Casos notificados de mpox na cidade do Rio de Janeiro, Brasil: estudo descritivo, 2022

Caio Luiz Pereira Ribeiro Camila Arantes Ferreira Brecht D’Oliveira Élida de Albuquerque Campos Luciana Freire de Carvalho Luciana de Almeida Pinto Karoline Moreira Duffrayer Poliana Hilário Magalhães Raquel Proença José Cerbino Neto Gislani Mateus Oliveira Aguilar Márcio Henrique de Oliveira Garcia Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Descrever o perfil dos casos de mpox na cidade do Rio de Janeiro, entre junho e novembro de 2022.

Métodos

Estudo descritivo de dados secundários das fichas de notificação de mpox. Foram analisados dados socioeconômicos, clínicos e espaciais.

Resultados

Dos 928 casos, 93,7% foram do sexo masculino, 85,0% homem cisgênero, 65,6% homossexual, 41,8% entre 30 e 39 anos e 41,0% brancos. Apresentavam imunodepressão por doença 34,5%, e 41,9% informaram sorologia positiva prévia para vírus da imunodeficiência humana. Os sinais e sintomas mais prevalentes foram: lesões cutâneas (96,6%), especialmente com manifestações múltiplas (67,8%) e em região genital (46,1%), além de febre (58,3%), adenomegalia (43,3%) e cefaleia (38,7%). A maioria das notificações ocorreu na rede pública (81,3%) e na atenção hospitalar (51,3%).

Conclusão

O estudo revelou maior incidência de mpox entre homens cisgênero, autodeclarados de cor branca e homossexual. A maioria dos casos teve apresentação leve evoluindo para cura sem hospitalização.

Palavras-chave
Monkeypox; Surto; Epidemiologia; Vigilância em Saúde Pública; Saúde Pública

Contribuições do estudo

Principais resultados

Os casos notificados de mpox na cidade do Rio de Janeiro concentraram-se principalmente em homens de 30 a 39 anos. A maioria apresentou quadro leve evoluindo para cura sem hospitalização.

Implicações para os serviços

O perfil pode contribuir para o direcionamento das políticas locais de assistência à saúde, direcionando ações de prevenção e promoção da saúde.

Perspectivas

Investigações adicionais podem contribuir para a ampliação do conhecimento da doença. Investimento em vigilância em saúde faz-se necessário para resposta a emergências de saúde pública.

Palavras-chave
Monkeypox; Surto; Epidemiologia; Vigilância em Saúde Pública; Saúde Pública

INTRODUÇÃO

Mpox é uma doença zoonótica viral com período de incubação médio de 6 a 16 dias, cujo reservatório é desconhecido.11 Quiner CA, Moses C, Monroe BP, Nakazawa Y, Doty JB, Hughes CM, et al. Presumptive risk factors for monkeypox in rural communities in the Democratic Republic of the Congo. Yang Y, organizador. PLoS ONE. 2017;12(2):e0168664. doi:10.1371/journal.pone.0168664. Os primeiros casos foram associados à caça e ingestão de animais silvestres infectados,22 Khodakevich L, Jezek Z, Messinger D. Monkeypox virus: ecology and public health significance. Bull World Health Organ. 1988;66(6):747-52. embora sua transmissão também ocorra entre pessoas ou por contato com material infectado.33 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791.,44 WHO. Monkeypox. 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/monkeypox.
https://www.who.int/news-room/questions-...
Os sinais e sintomas mais comuns da doença são lesões cutâneas, cefaleia, febre, mialgia, fadiga e linfonodomegalia,55 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. 2023. 2022 Mpox Outbreak Global Map. e a transmissão se encerra com o desaparecimento das lesões. A maioria dos casos tem manifestações clínicas leves e apresenta bom prognóstico, porém em indivíduos imunossuprimidos pode ocorrer agravamento do quadro e hospitalização.44 WHO. Monkeypox. 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/monkeypox.
https://www.who.int/news-room/questions-...

