RESUMO
Objetivo
Validar o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) para vigilância da morbidade materna.
Métodos
Estudo transversal, de 2021-2022, utilizando-se como referência dados de estudo nacional sobre morbidade materna (MMG) realizado em 50 hospitais públicos e 28 privados; foram comparados frequência, motivo e tipo de saída das internações, segundo SIH/SUS e MMG, e calculadas sensibilidade, especificidade, razão de verossimilhança positiva e negativa para sete diagnósticos e quatro procedimentos.
Resultados
Internações identificadas no SIH/SUS (32.212) corresponderam a 95,1% das internações avaliadas no MMG (33.867), tendo-se observado menor registro no SIH/SUS (85,5%) em hospitais privados [10.036 (SIH/SUS); 11.742 (MMG)]; comparado ao MMG, o SIH/SUS apresentou menor proporção de internações por “intercorrências na gestação” (9,7% versus 16,5%), bem como sub-registro de todos os diagnósticos e procedimentos avaliados, exceto “gestação ectópica”.
Conclusão
Melhor registro de diagnósticos e procedimentos no SIH/SUS é essencial para sua utilização na vigilância da morbidade materna.
Palavras-chave
Estudos de Validação; Morbidade; Gravidez; Período Pós-Parto; Sistemas de Informação Hospitalar; Bases de Dados Estatísticos
Contribuições do estudo
Principais resultados
O SIH/SUS apresentou boa cobertura de registro de internações obstétricas, porém menor proporção de internações devido a “intercorrências na gestação”; e sub-registro dos diagnósticos e procedimentos avaliados, exceto “gestação ectópica”.
Implicações para os serviços
É necessário melhorar a qualidade de preenchimento das autorizações de internação hospitalar (AIHs), incluindo-se o registro de diagnósticos e procedimentos para identificação da internação como obstétrica e de complicações na gravidez e puerpério.
Perspectivas
A melhoria na qualidade do registro das AIHs é essencial para a utilização do SIH/SUS na vigilância da morbidade materna, estratégia recomendada para um melhor cuidado obstétrico, de forma complementar à vigilância da mortalidade materna.
Palavras-chave
Estudos de Validação; Morbidade; Gravidez; Período Pós-Parto; Sistemas de Informação Hospitalar; Bases de Dados Estatísticos
INTRODUÇÃO
A mortalidade materna é um grave problema de saúde pública, no Brasil e no mundo.11 World Health Organization. Trends in maternal mortality 2000 to 2020: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and UNDESA/Population Division [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2023 [cited 2023 July 11]. 86 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240068759.
https://www.who.int/publications/i/item/... Embora a razão de mortalidade materna no país seja elevada, o óbito materno é um evento pouco frequente, principalmente em locais com baixo número de nascimentos. Desde 2011, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o estudo da morbidade materna grave e do near miss materno como estratégias complementares ao estudo do óbito materno, por serem eventos mais frequentes e compartilharem os mesmos fatores determinantes, permitindo análises mais robustas.22 World Health Organization. Evaluating the quality of care for severe pregnancy complications: the WHO near-miss approach for maternal health [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2011 [cited 2023 July 11]. 29 p. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44692/9789241502221_eng.pdf;jsessionid=EEBF2C5BAD3A80F2E66623549925154B?sequence=1.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
O Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) tem por objetivo o pagamento de internações hospitalares com financiamento público. Se o SIH/SUS não se propõe, como uma finalidade objetiva, a vigilância em saúde, ele tem sido utilizado para investigar a morbidade hospitalar,33 Bittencourt SA, Camacho LAB, Leal MC. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):19–30. inclusive a morbidade materna.44 Magalhães MC, Bustamante-Teixeira MT. Morbidade materna extremamente grave: uso do Sistema de Informação Hospitalar. Rev Saude Publica. 2012;46(3):472-8.
5 Nakamura-Pereira M, Mendes-Silva W, Dias MAB, Reichenheim ME, Lobato G. Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS): uma avaliação do seu desempenho para a identificação do near miss materno. Cad Saude Publica 2013;29(7):1333-45. doi: 10.1590/s0102-311x2013000700008.
https://doi.org/10.1590/s0102-311x201300...
6 Silva TC, Varela PLR, Oliveira RR, Mathias TAF. Severe maternal morbidity identified in the Hospital Information System of the Brazilian National Health System in Paraná State, Brazil, 2010. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(3):617-28. doi: 10.5123/s1679-49742016000300017.
https://doi.org/10.5123/s1679-4974201600...
