máximo de categorias das variáveis. A concordância entre variáveis numéricas contínuas foi identificada pelo coeficiente de correlação de Lin, e a correlação, pelo coeficiente de correlação de postos de Spearman, com intervalos de confiança estimados a partir de bootstrap com mil repetições.

A correlação entre a diferença das medidas de altura, peso e IMC e a diferença de tempo (em meses) entre os dois acompanhamentos também foi estimada a partir de correlação de postos de Spearman, visualizada na forma de gráficos de dispersão. Já a diferença entre as médias de peso e altura dos participantes conforme sexo foi apresentada em gráficos de densidade de Kernel. Correlações e concordâncias de acordo com grupos de escolaridade e de quintis de bens também foram estimadas. Para essas análises, os grupos de escolaridade mais baixa (em anos de estudo completos: 0 a 4; 5 a 8) e os três primeiros quintis foram agrupados no sentido de obter um tamanho de amostra suficiente.

As análises foram realizadas utilizando-se o software Stata 17.0 (StataCorp LLC, College Station, TX, USA) e consideraram um nível de significância de 5%. A correlação e a concordância foram consideradas da seguinte forma: ausentes (quando os valores eram iguais a 0,00); limitadas (valores entre 0,01 e 0,19); fracas (entre 0,20 e 0,39); moderadas (de 0,40 a 0,59); fortes (de 0,60 a 0,79); e altas (quando os valores eram iguais ou superiores a 0,80).1414. Miot HA. Análise de concordância em estudos clínicos e experimentais. J Vasc Bras. 2016; 15(2):89-92. doi: 10.1590/1677-5449.004216
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Considerou-se como padrão ouro as medidas obtidas na clínica, tomadas por profissionais treinados em procedimentos padronizados.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (CEP/FAMED/UFPel) em 15 de novembro de 2017 (Parecer nº 2.382.790). Todos os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido online, apresentado a eles no momento de seu registro na plataforma coortesnaweb.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi composta por 783 participantes (60% dos registrados), a maioria do sexo feminino (65,8%), de raça/cor da pele branca (71,5%), com 12 anos de estudo ou mais (49,9%) e pertencentes ao quintil mais alto de índice de bens (mais ricos: 27,3%) (Tabela 1). O peso e a altura autorrelatados e o IMC resultante, registrados na coortesnaweb, foram, em média, 2,64 kg, 0,94 cm e 0,67 kg/m² maiores na comparação com as mesmas medidas tomadas face a face (Tabela 2). O intervalo de tempo entre as medidas e as diferenças entre as médias de peso (r = -0,031), altura (r = -0,101) e IMC (r = 0,009) não foram correlacionados entre si (Figura 1).

Tabela 1
Características da amostra conforme variáveis sociodemográficas do acompanhamento presencial aos 22 anos e autorrelatadas pela coortesnaweb, Pelotas, Rio Grande do Sul

Tabela 2
Concordância e correlação entre medidas antropométricas aferidas presencialmente aos 22 anos e autorrelatadas pela coortesnaweb (n = 783), Pelotas, Rio Grande do Sul

Figura 1
Correlação entre a diferença de peso (A), altura (B) e IMC (C) com o intervalo de tempo entre as medidas do acompanhamento dos 22 anos e coortesnaweb, Pelotas, Rio Grande do Sul

Entretanto, a correlação e a concordância entre as médias de peso (r = 0,934 e ρ = 0,928 respectivamente), altura (r = 0,966 e ρ = 0,966 respectivamente) e IMC (r = 0,903 e ρ = 0,910 respectivamente) foram altas. Resultado similar foi observado para o estado nutricional, muito embora se tenha encontrado um percentual menor de eutróficos e maior de obesos na coortesnaweb, na comparação com os achados do acompanhamento presencial (Tabela 2).

A acurácia da classificação conforme o estado nutricional foi de 97,1% entre os dois acompanhamentos. Análises estratificadas por sexo também demonstraram alta correlação e concordância entre as medidas de peso, altura e IMC (todos os coeficientes acima de 0,800). A correlação/concordância do estado nutricional foi alta entre o sexo feminino, e moderada entre o masculino: r = 0,756 e ρ = 0,761 respectivamente (Tabela 3).