Mpox ficou conhecida como varíola dos macacos, por ter sido identificada em primata não humano em 1958.33 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791. Em 1970, foi identificado o primeiro caso em humanos na República Democrática do Congo,22 Khodakevich L, Jezek Z, Messinger D. Monkeypox virus: ecology and public health significance. Bull World Health Organ. 1988;66(6):747-52. ocorrendo surtos nas décadas de 1970 e 1980 naquela república e em outros países do Oeste e África Central.33 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791. Nos últimos anos, houve aumento da taxa de incidência de 0,72 caso a cada 100 mil hab., em 1980, para 14,4 casos/100 mil hab. em 2000, no continente africano.33 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791. Em 2003, ocorreu o primeiro surto de mpox nos Estados Unidos66 Sejvar JJ, Chowdary Y, Schomogyi M, Stevens J, Patel J, Karem K, et al. Human monkeypox infection: a family cluster in the midwestern United States. J Infect Dis. 2004;190(10):1833-40. doi:10.1086/425039. e, em 2017 e 2018, na Nigéria e em Camarões, onde não havia registro de casos há duas décadas.33 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791. De maio a julho de 2022, foram reportados mais de 16 mil casos de mpox em 75 países,77 Brockmeyer NH. As monkeypox goes sexual: a public health perspective. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2022;36(8):1164-1166. doi:10.1111/jdv.18301. sendo decretada Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o surto de mpox.88 OPAS. Diretor-geral da OMS declara que surto de monkeypox constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional. 2022. No Brasil, foram registradas 10.904 notificações confirmadas para mpox até a Semana Epidemiológica (SE) 16 de 2023,99 Brasil. Card Situação Epidemiológica de Monkeypox no Brasil nº 172. 2023. sendo 1.039 (9,5%) dessas notificações relativas a casos confirmados na cidade do Rio de Janeiro.1010 EpiRio. EpiRio - Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro. 2023.

A literatura científica sobre o mpox ainda é escassa.1111 Foster SO, Hutchins DL, Pifer JM, Lourie B, Moser CR, Cummings EC, et al. Human monkeypox. Bull World Health Organ. 1972;46(5):569-76. Assim como outras doenças endêmicas nos continentes africano e sul-americano, esse agravo tem sido negligenciado, ganhando repercussão e financiamento em pesquisa somente após a ocorrência de casos no Hemisfério Norte, revelando a perspectiva colonial no fazer científico.1212 Oliveira RG de. Sentidos das Doenças Negligenciadas na agenda da Saúde Global: o lugar de populações e territórios. Ciência Saúde Coletiva. 2018;23(7):2291-302. doi:10.1590/1413-81232018237.09042018. Destaca-se a importância de compreender a manifestação da doença na população, contribuindo na construção de ações em saúde. Assim, este artigo objetivou descrever as características sociodemográficas e clínicas dos casos notificados de mpox em residentes na cidade do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Delineamento e fonte de dados

Estudo descritivo dos dados de mpox notificados ao Ministério da Saúde. A ferramenta Research Electronic Data Capture (REDCap) foi empregada para gestão do banco de dados, que foi estruturado, qualificado e gerenciado pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Participantes do estudo

O estudo incluiu os casos confirmados de mpox de residentes na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, registrados na referida plataforma de 15 de junho de 2022 ‒ data do primeiro caso de mpox notificado na cidade do Rio de Janeiro ‒ até 7 de novembro de 2022, data de encerramento das notificações inseridas no REDCap.

Contexto

Para este estudo, foram consideradas as definições de caso conforme as comunicações de risco sobre mpox da Coordenação de Informação Estratégica em Vigilância em Saúde da cidade do Rio de Janeiro, adaptadas do Ministério da Saúde (Quadro Suplementar 1). Considera-se caso suspeito um indivíduo de qualquer idade que, a partir de 15 de março de 2022, apresente início súbito de erupção cutânea aguda sugestiva de mpox, única ou múltipla, em qualquer parte do corpo (incluindo região genital), associada ou não a adenomegalia ou relato de febre. Um caso confirmado de mpox é um indivíduo que atende à definição de caso suspeito com resultado/laudo de exame laboratorial “positivo/detectável” para mpox por diagnóstico molecular (PCR em tempo real e/ou sequenciamento).

