RESUMO
Objetivos
Analisar a influência da pandemia de covid-19 na produtividade dos hospitais gerais de ensino do Brasil, por região e natureza jurídica, e propor parâmetros assistenciais.
Métodos
Estudo observacional por modelagem matemática com análise envoltória de dados e índice de Malmquist, utilizando dados de recursos e produção assistencial antes (2019) e durante (2021) a pandemia.
Resultados
Foram analisados 149 hospitais gerais de ensino, 32 dos quais foram considerados eficientes. Houve queda da produtividade em todas regiões e naturezas jurídicas. Para que todos os hospitais ineficientes atinjam a fronteira de eficiência gerada pela modelagem, há necessidade de aumento da produção em 2.205.856 (96,5%) internações e 872.264 (107,4%) cirurgias.
Conclusão
A queda na produtividade hospitalar decorreu do compromisso social dos hospitais durante a pandemia, com modificação do padrão de assistência. O modelo matemático utilizado permite gerar parâmetros para recuperação assistencial eficiente depois de finalizada emergência sanitária, podendo ser aplicado para planejamento hospitalar.
Palavras-chave
Hospitais de Ensino; Pesquisa Operacional; Benchmarking; Eficiência Organizacional; Covid-19
Contribuições do estudo
Principais resultados
A pandemia de covid-19 reduziu a produtividade dos hospitais gerais de ensino do Brasil em todas as regiões e em todas as naturezas jurídicas. Para a recuperação, os hospitais devem elevar, em média, 96,5% de internações e 107,4% de cirurgias.
Implicações para os serviços
O estudo apresenta metodologia que pode ser adaptada e replicada na gestão de serviços de saúde do país, ao definir um escore de eficiência e calcular os parâmetros, num cenário de recuperação assistencial após o fim da emergência em saúde pública.
Perspectivas
Análise qualitativa adicional e aplicação de DEA-Malmquist, nos anos subsequentes, validarão o planejamento dinâmico, que considera múltiplas oscilações e a influência de novos fatores e contextos que alteram a produtividade (caso da pandemia).
Palavras-chave
Hospitais de Ensino; Pesquisa Operacional; Benchmarking; Eficiência Organizacional; Covid-19
INTRODUÇÃO
O enfrentamento da pandemia de covid-19 demandou esforço conjunto da sociedade e da saúde pública nacional. Recursos federais, estaduais e municipais da saúde foram somados para a contratação de profissionais de saúde e aquisição de equipamentos médicos, como oxigênio, sedativos e equipamentos de proteção individual.11 Singer D. Clinical and health policy challenges in responding to the COVID-19 pandemic. J Postgrad Med. 2020;96(1137):373-374. doi:10.1136/postgradmedj-2020-138027 Considerando-se a alta transmissibilidade e potencial de gravidade nos dois primeiros anos da pandemia, houve aumento de 47,0% dos leitos de centros de terapia intensiva (CTIs) e de 4,7% dos demais leitos, além da instalação de hospitais de campanha e reconfiguração de unidades para atendimento exclusivo a pacientes acometidos por covid-19.11 Singer D. Clinical and health policy challenges in responding to the COVID-19 pandemic. J Postgrad Med. 2020;96(1137):373-374. doi:10.1136/postgradmedj-2020-138027,22 Brasil. Ministério da Saúde. Tabulador de Dados Web (TABNET) dos Sistemas de Informações em Saúde. Published online June 20, 2022. Accessed June 20, 2022. https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
https://datasus.saude.gov.br/informacoes...
