Rede social das pessoas responsáveis por crianças e adolescentes transgêneros

Paula Daniella de Abreu Ana Beatriz Marques Valença Gilberto da Cruz Leal Diogo Henrique Mendes da Silva Pedro Fredemir Palha Ednaldo Cavalcante de Araújo Jaqueline Garcia de Almeida Ballestero Sandra Aparecida de Almeida Jordana de Almeida Nogueira Aline Aparecida Monroe Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Analisar a rede social de mães, pais ou responsáveis por crianças ou adolescentes transgêneros.

Métodos

Trata-se de estudo qualitativo, fundamentado no referencial de rede social, com enfoque na rede primária. O estudo foi desenvolvido no Brasil por meio de entrevistas online entre agosto e outubro de 2021. Participaram 30 mães, dois pais e uma avó de crianças ou adolescentes transgêneros. Realizou-se análise de conteúdo, modalidade temática, com auxílio do software IRaMuTeQ.

Resultados

A temática “A família enquanto centro da rede e os desafios para o alcance da autonomia trans” emergiu a partir das análises. A família configurou-se como primeira rede, com maior responsabilização. Revelaram-se vínculos frágeis e conflituosos com familiares, amigos, colegas e vizinhos, destacando a figura do homem.

Conclusão

As redes apresentaram limitações no apoio e necessidade de fortalecimento, sendo a análise uma importante ferramenta na assistência, estruturação de políticas e linha de cuidado transespecífica.

Palavras-chave
Rede Social; Pessoas Transgênero; Identidade de Gênero; Criança; Adolescente

Contribuições do estudo

Principais resultados

As redes de apoio dessas famílias, especialmente a família imediata, desempenham papel relevante e apresentam fragilidades, como vínculos conflituosos e falta de suporte adequado de outros membros da comunidade.

Implicações para os serviços

Abordagem mais estruturada e específica no atendimento de famílias de crianças e adolescentes transgêneros é necessária. Os serviços de saúde devem fortalecer o apoio à família, oferecer assistência específica e capacitar profissionais de saúde para o cuidado dessa população.

Perspectivas

Pesquisas futuras devem explorar intervenções que minimizem conflitos e fortaleçam laços, além de avaliar o impacto de políticas transespecíficas na autonomia e bem-estar de crianças e adolescentes transgêneros, orientando a criação de políticas públicas mais inclusivas.

Palavras-chave
Rede Social; Pessoas Transgênero; Identidade de Gênero; Criança; Adolescente

INTRODUÇÃO

Os desafios enfrentados pelos responsáveis por crianças ou adolescentes transgênero, ou trans, consiste inicialmente no processo de reconhecimento da transgeneridade. Tal desconhecimento pode resultar em experiências de negação e transfobia, potencializadas por sentimentos de dúvidas, impotência diante dos desafios, do medo, da tristeza e da culpabilização.11 Jesus JG. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos - guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. 2nd ed. Brasília: Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional – EDA/FBN; 2012.

2 Wahlig JL. Losing the child they thought they had: therapeutic suggestions for an ambiguous loss perspective with parents of a transgender child. J GLBT Fam Stud. 2015; 11(4): 305-326. doi: 10.1080/1550428X.2014.945676
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-33 Alegría CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend. 2018; 19(2): 132-143. doi: 10.1080/15532739.2018.1450798
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Esses sentimentos também podem estar associados à experienciação de “perda ambígua”, entendida como a perda psicológica e identitária de uma pessoa que ainda está presente fisicamente.44 Boss P. The context and process of theory development: the story of ambiguous loss. J Fam Theory Rev. 2016; 8(3):269-286. doi: 10.1111/jftr.12152
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A identidade de gênero trans pode modificar os vínculos familiares existentes. O reconhecimento pelos responsáveis demanda aproximação com a vivência de seus pares. É imprescidível a troca de saberes e experiências com outros responsáveis, o suporte de familiares e amigos, o auxílio do conhecimento produzido por pesquisas e acesso a políticas de acolhimento e garantia dos direitos de seus filhos.55 Rilei EA, Sitharthan G, Clemson L, Diamond M. Recognising the needs of gender-variant children and their parents. Sex Educ. 2013; 13(6):645-659. doi: 10.1080/14681811.2013.796287
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As redes sociais constituem no entrelaço de vínculos interpessoais, nas quais ocorrem interações sinérgicas. As redes sociais primárias implicam as relações interpessoais compostas por laços familiares, parentais, de amizade, vizinhança e trabalho que exercem a função de apoio ou contenção. As redes secundárias, por outro lado, podem ser informais ou formais e incluem instituições de terceiro setor ou sem fins lucrativos e as de mercado.66 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. 2nd ed. São Paulo: Veras; 2015.

