Análise temporal e espacial das notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino no Brasil, 2013 a 2022: estudo ecológico

Beatriz Caroline Leão Lima Cássio Eduardo Soares Miranda Fernando Ferraz do Nascimento Jesusmar Ximenes Andrade Malvina Thais Pacheco Rodrigues José Wicto Pereira Borges Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, e sua relação com o desenvolvimento municipal no Brasil.

Métodos

Trata-se de estudo ecológico empregando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação e os Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHMs), de 2013-2022. Utilizou-se a regressão de Prais-Winsten para a análise temporal e o índice de Moran para a análise espacial.

Resultados

Houve 39.967 notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino. Verificou-se tendência crescente no Brasil (variação percentual anual = 6,8; IC95% 3,8;10,0). A distribuição espacial apresentou correlação direta entre altas taxas de violência e baixos IDHMs (p < 0,001).

Conclusão

Observou-se tendência temporal de crescimento no Brasil e dependência espacial das taxas de notificação de violência sexual nos municípios.

Palavras-chave
Violência Sexual; Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes; Estudos Ecológicos; Estudos de Séries Temporais; Análise Espacial

Contribuições do estudo

Principais resultados

A tendência dos casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino foi crescente no Brasil. A análise espacial apresentou correlação direta entre altas taxas de violência e baixos índices de desenvolvimento humano.

Implicações para os serviços

A identificação de áreas subnotificadas requer estruturação de serviços de vigilância em saúde. Territórios com maior número de notificações demandam estratégias de prevenção e enfrentamento para o acolhimento dessas vítimas.

Perspectivas

Estratégias de prevenção, enfrentamento e melhoria do processo de vigilância devem ser adotadas. Incluem-se entre elas: acolhimento, suporte psicossocial, assistência integral à saúde e treinamento de profissionais para notificação e denúncia do agravo.

Palavras-chave
Violência Sexual; Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes; Estudos Ecológicos; Estudos de Séries Temporais; Análise Espacial