Variáveis

As variáveis analisadas foram sexo (“masculino”, “feminino”); idade em anos e faixa etária (“0-9”, “10-19”, “20-29”, “30-39”, “40-49”, “50-59”, “60+”); identidade de gênero (“homem cisgênero”, “mulher cisgênero”, “homem transgênero”, “mulher transgênero”, “não binário” e “não informado”); orientação sexual (“homossexual”, “heterossexual”, “bissexual”, “pansexual”, “outro” e “não informado”); raça/cor da pele (“branca”, “parda”, “preta”, “amarela”, “indígena” e “não informado”); escolaridade (“analfabeto”, “ensino fundamental incompleto”, “ensino fundamental completo”, “ensino médio completo”, “educação superior completa”, “não se aplica” e “não informado”); nacionalidade (campo aberto); imunossupressão (“devido a alguma doença”, “devido à medicação”, “por causa desconhecida”, “não possui” e “não informado”); sorologia positiva para vírus da imunodeficiência humana (HIV) (“sim”, “não” e “não informado”); infecção sexualmente transmissível ativa (“sim”, “não” e “não informado”); tipo de infecção sexualmente transmissível ativa (“clamídia”, “gonorreia”, “herpes genital”, “linfogranuloma venéreo”, “mycoplasma genitalium” “sífilis”, “tricomoníase”, “verruga genital”, “cancro mole” “papilomavírus humano”, “doença inflamatória pélvica”, “donovanose”, “infecção pelo vírus t-linfotrópico humano”, “outra”); sinais e sintomas (campo aberto); local da lesão (“face”, “tronco”, “membros inferiores”, “membros superiores”, “genital”, “anal”, “oral”, “palma”, “planta dos pés”, “outros locais”); forma provável de transmissão (“do animal para o homem”, “associado ao cuidado de saúde”, “transmissão em laboratório”, “devido à exposição profissional”, “contato com material contaminado”, “pessoa a pessoa”, “transmissão via uso de drogas intravenosas e transfusão”, “transmissão vertical”, “transmissão sexual”, “outra transmissão”, “desconhecido”, “não informado”); hospitalização (“sim ‒ devido a necessidades clínicas”, “sim ‒ para propósitos de isolamento”, “não”, “não informado”); evolução (“ignorado”, “cura”, “óbito por mpox”, “óbito por outra causa”); local de residência na cidade do Rio de Janeiro (campo aberto); unidade notificadora (campo aberto); rede notificadora (“pública”, “privada”, “militar”); data de início de sintomas (dd/mm/aaaa).

Para local de residência foi considerada a área programática como unidade de análise. A cidade do Rio de Janeiro é dividida em dez áreas programáticas de saúde, as quais são organizadas de acordo com as regiões administrativas da cidade, que, por sua vez, são criadas a partir dos bairros. As dez áreas programáticas estão distribuídas nas regiões Central (área programática 1.0), Zona Sul (área programática 2.1), Zona Norte (áreas programáticas 3.1, 3.2 e 3.3) e Zona Oeste (áreas programáticas 4.0, 5.1, 5.2 e 5.3) da cidade (Figura 1).

Figura 1
Distribuição das taxas de mpox por área programática de residência dos casos, na cidade do Rio de Janeiro, de junho a novembro de 2022 (n = 928)

A população estimada da cidade do Rio de Janeiro foi obtida a partir da projeção populacional do ano de 2022 disponibilizada pelo Instituto Pereira Passos.1313 IPP. População residente estimada e projetada, por sexo e grupos etários do Brasil, Estado do RJ e Município do Rio de Janeiro entre 1980/1991/2000-2065 [Internet]. 2022. As populações das regiões administrativas foram agrupadas nas dez áreas programáticas da cidade do Rio de Janeiro, sendo então utilizadas como denominador para o cálculo das taxas de incidência de mpox para cada território. Após o cálculo, os referidos dados foram plotados para visualização de distribuição espacial das taxas de mpox na cidade do Rio de Janeiro no período analisado.

Análise dos dados

Foram realizadas análises estatísticas descritivas dos dados demográficos, socioeconômicos e clínicos dos casos confirmados de mpox por meio do software R versão 4.2.1, tendo sido calculadas as medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas e as frequências das variáveis categóricas.

O software QGIS versão 3.18.1 Zürich foi utilizado para descrever a distribuição espacial das taxas de incidência, sendo as análises feitas por áreas programáticas, por meio dos shapefiles disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1414 GE. Geociências [Internet]. 2018. e pelo Instituto Pereira Passos.1515 IPP. Áreas Programáticas da Saúde [Internet]. 2022.

Controle de qualidade de dados

Os registros dos bancos passaram por controle de qualidade, para eliminar eventuais registros duplicados ou modificar registros com dados inconsistentes.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro, sob o parecer nº 5.739.997 em 04/11/2022, Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 64021122.6.0000.5279.