Este estudo foca a rede social primária, devido à complexidade e ao aprofundamento dos vínculos e das relações existentes. A família da pessoa trans usualmente enfrenta rejeições, desaprovações e isolamento social, sobrecarga psicológica e física, além da falta de apoio informativo sobre os direitos sociais e de saúde, cuidados a saúde e advocacia.77 Abreu PD, Andrade RLP, Maza ILS, Faria MGBF, Nogueira JÁ, Monroe AA. Dynamics of primary social networks to support mothers, fathers, or guardians of transgender children and adolescents: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2022; 19(13):7941. doi: 10.3390/ijerph19137941
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O presente estudo busca analisar a rede social primária das mães, pais ou responsáveis por crianças ou adolescentes transgênero e foi motivado pela seguinte questão norteadora: Como se caracteriza a estrutura da rede social primária das mães, pais ou responsáveis por crianças e adolescentes transgênero? Quais as funções e dinâmicas?

MÉTODOS

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório fundamentado na análise de dinâmicas de rede social.66 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. 2nd ed. São Paulo: Veras; 2015. O presente relato se baseou nas orientações do consolidated criteria for reporting qualitative research.88 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Heal Care. 2007; 19(6): 349-357. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
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O estudo foi desenvolvido em âmbito nacional e contou com o apoio da Aliança Nacional LGBT, da organização não governamental (ONG) Mães pela Diversidade e da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra); do Espaço de Cuidado e Acolhimento Trans do Hospital das Clínicas/Pernambuco; e, do Núcleo de Atenção Integral à População Negra e LGBT/Jaboatão dos Guararapes/Pernambuco e do Ambulatório T para pessoas Trans de Porto Alegre. Esses serviços possuem equipes interdisciplinares que atuam no campo da gestão, da assistência à saúde e das ações dos movimentos sociais. Tais equipes instruem quanto à educação em saúde, produzem pesquisas e materiais e acolhem as pessoas transgêneros e os familiares destas.

Participaram do estudo mães, pais ou responsáveis por crianças e adolescentes transgêneros residentes no Ceará, Pernambuco, São Paulo, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Pessoas com até 9 anos de idade foram consideradas crianças. Aquelas que possuíam entre 10 e 19 anos foram consideradas adolescentes.99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.

A produção dos dados empíricos ocorreu entre agosto e outubro de 2021. A seleção dos participantes se deu através da técnica bola de neve (snowball). O intuito era de reunir a população de interesse de difícil acesso devido ao marcante estigma social e às barreiras culturais, sociais e históricas que desconsideram a existência das pessoas transgêneros e delineiam a transfobia.1010 Sampieri RH, Collado CF, Lucio MPB. Amostragem na pesquisa qualitativa. In: Sampieri RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia de Pesquisa. 5th ed. Porto Alegre: Penso; 2013. p. 401-412.,1111 Biernacki P, Waldorf D. Snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociol Methods Res. 1981; 10(2): 141-63. doi: 101177/004912418101000205
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Iniciou-se o contato com os profissionais ou representantes das organizações que deram apoio ao estudo; estes fizeram indicações e compartilharam os formulários de agendamento das entrevistas a possíveis respondentes. As pessoas indicadas compuseram a onda zero e, dada a dificuldade de acesso a esse público-alvo, indicaram outros participantes para compor as ondas subsequentes. Houve quatro desistências de participação, sendo consideradas após três tentativas de contato.

O instrumento de caracterização e o roteiro da entrevista foram validados por especialistas, pesquisadores e profissionais com experiência com o público transgênero e familiares. Houve também um pré-teste, via autopreenchimento, com oito pessoas. Duas destas tiveram seus pré-testes incluídos após aceitarem participar da entrevista por vídeo via Google Meet, e registradas pelos pesquisadores.