Hospitais de ensino (HEs) participaram desse processo com diferentes estratégias, como suspensão de consultas e cirurgias eletivas, ampliação de leitos de terapia intensiva, reforço das rotinas de biossegurança, contratação de novos profissionais, capacitação das equipes de saúde, suspensão das atividades de ensino e desenvolvimento de pesquisas sobre o tema.33 Santos JLG dos, Lanzoni GM de M, Costa MFBNA da, et al. Como os hospitais universitários estão enfrentando a pandemia de COVID-19 no Brasil? Acta Paulista de Enfermagem. 2020;33:eAPE20200175. doi:10.37689/acta-ape/2020AO01755
Note-se que a adoção de medidas de resposta à pandemia representou renúncias no tratamento de outras doenças,44 Reshetnikov A, Frolova I, Abaeva O, et al. Accessibility and quality of medical care for patients with chronic noncommunicable diseases during COVID-19 pandemic. NPJ Prim Care Respir Med. 2023;33(1):14. doi:10.1038/s41533-023-00328-9 com consequentes alterações no perfil das admissões e na eficiência produtiva. Produtividade é a relação entre o volume de produtos fornecidos e de recursos utilizados por uma mesma unidade produtiva. Eficiência técnica é medida quando comparada a produtividade de unidades semelhantes, para se avaliar o potencial máximo da produção em relação aos recursos disponíveis.55 Ozcan YA. Health Care Benchmarking and Performance Evaluation. Vol 120. Springer US; 2008. doi:10.1007/978-0-387-75448-2 Existem diferentes métodos para a análise de produtividade, como o método dos mínimos quadrados, a produtividade total dos fatores, a análise de fronteira estocástica e a análise envoltória de dados (data envelopment analysis – DEA).55 Ozcan YA. Health Care Benchmarking and Performance Evaluation. Vol 120. Springer US; 2008. doi:10.1007/978-0-387-75448-2
A DEA é uma técnica de programação linear que permite medir o desempenho de unidades produtivas, denominadas unidades tomadoras de decisão (decision making units – DMU), que consomem múltiplos recursos – como leitos, equipamentos e recursos humanos – para gerarem variados produtos, a exemplo de internações, cirurgias e consultas.66 Banker RD, Charnes A, Cooper WW. Some Models for Estimating Technical and Scale Inefficiencies in Data Envelopment Analysis. Manage Sci. 1984;30(9):1078-1092. doi:10.1287/mnsc.30.9.1078 As DMUs que produzem mais com o menor uso de recursos são consideradas eficientes (escore igual a 100,0%). A combinação linear de recursos e produtos destas unidades eficientes desenha uma fronteira de eficiência ou produtividade, a qual se constitui em referência de desempenho para as demais. A DEA fornece os caminhos para que as unidades ineficientes se tornem eficientes, por meio de aumento da produção ou redução de recursos. Frequentemente usada na área da saúde, a DEA já foi utilizada em hospitais do Brasil com objetivos distintos: análise de eficiência,77 De Almeida Botega L, Andrade MV, Guedes GR. Brazilian hospitals’ performance: an assessment of the unified health system (SUS). Health Care Manag Sci. 2020;23(3):443-452. doi:10.1007/s10729-020-09505-5 busca de fatores determinantes de eficiência88 Lobo MSC, Ozcan YA, Lins MPE, Silva ACM, Fiszman R. Teaching hospitals in Brazil: Findings on determinants for efficiency. International Journal of Healthcare Management. 2014;7(1):60-68. doi:10.1179/2047971913Y.0000000055 e avaliação do desempenho de políticas públicas.99 Lobo MS de C, Silva A, Estellita Lins MP, Fiszman R. Impacto da reforma de financiamento de hospitais de ensino no Brasil. Rev Saude Publica. 2009;43(3):437-445. doi:10.1590/S0034-89102009005000023
Ainda não foram mensurados os impactos provocados pela pandemia de covid-19 na produtividade dos HEs gerais no Brasil, tampouco se esse impacto se deu de forma homogênea. Após a introdução da vacinação no Brasil, em 2021, e o fim da emergência global em saúde por covid-19, em 2023, o perfil epidemiológico das admissões nos HEs gerais retornou paulatinamente aos níveis pré-pandêmicos, com predominância das doenças crônico-degenerativas.1010 Scobie HM, Johnson AG, Suthar AB, et al. Monitoring Incidence of COVID-19 Cases, Hospitalizations, and Deaths, by Vaccination Status — 13 U.S. Jurisdictions, April 4–July 17, 2021. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2021;70(37):1284-1290. doi:10.15585/mmwr.mm7037e1 Assim, a produtividade dos HEs gerais deve ser retomada para a recuperação de seu papel de atenção de alta complexidade no cenário nacional.
