Prevalência da infecção pelo HPV e de alterações citológicas anais e cervicais em pessoas transgênero em um serviço de referência em Vitória no Espírito Santo entre 2018 e 2021

Franco Luís Salume Costa Neide Aparecida Tosato Boldrini Caroline Simões Caldeira Carolina Loyola Prest Ferrugini Lays Paula Bondi Volpini Fenísia Gabrielle Carvalho Saldanha Lucas Delboni Soares Angelica Espinosa Miranda Sobre os autores

RESUMO

Objetivos

O objetivo deste estudo é determinar a prevalência do HPV e de alterações citológicas na população transgênero e contribuir para a criação de políticas públicas.

Métodos

Estudo descritivo conduzido em ambulatório transgênero em Vitória/ES, entre 2018 e 2021. O dados foram obtidos através de entrevista e informações de prontuário. Coletaram-se amostras anogenitais para a pesquisa de HPV, tricomoníase, gonococo e clamídia, e citologia.

Resultados

Dos 110 participantes, identificaram-se como homens e mulheres, respectivamente, 60,9% e 34,5%. Encontrou-se prevalência geral de HPV de 58,3%, sendo maior em mulheres (48,1%). Em homens, HPV cervical foi positivo em 38%, e anal em 25%, com alterações citológicas em 9,5%. Mulheres com citologias anais alteradas foram 23,5%. Outras infecções sexualmente transmissíveis: clamídia (4,1%), tricomoníase (12,5%) e nenhum caso de gonorreia.

Conclusão

O HPV é uma infecção prevalente e com riscos para alterações citológicas na população transgênero, sendo necessários mais estudos de prevalência e de impactos na saúde sexual, para basear políticas de rastreamento e prevenção.

Palavras-chave
Prevalência; Pessoas Transgênero; HPV; Chlamydia Trachomatis; Trichomonas Vaginalis

Contribuições do estudo

Principais resultados

Pessoas transgênero são suscetíveis a infecções sexualmente transmissíveis, com alta prevalência de HPV e, por isso, apresentam alterações citológicas em sítio anal e cervical que trazem risco para o desenvolvimento de neoplasia anogenital.

Implicações para os serviços

Trata-se de uma população invisibilizada e ausente dos serviços de saúde, por conta de preconceitos e estigmas. Dados sobre a saúde dessa população contribuem para a formulação de políticas inclusivas de prevenção, rastreio e diagnóstico de IST e neoplasia anogenital.

Perspectivas

Esperam-se incentivos para mais estudos acerca de IST e neoplasia anogenital em população transgênero, por meio de investimentos em ambulatórios especializados e em grupos de pesquisa, para que possam ser debatidas e aplicadas políticas públicas.

Palavras-chave
Prevalência; Pessoas Transgênero; HPV; Chlamydia Trachomatis; Trichomonas Vaginalis