Os participantes receberam via WhatsApp o termo de consentimento Livre e esclarecido e o formulário de caracterização para preenchimento no dia e no horário previamente pactuados. Após assinatura do termo, foram conduzidas entrevistas no Google Meet. Estas foram conduzidas por pesquisadores previamente treinados. As entrevistas duraram, em média, uma hora.

A exploração de redes sociais se deu pela construção de mapas para visualização didática dos componentes da rede e vínculos estabelecidos, denominado mapa de Rousseau.66 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. 2nd ed. São Paulo: Veras; 2015.

Optou-se pela construção do mapa após as entrevistas. Isso foi feito com base nas respostas verbalizadas pelos participantes que conduziram as informações necessárias. Os participantes receberam uma síntese das respostas e o mapa da sua rede social com a descrição e a legenda, a fim de validar as informações coletadas.

Entrevistas individuais foram realizadas. Áudio e/ou vídeo foram gravados e as entrevistas foram transcritas na íntegra, sendo utilizados codinomes (espécies de flores) para resguardar a identidade dos participantes. O material empírico foi organizado segundo as três dimensões: estrutura, função e dinâmica, com ênfase nos componentes da rede mais emergentes.

A construção da estrutura da rede social dos participantes do estudo em função de componentes da rede, laços e indicadores foi realizada em cinco etapas: (i) síntese das informações; (ii) construção dos mapas de Rosseau; (iii) validação pelos participantes; (iv) identificação dos indicadores; e (v) construção do mapa consolidado.

O mapa de Rousseau foi construído para possibilitar a visualização da estrutura das redes sociais, por meio da análise da função e dinâmica das redes primárias e secundárias, considerando laços e vínculos estabelecidos.

A análise da função e dinâmica demandou, de forma complementar, análise aprofundada do córpus textual por meio dos mapas e depoimentos que foram submetidos à análise de conteúdo, modalidade temática. Foi realizada, então, leitura flutuante do córpus, que foi organizado pelas respostas de todos os participantes.1212 Bardin L. Análise de Conteúdo. 4th ed. Lisboa: Edições 70; 2013.

13 Mendes RM, Miskulin RGS. A análise de conteúdo como uma metodologia. Cad Pesqui. 2017; 47(165): 1044-66. doi: 10.1590/198053143988
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-1414 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013; 21(2): 513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16
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O córpus foi analisado com auxílio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionelles de Testes et de Questionnaires (IRaMuTeQ) versão 0.7, onde foi realizada a classificação hierárquica descendente, disponibilizada em dendograma.1414 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013; 21(2): 513-8. doi: 10.9788/TP2013.2-16
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Obteve-se a análise léxica para complementar à análise de conteúdo.1515 Sampaio RC, Lycarião D. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap; 2021. As classes obtidas a partir das análises foram interpretadas para definição dos eixos temáticos. Os eixos temáticos foram condensados em categorias temáticas e procedeu-se à análise indutiva, seguindo método de dinâmica de rede social.66 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. 2nd ed. São Paulo: Veras; 2015.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, por meio Parecer nº 4.567.837, de 2 de março de 2021, 30405720.4.0000.5393.

RESULTADOS

Trinta mães, dois pais e uma avó de crianças e adolescentes trans, com idade média de 46 anos, participaram do estudo. Treze possuíam pós-graduação; onze, ensino superior completo; seis, ensino superior incompleto; dois, ensino médio completo; e um, ensino técnico incompleto.

Ao todo, 33 mapas individuais, compostos pelas redes primárias foram elaborados e analisados (Figura 1).

Figura 1
Estrutura das redes sociais primárias e dos laços estabelecidos com os responsáveis e seus descendentes trans

O córpus textual foi dividido em 1.681 segmentos de texto, relacionando-se 4.553 palavras que ocorreram 58.416 vezes. A classificação hierárquica descendente reteve 86,5% do total de segmentos de texto, agregados em cinco classes (Figura 2). Tais classes foram agrupadas em duas categorias temáticas após análise temática:” “A família enquanto centro da rede e os desafios para o alcance da autonomia trans” (Classes 5, 4 e 1) e “Fortalezas e fragilidades das redes secundárias para atenção integral em saúde” (Classes 2 e 3).