Tabela 3
Análises de concordância e correlação estratificada por sexo, conforme medidas aferidas presencialmente aos 22 anos e autorrelatadas pela coortesnaweb (n = 783), Pelotas, Rio Grande do Sul

As diferenças entre as médias de peso e de altura também foram avaliadas conforme o sexo. Pessoas do sexo femino relataram média de peso 2,47 kg (IC95% 1,97;2,96) maior na coortesnaweb, em comparação ao acompanhamento presencial; para o sexo masculino, essa diferença foi de 2,98 kg (IC95% 2,23;3,73). Com relação à altura, participantes do sexo feminino e do sexo masculino relataram médias de altura 0,89 cm (IC95% 0,69;1,08) e 1,05 cm (IC95% 0,76;1,33) maiores, respectivamente. As diferenças entre as médias de peso e de altura foram similares entre os sexos (Figura 2).

Figura 2
Distribuição das medidas de peso (A, B) e de altura (C, D) conforme o sexo dos participantes, aferidas presencialmente aos 22 anos e autorrelatadas pela coortesnaweb (n = 783), Pelotas, Rio Grande do Sul

A correlação e a concordância entre as médias de peso, altura e IMC e a frequência de estado nutricional também foram avaliadas de acordo com a escolaridade e os índices de bens (Materiais Suplementares 2 e 3). Independentemente do grupo de escolaridade, as concordâncias entre as médias de peso, altura e IMC foram todas altas, superiores a 0,900. Com relação ao estado nutricional, o grupo de 0 a 8 anos de escolaridade demonstrou a menor concordância (ρ = 0,747), enquanto o grupo de 9 a 11 referiu o maior coeficiente (ρ = 0,819). Resultados similares foram observados quando analisados de acordo com os quintis de índice de bens.

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou alta correlação e concordância entre as medidas de altura, peso e IMC obtidas via internet, na plataforma coortesnaweb, e as medidas aferidas presencialmente, aos 22 anos da coorte de nascimentos de Pelotas de 1993. As altas correlações e concordâncias foram observadas independentemente de sexo, escolaridade e índice de bens dos indivíduos, indicando que o autorrelato dessas medidas antropométricas via internet é uma forma válida de coleta de dados. Também foi identificada alta acurácia na classificação do estado nutricional.

Os achados de alta correlação e concordância foram similares aos de outros estudos relacionados.66. Lassale C, Péneau S, Touvier M, Julia C, Galan P, Hercberg S, et al. Validity of web-based self-reported weight and height: results of the Nutrinet-Santé study. J Med Internet Res. 2013;15(8):e152. doi: 10.2196/jmir.2575
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),(1515. Pursey K, Burrows TL, Stanwell P, Collins CE. How accurate is web-based self-reported height, weight, and body mass index in young adults? J Med Internet Res. 2014;16(1):e4. doi: 10.2196/jmir.2909
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Entretanto, a principal diferença encontrada referiu-se ao intervalo de tempo entre as medidas: enquanto o tempo médio entre as medidas aferidas e as autorrelatadas neste estudo foi de 26 meses, nas demais pesquisas, esse intervalo variou de três dias a um mês.66. Lassale C, Péneau S, Touvier M, Julia C, Galan P, Hercberg S, et al. Validity of web-based self-reported weight and height: results of the Nutrinet-Santé study. J Med Internet Res. 2013;15(8):e152. doi: 10.2196/jmir.2575
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),(1515. Pursey K, Burrows TL, Stanwell P, Collins CE. How accurate is web-based self-reported height, weight, and body mass index in young adults? J Med Internet Res. 2014;16(1):e4. doi: 10.2196/jmir.2909
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Assim, era de se esperar alguma variação em relação ao peso, desde que a amostra estudada se encontra em uma faixa etária na qual acontecem mudanças na rotina, comportamentos e consumo alimentar.1616. Zuckerman AL. Transition of care to an adult provider. Curr Opin Obstet Gynecol. 2017;29(5):295-300. doi: 10.1097/gco.0000000000000401
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O mesmo não é esperado para a altura, cuja mudança ocorre, normalmente, em populações mais jovens ou mais velhas.1716. Rowland ML. Self-reported weight and height. Am J Clin Nutr. 1990;52(6):1125-33. doi: 10.1093/ajcn/52.6.1125
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Afinal, não se observou correlação do intervalo de tempo entre as medidas e a diferença média de altura, peso e IMC, sugerindo que esse intervalo não foi determinante para as diferenças observadas.