RESULTADOS

Foram incluídos todos os 928 casos confirmados de mpox residentes da cidade do Rio de Janeiro notificados no período do estudo. O início dos sintomas do primeiro caso ocorreu na SE 24 de 2022, podendo ser observado o pico de casos na SE 30 de 2022 (Figura 2).

Figura 2
Distribuição dos casos de mpox vírus na cidade do Rio de Janeiro por semana epidemiológica do início dos sintomas, de junho a novembro de 2022 (n = 928)

Os casos foram predominantemente do sexo masculino (93,7%), entre 20 e 49 anos (91,3%) ‒ com mediana de idade de 34 anos (amplitude: 0-93 anos), cisgênero (91,1%), homossexual (65,6%), com raça/cor da pele branca (41,0%) e ensino médio completo (44,2%) (Tabela 1).

Tabela 1
Casos confirmados de mpox residentes da cidade do Rio de Janeiro segundo características sociodemográficas, de junho a novembro de 2022 (n = 928)

Não havia nenhuma gestante na amostra e a maioria dos casos (98,8%) era de nacionalidade brasileira. Dos 11 estrangeiros, 5 eram argentinos, 2 colombianos, 2 franceses, 1 boliviano e 1 peruano.

Entre os casos notificados, 34,5% apresentavam imunodepressão por doença, 41,9% informaram sorologia positiva para HIV, 13,2% informaram ter alguma outra infecção sexualmente transmissível ativa no momento do atendimento, e destes 85,2% tinham sífilis ativa no momento da notificação para mpox (confirmada laboratorialmente) (Tabela 2). Os sinais e sintomas mais comuns de mpox foram: lesão em tecido cutâneo/mucosa/genital/perianal/oral (96,6%), febre (58,3%), adenomegalia (43,3%), cefaleia (38,7%). Predominaram as lesões em múltiplos locais do corpo (67,8%), sendo as mais comuns em região genital (46,1%). A principal forma de transmissão, presumida a partir das informações constantes na notificação, foi pessoa a pessoa (33,0%), seguida da transmissão sexual (19,2%). Não ocorreu hospitalização na maioria dos casos (94,7%) e a maioria dos indivíduos evoluiu para a cura (89,3%) (Tabela 2). Foram relatados outros sinais e sintomas com menor frequência, que caracterizaram quadros atípicos da doença (Tabela suplementar 1).

Tabela 2
Casos confirmados de mpox residentes da cidade do Rio de Janeiro, segundo manifestações clínicas autorreferidas, de junho a novembro de 2022 (n = 928)

Com relação ao local da notificação dos casos, 51,3% ocorreram em unidades hospitalares, 39,9% em Unidades de Atenção Primária à Saúde, sendo 81,3% dos atendimentos totais em unidades que pertenciam à rede pública de saúde (Tabela 3). Já com relação ao local de residência, todas as dez áreas programáticas da cidade do Rio de Janeiro tiveram registro de casos residentes, sendo a maior concentração de número de casos na área programática 2.1 (25,8%), seguida da área programática 4.0 (17,2) e da área programática 1.0 (14,0%) (Tabela 3).

Tabela 3
Casos confirmados de mpox residentes da cidade do Rio de Janeiro segundo área programática de residência e características das unidades notificadoras, de junho a novembro de 2022 (n = 928)

Com relação à taxa de incidência, observou-se maior taxa na área programática 1.0, com 43 casos por 100 mil hab., seguida da área programática 2.1 e da área programática 2.2, com 39 e 21 casos por 100 mil hab., respectivamente (Figura 1).

DISCUSSÃO

O presente estudo descreveu o perfil dos casos confirmados de mpox residentes na cidade do Rio de Janeiro, que ocorreram, em sua maioria, entre adultos jovens do sexo masculino, com identidade cisgênero e orientação sexual homossexual, além de pessoas que relataram cor da pele branca e possuírem ensino médio completo.

O presente estudo apresenta algumas limitações. Durante este período de análise, ocorreram três atualizações na ficha de notificação, resultando em mudanças e atualizações de variáveis, incluindo-se novos campos de preenchimento obrigatório. Isso gerou lacunas nas fichas iniciais, e a dificuldade de migração e integração dos dados, juntamente com as mudanças na ficha de notificação, levaram à incompletude de algumas informações.