Figura 2
Palavras mais significativas em cada classe analisada na análise de classificação hierárquica descendente

Observou-se que a conformação social responsável-criança/adolescente trans consiste na primeira rede de responsabilização e afetividade da pessoa trans em que não há escolha de composição, mas há função de dependência para os cuidados e a proteção. Os laços constituídos nesse binômio revelaram fortalezas e fragilidades compartilhadas nos desafios para o reconhecimento da identidade de gênero, sendo a família nuclear o centro da rede social, aos quais serão apresentados a seguir.

Constatou-se que os vínculos de normalidade entre alguns membros da rede primária foram evidenciados entre aqueles que reagiram com naturalidade nos contextos familiares em que a transgeneridade havia sido divulgada.

As falas também revelam que ser trans se tornou referência para que outros parentes na mesma condição optassem por divulgar a própria identidade de gênero e/ou orientação sexual, tornando-se motivo de orgulho (Quadro 1).

Quadro 1
Recorte do discurso dos participantes

Cabe destacar o depoimento de um pai que preferiu optar pela mudança na rotina de trabalho para ofertar cuidados ao filho trans. O pai participou ativamente no grupo de pares e contribuiu com pesquisas, levantou literatura sobre o tema e participou de eventos científicos e encontros para elaboração de políticas com a finalidade de adquirir informações e contribuir com estratégias de acolhimento, bem como para compreender sua função, ter apoio e apoiar o filho (Quadro 1).

Identificou-se que os vínculos de natureza forte apresentaram maior destaque no posicionamento da figura materna diante o apoio ao filho(a), o que refletiu na aproximação com outras pessoas trans e no fortalecimento de vínculos de amizades que, em um primeiro momento, foi interrompido.

Os vínculos fortes foram identificados nas relações entre restritos amigos e familiares dos filhos trans – que reagiram com naturalidade ao reconhecimento da identidade de gênero do descendente.

As redes sociais possuíam amplitude pequena - até nove integrantes - e poucos membros da rede interagiam entre si para relações de apoio.66 Sanicola L. As Dinâmicas de Rede e o trabalho social. 2nd ed. São Paulo: Veras; 2015. Apesar de restrito, o apoio mostrou relevante inclusive por viabilizar que outros familiares revelassem ser LGBT+ (Quadro 1).

Os vínculos considerados frágeis foram descritos nas relações entre familiares, amigos, parentes e colegas como prováveis vínculos a serem interrompidos. Foram evidenciados o distanciamento, as negligências e a contenção afetiva, de forma mais frequente, na figura do homem cisgênero (Quadro 1).

Observou-se que vínculos conflituosos foram motivados por situações de transfobia, e não de reconhecimento da identidade de gênero. Também convergiram para laços interrompidos, rompidos e descontínuos. A naturalização no reconhecimento da identidade de gênero trans foi mais evidente entre as crianças trans e cis no contexto escolar e de vizinhança. As crianças se apresentaram mais coesas, pois não questionavam a transgeneridade como faziam pessoas adultas. Outros pais, por sua vez, expressaram comportamentos transfóbicos em relação às amizades trans dos seus filhos cisgêneros com impacto na educação e na tendência à transfobia (Quadro 1).

O reconhecimento da identidade de gênero foi ponto crítico, nas alianças e nas transgressões nas dinâmicas das redes sociais primárias, sendo definidora na construção ou no rompimento das condutas de acolhimento e advocacia. A “transição social” da criança ou do adolescente trans culmina com a “transição familiar” no contexto mútuo de resistência e luta.

DISCUSSÃO

A análise da rede social dos responsáveis por crianças e adolescentes transgêneros adiciona camada complexa às discussões sobre políticas e cuidados, nesse último caso com forte presença do papel dos pais ou cuidadores. Garantias legais, como o direito ao nome social e leis antidiscriminação, possibilitaram progressos. Da mesma forma, a ampliação dos serviços de saúde, o apoio psicológico para pessoas trans e seus familiares, e o fortalecimento das redes sociais em diversos níveis têm sido fundamentais para promover inclusão e suporte adequados.1616 Abreu PD, Palha PF, Andrade RLP, Almeida SA, Nogueira JA, Monroe AA. Integral health care for transgender adolescents: subsidies for nursing practice. Rev Latinoam Enferm. 2022; 30(spe): e3810. doi: 10.1590/1518-8345.6276.3810