7 Carvalho BAS, Andrade AGBF, Dantas AS, Figueiredo IM, Silva JA, Rosendo TS, et al. Temporal trends of maternal near miss in Brazil between 2000 and 2012. Rev Bras Saude Mater Infant. 2019;19(1):115–24. doi: 10.1590/1806-93042019000100007.
https://doi.org/10.1590/1806-93042019000... -88 Herdt MCW, Magajewski FRL, Linzmeyer A, Tomazzoni RR, Domingues NP, Domingues MP. Temporal trend of Near Miss and its regional variations in Brazil from 2010 to 2018. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021;43(2):97-106. doi: 10.1055/s-0040-1719144.
https://doi.org/10.1055/s-0040-1719144... Estudos anteriores,99 Veras CMT, Martins MS. A confiabilidade dos dados nos formulários de autorização de internação hospitalar (AIH). Cad Saude Publica.1994;10(3):339-55. doi: 10.1590/s0102-311x1994000300014.
https://doi.org/10.1590/s0102-311x199400... ,1010 Mathias TAF, Soboll MLMS. Confiabilidade de diagnósticos nos formulários de autorização de internação hospitalar. Rev Saude Publica.1998;32(6):526-32. doi: 10.1590/s0034-89101998000600005.
https://doi.org/10.1590/s0034-8910199800... realizados na década de 1990, avaliaram a confiabilidade dos dados do SIH/SUS, inclusive a informação sobre parto.1111 Bitencourt SA, Camacho LAB, Leal MC. A qualidade da informação sobre o parto no Sistema de Informações Hospitalares no Município do Rio de Janeiro, Brasil,1999 a 2001. Cad Saude Publica. 2008;24(6):1344-54. doi: 10.1590/s0102-311x2008000600015.
https://doi.org/10.1590/s0102-311x200800...
Todavia não foram identificados estudos que tenham avaliado nacionalmente as internações obstétricas no SIH/SUS, quando comparadas a dados de internação obtidos em prontuários hospitalares, apesar de o uso de dados administrativos para estudo da morbidade materna e neonatal ser relatado na literatura internacional.1212 Glance LG, Hasley S, Glantz JC, Stevens TP, Faden E, Kreso MA, et al. Measuring childbirth outcomes using administrative and birth certificate data. Anesthesiology. 2019;131(2):238-53. doi: 10.1097/aln.0000000000002759.
https://doi.org/10.1097/aln.000000000000...
13 Huennekens K, Oot A, Lantos E, Yee LM, Feinglass J. Using electronic health record and administrative data to analyze maternal and neonatal delivery complications. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2020;46(11):623-30. doi: 10.1016/j.jcjq.2020.08.007.
https://doi.org/10.1016/j.jcjq.2020.08.0... -1414 Carmichael SL, Girsen AI, Ma C, Main EK, Gibbs RS. Using longitudinally linked data to measure severe maternal morbidity beyond the birth hospitalization in California. Obstet Gynecol. 2022;140(3):450-2. doi: 10.1097/aog.0000000000004902.
https://doi.org/10.1097/aog.000000000000... Analisar as informações disponíveis no SIH/SUS é, portanto, relevante para a confirmação de sua validade no estudo da morbidade materna, elaboração de estratégias de melhoria do cuidado obstétrico e redução da mortalidade materna.
Em 2021-2022, a pesquisa nacional “Mortalidade perinatal, morbidade materna grave e near miss materno” (estudo MMG)1515 Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Pacagnella RC, Lansky S, Pereira APE, et al. Mortalidade perinatal, morbidade materna grave e near miss materno: protocolo de um estudo integrado à pesquisa “Nascer no Brasil II”. Cad Saude Publica. 2024; 40(4):e00248222 doi: 10.1590/0102-311XPT248222.
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT24822... avaliou a morbidade materna grave em hospitais públicos e privados brasileiros, utilizando-se de dados de prontuário coletados de forma padronizada, por profissionais treinados.
Este estudo teve por objetivo validar a utilidade do SIH/SUS para a vigilância da morbidade materna, tendo o estudo MMG como padrão de referência, por meio da comparação da frequência, motivo e tipo de saída das internações obstétricas, e o cálculo da sensibilidade, especificidade e razão de verossimilhança positiva e negativa de diagnósticos e procedimentos recomendados pela OMS22 World Health Organization. Evaluating the quality of care for severe pregnancy complications: the WHO near-miss approach for maternal health [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2011 [cited 2023 July 11]. 29 p. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44692/9789241502221_eng.pdf;jsessionid=EEBF2C5BAD3A80F2E66623549925154B?sequence=1.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand... para essa vigilância.
MÉTODOS
Desenho do estudo
Trata-se de estudo transversal, realizado em 2021/2022, de validação do SIH/SUS para a vigilância da morbidade materna utilizando-se como padrão de referência o estudo MMG.1515 Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Pacagnella RC, Lansky S, Pereira APE, et al. Mortalidade perinatal, morbidade materna grave e near miss materno: protocolo de um estudo integrado à pesquisa “Nascer no Brasil II”. Cad Saude Publica. 2024; 40(4):e00248222 doi: 10.1590/0102-311XPT248222.
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT24822...