INTRODUÇÃO

A prevalência mundial da violência sexual é heterogênea e sem diminuição significativa, o que requer estratégias de enfrentamento eficazes.11 Borumandnia N, Khadembashi N, Tabatabaei M, Majd HA. The prevalence rate of sexual violence worldwide: a trend analysis. BMC Public Health. 2020;20(1835). doi: 10.1186/s12889-020-09926-5.
https://doi.org/10.1186/s12889-020-09926...
Um a cada 13 homens relata ter sido abusado sexualmente entre zero e 17 anos de idade.22 World Health Organization (WHO) [Internet]. Child maltreatment. Fact sheets. 2022. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/child-maltreatment.
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
A violência sexual contra crianças e adolescentes é subestimada para o sexo masculino, devido à menor compreensão ou reconhecimento dos casos contra os homens.11 Borumandnia N, Khadembashi N, Tabatabaei M, Majd HA. The prevalence rate of sexual violence worldwide: a trend analysis. BMC Public Health. 2020;20(1835). doi: 10.1186/s12889-020-09926-5.
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No Brasil, de 2015 a 2021, foram registrados 202.948 casos de violência sexual em crianças e adolescentes no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). O sexo masculino teve a menor proporção de casos (13,8%) – seguindo a tendência mundial –, percentual que pode ser ainda maior, devido à subnotificação.33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2015 a 2021. Boletim Epidemiológico [Internet]. 2024;54(8):1-15. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2023/boletim-epidemiologico-volume-54-no-08/view.,44 Ferreira DC, Bortoli MC, Pexe-Machado P, Saggese SR, Veras MC. Violência sexual contra homens no Brasil: subnotificação, prevalência e fatores associados. Revista de Saúde Pública. 2023;57:23. doi: 10.11606/s1518- 8787.2023057004523.
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Tal fato se deve à existência de barreiras socioculturais, como machismo e descredibilização das vítimas.44 Ferreira DC, Bortoli MC, Pexe-Machado P, Saggese SR, Veras MC. Violência sexual contra homens no Brasil: subnotificação, prevalência e fatores associados. Revista de Saúde Pública. 2023;57:23. doi: 10.11606/s1518- 8787.2023057004523.
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A pandemia de covid-19 também contribuiu para a subnotificação, com redução de notificações dessa violência contra crianças e adolescentes em 2020 no Rio Grande do Sul.55 Levandowski ML, Stahnke DN, Munhoz TN, Hohendorff JV, Salvador-Silva R. Impacto do distanciamento social nas notificações de violência contra crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2021;37(1):e00140020. doi: 10.1590/0102-311X00140020.
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Tal comportamento foi observado também na América do Norte, Europa, Ásia e África, mesmo com exacerbação dos abusos sexuais.66 Kourti A, Stavridou A, Panagouli E, Psaltopoulou T, Spiliopoulou C, Tsolia M, et al. Domestic Violence During the COVID-19 Pandemic: A Systematic Review. Trauma, violence, & abuse. 2023;24(2):719–745. doi: 10.1177/15248380211038690.
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O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino requer a compreensão da dimensão do problema. Estudos de tendência e análise espacial auxiliam os serviços no conhecimento da magnitude de um problema de saúde pública, além da comparação em períodos excepcionais, como na pandemia de covid-19.77 Eryando T. Spatial Analysis for Enhancing the Use of Health Data Availability from Different Sources to Help the Decision-Making Process. Kesmas: Jurnal Kesehatan Masyarakat Nasional (National Public Health Journal). 2022;17(3):165-168. doi: 10.21109/kesmas.v17i3.6196.
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,88 Antunes JL, Cardoso MR. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2015;24(3):565-76. doi: 10.5123/S1679-49742015000300024.
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Nessas análises, crianças e adolescentes do sexo masculino têm sido pouco estudados. Observar a tendência da violência sexual nesse público e identificar áreas prioritárias é estratégico para o planejamento de políticas públicas de prevenção e enfrentamento, principalmente em períodos excepcionais, como na pandemia. O objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, e sua relação com o desenvolvimento municipal no Brasil, de 2013 a 2022.

MÉTODOS

Delineamento e contexto

Trata-se de estudo ecológico de série temporal e análise espacial. A unidade de análise temporal foi composta pelos anos e a unidade de análise espacial foi composta pelos municípios.

Utilizaram-se as notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino no Brasil, de 2013 a 2022. Esse período foi escolhido por representar a década mais recente com dados sobre o agravo disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).99 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do SUS. Datasus: Tabnet - informações de saúde, epidemiológicas e morbidade [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?%20area=0203.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...

Em 2022, a população masculina correspondia a 49% da população brasileira, e pessoas até 19 anos correspondiam a 14% dessa população.1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2022. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão [Internet]. 2023. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/.
https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/....

Participantes

Foram analisados os casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino de zero a 19 anos notificados no Sinan. Para a definição da faixa etária do estudo, utilizou-se o critério da Organização Mundial da Saúde (OMS), em que indivíduos de zero a 9 anos são considerados crianças, e indivíduos de 10 a 19 anos, adolescentes.1111 World Health Organization (WHO) [Internet]. Health topics: adolescent health [Internet]. 2010. Available from: http://www.who.int/topics/adolescent_health/en/.
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Variáveis

As variáveis do estudo foram: sexo masculino, faixa etária (em anos: < 1, 1-4, 5-9, 10-14, 15-19), região, município, ano da notificação, vínculo do agressor (familiar, afetivo, conhecido, desconhecido, pessoa com relação institucional, policial/agente da lei, outros vínculos), local de ocorrência (residência, habitação coletiva, escola, local de prática esportiva, bar ou similar, via pública e comércio/serviços, indústria/construção, outros).

