Subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no Sistema de Informação de Agravos de Notificação no estado de São Paulo, 2007-2018

Larissa Festa Marli de Fátima Prado Amanda Cristina Santos Jesuino Rita de Cássia Xavier Balda Ângela Tayra Adriana Sañudo Mariza Vono Tancredi Maria Aparecida da Silva Valdir Monteiro Pinto Daniela Testoni Costa-Nobre Carlos Roberto Veiga Kiffer Carla Gianna Luppi Sobre os autores

Resumo

Objetivo:

descrever a frequência de subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no estado de São Paulo, Brasil, 2007-2018.

Métodos:

estudo descritivo dos casos de aborto, óbitos fetais e não fetais por sífilis congênita notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), e daqueles registrados com sífilis congênita, em qualquer linha da Declaração de Óbito, no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), mediante relacionamentos probabilístico e determinístico.

Resultados:

dos 27.713 casos de sífilis congênita notificados, 1.320 evoluíram para óbito (871 fetais, 449 infantis) e foram pareados com o SIM; 355 óbitos (259 fetais, 96 infantis) não constavam no Sinan; ocorreu incremento de desfechos desfavoráveis, de 11,4% para óbitos infantis por sífilis congênita, 3,0% para óbitos fetais e 1,9% para abortos.

Conclusão:

o emprego de diferentes técnicas de relacionamento mostrou-se adequado para identificar a frequência da subnotificação dos desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no estado de São Paulo.

Palavras-chave:
Sífilis Congênita; Sistemas de Informação em Saúde; Monitoramento Epidemiológico; Mortalidade Infantil; Epidemiologia Descritiva

INTRODUÇÃO

Apesar dos esforços empreendidos para a eliminação da sífilis congênita e o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas,11. Trivedi S, Taylor M, Kamb ML, Chou D. Evaluating coverage of maternal syphilis screening and treatment within antenatal care to guide service improvements for prevention of congenital syphilis in Countdown 2030 Countries. J Glob Health. 2020;10(1):010504. doi: 10.7189/jogh.10.010504
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a sífilis congênita ainda é considerada importante causa de desfechos desfavoráveis da gestação, com a ocorrência de óbitos fetais e não fetais, abortos e baixo peso ao nascer, entre outras graves consequências.22. Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiané SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLoS ONE. 2019;14(7):e0219613. doi: 10.1371/journal.pone.0219613
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No mundo, em 2016, eram estimados 661 mil casos de sífilis congênita e mais de 200 mil óbitos fetais e neonatais.22. Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiané SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLoS ONE. 2019;14(7):e0219613. doi: 10.1371/journal.pone.0219613
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No Brasil, a taxa de incidência de sífilis congênita foi de 9,9 casos por 1 mil nascidos vivos (NV) em 2021.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. Naquele mesmo ano, dos 27.019 casos de sífilis congênita notificados, 8,8% apresentaram evolução com desfechos desfavoráveis: 1.069 óbitos, fetais ou não fetais, e 1.026 abortos.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.) No estado de São Paulo, a taxa de incidência de sífilis congênita aumentou em 184% no período de 2011 a 2021;33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. em 2021, a taxa de incidência foi de 7,1 casos por 1 mil NV,33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. 14 vezes maior que a meta de eliminação estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS),22. Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiané SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLoS ONE. 2019;14(7):e0219613. doi: 10.1371/journal.pone.0219613
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de 0,5 caso por 1 mil NV.