INTRODUÇÃO

O conceito de transgeneridade se refere a identidade, enquanto o termo gênero vem de uma construção social. Assim, identidade de gênero é uma percepção do indivíduo sobre si, que pode ser igual ou diferente do sexo designado ao nascimento.11 Rafferty J; Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health; Committee on Adolescence; Section on Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Health and Wellness. Ensuring Comprehensive Care and Support for Transgender and Gender-Diverse Children and Adolescents. Pediatrics. 2018 Oct;142(4):e20182162. doi: 10.1542/peds.2018-2162. Epub. 2018 Sep 17. Errata em: Pediatrics. 2023 Oct 1;152(4). PMID: 30224363
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A identidade de gênero é um determinante de saúde e impõe desafios significativos no acesso aos serviços de saúde.22 Rocon PC, Sodré F, Rodrigues A, Barros MEB, WandekokenKD. Desafios enfrentados por pessoas trans para acessar o processo transexualizador do Sistema Único de Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2019;23: e180633. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180633
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Nesse sentido, para a população transgênero, a promoção da saúde exige uma abordagem específica que ultrapasse a assistência convencional. A mitigação das disparidades na saúde requer esforços coordenados, envolvendo profissionais de saúde, educadores, formuladores de políticas e a sociedade em geral.33 Paiva CR. Farah BF. Duarte MJO. A rede de cuidados à saúde para a população transexual. Physis. 2023;33: e33001. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-7331202333001
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Além disso, a limitação do acesso pleno aos serviços de saúde sexual e reprodutiva é uma preocupação, pois abordagens inclusivas, que respeitem a diversidade de identidades de gênero, são necessárias para garantir o acesso a contraceptivos, planejamento familiar e cuidados durante a transição de gênero.22 Rocon PC, Sodré F, Rodrigues A, Barros MEB, WandekokenKD. Desafios enfrentados por pessoas trans para acessar o processo transexualizador do Sistema Único de Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2019;23: e180633. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180633
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,44 Rocon PC. Sodré F. Rodrigues A. Regulamentação da vida no processo transexualizador brasileiro: uma análise sobre a política pública. Rev. Katálysis. 2016;19(2):260-69. doi: https://doi.org/10.1590/1414-49802016.00200011
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No mundo, estima-se de 0,5% a 1,3% de população transgênero, e no Brasil, essa estimativa chega a 0,7% de pessoas transgênero e 1,2% de pessoas não binárias.55 Zucker KJ. Epidemiology of gender dysphoria and transgender identity. Sex Health. 2017 Oct;14(5):404-11. doi: 10.1071/SH17067. PMID: 28838353.
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,66 Spizzirri G, Eufrásio R, Lima MCP, et al. Proportion of people identified as transgender and non-binary gender in Brazil. Sci Rep. 2021;11:2240. doi: https://doi.org/10.1038/s41598-021-81411-4
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Estudos que abordem a questão da saúde sexual e reprodutiva, incluindo os determinantes sociais do processo de adoecimento e infecções sexualmente transmissíveis (IST), ainda não preencheram as lacunas de conhecimento. Esses temas são importantes, pois as IST são um problema de saúde global, agravado para populações marginalizadas e estigmatizadas, como a população transgênero, em que as estratégias de rastreamento não são reconhecidas por protocolos ou guias de manejo clínico.22 Rocon PC, Sodré F, Rodrigues A, Barros MEB, WandekokenKD. Desafios enfrentados por pessoas trans para acessar o processo transexualizador do Sistema Único de Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2019;23: e180633. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180633
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,77 Reisner SL, Deutsch MB, Peitzmeier SM, Hughto JMW, Cavanaugh TP, Pardee DJ, et al. Test performance and acceptability of self- versus provider-collected swabs for high-risk HPV DNA testing in female-to-male trans masculine patients. PLoS One. 2018 Mar 14;13(3):e0190172. doi: 10.1371/journal.pone.0190172. PMID: 29538411; PMCID: PMC5851532.
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No entanto, a maioria dos dados focam pesquisas de HIV em mulheres transgênero, havendo deficiência de dados em relação às outras IST e seus impactos na saúde de pessoas transgênero.77 Reisner SL, Deutsch MB, Peitzmeier SM, Hughto JMW, Cavanaugh TP, Pardee DJ, et al. Test performance and acceptability of self- versus provider-collected swabs for high-risk HPV DNA testing in female-to-male trans masculine patients. PLoS One. 2018 Mar 14;13(3):e0190172. doi: 10.1371/journal.pone.0190172. PMID: 29538411; PMCID: PMC5851532.
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,88 Van Gerwen OT, et at. Prevalence of Sexually Transmitted Infections and Human Immunodeficiency Virus in Transgender Persons: A Systematic Review. Transgend Health. 2020 Jun 8;5(2):90-103. doi: 10.1089/trgh.2019.0053
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Entre as IST, a infecção pelo HPV é a mais prevalente entre os adultos, sendo grande parte assintomática, em alguns casos podendo se apresentar como verrugas ou neoplasias de sítio anogenital.99 Pahud BA, Ault KA. The Expanded Impact of Human Papillomavirus Vaccine. Infect Dis Clin North Am. 2015 Dec;29(4):715-24. doi: 10.1016/j.idc.2015.07.007. PMID: 26610422.
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Essas manifestações clínicas do HPV são mais frequentes em grupos de pessoas mais associados a comportamentos de risco, como pessoas transgênero.1010 Allen-Leigh B, Rivera-Rivera L, Yunes-Díaz E, Portillo-Romero AJ, Brown B, León-Maldonado L, et al. Uptake of the HPV vaccine among people with and without HIV, cisgender and transgender women and men who have sex with men and with women at two sexual health clinics in Mexico City. Hum Vaccin Immunother. 2020 Apr 2;16(4):981-990. doi: 10.1080/21645515.2019.1675456. Epub 2019 Nov 1. PMID: 31657665; PMCID: PMC7227620.
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No Brasil, um estudo na população geral descreveu uma prevalência de 53,6% de HPV; destes, 35,2% apresentaram positividade para HPV de alto risco para neoplasia, 54,6% encontrados na população feminina, e 51,8%, na população masculina.1111 Associação Hospitalar Moinhos de Vento. Estudo Epidemiológico sobre a Prevalência Nacional de Infecção pelo HPV (POP-BRASIL) - 2015-2017 / Associação Hospitalar Moinhos de Vento. – Porto Alegre, 2020.89 p. ISBN 978-65-992625-0-0. Não existem informações oficiais de população transgênero no país. Informações sobre tricomoníase, clamídia e gonorreia, entre as pessoas transgênero, também não são frequentes; alguns estudos descrevem taxas de prevalência de até 24,7% e 19,1% de clamídia e gonorreia, respectivamente.88 Van Gerwen OT, et at. Prevalence of Sexually Transmitted Infections and Human Immunodeficiency Virus in Transgender Persons: A Systematic Review. Transgend Health. 2020 Jun 8;5(2):90-103. doi: 10.1089/trgh.2019.0053
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,1212 Reisner SL, Vetters R, White JM, Cohen EL, LeClerc M, Zaslow S, et al. Laboratory-confirmed HIV and sexually transmitted infection seropositivity and risk behavior among sexually active transgender patients at an adolescent and young adult urban community health center. AIDS Care. 2015;27(8):1031-6. doi: 10.1080/09540121.2015.1020750. Epub 2015 Mar 19. PMID: 25790139; PMCID: PMC4624263.
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A fim de contribuir na implementação de políticas públicas de prevenção e rastreamento efetivas para a população transgênero, o objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de IST (infeção pelo HPV anal e cervical, tricomoníase, gonorreia e clamídia) na população transgênero e a associação de HPV com alterações pré-neoplásicas em citologias de sítio anal e cervical.