Fonte de dados e mensuração

O número de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino foi obtido a partir da base de dados do Sinan, e as estimativas populacionais, a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponíveis respectivamente na plataforma Tabnet do DATASUS (https://datasus.saude.gov.br/) e no sítio eletrônico do Censo de 2022 (https://censo2022.ibge.gov.br), obtidos em 16/11/2023.99 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do SUS. Datasus: Tabnet - informações de saúde, epidemiológicas e morbidade [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?%20area=0203.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...

Para a variável “vínculo do agressor”, foi realizada a agregação dos dados: pai, mãe, padrasto, madrasta, filho(a) e irmão(a) foram agregados como vínculo “Familiar”. Cônjuge, ex-cônjuge, namorado(a) e ex-namorado(a) foram agregados como vínculo “Afetivo”. Amigos/conhecidos, cuidador e patrão/chefe foram agregados como vínculo “Conhecido”.

A fonte de dados da base cartográfica (malhas territoriais) utilizada para a geração dos mapas é proveniente do IBGE, na versão de 2021.1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portal de mapas do IBGE. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão [Internet]. 2023. Disponível em: https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#mapa223147.
https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal...
A estimativa do IDH utilizada é a do Censo de 2010,1313 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Ipeadata: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (Atlas DH - Censo) [Internet]. 2010. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx.
http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx....
tendo em vista a indisponibilidade de estimativas no Censo de 2022.

Para o cálculo das taxas de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, foi dividido o número total de casos por ano pela população residente nas respectivas faixas etárias de cada região e do país no mesmo ano, e multiplicado por 100 mil.

Métodos estatísticos

Foi calculada a variação percentual anual (VPA) das taxas de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, baseada no modelo de análise linear generalizada de Prais-Winsten, usando-se o programa Stata versão 14.0.88 Antunes JL, Cardoso MR. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2015;24(3):565-76. doi: 10.5123/S1679-49742015000300024.
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Inicialmente, foi realizada a transformação logarítmica na base 10 das taxas de violência sexual, com o objetivo de minimizar a heterogeneidade da variância dos resíduos do modelo de regressão, além de favorecer o cálculo da razão de incremento anual da série temporal.88 Antunes JL, Cardoso MR. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2015;24(3):565-76. doi: 10.5123/S1679-49742015000300024.
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O modelo de Prais-Winsten foi empregado na estimação dos intervalos de confiança de 95% (IC95%).

As análises espaciais foram realizadas com uso do GeoDa e do QGis. Foram calculadas as taxas bayesianas empíricas espaciais para análise de dados e representação em mapas.1414 Carvalho AXY, Silva GDM, Almeida Júnior GR, Albuquerque PHM. Taxas bayesianas para o mapeamento de homicídios nos municípios brasileiros. Cadernos de Saúde Pública. 2012;28:p. 1249-1262. doi: 10.1590/S0102-311X2012000700004.
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Os mapas foram divididos em triênios, utilizando-se como representação matricial as quebras naturais.

A análise de autocorrelação espacial foi realizada pelo índice global e local de Moran em suas versões univariada e bivariada.1515 Luzardo, AJR, Filho Castañeda RM, Rubim IB. Análise espacial exploratória com o emprego do índice de Moran. GEOgraphia. 2017;19(40):p. 161-179. doi: 10.22409/GEOgraphia2017.v19i40.a13807.
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Os modelos univariados utilizaram isoladamente as taxas bayesianas de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, enquanto no bivariado foram testadas possíveis correlações espaciais entre as taxas e os Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHMs).

Para estimar a significância estatística dos índices, foi adotado o teste de pseudossignificância por meio de 99.999 permutações.1616 Druck S, Carvalho MS, Câmara G, Monteiro AMV. Análise de Dados de Área. Em: Análise Espacial de Dados Geográficos. 1. ed. Planaltina: EMBRAPA; 2004. A demonstração cartográfica foi realizada por meio do mapa de indicadores locais de associação espacial, que categoriza os municípios a partir do índice local de Moran em agrupamentos de autocorrelação direta (alto-alto e baixo-baixo) e de correlação inversa (alto-baixo e baixo-alto).