O perfil epidemiológico foi similar ao descrito nos países europeus, que também evidenciaram uma maior incidência de casos na população de adultos jovens do sexo masculino, com orientação sexual homossexual, bissexual e em homens que fazem sexo com homens.1717 Tarín-Vicente EJ, Alemany A, Agud-Dios M, Ubals M, Suñer C, Antón A, et al. Clinical presentation and virological assessment of confirmed human monkeypox virus cases in Spain: a prospective observational cohort study. The Lancet. 2022;400(10353):661-9. doi:10.1016/S0140-6736(22)01436-2.

18 Patel A, Bilinska J, Tam JCH, Fontoura DS, Mason CY, Daunt A, et al. Clinical features and novel presentations of human monkeypox in a central London centre during the 2022 outbreak: descriptive case series. BMJ. 2022; e072410. doi:10.1136/bmj-2022-072410.

19 Antinori A, Mazzotta V, Vita S, Carletti F, Tacconi D, Lapini LE, et al. Epidemiological, clinical and virological characteristics of four cases of monkeypox support transmission through sexual contact, Italy, May 2022. Eurosurveillance. 2022;27(22). doi:10.2807/1560-7917.ES.2022.27.22.2200421.
-2020 Sánchez Doncell Javier, et al. Viruela símica: vigilancia epidemiológica en la Unidad de Monitoreo Ambulatorio Muñiz, Buenos Aires. Medicina (B. Aires) [Internet]. 2022; 82(6): 816-821. É fundamental destacar que a doença não é exclusiva de um determinado gênero ou orientação sexual, e essa reflexão deve ser enfatizada para se combater qualquer estigma que possa estar associado à população de risco. Ao compararmos os resultados desta pesquisa com os dados do Brasil,2121 Pascom ARP, et al. Características epidemiológicas e clínicas dos casos de monkeypox no Brasil em 2022: estudo transversal. Epidemiol. Serv. Saúde. 2022;31(3):[1-15]. doi:10.1590/S2237-96222022000300036. é possível corroborar as tendências observadas, com pico de casos entre as SEs 30-31, seguido de uma queda na ocorrência do agravo. O perfil epidemiológico e clínico observado no município também foi semelhante ao nacional, com maior incidência em homens cisgênero, de cor da pele branca, na faixa etária de 30 anos, apresentando sintomas leves e com boa evolução.2121 Pascom ARP, et al. Características epidemiológicas e clínicas dos casos de monkeypox no Brasil em 2022: estudo transversal. Epidemiol. Serv. Saúde. 2022;31(3):[1-15]. doi:10.1590/S2237-96222022000300036.

Diversos achados do presente estudo estão em consonância com as características clínicas descritas pela OMS.22 Khodakevich L, Jezek Z, Messinger D. Monkeypox virus: ecology and public health significance. Bull World Health Organ. 1988;66(6):747-52.

3 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791.

4 WHO. Monkeypox. 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/monkeypox.
https://www.who.int/news-room/questions-...

5 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. 2023. 2022 Mpox Outbreak Global Map.

6 Sejvar JJ, Chowdary Y, Schomogyi M, Stevens J, Patel J, Karem K, et al. Human monkeypox infection: a family cluster in the midwestern United States. J Infect Dis. 2004;190(10):1833-40. doi:10.1086/425039.

7 Brockmeyer NH. As monkeypox goes sexual: a public health perspective. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2022;36(8):1164-1166. doi:10.1111/jdv.18301.

8 OPAS. Diretor-geral da OMS declara que surto de monkeypox constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional. 2022.

9 Brasil. Card Situação Epidemiológica de Monkeypox no Brasil nº 172. 2023.

10 EpiRio. EpiRio - Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro. 2023.

11 Foster SO, Hutchins DL, Pifer JM, Lourie B, Moser CR, Cummings EC, et al. Human monkeypox. Bull World Health Organ. 1972;46(5):569-76.

12 Oliveira RG de. Sentidos das Doenças Negligenciadas na agenda da Saúde Global: o lugar de populações e territórios. Ciência Saúde Coletiva. 2018;23(7):2291-302. doi:10.1590/1413-81232018237.09042018.

13 IPP. População residente estimada e projetada, por sexo e grupos etários do Brasil, Estado do RJ e Município do Rio de Janeiro entre 1980/1991/2000-2065 [Internet]. 2022.