MÉTODOS

Estudo de corte transversal realizado com pessoas transgênero atendidas em um ambulatório especializado e de referência para a população transgênero em Vitória, no estado do Espírito Santo, entre agosto de 2018 e maio de 2021, que aceitaram participar da pesquisa e foram incluídas após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista face a face, contendo dados sociodemográficos, epidemiológicos e clínicos em geral, e específicos para o gênero com o qual a pessoa se identificava. Os entrevistadores foram treinados e todos faziam parte da equipe de pesquisa.

Para a organização e análise de dados, por possuírem semelhanças quanto ao sexo biológico ao nascimento, homens transgênero e pessoas não binárias foram reunidos no mesmo grupo. As variáveis demográficas foram: idade, categorizada em “até 24 anos”, “25 a 34 anos”, “35 a 44 anos” e “> 45anos”; escolaridade, em anos de estudo (4 a 9, 10 a 12 e mais de 12); raça/cor da pele autodeclarada (branco, pardo, negro, indígena ou amarelo); e orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual e outras orientações).

Variáveis comportamentais, como uso de álcool, se atuou como trabalhador(a) do sexo e se vivenciou agressão sexual, foram dicotomizadas em “sim” e “não”. Parcerias sexuais na vida e no último ano foram categorizadas seguindo-se os mesmos critérios metodológicos modificados de Boldrini.1313 Tosato Boldrini NA, Bondi Volpini LP, de Freitas LB, Musso C, Merçon de Vargas PR, Spano LC, et al. Anal HPV infection and correlates in HIV-infected patients attending a Sexually Transmitted Infection clinic in Brazil. PLoS One. 2018 Jul 5;13(7):e0199058. doi: 10.1371/journal.pone.0199058.
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Para a pesquisa de coitarca, considerou-se relação sexual como qualquer ato íntimo classificado pela pessoa como relação sexual, com ou sem penetração, sendo consideradas em qualquer sítio as categorias “sim” ou “não”. Por sítio anogenital (anal ou cervical), considerou-se apenas penetração com pênis, mesmo algumas pessoas relatando uso de próteses penianas.

Na pesquisa de métodos para rastreamento de neoplasia, considerou-se a realização de citologia oncótica tradicional de cérvice uterina e teste molecular de HPV em homens transgênero, e citologia oncótica tradicional de canal anal e teste molecular de HPV em mulheres transgênero. A classificação das alterações citológicas cervicais e anais seguiu a terminologia proposta pela nomenclatura brasileira para laudos cervicais, baseada no sistema Bethesda, que usa os mesmos critérios cervicais para citologias anais.3030 Pangarkar MA. The Bethesda System for reporting cervical cytology. Cytojournal. 2022 Apr 30;19:28. doi: 10.25259/CMAS_03_07_2021. PMID: 35673697; PMCID: PMC9168399.
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Assim, são consideradas alterações em citologias a presença de qualquer resultado que não fosse “negativo para lesão intraepitelial ou câncer” ou “insatisfatório para avaliação”.1414 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação-Geral de Prevenção e Vigilância. Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Nomenclatura brasileira para laudos citopatológicos cervicais / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação-Geral de Prevenção e Vigilância, Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede.3ª edição. Rio de Janeiro: Inca, 2012. 23 p. ISBN 978-85-7318-208-8 (versão eletrônica)

Foi realizada coleta de amostras biológicas de sítio cervical de colo uterino e anal, para citologia, e análise de biologia molecular via extração de DNA e identificação de HPV, clamídia, tricomoníase e gonorreia através de reação em cadeia da polimerase (PCR – RFLP), por profissionais médicos treinados.1515 Bernard HU, Chan SY, Manos MM, Ong CK, Villa LL, Delius H, et al. Identification and assessment of known and novel human papillomaviruses by polymerase chain reaction amplification, restriction fragment length polymorphisms, nucleotide sequence, and phylogenetic algorithms. J Infect Dis. 1994 Nov;170(5):1077-85. doi: 10.1093/infdis/170.5.1077. Erratum in: J Infect Dis. 1996 Feb;173(2):516. PMID: 7963696.
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As coletas somente foram realizadas em pessoas com relação sexual anterior e que consentiram em realizar o procedimento. Quando detectadas alterações sugestivas de malignidade, colposcopia e anuscopia foram realizadas por profissionais médicos treinados e, em caso de necessidade, as pessoas com tais alterações foram submetidas à biópsia com uma pinça do tipo Professor Medina, de 3 mm de sacabocado, e a amostra foi encaminhada para análise anatomopatológica.