A projeção dos mapas utilizou o sistema Universal Transversa de Mercator, empregando o modelo Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas 2000. Os cálculos dos índices de Moran foram realizados no GeoDa versão 1.20; a diagramação e a criação dos mapas finais foram realizadas no QGis versão 3.64.

Aspectos éticos

Foram utilizados dados secundários e agregados de acesso público, impossibilitando a identificação individual dos registros, o que dispensou o estudo de apreciação por comitê de ética em pesquisa.

RESULTADOS

Foram notificados no Sinan 39.967 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino no Brasil, no período estudado. Entre os casos notificados, 16.497 (41,3%) eram da faixa etária de 5 a 9 anos; 14.021 (35,1%) eram de vínculo conhecido e 11.385 (28,5%) de vínculo familiar; 24.948 (62,4%) tiveram a residência como local de ocorrência; e 17.658 (44,2%) ocorreram na região Sudeste (Tabela 1). A variável “violência de repetição” não pôde ser analisada, devido à elevada incompletude (31,1%). Figura 1 e Figura 2

Figura 1
Distribuição das notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino nos municípios brasileiros, 2013-2022
Figura 2
Dependência espacial das notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino nos municípios brasileiros, 2013-2022
Tabela 1
Caracterização das notificações por violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, Brasil, 2013-2022 (n = 39.967)

Observou-se tendência crescente estatisticamente significativa (VPA: 6,8; IC95% 3,8;10,0; p-valor < 0,001) no Brasil (Tabela 2). A VPA foi maior nas regiões Sudeste (VPA: 9,5; IC95% 5,3;13,9; p-valor: 0,001) e Nordeste (VPA: 6,8; IC95% 2,8;11,0; p-valor: 0,004), e entre 15 e 19 anos (VPA: 11,6; IC95% 7,7;15,6; p-valor: < 0,001) e < 1 ano (VPA: 10,4; IC95% 3,8;17,6; p-valor: 0,006).

Tabela 2
Variação percentual anual (VPA) da violência sexual em crianças e adolescentes do sexo masculino (por 100 mil habitantes), pela faixa etária e regiões, Brasil, 2013-2022

No triênio 2013-2015, maiores taxas se concentraram em municípios do Sul e Sudeste do país. Nos triênios 2016-2018 e 2019-2021, as taxas de violência permaneceram concentradas nos municípios do Sul e Sudeste, e no estado do Pará. Em 2022, observou-se uma distribuição espacial diferenciada nos triênios, especialmente nos municípios do Amazonas, de Roraima e do Amapá, em que a taxa de violência sexual apresentou variação de até 21,05 por 100 mil habitantes.

Houve correlação direta em todos os anos analisados: 2013-2015 (I: 0,371 p < 0,001), 2016-2018 (I: 0,330 p < 0,001), 2019-2021 (I: 0,391 p < 0,001) e 2022 (I: 0,405 p < 0,001). Agrupamentos de municípios com altas taxas de violência sexual foram verificados nas regiões Sul e Sudeste e nos estados do Tocantins, de 2013 a 2021 e em 2022, e do Pará, de 2013 a 2018 e em 2022.

A Figura 3 mostra que o modelo bivariado apresentou dependência global direta para os quatro períodos analisados: 2013-2015 (I: 0,196 p < 0,001), 2016-2018 (I: 0,169 p < 0,001), 2019-2021 (I: 0,176 p < 0,001) e 2022 (I: 0,162 p < 0,001). Entre os anos de 2013 e 2021, observou-se predominância de agrupamentos de baixas taxas de violência sexual com baixos IDHMs. Nas regiões Sul e Sudeste, especialmente em São Paulo, é possível notar prevalência de agrupamentos baixo-alto e alto-alto. Em 2022, os estados do Amazonas, de Roraima e do Pará concentraram a maior quantidade de municípios cujas taxas de violência sexual eram altas e os IDHMs eram baixos.