Este estudo objetiva analisar a influência da pandemia de covid-19 na produtividade dos HEs gerais do Brasil, por região e natureza jurídica, e propor parâmetros assistenciais.
MÉTODOS
Delineamento e contexto
HEs alteraram seus padrões de atenção em saúde para lidar com a pandemia. Estudo observacional e analítico sobre a produtividade comparada dos HEs gerais do Brasil, antes (2019) e durante (2021) a pandemia de covid-19, de acordo com região do país e natureza jurídica, foi desenvolvido por meio de modelagem de programação linear não-paramétrica, análise envoltória de dados (DEA).
Participantes e tamanho do estudo
Foi considerada a totalidade dos HEs do Brasil, assim habilitados nos anos de 2019 e 2021, sendo excluídos os hospitais especializados e maternidades. Os HEs gerais foram classificados quanto à natureza jurídica da gestão e agrupados com base na categorização do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: administração pública direta; entidades empresariais (empresa pública de direito privado e empresa privada); e entidades privadas sem fins lucrativos.1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ed. Tabela de natureza jurídica 2021 - notas explicativas. Published online 2021. Accessed July 14, 2023. https://concla.ibge.gov.br/classificacoes/por-tema/organizacao-juridica/tabela-de-natureza-juridica.html
https://concla.ibge.gov.br/classificacoe... Os HEs gerais também foram classificados quanto ao número de leitos: médio porte (de 51 a 150 leitos) e grande porte (acima de 150 leitos).
Variáveis
Para o modelo matemático, variáveis foram selecionadas pela regularidade com que são utilizadas em artigos similares1212 Kohl S, Schoenfelder J, Fügener A, Brunner JO. The use of Data Envelopment Analysis (DEA) in healthcare with a focus on hospitals. Health Care Manag Sci. 2019;22(2):245-286. doi:10.1007/s10729-018-9436-8 e disponibilidade nas bases de dados administrativas do Sistema Único de Saúde (SUS).
As variáveis de recursos foram: número de leitos de enfermaria, número de leitos de CTI, índice de serviços especializados e taxa de mortalidade hospitalar (TMH). Para cálculo do índice de serviços especializados – uma medida da complexidade ofertada –, um painel de expertos (gestores e epidemiologistas) foi convidado a dar uma nota de 1 a 5 para cada procedimento constante na tabela de habilitações do SUS específicas para alta complexidade, levando em consideração os seguintes critérios: complexidade (nível de expertise profissional necessária para sua realização), custo (dispêndio de recursos físicos e financeiros) e tempos de realização dos procedimentos/internação necessários (no caso de procedimentos cirúrgicos, duração do procedimento; no caso de procedimentos clínicos, o tempo médio de internação). Cada hospital recebeu a pontuação de acordo com o somatório de suas habilitações, ponderadas pela complexidade. Essa metodologia foi descrita em trabalho anterior.1313 Ozcan YA, Lins ME, Lobo MSC, da Silva ACM, Fiszman R, Pereira BB. Evaluating the performance of Brazilian university hospitals. Ann Oper Res. 2010;178(1):247-261. doi:10.1007/s10479-009-0528-1 A TMH é o percentual de óbitos (por qualquer causa) em relação ao total de saídas hospitalares (óbitos e altas).
As variáveis de produção foram: número de internações ajustadas por complexidade do hospital e número de cirurgias. Para o ajuste das internações, o número de internações de cada hospital foi multiplicado pela razão entre o índice de serviços especializados e a média nacional do mesmo índice.
Indicadores específicos de covid-19 (externos ao modelo) foram: taxa de incidência por covid-19 (número de casos confirmados por 100 mil habitantes) e taxa de mortalidade por covid-19 (número de óbitos pela doença por 100 mil habitantes).
Fontes de dados
Os dados foram obtidos nos sistemas de informação do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, com apoio do pacote Microdatasus.1414 Saldanha R de F, Bastos RR, Barcellos C. Microdatasus: pacote para download e pré-processamento de microdados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Cad Saude Publica. 2019;35(9):e00032419. doi:10.1590/0102-311x00032419 Entre eles: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, para recursos e habilitações; Sistema de Informações Hospitalares, para produção; e Sistema de Informação sobre Mortalidade, para TMH. Indicadores específicos de covid-19 foram obtidos no Painel Coronavírus (https://covid.saude.gov.br) do Ministério da Saúde. Utilizaram-se os meses de janeiro a dezembro de 2019 e de 2021. Os dados foram acessados em julho de 2023.