As informações foram categorizadas e armazenadas anonimamente, utilizando-se o SPSS, versão 20. Para variáveis qualitativas, realizou-se análise descritiva, incluindo distribuição de frequência, assim como cálculo de média e desvio-padrão (DP) para variáveis quantitativas. A prevalência de citologias alteradas foi determinada pela confirmação de diagnóstico, por meio do exame citopatológico, sendo calculado o correspondente intervalo de confiança de 95% (IC95%). As associações com as variáveis demográficas foram testadas por meio de teste qui-quadrado, com correção de Yates ou teste de Fisher, quando apropriado.

O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes aprovou este estudo, com o número do parecer 3.442.602/2019. As informações coletadas dos participantes foram utilizadas apenas para fins de pesquisa, com garantia de confidencialidade e proteção dos dados durante todo o tempo, incluindo-se os termos de consentimento assinados e os resultados de exames que possam servir como fonte de identificação. Os usuários diagnosticados receberam aconselhamento e foram tratados de acordo com as recomendações propostas pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde.1616 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. 211 p.: il. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_clinico_atecao_integral_ist.pdf ISBN 978-65-5993-276-4.
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RESULTADOS

Por se tratar de um serviço de referência com disponibilidade de diversas especialidades, 572 usuários foram atendidos em qualquer uma dessas especialidades até o término da recolha de dados. Desses, apenas 110 aceitaram participar do estudo; os demais perderam seguimento no acompanhamento multidisciplinar, não aceitaram participar do estudo ou deles não se conseguiu contato. Homens transgênero e identidade não binária foram a maioria da amostra (n = 72; 65,5%), enquanto as mulheres transgênero representaram 34,5% (n = 38).

A prevalência de infecção pelo HPV encontrada no estudo foi de 58,3%. Em relação à orientação sexual, os participantes se autodeclararam heterossexuais (72,7%), homossexuais (4,5%) e bissexuais (9,1%). A idade variou entre 17 e 61 anos, sendo a média de 27,7 anos (desvio-padrão 9,143). Dados comportamentais por identidade de gênero estão relatados na Tabela 1.

Tabela 1
Dados sociodemográficos, clínicos e comportamentais, por identidade de gênero (n = 110)

As coletas de sítios anogenitais para pesquisa de IST foram condicionadas à recusa do participante quanto à realização do procedimento, conforme descrito na Figura 1.

Figura 1
Amostras de sítios anogenitais para pesquisa de HPV

A Tabela 2 descreve os resultados dos testes para HPV. A prevalência de HPV em homens transgênero, por sítio anogenital, em região cervical, foi de 38%, e, em região anal, de 25%. Foram positivos em sítio anal e cervical concomitantemente 11,6%, no total de 43 homens transgênero com coletas em sítios cervical e anal. Entre as mulheres transgênero, 48,1% foram positivas para HPV em região anal. Em relação ao tipo do HPV, foram testadas amostras de dois usuários, e encontrados os tipos 33, 44, 52 e 62, sendo o 33 e o 52 considerados como de alto risco.

Tabela 2
Prevalência de resultados positivos de PCR para HPV por amostras coletadas, segundo identidade de gênero

A Tabela 3 evidencia a prevalência de alterações citológicas por sítio anogenital, sendo que mulheres transgênero foram as mais afetadas com lesão pré-neoplásica anal em 23,5% das amostras. Homens transgênero apresentaram alteração no colo do útero em 9,5% das amostras. Não foram encontradas alterações citológicas anais em homens transgênero. Todas as mulheres transgênero com citologia anal alterada apresentaram laudo com lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL). Outras alterações citológicas encontradas em homens transgênero foram: células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US), células escamosas atípicas de significado indeterminado, não podendo afastar lesão de alto grau (ASC-H), e neoplasia intraepitelial de alto grau (HSIL). Os resultados insatisfatórios para citologia anal foram em mulheres transgênero de 6,4%, e em homens transgênero, de 13,6%. Na amostra total de participantes, esse valor foi de 20%. Quando se analisa por número de coletas, temos 29% de insatisfatório entre as mulheres, e para homens transgêneros, de 37,5%.