Os responsáveis por crianças e adolescentes transgêneros representam o centro da rede social no provimento de afeto e cuidados laços determinantes para construção de outras relações com a rede social, sendo o núcleo familiar por vezes exposto a hostilidade e assédio de parentes1717 Riley EA, Sitharthan G, Clemson L, Diamond M. Recognising the needs of gender-variant children and their parents. Sex Educ. 2013; 13(6): 644-59. doi: 10.1080/14681811.2013.796287
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,1818 Rabain NS. Why multi-family groups for transgender adolescents and their parents? Front Sociol. 2020; 5: 628047. doi: 10.3389/fsoc.2020.628047
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e vizinhos.1818 Rabain NS. Why multi-family groups for transgender adolescents and their parents? Front Sociol. 2020; 5: 628047. doi: 10.3389/fsoc.2020.628047
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O reconhecimento da identidade de gênero se mostrou permeado por negação e dúvida. A “transição social” da pessoa trans também foi permeada por uma “transição familiar” segundo os participantes deste estudo, também compreendido como reconhecimento. O termo “transição” para estes demarca as etapas antes e após o reconhecimento e a revelação da identidade de gênero. Essas etapas podem ser consideradas momentos críticos para a consolidação de vínculos.

A decisão de apoiar seus descendentes trans, por vezes, resultou na potencial perda de amigos33 Alegría CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend. 2018; 19(2): 132-143. doi: 10.1080/15532739.2018.1450798
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,1919 Riley EA, Sitharthan G, Clemson L, Diamond M. The needs of gender-variant children and their parents: a parent survey. Int J Sex Health. 2011; 23(3): 181-95. doi: 10.1080/19317611.2011.593932
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20 Testoni I, Pinducciu MA. Grieving those who still live: loss experienced by parents of transgender children. Gend Stud. 2019; 18(1):142-162. doi: 10.2478/genst-2020-0011
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21 Pyne J. “Parenting is not a job… it’s a relationship”: Recognition and relational knowledge among parents of gender nonconforming children. J Progress Hum Serv. 2016; 27(1): 21-48. doi: 10.1080/10428232.2016.1108139
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22 Dangaltcheva A, Booth C, Moretti MM. Transforming connections: A trauma-informed and attachment-based program to promote sensitive parenting of trans and gender non-conforming youth. Front Psychol. 2021. 12: 643823. doi: 10.3389/fpsyg.2021.643823
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23 Sansfaçon AP, Kirichenko V, Holmes C, Feder S, Lawson ML, Ghosh S, et al. Parents’ journeys to acceptance and support of gender-diverse and trans children and youth. J Fam Issues. 2020; 41(8): 1214-36. doi: 10.1177/0192513X19888779
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-2424 Szilagyi N, Olezeski CL. Challenges in providing care for parents of transgender youth during the coronavirus pandemic. Smith Coll Stud Soc Work. 2021; 91(2): 85-114. doi: 10.1080/00377317.2021.1878083
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e em recorrentes desafios nos vínculos com amigos, família e vizinhos.2020 Testoni I, Pinducciu MA. Grieving those who still live: loss experienced by parents of transgender children. Gend Stud. 2019; 18(1):142-162. doi: 10.2478/genst-2020-0011
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Neste estudo, a restrita participação de pais pode ser um indicativo de menor atuação da figura paterna nas funções de responsabilização no cuidado dos descendentes. As fragilidades de apoio foram mais frequentes em familiares do gênero masculino, como pais, parceiros e família paterna.2525 Katz-Wise SL, Galman SC, Friedman LE, Kidd KM. Parent/caregiver narratives of challenges related to raising transgender and/or nonbinary youth. J Fam Issues. 2021;43(12): 3321-45. doi: 10.1177/0192513X211044484
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A figura materna, por vezes, necessita reconhecer antecipadamente a identidade de gênero do(a) filho(a) para fortalecer o diálogo com a família extensa.2626 Kuvalanka KA, Weiner JL, Mahan D. Child, family and community transformations: findings from interviews with mothers of transgender girls. J GLBT Fam Stud. 2014; 10(4): 354-79. doi: 10.1080/1550428X.2013.834529
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Este estudo e a literatura também apresenta que as mães possuem maior sobrecarga física, emocional e organizacional,2727 Carlile A. The experiences of transgender and non-binary children and young people and their parents int healthcare settings in England, UK: interviews with members of a family support group. Int J Transgend Health. 2019; 21(1): 16-32. doi: 10.1080/15532739.2019.1693472