Contexto
O MMG é um estudo de base hospitalar e abrangência nacional, realizado de forma integrada à pesquisa “Nascer no Brasil II: pesquisa nacional sobre aborto, parto e nascimento (NBII)”. Todas as unidades de saúde – públicas e privadas – com mais de 2.750 partos/ano e participantes do estudo NBII foram incluídas no estudo MMG. Nessas unidades, realizou-se um censo das internações obstétricas durante 30 dias consecutivos, no período 2021-2022.
O SIH/SUS é um sistema de informações em saúde de âmbito nacional, composto por duas bases: a base reduzida, que contém os diagnósticos de internação e o procedimento médico principal realizado; e a base de serviços profissionais, com registro de todos os atos profissionais realizados durante a internação hospitalar. O número da Autorização de Internação Hospitalar (AIH) identifica a internação do mesmo indivíduo nas duas bases.
Durante uma internação obstétrica, é possível que uma mulher tenha mais de uma AIH. Segundo as normas do SIH/SUS,1616 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Avaliação, Regulação e Controle. Coordenação Geral dos Sistemas de Informação. SIH – Sistema de Informação Hospitalar do SUS: manual técnico operacional do sistema. 2017 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [citado 2023 Jul 17]. Disponível em http://sihd.datasus.gov.br/documentos/documentos_sihd2.php.
http://sihd.datasus.gov.br/documentos/do... deve ser emitida uma nova AIH durante a mesma internação hospitalar em algumas situações específicas, como, por exemplo, quando a mulher internada para procedimento obstétrico necessita de uma intervenção cirúrgica. Nas situações previstas,1616 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Avaliação, Regulação e Controle. Coordenação Geral dos Sistemas de Informação. SIH – Sistema de Informação Hospitalar do SUS: manual técnico operacional do sistema. 2017 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [citado 2023 Jul 17]. Disponível em http://sihd.datasus.gov.br/documentos/documentos_sihd2.php.
http://sihd.datasus.gov.br/documentos/do... a AIH inicial deve ser encerrada com o motivo de cobrança “permanência” e uma nova AIH deve ser emitida.
Fontes de dados
No estudo MMG, todos os dados foram provenientes de coleta de dados de prontuário, realizada de forma padronizada por profissionais treinados. O total de internações, motivo de internação, tipo de saída e diagnósticos e procedimentos médicos indicadores de morbidade materna1515 Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Pacagnella RC, Lansky S, Pereira APE, et al. Mortalidade perinatal, morbidade materna grave e near miss materno: protocolo de um estudo integrado à pesquisa “Nascer no Brasil II”. Cad Saude Publica. 2024; 40(4):e00248222 doi: 10.1590/0102-311XPT248222.
https://doi.org/10.1590/0102-311XPT24822... foram obtidos na ficha de triagem, instrumento de coleta de dados preenchido para todas as mulheres incluídas no estudo. Para as mulheres com morbidade registrada na ficha de triagem, realizou-se coleta de dados adicional, utilizando-se um instrumento detalhado.
No SIH/SUS, o total de internações, motivo de internação, tipo de saída e diagnósticos de internação foram obtidos na base reduzida, enquanto procedimentos realizados foram obtidos na base reduzida e na base de serviços profissionais. Tanto a base reduzida como a base de serviços profissionais foram acessadas em 15 de agosto de 2022.
Participantes
No estudo MMG, foram incluídos 78 hospitais – 50 públicos e 28 privados, que haviam concluído a coleta de dados até fevereiro de 2022 –, distribuídos em todas as Unidades da Federação, exceto o Amapá.
No SIH/SUS, foram incluídas todas as internações obstétricas ocorridas no mesmo período do estudo MMG, em cada um dos hospitais participantes, estes identificados por seu número do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). O processo de seleção das internações teve quatro etapas (Figura 1). Inicialmente, foram selecionadas AIHs do tipo 1 de mulheres de 10 a 49 anos de idade, na base reduzida, não identificada, disponível no site do Departamento de Informática do SUS (Datasus) e captada pelo pacote Microdatasus,1717 Saldanha RF, Bastos RR, Barcellos C. Microdatasus: pacote para download e pré-processamento de microdados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Cad Saude Publica. 2019;35(9):e00032419. doi: 10.1590/0102-311x00032419.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0003241... utilizando-se a linguagem de programação estatística R.