Método matemático: DEA-Malmquist
Escores de eficiência dos HEs gerais e parâmetros de produção para planejamento da recuperação foram calculados a partir da construção de fronteiras de eficiência, com base nos dados de 2019 e 2021, utilizando-se modelos de DEA.
Optou-se pelo modelo clássico DEA, com retornos variáveis de escala (VRS), pelas diferenças de escala entre as DMUs. A distância entre a DMU observada e seu ponto de projeção viável na fronteira Pareto-eficiente (medida de Russel1515 Pastor JT, Ruiz JL, Sirvent I. An enhanced DEA Russell graph efficiency measure. Eur J Oper Res. 1999;115(3):596-607. doi:10.1016/S0377-2217(98)00098-8) foi utilizada para cálculo do escore de eficiência das DMUs ineficientes e para definição de parâmetros assistenciais. Observe-se que, para proposição destes parâmetros, a fronteira de eficiência incorporou dois cenários epidemiológicos distintos: antes e durante a pandemia. O estudo adotou orientação a produto (output), considerando-se que a melhoria de eficiência na saúde pública brasileira se dá pelo aumento de produção, e não pela redução de recursos.
O índice de DEA-Malmquist1616 Fare R, Grosskopf S. Malmquist Productivity Indexes and Fisher Ideal Indexes. Econ J. 1992;102(410):158. doi:10.2307/2234861 avaliou o deslocamento da fronteira de eficiência entre os dois momentos distintos – 2019 e 2021 – por meio do cálculo das distâncias entre cada DMU observada e ambas as fronteiras . Valores do índice maiores que 1,00 indicam crescimento da produtividade; valores menores que 1,00 indicam declínio.
O índice de DEA-Malmquist foi decomposto para avaliar duas fontes distintas de variação da produtividade: mudança na eficiência técnica (catch-up) e mudança na eficiência tecnológica (frontier-shift). A primeira indica mudança da eficiência relativa de uma mesma DMU ao longo do tempo. A segunda representa o deslocamento da fronteira como um todo, numa dinâmica de contração ou de expansão, isto é, de piora ou melhoria de produtividade das unidades vistas em conjunto.
Os modelos DEA-Malmquist e Russel foram construídos em planilhas e programados por meio do suplemento Solver do aplicativo Microsoft® Excel.
Aspectos éticos
O estudo Implementação de modelos de pesquisa operacional no planejamento e gestão hospitalar, de que se originou este artigo, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, CAAE: 41480720.6.0000.5286, em 9 de março de 2021.
RESULTADOS
Foram identificados 213 HEs, sendo excluídos da análise 64 (30,0%), por se tratar de hospitais especializados e maternidades. Entre os HEs gerais, 103 (69,1%) hospitais estavam localizados nas regiões Sudeste e Sul e 131 (87,9%) eram de grande porte. No tocante às incidências de casos e mortalidade específica por covid-19, houve predomínio nas regiões Sul e Centro-Oeste, seguidas pela região Sudeste (Tabela 1).
Número de hospitais gerais de ensino, por porte, e incidência de casos e mortes por covid-19, por região do país, Brasil, 2021
A Tabela 2 apresenta os recursos e a produção dos HEs gerais do Brasil no período. Do total de leitos dos HEs gerais do país (leitos de enfermaria e de CTI somados), as regiões Sudeste e Sul respondiam por 71,5%, em 2019, e 71,4% em 2021. Entre 2019 e 2021, houve redução de 604 (-1,4%) leitos de enfermaria e aumento de 4.614 (51,9%) leitos de CTI. A oferta de internações para procedimentos de alta complexidade, avaliada pelo índice de serviços especializados, teve incremento de 1,5%. Por outro lado, houve queda de 299.547 (-11,6%) internações ajustadas por complexidade e de 78.431 (-8,8%) cirurgias realizadas. Houve aumento da TMH em 2,7 pontos percentuais.