Tabela 3
Prevalência de citologias anogenitais por amostras coletadas, segundo identidade de gênero

Participantes com lesão citológica de alto grau foram submetidos à biópsia de sítio com confirmação de lesão de alto grau, e foram, logo em seguida, encaminhados para tratamento por exérese de zona de transformação do colo do útero – conforme diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo de útero–,1717 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero. 2ª edição. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2016. 118 p. e seguem em acompanhamento. A Tabela 4 descreve dados clínicos e citopatológicos, por alterações citológicas, distribuídas por gênero.

Tabela 4
Dados clínicos e citopatológicos por alterações citológicas, distribuídos segundo gênero

A prevalência de outras IST em qualquer sítio anogenital encontrada no estudo foi de 12,5% de tricomoníase e de 4,1% de clamídia. A infecção pelo gonococo não foi encontrada. Na comparação da infecção pela clamídia e tricomoníase com dados comportamentais, o não uso de preservativo (p = 0,022), o número de parceiros(as) sexuais no ano acima de 20 (p = 0,028) e a prática de sexo anal receptivo (p = < 0,001) foram associados aos diagnósticos de clamídia e tricomoníase. Diagnósticos de HPV cervical (p = < 0,001) apresentaram relação com clamídia e tricomoníase, indicando que existe maior risco para infecção concomitante entre essas IST nesses sítios. Tanto a citologia anal quanto a positividade para HPV anal apresentaram significância na estratificação por identidade de gênero (p-valor 0,025 e 0,015, respectivamente). Na análise multivariada de regressão logística, a positividade para o teste de HPV foi considerada como variável de desfecho, e não se observou associação no modelo final com as seguintes variáveis: idade, escolaridade, uso de preservativo, número de parcerias sexuais na vida, realização de sexo com penetração anal e vaginal, realização de alguma citologia de rastreamento e troca de sexo por dinheiro.

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo conduzido no Espírito Santo que pesquisou a prevalência da infecção pelo HPV e de citologias anais e cervicais alteradas em pessoas transgênero atendidas em ambulatório especializado. Há poucos dados publicados sobre infecção pelo HPV e lesões citológicas em pessoas transgênero que se relacionam com dificuldades no acesso à saúde dessa população.1818 McDowell M, Pardee DJ, Peitzmeier S, Reisner SL, Agénor M, Alizaga N, et al. Cervical Cancer Screening Preferences Among Trans-Masculine Individuals: Patient-Collected Human Papillomavirus Vaginal Swabs Versus Provider-Administered Pap Tests. LGBT Health. 2017 Aug;4(4):252-259. doi: 10.1089/lgbt.2016.0187. Epub 2017 Jun 30. PMID: 28665783.
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Os resultados mostraram alta prevalência de infecção pelo HPV (58,3%), resultados similares ao do estudo de prevalência de HPV em adultos brasileiros, que obteve prevalência geral de 53,6%, e ao de estudo em mulheres transgênero que encontrou até 77,9% de positividade para HPV em sítio anal.1111 Associação Hospitalar Moinhos de Vento. Estudo Epidemiológico sobre a Prevalência Nacional de Infecção pelo HPV (POP-BRASIL) - 2015-2017 / Associação Hospitalar Moinhos de Vento. – Porto Alegre, 2020.89 p. ISBN 978-65-992625-0-0.,1919 Jalil EM, Wilson EC, Monteiro L, Velasque LS, Ferreira ACG, Nazer SC, et al. High prevalence of anal high-risk HPV infection among transwomen: estimates from a Brazilian RDS study. J Int AIDS Soc. 2021 Mar;24(3):e25691. doi: 10.1002/jia2.25691.
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No entanto, achados do presente estudo diferem de outros estudos conduzidos em população transgênero, que identificaram uma prevalência de HPV de 19%, sendo maior entre homens transgênero (24,2%) do que em mulheres transgênero (11,8%).2020 Pils S, Mlakar J, Poljak M, Domjanič GG, Kaufmann U, Springer S, et al. HPV screening in the urine of transpeople - A prevalence study. EClinicalMedicine. 2022 Oct 12;54:101702. doi: 10.1016/j.eclinm.2022.101702. PMID: 36263396; PMCID: PMC9574404.
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Quando analisados por sítio genital, foi observada maior presença de HPV em sítio anal em mulheres transgênero (48,1%) do que em homens transgênero, o que evidencia risco aumentado das mulheres em infecções anais. Além disso, a infeção de HPV em sítio cervical (37,2%) foi semelhante a estudos prévios que encontraram HPV cervical de até 25%, mas difere de outros estudos que identificaram positividade em 73% das pessoas nascidas com colo de útero.2020 Pils S, Mlakar J, Poljak M, Domjanič GG, Kaufmann U, Springer S, et al. HPV screening in the urine of transpeople - A prevalence study. EClinicalMedicine. 2022 Oct 12;54:101702. doi: 10.1016/j.eclinm.2022.101702. PMID: 36263396; PMCID: PMC9574404.
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,2121 Colpani V, Falcetta FS, Bidinotto AB, Kops NL, Falavigna M, Hammes LS, et al. Prevalence of human papillomavirus (HPV) in Brazil: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2020 Feb 21;15(2):e0229154. doi: 10.1371/journal.pone.0229154. PMID: 32084177; PMCID: PMC7034815.
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Não houve diagnóstico de neoplasia anal, mas encontrou-se alteração de citologias oncóticas em 23,5% das mulheres transgênero – diferentemente do que é descrito em outros estudos, que encontraram taxas de até 91% –, e tal resultado equipara mulheres transgênero a um grupo mais propício ao desenvolvimento de neoplasia anal.2222 Simard EP, Watson M, Saraiya M, Clarke CA, Palefsky JM, Jemal A. Trends in the occurrence of high-grade anal intraepithelial neoplasia in San Francisco: 2000-2009. Cancer. 2013 Oct 1;119(19):3539-45. doi: 10.1002/cncr.28252. Epub 2013 Jul 16. PMID: 23861091; PMCID: PMC4535426.
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,2323 Somia IKA, Teeratakulpisarn N, Jeo WS, Yee IA, Pankam T, Nonenoy S, et al. ANSAP Study Group. Prevalence of and risk factors for anal high-risk HPV among HIV-negative and HIV-positive MSM and transgender women in three countries at South-East Asia. Baltimore: Medicine; 2018 Mar;97(10):e9898. doi: 10.1097/MD.0000000000009898.
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Ainda assim, a citologia anal alterada neste estudo é inferior ao encontrado em algumas populações cisgênero (25,5%), especialmente a população de homens que fazem sexo com homens (43,6%), mas similar a mulheres heterossexuais (19,4%).1313 Tosato Boldrini NA, Bondi Volpini LP, de Freitas LB, Musso C, Merçon de Vargas PR, Spano LC, et al. Anal HPV infection and correlates in HIV-infected patients attending a Sexually Transmitted Infection clinic in Brazil. PLoS One. 2018 Jul 5;13(7):e0199058. doi: 10.1371/journal.pone.0199058.
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O mesmo ocorre com o diagnóstico de HPV anal, que se equipara a alguns cortes transversais em mulheres transgênero.1919 Jalil EM, Wilson EC, Monteiro L, Velasque LS, Ferreira ACG, Nazer SC, et al. High prevalence of anal high-risk HPV infection among transwomen: estimates from a Brazilian RDS study. J Int AIDS Soc. 2021 Mar;24(3):e25691. doi: 10.1002/jia2.25691.
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Em homens transgênero, lesão pré-neoplásica cervical não influenciou nos diagnósticos de lesão pré-neoplásica anal, assim como o uso das próteses penianas também não influenciou nos diagnósticos de neoplasias intraepiteliais cervicais ou de HPV em sítio cervical.