14 GE. Geociências [Internet]. 2018.

15 IPP. Áreas Programáticas da Saúde [Internet]. 2022.

16 SES-RJ. Looker Studio. 2023. MONKEYPOX SES-RJ.

17 Tarín-Vicente EJ, Alemany A, Agud-Dios M, Ubals M, Suñer C, Antón A, et al. Clinical presentation and virological assessment of confirmed human monkeypox virus cases in Spain: a prospective observational cohort study. The Lancet. 2022;400(10353):661-9. doi:10.1016/S0140-6736(22)01436-2.

18 Patel A, Bilinska J, Tam JCH, Fontoura DS, Mason CY, Daunt A, et al. Clinical features and novel presentations of human monkeypox in a central London centre during the 2022 outbreak: descriptive case series. BMJ. 2022; e072410. doi:10.1136/bmj-2022-072410.

19 Antinori A, Mazzotta V, Vita S, Carletti F, Tacconi D, Lapini LE, et al. Epidemiological, clinical and virological characteristics of four cases of monkeypox support transmission through sexual contact, Italy, May 2022. Eurosurveillance. 2022;27(22). doi:10.2807/1560-7917.ES.2022.27.22.2200421.

20 Sánchez Doncell Javier, et al. Viruela símica: vigilancia epidemiológica en la Unidad de Monitoreo Ambulatorio Muñiz, Buenos Aires. Medicina (B. Aires) [Internet]. 2022; 82(6): 816-821.

21 Pascom ARP, et al. Características epidemiológicas e clínicas dos casos de monkeypox no Brasil em 2022: estudo transversal. Epidemiol. Serv. Saúde. 2022;31(3):[1-15]. doi:10.1590/S2237-96222022000300036.

22 Macedo LR, Maciel ELN. Monkeypox: contexto, implicações e desafios para serviços de saúde e vigilância. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2023;32(1):e2022723. doi:10.1590/S2237-96222023000100018.
-2323 WHO. 2022. Mpox Outbreak: Global Trends. 2022. É importante ressaltar que, apesar de a ocorrência de lesões múltiplas ser a característica clínica mais frequente,1717 Tarín-Vicente EJ, Alemany A, Agud-Dios M, Ubals M, Suñer C, Antón A, et al. Clinical presentation and virological assessment of confirmed human monkeypox virus cases in Spain: a prospective observational cohort study. The Lancet. 2022;400(10353):661-9. doi:10.1016/S0140-6736(22)01436-2. muitas pessoas infectadas pelo vírus podem ser assintomáticas.2424 Satapathy P, Mohanty P, Manna S, Shamim MA, Rao PP, Aggarwal AK, et al. Potentially Asymptomatic Infection of Monkeypox Virus: A Systematic Review and Meta-Analysis. Vaccines. 2022;10(12):2083. doi:10.3390/vaccines10122083. Embora os casos tenham sido predominantemente leves, é importante ressaltar a alta prevalência de fatores de risco para gravidade.

Foi observado elevado percentual de pessoas com sorologia positiva para HIV, e a coinfecção de mpox e HIV poderia explicar uma possível maior gravidade de manifestações clínicas, não observada em nossa amostra.2525 de Sousa D, Patrocínio J, Frade J, Correia C, Borges-Costa J, Filipe P, et al. Human monkeypox coinfection with acute HIV: an exuberant presentation. Int J STD AIDS. Setembro de 2022;33(10):936-8. doi:10.1177/09564624221114998. É possível que a gravidade dos casos tenha sido baixa devido à oportunidade de diagnóstico e tratamento dos casos.

Foi observada uma maior incidência de casos nas áreas centrais e de maior poder aquisitivo da cidade do Rio de Janeiro (áreas programáticas 1.0 e 2.1). Essas áreas são caracterizadas pela presença de aparelhos de lazer e casas de shows, além de serem os territórios mais visitados por turistas que chegam à cidade do Rio de Janeiro.2626 Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Plano Estratégico para a Retomada e o Futuro do Rio. Plano Estratégico 2021-2024. 2023. Plano Estratégico Rio 2021-2024. Esses fatores podem proporcionar mais oportunidades de contato prolongado entre indivíduos, bem como aumentar a probabilidade de interação com pessoas de outros países ou regiões onde o vírus está circulando.

Os hospitais e as unidades de saúde da rede pública foram os maiores notificantes e, mais do que um reflexo da gravidade ou do perfil socioeconômico dos casos, essa distribuição pode estar ligada à estratégia de referência adotada pelas autoridades de saúde pública da cidade do Rio de Janeiro. Por se tratar de uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, a cidade concentrou a atenção aos primeiros casos em uma unidade de referência voltada para a pesquisa clínica, ensino, serviços de referência e assistência em doenças infecciosas, fato que facilitou o serviço de assistência e vigilância para obtenção da investigação epidemiológica em tempo oportuno e o monitoramento dos casos.