A sífilis congênita foi incluída na lista de doenças de notificação compulsória, no Brasil, em 1986.44. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 542, de 22 de dezembro de 1986. Estabelece a inclusão da sífilis congênita na lista de agravos de notificação compulsória. Diário Oficial União, Brasília (DF), 24 de dezembro de 1986, Seção 1:19827. Os casos de sífilis congênita são notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mediante o preenchimento e digitação de um instrumento padronizado de coleta de dados, a “Ficha de Notificação/Investigação - Sífilis Congênita”, na qual devem constar informações relativas às características sociodemográficas, epidemiológicas, clínicas e de evolução do caso: vivo; óbito por sífilis congênita ou outras causas; óbito fetal; aborto.55. Secretaria Estadual da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS-SP. Centro de Vigilância Epidemiológica. Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS. Boletim Epidemiológico AIDST. São Paulo; 2020. Nas situações em que ocorreu óbito fetal e não fetal, essa informação também deveria estar registrada no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), pois contempla dados relativos aos óbitos fetais e não fetais ocorridos em território nacional, e suas respectivas causas.66. Morais RM, Costa AL. Uma avaliação do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Saude Debate. 2017;41(Spe):101-17. doi: 10.1590/0103-11042017S09
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Para que os dados provenientes do Sinan retratem com fidedignidade a magnitude da doença, o sistema de vigilância epidemiológica precisa ter qualidade, ou seja, completude, congruência das informações e ausência de duplicidades.77. Waldman EA. Usos da vigilância e da monitorização em saúde pública. Inf Epidemiol SUS. 1998;7(3):7-26. doi: 10.5123/S0104-16731998000300002
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A qualidade do dado relativo à evolução do caso é necessária para monitorar a gravidade da sífilis congênita, ou seja, os desfechos desfavoráveis.22. Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiané SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLoS ONE. 2019;14(7):e0219613. doi: 10.1371/journal.pone.0219613
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Estudos conduzidos na capital de Pernambuco, Recife,88. Belo MMA, Oliveira CM, Barros SC, Maia LTS, Bonfim CV. Estimativa da subnotificação dos óbitos por sífilis congênita no Recife, Pernambuco, 2010-2016: relacionamento entre os sistemas de informações sobre mortalidade e de agravos de notificação. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(3):e2020501. doi: 10.1590/S1679-49742021000300009
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no estado do Ceará99. Canto SVE, Araújo MAL, Miranda AE, Cardoso ARP, Almeida RLF. Fetal and infant mortality of congenital syphilis reported to the Health Information System. PLoS ONE. 2019;14(1):e0209906. doi: 10.1371/journal.pone.0209906
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e em sua capital Fortaleza,1010. Cardoso ARP, Araújo MAL, Andrade RFV, Saraceni V, Miranda AE, Dourado MIC. Underreporting of congenital syphilis as a cause of fetal and infant deaths in Northeastern Brazil. PLoS ONE. 2016;11(12):e0167255. doi: 10.1371/journal.pone.0167255
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focados em diferentes períodos da década de 2010, mostraram a ocorrência de subnotificação de óbitos por sífilis congênita; esses resultados foram obtidos com o emprego de técnicas de relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM. Na rotina de trabalho das equipes de vigilância epidemiológica, o relacionamento automatizado entre essas bases de dados poderia constituir uma das estratégias de qualificação da informação sobre o desfecho dos casos notificados de sífilis congênita; porém, tal processo é dificultado em função da ausência de um identificador unívoco e da fragmentação desses sistemas.1111. Garcia KKS, Miranda CB, Sousa FNF. Procedimentos para vinculação de dados da saúde: aplicações na vigilância em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(3):e20211272. doi: 10.1590/s2237-96222022000300004
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),(1212. Coelho GCC, Chioro A. Afinal, quantos Sistemas de Informação em Saúde de base nacional existem no Brasil? Cad Saude Publica. 2021;37(7):e00182119. doi: 10.1590/0102-311X00182119
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O relacionamento entre bases de dados pode-se realizar por meio dos métodos determinístico ou probabilístico.1313. Brustulin R, Marson PG. Inclusão de etapa de pós-processamento determinístico para o aumento de performance do relacionamento (linkage) probabilístico. Cad Saude Publica. 2018,34(6):e00088117. doi: 10.1590/0102-311X00088117
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),(1414. Doidge JC, Harron K. Demystifying probabilistic linkage: common myths and misconceptions. Int J Popul Data Sci. 2018;10;3(1):410. doi: 10.23889/ijpds.v3i1.410
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O método determinístico faz uso de conjuntos de regras com base em resultados de concordância ou discordância entre itens correspondentes. Trata-se de um método que dispensa o uso de programas específicos e cálculos complexos, embora tenha como desvantagem a necessidade de um identificador unívoco comum entre as bases a serem vinculadas.1313. Brustulin R, Marson PG. Inclusão de etapa de pós-processamento determinístico para o aumento de performance do relacionamento (linkage) probabilístico. Cad Saude Publica. 2018,34(6):e00088117. doi: 10.1590/0102-311X00088117
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Por sua vez, no método probabilístico, dada a ausência de um identificador unívoco, utiliza-se a blocagem de variáveis nominais no pareamento. A desvantagem do método probabilístico reside na complexidade do processo e na possível ocorrência de pares não verdadeiros.1414. Doidge JC, Harron K. Demystifying probabilistic linkage: common myths and misconceptions. Int J Popul Data Sci. 2018;10;3(1):410. doi: 10.23889/ijpds.v3i1.410
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O relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM para sífilis congênita mostra-se relevante, no sentido de qualificar o dado relativo aos desfechos desfavoráveis da sífilis congênita.