Além do mais, mulheres transgênero, que são tradicionalmente associadas pela literatura científica a comportamentos de riscos e alta taxa de alteração em citologias anais, não possuem protocolos ou diretrizes específicos para rastreamento de neoplasia anal.1010 Allen-Leigh B, Rivera-Rivera L, Yunes-Díaz E, Portillo-Romero AJ, Brown B, León-Maldonado L, et al. Uptake of the HPV vaccine among people with and without HIV, cisgender and transgender women and men who have sex with men and with women at two sexual health clinics in Mexico City. Hum Vaccin Immunother. 2020 Apr 2;16(4):981-990. doi: 10.1080/21645515.2019.1675456. Epub 2019 Nov 1. PMID: 31657665; PMCID: PMC7227620.
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Quando perguntadas sobre a realização de exames de citologia para rastreamento de câncer genital, 78,2% das participantes negaram qualquer realização, enquanto em homens transgênero esse valor chegou a 66,7%, maior que em estudos que identificaram 42,3% de ausência nos exames de rastreamento para câncer de colo de útero.2020 Pils S, Mlakar J, Poljak M, Domjanič GG, Kaufmann U, Springer S, et al. HPV screening in the urine of transpeople - A prevalence study. EClinicalMedicine. 2022 Oct 12;54:101702. doi: 10.1016/j.eclinm.2022.101702. PMID: 36263396; PMCID: PMC9574404.
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Além de alta frequência de HPV, vale ressaltar que a prevalência de infecção pela clamídia está abaixo do encontrado em estudos brasileiros, que identificaram 12% dessa infecção, e difere nos diagnósticos de gonorreia (6%), que não foi identificada nos casos avaliados neste estudo.2424 Ferreira ACG, Coelho LE, Jalil EM, Luz PM, Friedman RK, Guimarães MRC, et al. Transcendendo: A Cohort Study of HIV-Infected and Uninfected Transgender Women in Rio de Janeiro, Brazil. Transgend Health. 2019 Apr 5;4(1):107-17. doi: 10.1089/trgh.2018.0063. PMID: 30972370; PMCID: PMC6455979.
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Apesar da prevalência de tricomoníase neste estudo, não foram encontrados estudos recentes com positividade para tricomoníase na população transgênero,88 Van Gerwen OT, et at. Prevalence of Sexually Transmitted Infections and Human Immunodeficiency Virus in Transgender Persons: A Systematic Review. Transgend Health. 2020 Jun 8;5(2):90-103. doi: 10.1089/trgh.2019.0053
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,2525 Amesty S, Perez-Figueroa R, Stonbraker S, Halpern M, Donastorg Y, Perez-Mencia M, et al. High burden of sexually transmitted infections among under-resourced populations in the Dominican Republic. Ther Adv Infect Dis. 2023 Aug 31;10:20499361231193561. doi: 10.1177/20499361231193561. PMID: 37663112; PMCID: PMC10472826.
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o que faz dessa informação um dado pioneiro para o estudo de IST em população transgênero.