Cerca de 1% dos casos de mpox no mundo são residentes da cidade do Rio de Janeiro,55 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. 2023. 2022 Mpox Outbreak Global Map. o que representa 74% dos casos no estado do Rio de Janeiro1616 SES-RJ. Looker Studio. 2023. MONKEYPOX SES-RJ. e 9% dos casos no Brasil.99 Brasil. Card Situação Epidemiológica de Monkeypox no Brasil nº 172. 2023. Apesar de não ter ocorrido nenhum óbito entre os residentes da cidade do Rio de Janeiro, o Brasil foi o segundo país com maior número absoluto de mortes55 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. 2023. 2022 Mpox Outbreak Global Map. e o estado do Rio de Janeiro possui o maior número de óbitos do país.99 Brasil. Card Situação Epidemiológica de Monkeypox no Brasil nº 172. 2023.

Considerando-se o panorama epidemiológico da infecção por mpox no Brasil,99 Brasil. Card Situação Epidemiológica de Monkeypox no Brasil nº 172. 2023. apesar da tendência decrescente no mundo,55 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. 2023. 2022 Mpox Outbreak Global Map. o Centers for Disease Control and Prevention, dos Estados Unidos, reforçou a importância do monitoramento e de intervenções preventivas entre as pessoas vivendo com HIV devido às manifestações graves nesse grupo populacional. Tal orientação se deu diante da frequência de óbitos e a maior ocorrência de morbimortalidade entre as pessoas vivendo com HIV, especificamente com painel imunológico de contagem de linfócitos T CD4 < 200 células.2727 Ministério da Saúde. Informe Técnico Operacional de Vacinação Contra a MPOX. 2023. Assim, em março de 2023, o Ministério da Saúde iniciou, no Brasil, a campanha de vacinação pré-exposição contra mpox voltada para este público, com o imunizante MVA-BN Jynneos mpox.33 Beer EM, Rao VB. A systematic review of the epidemiology of human monkeypox outbreaks and implications for outbreak strategy. Holbrook MR, organizador. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(10):e0007791. doi:10.1371/journal.pntd.0007791.,55 CDC. Centers for Disease Control and Prevention. 2023. 2022 Mpox Outbreak Global Map. Em nível individual, a vacinação não deve substituir as demais medidas de proteção conhecidas.2727 Ministério da Saúde. Informe Técnico Operacional de Vacinação Contra a MPOX. 2023.

Este estudo é o primeiro a analisar o perfil dos casos de mpox na cidade do Rio de Janeiro, contribuindo para uma melhor compreensão desse agravo na população e fornecendo subsídios para ações efetivas em saúde. O manejo dos casos também reflete o papel central e fundamental da Vigilância em Saúde na cidade do Rio de Janeiro, com destaque para as equipes de Unidade de Resposta Rápida da Coordenação de Informação Estratégica em Vigilância em Saúde, que permitiram a detecção e notificação oportuna dos casos, possibilitando a implementação de ações de controle, como rastreamento de contatos, isolamento e acompanhamento dos indivíduos até o encerramento dos casos. Este estudo colabora ainda para evidenciar a importância do investimento em Vigilância em Saúde como ferramenta essencial para resposta às emergências de saúde pública, fundamental no avanço do campo da saúde pública, e destaca a necessidade de investigações e estudos adicionais para a continuidade do enfrentamento deste agravo.

Em conclusão, este estudo ofereceu uma análise abrangente do perfil dos casos de mpox na cidade do Rio de Janeiro, em 2022. O agravo afetou predominantemente adultos jovens do sexo masculino, autodeclarados homossexuais e de cor da pele branca. Na maior parte dos casos, a transmissão ocorreu de forma direta, apresentando sintomas leves e com evolução para a cura sem hospitalização.

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Tabela suplementar 1


Outros sinais e sintomas dos casos confirmados de mpox residentes da cidade do Rio de Janeiro, de junho a novembro de 2022 (n = 928)

Quadro suplementar 1


Descrição dos documentos orientadores em relação à definição de decisão para Mpox no município do Rio de Janeiro, 2022

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2023
  • Aceito
    01 Jan 2024
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com