Procedimentos adotados para seleção das internações obstétricas no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, Brasil, 2021-2022
Na segunda etapa do processo seletivo, foi identificado o episódio de cuidado hospitalar1818 Sheehan KJ, Sobolev B, Guy P, Bohm E, Hellsten E, Sutherland JM, et al. Constructing an episode of care from acute hospitalization records for studying effects of timing of hip fracture surgery. J Orthop Res. 2016;34(2):197-204. doi: 10.1002/jor.22997.
https://doi.org/10.1002/jor.22997... de cada mulher, definido como o conjunto de todas as informações referentes a determinada internação hospitalar, podendo ser constituído por uma ou múltiplas AIHs. Para identificação de um episódio de cuidado formado por múltiplos registros de AIHs, utilizou-se um algoritmo que permitiu a identificação de AIHs subsequentes a uma AIH com motivo de cobrança “permanência”. De forma resumida, AIHs com o mesmo número do CNES e cuja mulher apresentava a mesma data de nascimento foram consideradas como sendo parte de um mesmo episódio de cuidado, se o intervalo entre a data de saída de uma AIH com motivo de cobrança “permanência” e a data de internação da AIH subsequente fosse menor ou igual a um dia.
Posteriormente, para a identificação das internações obstétricas, foram selecionadas as AIHs com diagnósticos de internação [segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10)] e/ou procedimentos do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM (OPM: órteses, próteses e materiais especiais) do SUS1919 Ministério da Saúde (BR). SIGTAP - Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS [Internet]. Brasília: Minitério da Saúde; c2022 [citado 2022 Ago 15]. Disponível em http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp.
http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unif... descritos no Quadro 1, anexo a este relato. Nesta seleção, foram considerados os episódios de cuidado e identificadas AIHs com critério para internação obstétrica em episódios de cuidado com registro único ou múltiplos registros, independentemente da posição da AIH no episódio. Finalmente, após a identificação das internações obstétricas na base reduzida, AIHs com mesmo número foram selecionadas na base de serviços profissionais.
Definições operacionais utilizadas na base do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde para classificação de internação obstétrica, motivo de internação, tipo de saída, diagnósticos e procedimentos específicos
Variáveis
As variáveis de interesse do estudo foram:
a) Tipo de hospital (público; privado)
b) Número total de internações obstétricas
c) Motivo de internação (parto; aborto; intercorrências na gestação; intercorrências no puerpério)
d) Tipo de saída (alta; administrativa; permanência; morte; transferência)
e) Diagnósticos obstétricos
– Pré-eclâmpsia grave
– Eclâmpsia
– Síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas, baixa contagem de plaquetas – Hemolysis, Elevated Liver enzymes, Low Platelet count, HELLP)
– Descolamento prematuro de placenta (DPP)
– Hemorragia pós-parto/pós-aborto
– Rotura uterina
– Gestação ectópica
f) Procedimentos hospitalares
– Histerectomia
– Laparotomia
– Transfusão de hemoderivados
– Internação em unidade de tratamento intensivo (UTI)
Os sete diagnósticos e quatro procedimentos listados nos itens “e” e “f” fazem parte dos 26 critérios recomendados pela OMS para estudo da morbidade materna grave.22 World Health Organization. Evaluating the quality of care for severe pregnancy complications: the WHO near-miss approach for maternal health [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2011 [cited 2023 July 11]. 29 p. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44692/9789241502221_eng.pdf;jsessionid=EEBF2C5BAD3A80F2E66623549925154B?sequence=1.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
Detalhamento das variáveis
No estudo MMG, foram classificadas como internações por “intercorrências na gestação” todas aquelas devidas a complicações clínicas e/ou obstétricas ocorridas durante a gestação, sem indicação de interrupção da gestação no momento da admissão hospitalar; e como “intercorrências no puerpério”, todas as internações decorrentes de complicações clínicas e/ou obstétricas diagnosticadas após o término da gestação. Para o tipo de saída, considerou-se como “permanência” uma mulher que permaneceu internada após o 42º dia do término da gestação. Para diagnósticos e procedimentos, foram considerados os registros feitos no prontuário, sem classificação pela equipe de pesquisa. A ausência de registro foi considerada como ausência do diagnóstico e não realização do procedimento.
No SIH/SUS, para classificação do motivo de internação e do tipo de saída, foram utilizados os critérios descritos no Quadro 1. Foi classificado como tipo de saída “permanência” um episódio de cuidado cuja última AIH teve alta por permanência, não sendo possível identificar a AIH subsequente nesse episódio de cuidado. No caso de episódios de cuidado com mais de uma AIH, foi utilizado o “motivo de internação” registrado na primeira AIH do episódio de cuidado e o “tipo de saída” registrado na última AIH do episódio de cuidado. Para a identificação dos diagnósticos e procedimentos, foram utilizados os códigos da CID e os procedimentos descritos no Quadro 1, sendo considerados os registros de todas as AIHs do episódio de cuidado. No caso de diagnóstico ou procedimento específico registrado em mais de uma AIH do episódio de cuidado, o diagnóstico e/ou procedimento foi contabilizado uma única vez.
Métodos estatísticos
Todas as análises foram realizadas comparando-se dados das internações no SIH/SUS (fonte a ser validada) com os dados de internações apresentados no estudo MMG (padrão de referência), para o conjunto dos hospitais e por hospitais públicos e hospitais privados, utilizando-se a linguagem de programação estatística R versão 4.3.0.2020 R Core Team. R: A language and environment for statistical computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2021 [cited 2022 Ago 08]. Available from: https://www.r-project.org/.
https://www.r-project.org/...