Total de recursos e produção dos hospitais de ensino antes e após a pandemia de covid-19, por região e natureza jurídica, Brasil, 2019-2021
A redução de leitos de enfermaria foi maior nos hospitais das regiões Sul (-4,8%) e Norte (-4,1%), tendo havido aumento na região Nordeste (3,4%). Os leitos de CTI aumentaram em todas as regiões, variando de 29,0% no Nordeste a 79,5% na região Centro-Oeste. Na produção, as regiões Sul e Sudeste foram as mais afetadas pela pandemia, com redução na produção de internações (-17,4% e -10,4%, respectivamente) e de cirurgias (-16,3% e -9,6%, respectivamente). Somente houve aumento da produção na região Norte: 9,9% em internações e 24,4% em cirurgias. Vale ainda destacar a alta TMH, na região Norte, mesmo antes da pandemia (10,2% em 2019), e o impacto da pandemia na TMH na região Sul (de 6,1% para 10,1%).
Quanto à natureza jurídica, hospitais públicos da administração direta, hospitais empresariais e hospitais privados sem fins lucrativos correspondiam respectivamente a 43,0%, 22,8% e 34,2% dos HEs gerais do país. Houve redução de leitos de enfermaria nos hospitais empresariais (-3,0%) e nos hospitais privados sem fins lucrativos (-3,6%), e aumento nos hospitais públicos da administração direta (1,5%). Os HEs gerais de todas as naturezas jurídicas aumentaram o número de leitos de CTI: 54,4% nos hospitais públicos de administração direta; 42,5% nos hospitais empresariais; e 55,1% nos hospitais privados sem fins lucrativos. Na produção, todos os HEs gerais tiveram redução nas internações e cirurgias, respectivamente: -10,1% e -4,5% nos públicos de administração direta; -21,1% e -17,2% nos empresariais; e -9,1% e -6,5% nos privados sem fins lucrativos. Houve aumento da TMH de 2,4%, 1,7%, 3,8% nos hospitais de administração pública, nos empresariais e nos privados sem fins lucrativos, respectivamente, sendo as maiores taxas encontradas entre os hospitais privados sem fins lucrativos (8,4%, em 2019, e 12,2%, em 2021).
A Tabela 3 mostra os resultados das eficiências dos HEs gerais, em 2019 e 2021, assim como o deslocamento da fronteira no período (índice Malmquist). Houve aumento nos escores médios de eficiência relativa dos HEs gerais das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Em 2019, os HEs gerais do Nordeste eram os mais eficientes (58,1%); em 2021, foram os HEs gerais das regiões Nordeste e Centro-Oeste (59,4%). Os HEs gerais da região Norte mantiveram-se menos eficientes em ambos os anos analisados (36,7%, em 2019, e 42,8%, em 2021), apesar do aumento na produção no período. Durante a pandemia, HEs gerais de administração direta foram mais eficientes nas regiões Norte e Sul; HEs gerais empresariais, nas regiões Centro-Oeste e Sudeste; e HEs gerais privados sem fins lucrativos, na região Nordeste. Apesar do aumento observado nas eficiências dos HEs gerais (cath-up 1,01), houve contração da fronteira de produtividade (Malmquist 0,77; frontier-shift 0,76) em todas as regiões (Malmquist de 0,67 a 0,92; frontier-shift de 0,66 a 0,81) e em todas as naturezas jurídicas (Malmquist de 0,62 a 0,88; frontier-shift de 0,58 a 0,88). Somente os hospitais públicos de administração direta da região Centro-Oeste apresentaram valor de índice de Malmquist superior a 1,00 (igual a 1,01), porém, com frontier-shift de 0,85.
Eficiência média dos hospitais de ensino e índice Malmquist, por região do país e natureza jurídica, Brasil, 2019 e 2021
Foram identificadas 32 unidades eficientes, referências para os HEs gerais ineficientes (Material Suplementar). Um total de 15 HEs gerais foram eficientes em ambos os anos analisados. Entre as referências, 24 (75,0%) hospitais eram de grande porte, 16 (50,0%) localizados no Sudeste e 11 (34,4%) privados sem fins lucrativos.