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visto que seu posicionamento é tido como referência para decisões que impactam as relações. Além disso, foi evidente o desencorajamento e conflitos com outras gerações, os avós,2121 Pyne J. “Parenting is not a job… it’s a relationship”: Recognition and relational knowledge among parents of gender nonconforming children. J Progress Hum Serv. 2016; 27(1): 21-48. doi: 10.1080/10428232.2016.1108139
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,2828 Hill DB, Menvielle E. “You have to give them a place where they feel protected and safe and loved”: the views of parents who have gender-variant children and adolescents. J LGBT Youth. 2009; 6(2-3): 243-71. doi: 10.1080/19361650903013527
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além de amigos ou familiares, que acreditavam que apoiar poderia contribuir com danos significativos ao filho(a).2424 Szilagyi N, Olezeski CL. Challenges in providing care for parents of transgender youth during the coronavirus pandemic. Smith Coll Stud Soc Work. 2021; 91(2): 85-114. doi: 10.1080/00377317.2021.1878083
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Neste e em outros estudos a aproximação dos responsáveis com pessoas trans resultou em fortalecimento de vínculos de amizade, apoio emocional e informativo. A construção do conhecimento foi mais expressiva na troca de saberes entre pares e menos evidente no vínculo com profissionais da saúde, pois estes não sabiam acolher as demandas trans.77 Abreu PD, Andrade RLP, Maza ILS, Faria MGBF, Nogueira JÁ, Monroe AA. Dynamics of primary social networks to support mothers, fathers, or guardians of transgender children and adolescents: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2022; 19(13):7941. doi: 10.3390/ijerph19137941
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Este estudo evidencia a fragilidade de vínculos entre os componentes da rede social devido ao falta de reconhecimento e informações sobre pessoas transgêneros. Neste sentido, no âmbito da saúde a produção do conhecimento para educação em saúde pode se dar por meio de: livros e histórias sobre identidade de gênero das crianças trans e suas famílias; pesquisas; diretrizes e estratégias para a pessoa trans e família, sendo imprescindível estar disponível não apenas online, mas também em espaços físicos de acesso público.1717 Riley EA, Sitharthan G, Clemson L, Diamond M. Recognising the needs of gender-variant children and their parents. Sex Educ. 2013; 13(6): 644-59. doi: 10.1080/14681811.2013.796287
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O apoio informativo aos responsáveis têm sido mais evidente nas relações com amigos gays ou trans.2929 Frigerio A, Montali L, Anzani A, Prunas A. “We’ll accept anything, as long as she is okay”: Italian parents’ narratives of their transgender children’s coming-out. J GLBT Fam Stud. 2021;17(5): 432-49. doi: 10.1080/1550428X.2021.1932005
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-3030 Lorusso M, Albanesi C. When the context rows against. Voicing parents of transgender children and teenagers in Italy: a qualitative study. J Community Appl Soc Psychol. 2021; 31(6): 732-48. doi: 10.1002/casp.2518
https://doi.org/10.1002/casp.2518...

A inclusão dos participantes vinculados a redes de apoio da sociedade civil organizada pode ter suprimido a experiência daqueles que não reconhecem a identidade de gênero dos seus descendentes, e representa importante limitação ao presente estudo. A perspectiva familiar pode ter suprimido o contexto de crianças e adolescentes trans que vivem em abrigos e possíveis participantes que não estão vinculados a ONG.

A rede social primária apresentou apoio ineficaz com limitado apoio e necessidade de fortalecimento. A análise é uma importante ferramenta para estruturação de políticas, linha de cuidado e tecnologias educacionais com vistas ao cuidado integral no contexto da atenção primária à saúde com ênfase na família e sua rede social. A finalidade é traçar projetos singulares voltados à saúde trans desde a infância.

As redes apresentaram limitado apoio aos responsáveis por crianças e adolescentes transgêneros e necessidade de fortalecimento. A análise dos vínculos entre os componentes da rede é uma importante ferramenta no planejamento do cuidado e ações em saúde, na estruturação de políticas e construção de uma linha de cuidado transespecífica.

  • FINANCIAMENTO

    Este trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, código de financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Fev 2024
  • Aceito
    15 Set 2024
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
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