O objetivo deste estudo foi descrever a frequência de subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita ocorridos no estado de São Paulo, Brasil, no período de 2007 a 2018.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo, a partir de notificações de casos e óbitos (fetais e não fetais) por sífilis congênita no Sinan e no SIM, respectivamente, no estado de São Paulo, entre 2007 e 2018.

No período de 2007 a 2018, o estado registrou 16,3% dos casos notificados de sífilis congênita no Brasil;33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. em 2021, sua população geral somava 46.649.132 habitantes1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Área territorial brasileira 2020 e Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população residente com data de referência 1º de julho de 2020. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2021 [citado 2022 Out 27]. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html
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e concentrava 31% do produto interno bruto (PIB) nacional.1616. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SP) . Seade PIB. São Paulo: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados; 2021 [citado 2022 Nov 02]. Disponível em: Disponível em: https://pib.seade.gov.br /
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No mesmo ano de 2021, em São Paulo, existiam 5.027 unidades básicas de saúde (UBS), 777 hospitais gerais e uma ampla rede de vigilância em saúde, com 356 unidades.1717. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Informações de Saúde, Epidemiológicas e Morbidade e Informações de Saúde, Rede Assistencial. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [citado 2022 Nov 02]. Disponível em Disponível em https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
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No estudo, foram incluídos (i) os casos de sífilis congênita em menores de 1 ano de idade notificados no Sinan, entre 2007 e 2018, e (ii) os óbitos fetais e não fetais registrados no SIM para o mesmo período, que apresentavam os códigos A50.0 a A50.9 da 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)1818. Wells RHC, Bay-Nielsen H, Braun R, Israel RA, Laurenti R, Maguin P, Taylor E. CID-10: classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. São Paulo: EDUSP; 2011. como causa básica ou associada do óbito (estivesse essa menção em qualquer linha - parte I e parte II).

Considerou-se caso de sífilis congênita “todo recém-nascido, óbito fetal (feto morto, após 22 semanas de gestação ou com peso maior que 500 gramas) ou aborto (perda gestacional, até 22 semanas de gestação ou com peso menor ou igual a 500 gramas) de mulher com sífilis não tratada ou tratada de forma não adequada”, de acordo com a definição do Ministério da Saúde.1919. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

Foram considerados óbitos fetais ou não fetais por sífilis congênita as seguintes situações: óbito fetal ou não fetal que encontrou a correspondência do registro na base de dados do SIM com os códigos A50.0 a A50.9 da CID-10 como causa básica ou associada; registros no Sinan com evolução “natimorto” ou “óbito por sífilis congênita”, não localizados no SIM; registros no Sinan e no SIM que apresentavam os códigos A50.0 a A50.9 da CID-10 como causa básica ou associada.

Foram utilizados os dados da base de dados do Sinan obtidos da Vigilância Epidemiológica do Programa Estadual de DST/Aids do estado de São Paulo, no dia 1o de julho de 2019; e do SIM, obtidos da Coordenadoria de Controle de Doenças, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no dia 1o de março de 2020. Para permitir o pareamento, as bases de dados foram fornecidas com a identificação dos indivíduos.

O relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM constituiu-se de três etapas (Figura 1). Na primeira etapa, de volumetria, padronização e normalização, foram realizados os procedimentos de preparação dos campos das bases de dados. Esse processo consistiu na mensuração de linhas e colunas, e na padronização das categorias dos campos (caracteres, tipo, tamanho, caixa e codificação).

A segunda etapa consistiu na transformação, fonetização e aprimoramento, com a execução de tratamento de datas e aplicação de algoritmo de expressões regulares por meio da remoção de termos associados a nomes. A fonetização consistiu na conversão das palavras em um código, para que a comparação fosse feita pelo código fonético e não pela escrita da palavra. Nesses procedimentos, foi utilizada a linguagem Phyton® com as bibliotecas Fonetipy e Metaphone.

Adicionalmente, foram identificados e removidos os registros duplicados, por meio da blocagem com campos nominais, como os nomes do caso e da mãe, o sexo e a data de nascimento. Foram empregados três momentos subsequentes, no tratamento dos registros duplicados: identificação, seleção e aprimoramento. No caso de duplicidade, o registro mantido foi o primeiro a dar entrada na base de dados.

A terceira etapa de procedimentos correspondeu ao relacionamento (linkage), auditoria e validação. Para o pareamento de registros, foram utilizados algoritmos da linguagem Python® no software R® com as respectivas bibliotecas NumPy, Pandas e Record Linkage. Nessa etapa operacional, as bases de dados já se encontravam limpas, padronizadas, normalizadas, sem duplicidades e fonetizadas. Para o relacionamento determinístico, empregou-se, como critério de par, 100% de similaridade entre os registros. Para recuperar os registros não pareados, foi realizado relacionamento probabilístico2020. Yaohao P, Mation LF. O desafio do pareamento de grandes bases de dados: mapeamento de métodos de record linkage probabilístico e diagnóstico de sua viabilidade empírica. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018. com ponto de corte de 90%. (2121. Silveira DP, Artmann E. Acurácia em métodos de relacionamento probabilístico de bases de dados em saúde: revisão sistemática. Rev Saude Publica. 2009;43(5):875-82. doi: 10.1590/S0034-89102009005000060
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A auditoria e a validação dos pares de registros foram realizadas por uma dupla de revisores técnicos, para assegurar a identificação e validação dos pares verdadeiros. No caso de coincidência, a validação era automática, enquanto nos casos discordantes, ambíguos, gemelares ou homônimos, foram revistos os registros completos e, se, necessário, eles foram encaminhados para investigação junto à unidade notificadora.

Como etapa final e complementar ao pareamento, realizou-se a investigação e busca ativa de informações juntamente com os grupos de vigilância epidemiológica regional e/ou municipal, nos casos de sífilis congênita com ausência de informação no Sinan sobre sua evolução, e assim também na investigação de óbitos não notificados. As informações obtidas foram incorporadas à base de dados resultante do relacionamento entre o Sinan e o SIM, com a correção, quando necessária, da evolução de casos.

A variável estudada foi a evolução do caso (óbito não fetal por sífilis congênita; óbito não fetal por outras causas; óbito fetal; aborto; ignorado). Foram classificados como “desfecho desfavorável da sífilis congênita” os casos de sífilis congênita que apresentaram como evolução o óbito (fetal ou infantil com sífilis congênita) e o aborto.

Foi conduzida a análise descritiva de distribuição de frequência das categorias observadas, comparando-se os valores percentuais entre as bases de dados do Sinan: original e pareada (após relacionamento). A análise foi realizada mediante a distribuição de frequência absoluta e frequência relativa dos casos com sífilis congênita; foi realizado cálculo de mudança percentual do número de casos (resultado da subtração do valor final pelo valor inicial, dividido pelo valor inicial, multiplicado por 100).

O projeto do estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids [Parecer no 4.007.885, emitido em 5 de maio de 2020; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) no 26960919.9.0000.5375] e da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (Parecer no 4.042.404, emitido em 22 de maio de 2020; CAEE no 26960919.9.3001.0086), com aprovação de ambas as instituições.