A Tabela 4 apresenta a projeção de produção esperada para que todos os HEs gerais ineficientes atinjam a fronteira de melhores práticas a partir de 2021. Num cenário de recuperação, considerando-se a atual disponibilidade de recursos, esses hospitais devem aumentar sua produção em 2.205.856 (96,5%) internações e em 872.264 (107,4%) cirurgias. Paralelamente, com o fim da emergência de saúde global por covid-19, estima-se a queda da TMH de 9,2% para 4,0%, valendo destacar o decréscimo esperado na região Norte (de 11,6% para 3,5%) e entre hospitais privados sem fins lucrativos (de 12,2% para 4,0%).
Projeção esperada para a produção de serviços e a taxa de mortalidade estimada dos hospitais de ensino após a pandemia de covid-19, por região e natureza jurídica, Brasil, 2021
DISCUSSÃO
Neste estudo, foi observada queda da produtividade dos HEs gerais do Brasil, em todas as regiões e para todas as naturezas jurídicas, no período 2019-2021. A queda de produtividade observada se deveu ao compromisso social dos HEs gerais, e não a um desacerto na política pública. Ou seja, o aumento na oferta de recursos (leitos de CTI) e a queda da produção (internações e cirurgias) se deram para apoiar as ações estratégicas de enfrentamento à pandemia. Da mesma forma, o aumento observado da TMH em vigência da pandemia foi um marcador da frequência de internações por covid-19 nas unidades sob análise, e não um indicador de qualidade da atenção.
Queda da produção, com menor atenção às demais doenças, foi fenômeno mundial.1717 Coyle D, Dreesbeimdiek K, Manley A. Productivity in UK healthcare during and after the COVID-19 pandemic. Natl Inst Econ Rev. 2021;258:90-116. doi:10.1017/nie.2021.25 Considerada a vocação assistencial dos HEs, responsáveis por 35,3% da produção de alta complexidade no país,22 Brasil. Ministério da Saúde. Tabulador de Dados Web (TABNET) dos Sistemas de Informações em Saúde. Published online June 20, 2022. Accessed June 20, 2022. https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
https://datasus.saude.gov.br/informacoes... a queda de produção teve impacto importante na realização de procedimentos mais complexos. Em 2021, os HEs gerais do país reduziram as cirurgias cardíacas em 14,8%, as cirurgias oncológicas em 8,4%, a radioterapia em 96,8% e os transplantes em 18,6%.22 Brasil. Ministério da Saúde. Tabulador de Dados Web (TABNET) dos Sistemas de Informações em Saúde. Published online June 20, 2022. Accessed June 20, 2022. https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
https://datasus.saude.gov.br/informacoes... Estimativas apontavam para 60 mil cirurgias cardiovasculares represadas pela pandemia, aumentando a fila para o procedimento.1818 Paula Felix. Brasil tem fila de 60 mil à espera de cirurgias cardiovasculares. CNN Brasil. Published May 30, 2021. Accessed August 28, 2023. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-tem-fila-de-60-mil-a-espera-de-cirurgias-cardiovasculares/
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasi... A queda na produção, em todos os níveis de cuidado, repercutiu na saúde da população brasileira; por exemplo, a mortalidade por doenças cardiovasculares aumentou em 6,9% no mesmo período.66 Banker RD, Charnes A, Cooper WW. Some Models for Estimating Technical and Scale Inefficiencies in Data Envelopment Analysis. Manage Sci. 1984;30(9):1078-1092. doi:10.1287/mnsc.30.9.1078 Acrescentem-se as renúncias relacionadas ao ensino e pesquisa, à exceção das atividades acadêmicas direcionadas à covid-19.
Para a retomada da produtividade, a produção de internações e cirurgias deve praticamente dobrar no país como um todo, e gestores de cada unidade de saúde (assim como de municípios e estados) podem se programar para o quanto precisam incrementar na produção. A ativação dos 4.814 (51,9%) leitos de CTI (maior do que a média nacional, de 46,7%) favorece a vocação de produção da alta complexidade pelos HEs gerais na retomada desses procedimentos. Ou seja, mais recursos de apoio à alta complexidade promovem o incremento desta produção, desde que a unidade se mantenha na fronteira de eficiência.