Este estudo apresentou maioria de homens transgênero em relação a mulheres transgênero, diversamente do que já foi descrito em literatura médica.2626 Fontanari AMV, Vianna LL, Schneider M, Soll BMB, Schwarz K, da Silva DC, et al. A Retrospective Review of Medical Records of Laboratory-Tested Sexually Transmitted Infections of Transsexual Men from Southern Brazil. Arch Sex Behav. 2019 Jul;48(5):1573-9. doi: 10.1007/s10508-019-1395-8. Epub 2019 Mar 1. PMID: 30825106.
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Ainda assim, os diagnósticos de IST em homens transgênero foram inferiores aos encontrados em cortes transversais anteriores,88 Van Gerwen OT, et at. Prevalence of Sexually Transmitted Infections and Human Immunodeficiency Virus in Transgender Persons: A Systematic Review. Transgend Health. 2020 Jun 8;5(2):90-103. doi: 10.1089/trgh.2019.0053
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mas similares a outros que também demonstraram baixas taxas de diagnósticos entre eles,1212 Reisner SL, Vetters R, White JM, Cohen EL, LeClerc M, Zaslow S, et al. Laboratory-confirmed HIV and sexually transmitted infection seropositivity and risk behavior among sexually active transgender patients at an adolescent and young adult urban community health center. AIDS Care. 2015;27(8):1031-6. doi: 10.1080/09540121.2015.1020750. Epub 2015 Mar 19. PMID: 25790139; PMCID: PMC4624263.
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,2626 Fontanari AMV, Vianna LL, Schneider M, Soll BMB, Schwarz K, da Silva DC, et al. A Retrospective Review of Medical Records of Laboratory-Tested Sexually Transmitted Infections of Transsexual Men from Southern Brazil. Arch Sex Behav. 2019 Jul;48(5):1573-9. doi: 10.1007/s10508-019-1395-8. Epub 2019 Mar 1. PMID: 30825106.
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relacionando-se esse fato a comportamentos sexuais seguros nesse grupo, mesmo apesar da alta taxa de não uso de preservativo entre eles (55,6%). Ainda no que concerne ao impacto dos comportamentos sexuais na prevalência do HPV, observou-se que a realização de intercurso com penetração com pênis em qualquer sítio aumenta a chance de infecção pelo vírus do HPV; mas, estratificando-se por sítio de penetração, o sítio vaginal apresenta menor chance. Ademais, o uso de preservativo não protege contra a transmissão do vírus do HPV, dado bem estabelecido por estudos anteriores, que relatam a transmissão do vírus mesmo com o uso do preservativo.2727 Marra E, Kovaleva A, Bruisten SM, Vermeulen W, Boyd A, Schim van der Loeff MF. Incidence and Clearance of Anal High-risk Human Papillomavirus Infections and Their Determinants Over 5 Years Among Human Immunodeficiency Virus-negative Men Who Have Sex With Men. Clin Infect Dis. 2019 Apr 24;68(9):1556-1565. doi: 10.1093/cid/ciy738. PMID: 30169621.
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Pessoas transgênero são frequentemente vítimas de estigmatização e discriminação social, o que influencia muito em seu bem-estar e saúde.2828 Doyle DM, Begeny CT, Barreto M, Morton TA. Identity-Related Factors Protect Well-Being Against Stigma for Transgender and Gender Non-Conforming People. Arch Sex Behav. 2021 Oct;50(7):3191-3200. doi: 10.1007/s10508-021-02029-1. Epub 2021 Oct 6. PMID: 34613539; PMCID: PMC8563541.
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Mesmo que quase metade da amostra tenha relatado acesso a algum serviço de saúde previamente à aplicação do questionário de pesquisa, 46,2% relataram algum tipo de discriminação no atendimento, principalmente no distrato ao nome social e ao gênero com o qual a pessoa se identifica. Outros 44,2% declararam que não se sentiram bem orientados em relação à transição de gênero em serviços públicos de saúde. A ausência de diretrizes para acolhimento e definição de critérios para atendimento e seguimento nos níveis de atenção à saúde à população transgênero ainda é uma barreira, dificultando a atenção às pessoas transgênero em serviços de saúde e ressaltando a necessidade de quebra de barreiras, fornecimento de atendimento de qualidade e de construção de conhecimento científico acerca dessa população.2929 Ssekamatte T, Isunju JB, Naume M, Buregyeya E, Mugambe RK, Wanyenze RK, et al. Barriers to access and utilisation of HIV/STIs prevention and care services among trans-women sex workers in the greater Kampala metropolitan area, Uganda. BMC Infect Dis. 2020 Dec 7;20(1):932. doi: 10.1186/s12879-020-05649-5.
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A dificuldade de acesso à saúde e aos centros de pesquisa dificulta a investigação científica sobre a população transgênero, prejudicando ações de inclusão social e melhorias na qualidade de atendimento em saúde. Faz-se necessário gerar condições para a implementação de políticas efetivas e inclusivas. Abordar as barreiras enfrentadas pela população transgênero no acesso aos serviços de saúde é imperativo para promover a equidade e melhorar os resultados de saúde dessa comunidade.22 Rocon PC, Sodré F, Rodrigues A, Barros MEB, WandekokenKD. Desafios enfrentados por pessoas trans para acessar o processo transexualizador do Sistema Único de Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2019;23: e180633. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180633
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A implementação de estratégias inclusivas e sensíveis ao gênero é essencial para garantir que todos tenham acesso aos cuidados de saúde de qualidade, independentemente da identidade de gênero.33 Paiva CR. Farah BF. Duarte MJO. A rede de cuidados à saúde para a população transexual. Physis. 2023;33: e33001. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-7331202333001
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Este estudo apresentou algumas limitações, como a própria característica do estudo transversal de medir a exposição e o desfecho ao mesmo tempo, não permitindo se estabelecer uma relação de causa e efeito; o tamanho amostral também foi relativamente pequeno, o que pode ter dificultado algumas comparações e associações. Além disso, as amostras anogenitais foram prejudicadas pela recusa dos participantes em sua coleta, seja por desconhecimento da importância da realização de exames de rastreamento, seja por se tratar de exames que poderiam desencadear sintomas disfóricos. Outra limitação em relação às amostras de sítio anal é a presença de resultados insatisfatórios, devido à hipocelularidade da região, segundo os critérios de Bethesda atualizados, o que atrapalha a análise histopatológica adequada na procura de alterações pré-neoplásicas celulares.3030 Pangarkar MA. The Bethesda System for reporting cervical cytology. Cytojournal. 2022 Apr 30;19:28. doi: 10.25259/CMAS_03_07_2021. PMID: 35673697; PMCID: PMC9168399.
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Ademais, o estudo foi realizado durante a pandemia do vírus da covid-19, que suspendeu serviços eletivos ambulatoriais, prejudicando o número da amostra final e contribuindo para as ausências de dados em pesquisa de amostras anogenitais e IST. Entretanto, mesmo com essas limitações, este estudo representa um importante avanço em saúde da população transgênero, tendo em vista que traz dados exploratórios inéditos que podem contribuir na formulação de políticas públicas.