RESULTADOS

A base de dados original do Sinan de sífilis congênita apresentava 29.536 registros. Foram excluídos da análise 1.823 casos: 72 registros duplicados; 43 com idade superior a 1 ano; e 1.708 registros de ocorrências fora do período do estudo. A base de dados do SIM foi de 2.080 registros de óbitos fetais e não fetais por sífilis congênita em menores de 1 ano de idade, todos incluídos no relacionamento de bases de dados.

Após relacionamento dos 27.713 casos notificados no Sinan com a base de dados do SIM, 1.320 (4,8%) casos foram pareados e 26.393 (95,2%) não pareados. Dos 26.393 casos não pareados, 23.978 (90,8%) foram registrados como vivos, 1.490 (5,6%) como abortos, 487 (1,9%) ignorados, 259 (1,0%) como óbitos fetais, 96 (0,4%) como óbitos infantis por sífilis congênita e 83 (0,3%) óbitos infantis por outras causas. Dos 1.320 casos pareados com o SIM, 871 (66,0%) eram óbitos fetais, 295 (22,3%) óbitos infantis por sífilis congênita e 154 (11,7%) óbitos por outras causas. Foram identificados 3.011 (10,9%) desfechos desfavoráveis da sífilis congênita entre pareados e não pareados: 1.490 (49,5%) abortos, 1.130 (37,5%) óbitos fetais e 391 (13%) óbitos infantis por sífilis congênita (Figura 2).

Figura 1
Etapas do processo de relacionamento entre as bases de dados de casos e óbitos de sífilis congênita

Figura 2
Distribuição da evolução dos casos e óbitos de sífilis congênita após o relacionamento entre as bases de dados

A maior mudança percentual entre as versões ocorreu na evolução para “óbitos infantis por outras causas” (-11,9%) e na evolução para “óbitos infantis por sífilis congênita” (+11,4%). A menor alteração observada foi na evolução para “aborto”: 1,9%. A mudança percentual dos desfechos desfavoráveis encontrada foi de 3,5% (Tabela 1).

Tabela 1
Evolução dos casos de sífilis congênita nas bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), original e pareada, estado de São Paulo, Brasil, 2007-2018

DISCUSSÃO

Ocorreu subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no Sinan no estado de São Paulo. A maior subnotificação ocorreu com o desfecho “óbito infantil por sífilis congênita”. A realização do processo de relacionamento de base de dados foi capaz de detectar a subnotificação de desfechos desfavoráveis.