Inicialmente, foram comparados a frequência de internações obstétricas, os motivos de internação e os tipos de saída identificados pelo estudo MMG e no SIH/SUS. Na comparação do total de internações, considerou-se adequada uma cobertura de registro igual ou superior a 90%, percentual utilizado pelo Ministério da Saúde brasileiro como parâmetro para a cobertura de registro em outros sistemas de informações.2121 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.520, de 30 de maio de 2018. Altera os Anexos XCVIII e XCIX à Portaria de Consolidação nº 5/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, com a inclusão de metas e indicadores do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde - PQA-VS, a partir de 2018 [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2018 Jun 6 [citado 2023 Set 1], Seção 1:47. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt1520_06_06_2018.html.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi... A variável “motivo de internação” foi incluída na ficha de triagem do estudo MMG após o início do trabalho de campo, sendo excluídos desta análise os hospitais com mais de 10% das internações sem essa variável.
Posteriormente, foram comparados os diagnósticos e procedimentos específicos nas duas bases. Para esta análise, foram incluídas apenas as mulheres do estudo MMG que apresentaram alguma morbidade. Foi feita a vinculação determinística dessas internações com o SIH/SUS, sendo utilizadas as informações disponíveis nas duas bases [número do CNES; data de nascimento; data de internação; data de alta; raça/cor da pele; código de endereçamento postal (CEP) da residência]. Nas internações obstétricas vinculadas, foi feita a comparação da frequência de diagnósticos e procedimentos específicos, bem como o cálculo da sensibilidade, da especificidade, e da razão de verossimilhança positiva (RV positiva) e negativa (RV negativa) de cada diagnóstico e procedimento específico no SIH/SUS. A RV positiva (sensibilidade/1 - especificidade) refere-se à presença de diagnóstico; e a RV negativa (1 - sensibilidade/especificidade), à ausência de diagnóstico. Valores superiores a 1 aumentam a probabilidade de diagnóstico e valores entre 0 e 1 reduzem essa probabilidade. Para interpretação, foram utilizados os seguintes critérios:
a) RV positiva: > 10 = forte; de 5 a 9,9 = moderada; de 2 a 4,9 = fraca; de 1 a 2 = muito fraca.
b) RV negativa: < 0,1 = forte; de 0,11 a 0,20 = moderada; de 0,21 a 0,50 = fraca; de 0,51 a 1 = muito fraca.2222 Simel DL, Rennie D. The rational clinical examination: evidence-based clinical diagnosis [Internet]. New York: McGraw Hill, 2009 [cited 2024 Jan 15]. 744 p. Available from: https://jamaevidence.mhmedical.com/content.aspx?bookid=845§ionid=61356244.
https://jamaevidence.mhmedical.com/conte...
Todos os códigos utilizados estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico: http://github.com/coelicm/SIH-SUS-validation
Considerações éticas
O projeto do estudo MMG foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (CEP/ENSP/Fiocruz), sob o Parecer no 4.230.028, emitido em 21 de agosto de 2020, com emenda aprovada mediante o Parecer nº 4.473.968, emitido em 18 de dezembro de 2020. Por se tratar de estudo retrospectivo com coleta de dados de prontuário, solicitou-se a dispensa da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo o acesso aos prontuários autorizado pela unidade hospitalar. Todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e a confidencialidade das informações. Para a análise com dados do SIH/SUS, foram utilizadas bases não identificadas, de acesso público.
RESULTADOS
No estudo MMG, foram registradas 33.867 internações obstétricas, das quais 5.379 apresentavam o registro de alguma morbidade materna, sendo coletados dados detalhados de 5.303 prontuários. No SIH/SUS, foram identificadas 32.212 internações obstétricas nos mesmos hospitais e período do estudo, sendo 4.652 relacionadas às internações do estudo MMG que apresentavam diagnóstico de morbidade (Figura 2).
Fluxograma de internações segundo o estudo Morbidade Materna Grave e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, Brasil, 2021-2022
O número de internações obstétricas captadas no SIH/SUS correspondeu a 95,1% do número de internações avaliadas no estudo MMG, sendo essa proporção de 100,2% em hospitais públicos (22.176/22.125) e de 85,5% em hospitais privados (10.036/11.742). Entretanto, a frequência de registro variou entre os hospitais: quando os dados do SIH/SUS foram comparados aos do estudo MMG, 8% dos hospitais públicos e 50% dos hospitais privados apresentaram proporção de registro inferior a 90%, enquanto 14% dos hospitais públicos e 10,7% dos hospitais privados apresentaram proporção de registro de internação superior a 110%.