Uma vez que pessoas transgênero são acompanhadas em serviço de saúde adequado e atendidas por profissionais de saúde treinados, é possível avançar em políticas de prevenção de câncer de trato anogenital e IST, aumentando assim a taxa de diagnóstico adequado e tratamento precoce. A alta prevalência de infecção genital pelo vírus HPV e de citologias anogenitais alteradas – mesmo com métodos de prevenção primário e secundário amplamente disponíveis no Sistema Único de Saúde e de conhecimento amplamente difundido na prática médica – é alarmante, e deve atrair a atenção de órgãos e políticas públicas. Apesar da descoberta de dados valiosos a respeito dessa população, espera-se que estudos mais robustos se desenvolvam, para melhor avaliação de prevalência de IST e sua associação com dados clínico-comportamentais.

  • FINANCIAMENTO

    Este artigo foi beneficiado por recursos do Ministério da Saúde/Organização Pan-Americana de Saúde, sob o termo de cooperação 66-111/2017, no valor de R$ 210.000,00, como parte do projeto Ambulatório Multidisciplinar de Diversidade de Gênero.
  • TRABALHO ACADÊMICO ASSOCIADO

    Artigo derivado de dissertação de mestrado intitulada Prevalência da infecção pelo HPV e de alterações citológicas anais e cervicais em pessoas transgêneros em um serviço de referência em Vitória-ES entre 2018 e 2021, defendida por Franco Luís Salume Costa no Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas, da Universidade Federal do Espírito Santo, em 2022.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2024
  • Aceito
    12 Ago 2024
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