Ao se comparar com os dados do Boletim Epidemiológico do estado de São Paulo, pode ser observada a subnotificação de óbitos fetais e infantis por sífilis congênita encontrada no estado, visto que, no mesmo período, foram reportados 299 óbitos infantis com sífilis congênita; ou seja, observou-se um acréscimo de 30,7% por meio do processo de relacionamento adotado.55. Secretaria Estadual da Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS-SP. Centro de Vigilância Epidemiológica. Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS. Boletim Epidemiológico AIDST. São Paulo; 2020.) Essa diferença é maior ao se comparar com os dados obtidos da base de dados do SIM: para o mesmo período, foram reportados 178 óbitos com sífilis congênita, ou seja, uma diferença de 119%.2222. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Estatísticas vitais. Brasília: Ministério da Saúde 2022 [citado 2022 Mai 16]. Disponível em Disponível em https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
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A subnotificação dos óbitos por sífilis congênita já foi objeto de estudos transversais conduzidos com as bases de dados do SIM e do Sinan em outros estados,88. Belo MMA, Oliveira CM, Barros SC, Maia LTS, Bonfim CV. Estimativa da subnotificação dos óbitos por sífilis congênita no Recife, Pernambuco, 2010-2016: relacionamento entre os sistemas de informações sobre mortalidade e de agravos de notificação. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(3):e2020501. doi: 10.1590/S1679-49742021000300009
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)-(1010. Cardoso ARP, Araújo MAL, Andrade RFV, Saraceni V, Miranda AE, Dourado MIC. Underreporting of congenital syphilis as a cause of fetal and infant deaths in Northeastern Brazil. PLoS ONE. 2016;11(12):e0167255. doi: 10.1371/journal.pone.0167255
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com emprego de técnicas semelhantes de relacionamento entre casos e óbitos. No Recife,88. Belo MMA, Oliveira CM, Barros SC, Maia LTS, Bonfim CV. Estimativa da subnotificação dos óbitos por sífilis congênita no Recife, Pernambuco, 2010-2016: relacionamento entre os sistemas de informações sobre mortalidade e de agravos de notificação. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(3):e2020501. doi: 10.1590/S1679-49742021000300009
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no período de 2010 a 2016, a proporção de subnotificações de óbitos fetais e infantis por sífilis congênita no Sinan foi de 80,9%; no Ceará,99. Canto SVE, Araújo MAL, Miranda AE, Cardoso ARP, Almeida RLF. Fetal and infant mortality of congenital syphilis reported to the Health Information System. PLoS ONE. 2019;14(1):e0209906. doi: 10.1371/journal.pone.0209906
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no período de 2010 a 2014, essa proporção foi de 89,4%; e em Fortaleza, no período de 2007 a 2013, de 90,1%.1010. Cardoso ARP, Araújo MAL, Andrade RFV, Saraceni V, Miranda AE, Dourado MIC. Underreporting of congenital syphilis as a cause of fetal and infant deaths in Northeastern Brazil. PLoS ONE. 2016;11(12):e0167255. doi: 10.1371/journal.pone.0167255
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A diferença observada em relação ao número de óbitos fetais por sífilis congênita foi menor quando comparada ao óbito infantil. Uma possível explicação para esse achado seria a baixa qualidade do preenchimento do campo da causa de morte em óbitos fetais no SIM, registrados com maior frequência como decorrentes de causas não especificadas.2323. Fonseca SC, Kale PL, Teixeira GHMC, Lopes VGS. Evitabilidade de óbitos fetais: reflexões sobre a Lista Brasileira de Causas de Mortes Evitáveis por intervenção do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2021;37(7):e00265920. doi: 10.1590/0102-311X00265920
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Outrossim, também pode ocorrer subenumeração de óbitos fetais, que, apesar dos esforços empreendidos pelas equipes de vigilância dos óbitos, ainda ocorrem no Brasil acima do encontrado em países desenvolvidos.2424. Barros PS, Aquino EC, Souza MR. Mortalidade fetal e os desafios para a atenção à saúde da mulher no Brasil. Rev Saude Publica. 2019;53:12. 10.11606/S1518-8787.2019053000714
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Verificou-se uma discreta subnotificação de casos de aborto com o emprego desse método de relacionamento. Este resultado era esperado, principalmente quando se considera que o evento não é registrado na base de dados do SIM, fonte utilizada para o relacionamento com a base de dados do Sinan neste estudo. A diferença atribuída deveu-se ao resultado da investigação de busca ativa, pela qual as equipes de vigilância regionais constataram casos com preenchimento incorreto do campo “evolução” da ficha de investigação/notificação do Sinan. Este achado também foi descrito na investigação conduzida no estado do Ceará, onde se utilizou a técnica de relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM.99. Canto SVE, Araújo MAL, Miranda AE, Cardoso ARP, Almeida RLF. Fetal and infant mortality of congenital syphilis reported to the Health Information System. PLoS ONE. 2019;14(1):e0209906. doi: 10.1371/journal.pone.0209906