Verificou-se uma proporção maior de internações por “intercorrências na gestação” no estudo MMG, tanto nos hospitais públicos (16,1% versus 9,9%) como nos hospitais privados (17,4% versus 9,1%), e uma proporção maior de internações para parto no SIH/SUS (78,7% versus 72,2% em hospitais públicos; 81,2% versus 73,0% em hospitais privados). Os motivos de saída no estudo MMG e no SIH/SUS foram semelhantes (Tabela 1), destacando-se que “permanência” teve interpretações diferentes nas duas bases.
Motivo de internação obstétrica e tipo de alta hospitalar segundo o estudo Morbidade Materna Grave e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, Brasil, 2021-2022
A análise dos diagnósticos e procedimentos específicos (Tabela 2) mostrou que os diagnósticos mais frequentes no estudo MMG foram “pré-eclâmpsia grave” (17,7%) e “hemorragia” (13,8%), sendo “internação em UTI” o procedimento mais frequente (7,1%). No SIH/SUS, os diagnósticos mais frequentes foram “pré-eclâmpsia grave” (8,9%) e “gestação ectópica” (4,2%); e entre os procedimentos, os mais frequentes foram “internação em UTI” (5,3%) e “transfusão de hemoderivados” (5,2%). Destaca-se a ausência de casos de síndrome HELLP no SIH/SUS e a identificação dos procedimentos relativos a “transfusão de hemoderivados” e “internação em UTI” exclusivamente na base de serviços profissionais, sendo possível a identificação de “internação em UTI” na base reduzida por meio da variável “UTI_MES_TO”.
Dois diagnósticos (“eclâmpsia” e “DPP”) e três procedimentos (“laparotomia”, “transfusão de hemoderivados” e “internação em UTI”) apresentaram RV positiva “forte” em hospitais públicos e privados, enquanto “pré-eclâmpsia grave”, “rotura uterina” e “gestação ectópica” também apresentaram RV positiva “forte” em hospitais públicos. “Hemorragia pós-parto ou pós-aborto” apresentou RV positiva “moderada” em hospitais públicos e “muito fraca” em hospitais privados. Todos os diagnósticos e procedimentos apresentaram RV negativa “muito fraca” em hospitais públicos e privados, exceto “gestação ectópica” (“forte” em hospitais públicos e privados), “transfusão de hemoderivados” (“fraca” em hospitais privados) e “internação em UTI” (“fraca” em hospitais públicos e “moderada” em hospitais privados) (Tabela 2).
Frequência, sensibilidade, especificidade e razão de verossimilhança negativa e positiva de diagnósticos específicos e procedimentos em internações obstétricas, por caráter do hospital, segundo o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, Brasil, 2021-2022
DISCUSSÃO
Os resultados encontrados mostraram elevada captação de internações obstétricas no SIH/SUS, principalmente em hospitais públicos, com proporções semelhantes quanto ao tipo de saída e motivo de internação, na comparação entre os registros do SIH/SUS e os registros do estudo MMG; à exceção das internações por “intercorrências na gestação”, que apresentaram proporção 40% menor no SIH/SUS. Oito diagnósticos e procedimentos apresentaram RV positiva “forte” em hospitais públicos e cinco em hospitais privados, demonstrando a elevada probabilidade desses diagnósticos e procedimentos quando registrados no Sistema. Entretanto, todos os diagnósticos e procedimentos, à exceção de “gestação ectópica”, apresentaram evidência de sub-registro, limitando o uso do SIH/SUS para a vigilância da morbidade materna.
O menor número de internações observado em hospitais privados seria um resultado esperado, já que nem todos os leitos de um hospital privado conveniado ao SUS realizam internações com financiamento público. A variação na proporção de registro observada nos hospitais avaliados suscita algumas possíveis explicações, tais como (i) a não emissão de AIH, (ii) a não autorização (de AIH) emitida, ou ainda, (iii) a emissão de AIH sem diagnósticos do grupo “O” ou procedimentos utilizados para a identificação de internações obstétricas.
Em internações que apresentam diagnóstico principal e procedimentos por causas não obstétricas, como pode ter ocorrido em internações por COVID-19, é fundamental que códigos/CID do grupo “O” relacionados a intercorrências na gestação ou no puerpério sejam registrados nos diagnósticos secundários, para que se possa identificar essas internações como tendo-se realizado durante a gestação ou puerpério.
Quanto ao maior número de AIHs identificadas no SIH/SUS, as hipóteses explicativas incluem (i) a não identificação de uma AIH como parte de um episódio de cuidado, sendo contabilizada como uma internação de outra mulher, (ii) a não captação de internação de gestantes e puérperas pelo estudo MMG, caso mulheres com diagnóstico de COVID-19 tenham-se internado fora da maternidade (por exemplo, em leitos de emergência ou de isolamento respiratório), e (iii) a emissão de AIH para internações não realizadas.