Como limitação do estudo, vale citar a ausência de modelos qualitativos para a estruturação do problema antes da modelagem matemática. Estudos1919 Estellita Lins MP. Avaliação Complexa Holográfica de Problemas Paradoxais (CHAP2). In: Estruturação de problemas sociais complexos: teoria da mente, mapas metacognitivos e modelos de apoio à decisão. 1st ed. Interciência; 2018.,2020 Estellita Lins MP, Lobo MS de C, Louback ANL, Silva VI de OF. Multimetodologia para Simulação da COVID-19 no Estado de São Paulo Subsídios para Gestão. PODes. 2021;13:e13006. doi:10.4322/PODes.2021.006,2121 Jahara R da C, Estellita Lins MP. Multimethodology for diagnosis and intervention in a prosthetics and orthotics factory in Brazil. Intl Trans in Op Res. Published online October 27, 2021:itor.13074. doi:10.1111/itor.13074 sugerem o uso de metodologias associadas (multimetodologia) para avaliação de contextos e preferências antes da escolha dos modelos matemáticos. Com relação às variáveis do modelo, faltaram informações acuradas sobre a contratação de recursos humanos, os quais foram importantes para a produtividade durante a pandemia, e assim poderiam ter entrado no modelo. Dados sobre atividades de ensino e pesquisa também enriqueceriam a análise, uma vez que o volume de pesquisa, alta razão residentes/leitos (intensidade de ensino) e baixa razão residentes/médicos (dedicação de ensino) estão associados ao aumento da eficiência.2222 Lobo MSC, Silva ACM, Lins MPE, Fiszman R, Bloch KV. Influência de fatores ambientais na eficiência de hospitais de ensino. Epidemiol Serv Saude. 2011;20(1):37-45. doi:10.5123/S1679-49742011000100005 Outra limitação está na heterogeneidade da informação entre as regiões brasileiras. Estudo sobre excesso de óbitos durante a pandemia2323 Orellana JDY, Cunha GMD, Marrero L, Moreira RI, Leite IDC, Horta BL. Excesso de mortes durante a pandemia de COVID-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil. Cad Saude Publica. 2021;37(1):e00259120. doi:10.1590/0102-311x00259120 sugere maior dificuldade diagnóstica e subnotificação de óbitos por covid-19 em capitais nordestinas se comparadas às capitais do Sudeste. Pesquisa utilizando DEA em redes para estudar capacidade e estruturas de enfrentamento à covid-19 mostrou que as regiões Norte e Nordeste apresentaram maior vulnerabilidade durante a pandemia por falta de estrutura (leitos de CTI) e menor capacidade na realocação de recursos (médicos e respiradores) para o atendimento ao excesso de demanda de pacientes com covid-19.2424 Ferraz D, Mariano EB, Manzine PR, et al. COVID Health Structure Index: The Vulnerability of Brazilian Microregions. Soc Indic Res. 2021;158(1):197-215. doi:10.1007/s11205-021-02699-3
Como desdobramento, sugere-se a aplicação do modelo DEA-Malmquist nos anos subsequentes ao deste estudo, quando houve introdução da vacina em território nacional (ainda em 2021), além da introdução de ondas sucessivas e novas cepas de covid-19. Para aprimorar o estudo das unidades de referência, pesquisas qualiquantitativas podem identificar padrões de estratégias de enfrentamento exitosas durante a pandemia. A utilização dessa ferramenta, juntamente com uma melhor caracterização da produção desses hospitais, permitirá a estimativa e o monitoramento da recomposição gradativa da oferta de serviços, de acordo com a dinâmica de necessidades e as demandas da sociedade nacional.
Referências bibliográficas
- 1Singer D. Clinical and health policy challenges in responding to the COVID-19 pandemic. J Postgrad Med. 2020;96(1137):373-374. doi:10.1136/postgradmedj-2020-138027
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Apêndice
TRABALHO ACADÊMICO ASSOCIADO
Artigo derivado de tese de doutorado a ser defendida por Henrique de Castro Rodrigues no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Dez 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
12 Dez 2023 - Aceito
17 Jul 2024