Figura 3
Correlação entre as notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino e o índice de desenvolvimento humano nos municípios brasileiros, 2013-2022

DISCUSSÃO

Os casos notificados de violência contra crianças e adolescentes do sexo masculino foram predominantes em crianças de 5 a 9 anos. Os vínculos mais frequentes dos casos eram conhecidos ou familiares. A residência foi o local mais constante das ocorrências. Excetuando-se a região Norte, a tendência foi crescente em todo o Brasil, principalmente na região Sudeste. Os casos se concentraram no Sul e Sudeste, enquanto as menores taxas se registraram no Nordeste. A distribuição espacial apontou correlação com os IDHMs, com destaque para os estados do Amazonas, de Roraima e do Pará.

Estudo realizado no município de Rio das Ostras, Rio de Janeiro, revelou que, entre as notificações de 2009 a 2018, metade eram referentes a crianças de 5 a 9 anos de idade de ambos os sexos.1717 Barcellos TMT, Góes FGB, Silva ACSS, Souza AN, Camilo LA, Goulart MCL. Violência contra crianças: descrição dos casos em município da baixada litorânea do Rio de Janeiro. Escola Anna Nery. 2021;24(4):e20200485. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2020-0485.
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Em Envigado, Colômbia, entre 807 casos de violência sexual entre 2011 e 2020, 63% ocorreram em indivíduos de 1 a 17 anos.1818 Noreña-Herrera C, Rodríguez SA. Violencia sexual en un municipio de Colombia: características de las víctimas y de sus victimarios, 2011-2020. Biomédica. 2022;42(3):492-507. doi: 10.7705/biomedica.6460.
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Devido à imaturidade física e psicológica, quanto mais nova a criança, maior o risco de sofrer violência e danos à saúde, pois ela não possi capacidade física e emocional para se defender da violência.1818 Noreña-Herrera C, Rodríguez SA. Violencia sexual en un municipio de Colombia: características de las víctimas y de sus victimarios, 2011-2020. Biomédica. 2022;42(3):492-507. doi: 10.7705/biomedica.6460.
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Agressores conhecidos e familiares foram predominantes neste estudo. Em Belém, entre 2014 e 2016, de 4.870 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino, 59% tinham como agressores pessoas conhecidas das vítimas.1919 Ferraz MMP, Veloso MMX, Cabral IR. Violência sexual contra crianças e adolescentes: análise das notificações a partir do debate sobre gênero. DESidades. 2021;(29):134-50. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S2318928-22021000100009&script=sci_abstract.
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O estudo de Envigado, citado acima, revelou que os principais agressores têm vínculo familiar com a vítima, circunstância que dificulta a busca de ajuda.1818 Noreña-Herrera C, Rodríguez SA. Violencia sexual en un municipio de Colombia: características de las víctimas y de sus victimarios, 2011-2020. Biomédica. 2022;42(3):492-507. doi: 10.7705/biomedica.6460.
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Experiências violentas, abuso infantil, transtornos psicopatológicos, uso de drogas, disfunção familiar e vigilância limitada das crianças contribuem para o acesso facilitado dos agressores à vítima, principalmente quando são familiares.1818 Noreña-Herrera C, Rodríguez SA. Violencia sexual en un municipio de Colombia: características de las víctimas y de sus victimarios, 2011-2020. Biomédica. 2022;42(3):492-507. doi: 10.7705/biomedica.6460.
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A residência foi o principal local de ocorrências, o que pode ser associado ao vínculo do agressor, visto que, na maioria dos casos, o agressor é membro da família ou conhecido, exercendo poder sobre a vítima e persistindo nos abusos sexuais. O lar deveria representar um ambiente acolhedor para crianças e adolescentes, entretanto, a facilidade de acesso contribui para a ocorrência da violência sexual majoritariamente na residência da vítima.1717 Barcellos TMT, Góes FGB, Silva ACSS, Souza AN, Camilo LA, Goulart MCL. Violência contra crianças: descrição dos casos em município da baixada litorânea do Rio de Janeiro. Escola Anna Nery. 2021;24(4):e20200485. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2020-0485.
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,2020 Silva SBJ, Conceição HN, Câmara JT, Machado RS, Chaves TS, Moura DES, et al. Perfil das notificações de violência contra crianças e adolescentes. Revista de Enfermagem UFPE Online. 2020;14:e244171. doi: 10.5205/1981-8963.2020.244171.
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O Sudeste mostrou maior número de casos, tendência e concentração espacial, resultado semelhante ao de um estudo de caracterização do abuso sexual infantil, de 2011 a 2017, no Brasil.2121 Cândido EL, Girão MMF, Assunção RCG, Feitosa PWG, Oliveira IC, Oliveira IC. Características do abuso sexual infantil no brasil. Revista Feminismos. 2020;8(2):114-121. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/35619. A maior vigilância presente nos grandes centros do país, por meio de incentivo à notificação e aumento de serviços de proteção, como ocorre na região Sudeste, pode influenciar no número de notificações.2121 Cândido EL, Girão MMF, Assunção RCG, Feitosa PWG, Oliveira IC, Oliveira IC. Características do abuso sexual infantil no brasil. Revista Feminismos. 2020;8(2):114-121. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/35619. Por seu turno, a ausência ou a redução de notificação de casos, de serviços de saúde e da adesão da população aos serviços pode explicar por que as regiões Norte e Nordeste apresentaram taxas de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino inferiores, no presente estudo.2121 Cândido EL, Girão MMF, Assunção RCG, Feitosa PWG, Oliveira IC, Oliveira IC. Características do abuso sexual infantil no brasil. Revista Feminismos. 2020;8(2):114-121. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/35619.,2222 Moreira KFA, Bicalho BO, Moreira TL. Violência sexual contra mulheres em idade fértil na região norte do Brasil. Revista Eletrônica Acervo Saúde. 2020;12(3):e2826. doi: 10.25248/reas.e2826.2020.
https://doi.org/10.25248/reas.e2826.2020...