O resultado de menor proporção de internações por “intercorrências na gestação” no SIH/SUS pode-se atribuir à forma de classificação do motivo de internação nas duas bases: no SIH/SUS, mulheres com diagnóstico de uma complicação na gravidez na internação foram classificadas como “parto” se o procedimento realizado foi um dos previstos para assistência ao parto normal ou realização de cesariana. Cumpre observar as proporções muito semelhantes de internações para assistência ao aborto, indicando não haver sub-registro de internações por abortamento, o que seria possível, considerando-se a ilegalidade e estigmatização do tema no país.
A maioria das saídas foi por alta hospitalar, sendo a proporção de óbitos baixa e semelhante entre as duas bases. Um estudo de avaliação da mortalidade materna no Brasil em 2019, estimada por meio de dados registrado no SIH/SUS, concluiu que o uso do SIH/SUS pode ser válido em estudos sobre mortalidade e morbidade materna, enquanto um sistema de informações complementar ao Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).2323 Ranzani OT, Marinho MF, Bierrenbach AL. Usefulness of the Hospital Information System for maternal mortality surveillance in Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2023;26:e230007. doi: 10.1590/1980-549720230007.2.
https://doi.org/10.1590/1980-54972023000...
O sub-registro de diagnósticos e procedimentos na base SIH/SUS tem implicações para o estudo da morbidade materna, principalmente das complicações hipertensivas e hemorrágicas, causas mais frequentes de morbidade materna encontradas tanto no estudo MMG como em estudos nacionais44 Magalhães MC, Bustamante-Teixeira MT. Morbidade materna extremamente grave: uso do Sistema de Informação Hospitalar. Rev Saude Publica. 2012;46(3):472-8.,66 Silva TC, Varela PLR, Oliveira RR, Mathias TAF. Severe maternal morbidity identified in the Hospital Information System of the Brazilian National Health System in Paraná State, Brazil, 2010. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(3):617-28. doi: 10.5123/s1679-49742016000300017.
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https://doi.org/10.1055/s-0040-1719144... e internacionais.2424 Dzakpasu S, Deb-Rinker P, Arbour L, Darling EK, Kramer MS, Liu S, et al. Severe maternal morbidity surveillance: Monitoring pregnant women at high risk for prolonged hospitalisation and death. Paediatr Perinat Epidemiol. 2020;34(4):427-39. doi: 10.1111/ppe.12574.
https://doi.org/10.1111/ppe.12574... ,2525 Wolfson C, Qian J, Chin P, Downey C, Mattingly KJ, Jones-Beatty K, et al. Findings from severe maternal morbidity surveillance and review in Maryland. JAMA Netw Open. 2022;5(11):e2244077. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2022.44077.
https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.... Problemas no registro de diagnóstico específicos no SIH/SUS já haviam sido relatados em estudos anteriores.33 Bittencourt SA, Camacho LAB, Leal MC. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):19–30.
Para o diagnóstico “pré-eclâmpsia grave”, é possível que se tenham utilizado outros códigos da CID relacionados a complicações hipertensivas, refletindo a dificuldade do diagnóstico diferencial entre a hipertensão específica da gestação, hipertensão crônica e hipertensão crônica superposta com hipertensão gestacional.2626 Bartal MF, Lindheimer MD, Sibai BM. Proteinuria during pregnancy: definition, pathophysiology, methodology, and clinical significance. Am J Obstet Gynecol. 2022;226(2S):S819-S834. doi: 10.1016/j.ajog.2020.08.108.
https://doi.org/10.1016/j.ajog.2020.08.1... ,2727 Hurrell A, Webster L, Chappell LC, Shennan AH. The assessment of blood pressure in pregnant women: pitfalls and novel approaches. Am J Obstet Gynecol. 2022;226(2S):S804-S818. doi: 10.1016/j.ajog.2020.10.026.
https://doi.org/10.1016/j.ajog.2020.10.0... Já a ausência de registro do código da “síndrome HELLP” pode resultar de sua inclusão mais recente na CID-10, adotada em 2019.
O sub-registro do diagnóstico de hemorragia pós-parto é contrário ao relatado na literatura, onde considera-se que esse diagnóstico esteja superestimado ao usar registros da CID-10.2828 Masterson JA, Adamestam I, Beatty M, Boardman JP, Johnston P, Joss J, et al. Severe maternal morbidity in Scotland. Anaesthesia. 2022;77(9):971-80. doi: 10.1111/anae.15798.
https://doi.org/10.1111/anae.15798... Uma possível explicação é que tenha sido registrada a complicação que deu origem à hemorragia (por exemplo, atonia uterina) ou que não tenha havido registro da CID de hemorragia uma vez que a mesma tenha sido resolvida. O registro mais frequente do procedimento “transfusão de hemoderivados”, comparado ao diagnóstico “hemorragia”, reforça essa hipótese.