A validade das medidas antropométricas autorrelatadas pelos participantes sem a presença da equipe de pesquisa e daquelas aferidas presencialmente já foi descrita por outros estudos. Um deles, do qual participaram adultos jovens australianos com idade média de 24 anos, encontrou correlação superior a 0,900 para altura, peso e IMC aferidos e autorrelatados pela internet - em linha com o que foi descrito aqui.1515. Pursey K, Burrows TL, Stanwell P, Collins CE. How accurate is web-based self-reported height, weight, and body mass index in young adults? J Med Internet Res. 2014;16(1):e4. doi: 10.2196/jmir.2909
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Outro estudo, realizado com adultos cuja média de idade era de 38 anos, também apresentou alta concordância de peso e altura aferidos e autorrelatados pelo telefone.1818. Oliveira LPM, Queiroz VAO, Silva MCM, Pitangueira JCD, Costa PRF, Demétrio F, et al. Índice de massa corporal obtido por medidas autorreferidas para a classificação do estado antropométrico de adultos: estudo de validação com residentes no município de Salvador, estado da Bahia, Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2012;21(2):325-32. doi: 10.5123/S1679-49742012000200015
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O IMC categórico foi a medida com menor correlação e concordância e, ainda assim, teve valores estimados satisfatórios (acima de 0,800 para ambas, correlação e concordância) e acurácia superior a 97% na classificação de estado nutricional. O IMC categórico é amplamente utilizado na literatura, enquanto informação importante para descrever o estado nutricional das populações.1919. Davies A, Wellard-Cole L, Rangan A, Allman-Farinelli M. Validity of Self-reported weight and height for BMI classification: A cross-sectional study among young adults. Nutrition. 2020;71:110622. doi: 10.1016/j.nut.2019.110622
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Os achados deste estudo não identificaram diferenças entre as medidas tomadas por sexo dos participantes, diferentemente do que foi descrito por Wilson et al.,2020. Wilson OWA, Bopp CM, Papalia Z, Bopp M. Objective vs self-report assessment of height, weight and body mass index: relationships with adiposity, aerobic fitness and physical activity. Clin Obes. 2019;9(5):e12331. doi: 10.1111/cob.12331
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cuja pesquisa mostrou, em geral, indivíduos do sexo feminino a subestimar seu peso e ambos os sexos a superestimar suas alturas, resultado também apontado por outros estudos, em que o autorrelato foi feito com a presença da equipe de pesquisa.99. Ferriani LO, Coutinho ESF, Silva DA, Bivanco-Lima D, Benseñor IJM, Viana MC. Validade de medidas autorrelatadas de peso corporal e estatura em participantes do estudo São Paulo Megacity. Cad Saude Colet. 2019;27(02):225-33. doi: 10.1590/1414-462X201900020242
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),(1010. Rech CR, Petroski EL, Böing O, Babel Júnior RJ, Soares MR. Concordância entre as medidas de peso e estatura mensuradas e autorreferidas para o diagnóstico do estado nutricional de idosos residentes no sul do Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(2):126-31. doi: 10.1590/S1517-86922008000200009
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A hipótese dos autores do presente relato, sobre não haver diferença entre os sexos, pode estar relacionada à faixa etária da amostra, composta por adultos jovens, além do fato de os dados serem autorrelatados via internet e sem a presença de integrantes da equipe da pesquisa. A ausência de entrevistador diminui a probabilidade de preocupação com a aceitação social, em que informações relatadas pelos participantes podem ser enviesadas por conta do desejo de parecerem mais aceitáveis aos olhos da equipe de pesquisa.2121. Paulhus DL. Two-component models of socially desirable responding. J Pers Soc Psychol. 1984;46(3):598-609.