Entre 2013 e 2022, a violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo masculino aumentou no Brasil e se relacionou a baixo desenvolvimento. Observou-se concentração de municípios com altas taxas de violência e baixos índices de desenvolvimento humano no Amazonas, em Roraima e no Pará. A exploração sexual apresentou-se intimamente ligada às condições socioeconômicas precárias em uma pesquisa empírica realizada em Manaus, entre 2018 e 2019.2323 Fernandez CB, Silva SEP. Acompanhamento especializado de adolescentes em situação de violência sexual na cidade de Manaus. Revista de Políticas Públicas. 2020;24(2):511-531. doi: 10.18764/2178-2865.v24n2p511-531.
https://doi.org/10.18764/2178-2865.v24n2...
Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica podem ser exploradas sexualmente como forma de sustento.2323 Fernandez CB, Silva SEP. Acompanhamento especializado de adolescentes em situação de violência sexual na cidade de Manaus. Revista de Políticas Públicas. 2020;24(2):511-531. doi: 10.18764/2178-2865.v24n2p511-531.
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Apesar de a violência não se restringir a indivíduos em situação de vulnerabilidade, há relação do abuso sexual com aspectos socioeconômicos e culturais.2424 Miranda AC, Barreto MLM, Lírio VS, Clemente F. Violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Ciências Sociais Unisinos. 2020;56(3):316-26. doi: 10.4013/csu.2020.56.3.06.
https://doi.org/10.4013/csu.2020.56.3.06...

O estudo apresenta limitações, como a subnotificação e a incompletude de dados, que sugerem falhas nos serviços de saúde para a notificação adequada no Sinan. Ações como o treinamento de profissionais para o manejo da violência sexual e a sensibilização da comunidade para a denúncia podem auxiliar na vigilância dos casos. O estudo contribui para a melhor compreensão do fenômeno e o desenvolvimento de intervenções consentâneas às necessidades.

  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mediante concessão de bolsa de mestrado à autora Beatriz Caroline Leão Lima, Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2023
  • Aceito
    08 Jul 2024
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com