Ressalta-se que foram considerados códigos da CID registrados em qualquer um dos 12 campos disponíveis para registro de diagnóstico e não apenas no campo de diagnóstico principal, visando maior sensibilidade na identificação das internações e complicações obstétricas. Em algumas unidades hospitalares, todos os diagnósticos de “eclâmpsia” estavam registrados no campo “CID notificação” e não no diagnóstico principal (dado não mostrado em tabela), provavelmente reflexo de uma preocupação com a vigilância desse agravo. A utilização apenas do diagnóstico registrado na CID principal resultaria em sub-registro ainda maior de complicações, como também menor captação de internações obstétricas.
Para os procedimentos, cabe destacar o sub-registro de intervenções cirúrgicas de grande porte, como “histerectomia” e “laparotomia”, marcadoras de complicações graves. No que concerne ao registro de internações em UTIs, houve melhora em relação a estudo anterior, que avaliou internações por infarto agudo do miocárdio,2929 Escosteguy CC, Portela MC, Medronho RA, Vasconcellos MTL. O Sistema de Informações Hospitalares e a assistência ao infarto agudo do miocárdio. Rev Saude Publica. 2002;36(4):491–9. doi: 10.1590/s0034-89102002000400016.
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200200... embora a frequência observada ainda seja inferior à registrada em dados de prontuário. A ausência de leitos credenciados para tratamento intensivo, ou mesmo a rejeição da AIH, são explicações possíveis para esse resultado.
O presente estudo tem algumas limitações. Foram analisados apenas hospitais com mais de 2.750 nascidos vivos por ano, não sendo possível estimar se os mesmos resultados seriam observados em hospitais de menor porte. As comparações entre número de internações, motivo de internação e tipo de saída foram feitas entre frequências estimadas nas duas bases, não sendo possível afirmar que as internações observadas sejam das mesmas mulheres. Finalmente, o estudo MMG, utilizado como padrão de referência, contém dados obtidos do prontuário hospitalar que dependem da qualidade do registro em cada serviço.
Não obstante essas limitações, trata-se aqui do primeiro estudo dedicado à avaliação de internações obstétricas no SIH/SUS e sua comparação com dados de prontuário obtidos em estudo nacional, realizado em hospitais públicos e privados, com coleta de dados padronizada por profissionais treinados. Também foi utilizada a análise dos episódios de cuidado (e não de AIH individualmente), já adotada em estudos anteriores com o SIH/SUS3030 Portela MC, Schramm JM de A, Pepe VLE, Noronha MF, Pinto CAM, Cianeli MP. Algoritmo para a composição de dados por internação a partir do sistema de informações hospitalares do sistema único de saúde (SIH/SUS) - Composição de dados por internação a partir do SIH/SUS. Cad Saude Publica. 1997;13(4):771–4. doi: 10.1590/s0102-311x1997000400020.
https://doi.org/10.1590/s0102-311x199700... mas não em estudos recentes sobre morbidade obstétrica, permitindo melhor estimativa do número de internações obstétricas e das complicações registradas nessas internações. Por fim, a análise simultânea da base reduzida e da base de serviços profissionais permitiu identificar as morbidades e procedimentos que podem ser avaliados de forma mais adequada com o uso das duas bases.
Estudos futuros devem investigar o registro do SIH/SUS em hospitais de menor porte e as razões para diferenças de registro entre diferentes hospitais, bem como avaliar estratégias de melhoria da qualidade do registro no Sistema.
O estudo da morbidade materna é um importante componente das estratégias de melhoria da atenção obstétrica e de redução da mortalidade materna. O SIH/SUS é um sistema de informação de abrangência nacional que contém dados de morbidade e os resultados deste estudo mostram elevada captação de internações obstétricas ao utilizar as definições operacionais propostas. Entretanto, diagnósticos específicos, à exceção de “gestação ectópica”, apresentaram sub-registro, tal qual procedimentos indicadores de manejo de complicações graves.
A melhoria contínua dos registros nas AIHs, especialmente dos diagnósticos e procedimentos de risco mais relevantes para a morbimortalidade materna, como complicações hipertensivas e hemorrágicas, é essencial para a utilização do SIH/SUS na vigilância da morbidade materna. Possíveis estratégias a recomendar incluem o treinamento de profissionais e a implementação de práticas padronizadas, para serem seguidas mesmo em períodos excepcionais, como pandemias, visando melhorar a precisão e a consistência no registro de diagnósticos e procedimentos, incluindo diagnósticos secundários, tanto em hospitais públicos como em hospitais privados.
FINANCIAMENTO
Este trabalho foi financiado com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (CNPq/MCTI), e da Fundação Bill & Melinda Gates. Edital “Ciência de Dados para Melhorar a Saúde Materno Infantil, Saúde da Mulher e Saúde da Criança no Brasil – Grand Challenges Explorations – Brasil”, Processo no 445116/2020-0.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
29 Jul 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
07 Dez 2023 - Aceito
14 Mar 2024