Este estudo contou com algumas limitações, primeiramente a restrição à elegibilidade de participação para indivíduos com acesso à internet, razão por que a amostra não é representativa da coorte de nascidos vivos em Pelotas no ano de 1993. Todavia, como o objetivo principal da pesquisa foi testar a validade das estimativas autorrelatadas via internet, tratava-se de um critério de elegibilidade necessário. Mesmo assim, análises de sensibilidade da concordância e correlação entre as medidas, de acordo com o sexo, a escolaridade e o índice de bens, demonstraram estimativas fortes e altas. Outra limitação do estudo consistiu no intervalo de tempo entre as medidas autorrelatadas via internet e as medidas aferidas; porém, a correlação entre o intervalo de tempo e a diferença média foi baixa. Também representam limitações para o estudo a não identificação de participantes com problemas de saúde e daqueles que houvessem realizado tentativas de perda/ganho de peso. Contudo, as análises demonstraram alta concordância para todas as medidas, demonstrando que o impacto de tais limitações nos resultados foi limitado.

O presente estudo conta com importantes vantagens relacionadas à coleta de dados via internet, como (i) a rapidez na obtenção de respostas e (ii) a checagem, em tempo real, de possíveis erros de digitação ou valores implausíveis.77. Ekström S, Kull I, Nilsson S, Bergström A. Web-based self-reported height, weight, and body mass index among Swedish adolescents: a validation study. J Med Internet Res. 2015;17(3):e73. doi: 10.2196/jmir.3947
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O questionário disponibilizado via internet e utilizado nesta pesquisa incluiu checagens para os dados de peso e altura. Valores com formatos implausíveis, fosse por erro na medida em si, fosse na digitação, eram sinalizados para os respondentes. Valores improváveis também foram sinalizados para os respondentes no momento da compilação do questionário, solicitando que fossem conferidos e corrigidos.

Conclui-se que a utilização da internet para coleta de medidas antropométricas autorrelatadas é um método válido, capaz de reduzir custos, otimizar a logística e agilizar a obtenção de informações entre os participantes; além de poder servir como ferramenta de monitoramento do estado nutricional de usuários de serviços de saúde, tanto na vigilância do estado nutricional como na realização de pesquisas translacionais. A integração desse meio aos sistemas de informações em saúde, como o ConecteSUS, pode atuar como plataforma integrada de acompanhamento dos usuários. Por fim, sugere-se investigar a concordância de outros dados de saúde, possíveis de serem coletados via internet e de forma presencial, com o objetivo de verificar sua validade.

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  • TRABALHO ACADÊMICO ASSOCIADO

    Artigo derivado de tese de doutorado intitulada Pesquisa epidemiológica baseada na web: estratégias e características pessoais associadas à adesão e participação de adultos jovens, defendida por Cauane Blumenberg no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas, em 2018.
  • FINANCIAMENTO

    O estudo contou com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (CNPq/MCTI) - Processos nº 400943/2013-1 e nº 434393/2018-5 -, do Wellcome Trust/União Europeia (WT086974MA), do Programa Nacional de Apoio a Centros de Excelência (PRONEX 41.96.0903.00), do Ministério da Saúde e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Ministério da Educação (Capes/MEC), código de financiamento 001. A autora Vivian Hernandez Botelho recebeu apoio financeiro do CNPq/MCTIC - Processo nº 434393/2018-5; e a autora Renata Gonçalves de Oliveira, o apoio da Universidade Federal de Pelotas - Edital CPESQ 001/2021.
  • Editora associada:

    Lúcia Rolim Santana de Freitas - https://orcid.org/0000-0003-0080-2858

Material Suplementar 1

- Fluxograma da amostragem referente ao acompanhamento dos 22 anos e coortesnaweb, Pelotas, Rio Grande do Sul

Material Suplementar 1
- Fluxograma da amostragem referente ao acompanhamento dos 22 anos e coortesnaweb, Pelotas, Rio Grande do Sul

Material Suplementar
2 - Análises de concordância e correlação estratificadas por grupos de escolaridade, conforme medidas aferidas presencialmente aos 22 anos e autorrelatadas pela coortesnaweb (n = 783), Pelotas, Rio Grande do Sul
Material Suplementar
3 - Análises de concordância e correlação estratificada por grupos de quintis de índice de bens, conforme medidas aferidas presencialmente aos 22 anos e autorrelatadas pela coortesnaweb (n = 783), Pelotas, Rio Grande do Sul

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2022
  • Aceito
    21 Mar 2023
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com