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A subnotificação de desfechos desfavoráveis, especialmente os relacionados aos óbitos fetais e de menores de 1 ano de idade, não deveria ser tão elevada, já que os óbitos fetais e infantis são investigados sistematicamente no Brasil por meio da vigilância dos óbitos infantil e fetal.2323. Fonseca SC, Kale PL, Teixeira GHMC, Lopes VGS. Evitabilidade de óbitos fetais: reflexões sobre a Lista Brasileira de Causas de Mortes Evitáveis por intervenção do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2021;37(7):e00265920. doi: 10.1590/0102-311X00265920
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Os resultados deste estudo evidenciaram que, apesar da ocorrência da vigilância de forma continuada, ainda foi necessário realizar a busca ativa para uma nova investigação dos casos de sífilis congênita, relativamente a seus desfechos. Portanto, visando reduzir a subnotificação da sífilis congênita, faz-se necessário rever a aplicação dos critérios empregados de classificação das causas de morte pelas equipes de vigilância epidemiológica e comitês de investigação dos óbitos fetais e não fetais.88. Belo MMA, Oliveira CM, Barros SC, Maia LTS, Bonfim CV. Estimativa da subnotificação dos óbitos por sífilis congênita no Recife, Pernambuco, 2010-2016: relacionamento entre os sistemas de informações sobre mortalidade e de agravos de notificação. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(3):e2020501. doi: 10.1590/S1679-49742021000300009
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Neste estudo, considerou-se “óbito por sífilis congênita” aquele no qual a sífilis congênita constava em qualquer linha da declaração de óbito (DO). Estudo conduzido no mesmo período, na Região Metropolitana de São Paulo, ao adotar esse mesmo critério para análise dos óbitos infantis por sífilis congênita, mostrou acréscimo de 97% no desfecho “óbito”, em relação ao encontrado por meio da análise da base de dados do SIM.2525. Almeida ABM, Silva ZP. Uso de linkage para análise de completude e concordância de óbitos por sífilis congênita na região metropolitana de São Paulo, 2010-2017. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(4):e2021167. doi: 10.1590/S1679-49742021000400013
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O relacionamento entre as bases de dados realizado com a combinação das duas técnicas - determinística e probabilística - contribuiu para o sucesso no pareamento dos dados. O uso da abordagem probabilística proporciona recuperação de registros de um mesmo indivíduo que não foram identificados na abordagem determinística.2626. Blake HA, Sharples LD, Harron K, van der Meulen JH, Walker K. Probabilistic linkage without personal information successfully linked national clinical datasets. J Clin Epidemiol. 2021;136:136-45. doi: 10.1016/j.jclinepi.2021.04.015
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Dessa forma, o uso híbrido das técnicas apresenta melhor performance quando comparado ao uso de técnicas de abordagem independentes, metodologia adotada na implementação do relacionamento de registros no sistema estadual de vigilância de cardiopatias congênitas no estado do Colorado, Estados Unidos, com indivíduos na idade entre 11 e 64 anos, portadores de cardiopatia congênita, registrados no sistema entre 2011 e 2013.2727. Ong TC, Duca LM, Kahn MG, Crume TL. A hybrid approach to record linkage using a combination of deterministic and probabilistic methodology. J Am Med Inform Assoc. 2020;27(4):505-13. doi: 10.1093/jamia/ocz232
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Algumas limitações deste estudo devem ser apresentadas. Um fator limitante para o relacionamento das bases de dados foi a ausência de uma chave identificadora unívoca e comum, o que resultou em dificuldades operacionais e demandou o uso de técnicas probabilísticas para a identificação de pares baseados em sequência de caracteres, como o nome da mãe e/ou da criança (nas bases de dados do Sinan, em sua maioria, os casos ainda estavam identificados com os termo recém-nascido ou natimorto precedendo o nome da mãe). Ademais, a ocorrência de falhas na padronização do preenchimento dos campos de identificação empregados para o relacionamento das bases de dados, os erros no registro ou na codificação das causas de morte e o longo tempo transcorrido entre a ocorrência do desfecho e a investigação podem ter levado à ocorrência de falso pareamento dos casos. Para minimizar a possibilidade de falso pareamento de casos, utilizou-se uma estratégia de validação dos casos, que ficou a cargo de uma dupla de investigadores independentes.

Este estudo identificou subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no estado de São Paulo. Visando contribuir para a redução dessa subnotificação, mostrou-se adequada a aplicação de técnicas de relacionamento de bases de dados, prática esta que pode ser incorporada à rotina da vigilância em saúde como ferramenta de aprimoramento das informações e monitoramento das doenças e agravos de notificação compulsória, entre eles a sífilis congênita.

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  • FINANCIAMENTO

    Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): Processo nº 2019/03799-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2022
  • Aceito
    20 Mar 2023
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com