A regulação sanitária brasileira como parte da política de saúde: lacunas e desafios

Sanitary regulation as part of health policy in Brazil: gaps and challenges

Christiane Maia Dirce Guilhem Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Apresentar e discutir os principais desafios à regulação sanitária manifestos na política de saúde brasileira estabelecida no âmbito federal.

Métodos

Para o presente estudo qualitativo, alicerçado na análise de políticas públicas, foram coletadas informações em documentos e entrevistas. O estudo documental subsidiou uma abordagem histórica da inserção da regulação sanitária na política de saúde brasileira entre 1999 e 2009 (primeira década de existência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa). Além disso, foram conduzidas 13 entrevistas com atores selecionados por seu papel histórico, técnico ou acadêmico. Utilizou-se técnica de análise de conteúdo para definir temas que emergissem dos materiais analisados dentro da categoria “conteúdo”, que trata das diretrizes estratégicas e operacionais de programas, projetos, ações e marco normativo da política.

Resultados

Emergiram cinco temas que refletem os desafios à regulação sanitária no Brasil: 1) objetos sob regulação tratados de forma isolada; 2) especificidades do modelo de regulação sanitária no Brasil; 3) desconhecimento do papel da vigilância sanitária na saúde; 4) ausência de um sistema de informação; e 5) ausência de indicadores e ferramentas para avaliação das ações.

Conclusões

É necessário desvincular a missão da vigilância sanitária das tarefas de fiscalização para torná-la um instrumento efetivo de defesa e promoção da saúde. Para tanto, éfundamental dispor de um sistema de informação que agregue o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária em grandes objetivos. É preciso também incorporar ferramentas para avaliação das ações, com estabelecimento de indicadores adequados.

Palavras-chave
Regulação governamental; regulação e fiscalização em saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; vigilância sanitária; política de saúde; Brasil

ABSTRACT

Objective

To outline and discuss the main challenges for sanitary regulation contained in the federal-level Brazilian health policy.

Methods

For the present qualitative study, based on the analysis of public policies, information was collected from documents and interviews. Document analysis provided a historical overview of the insertion of sanitary regulation into the Brazilian health policy between 1999 and 2009 (first decade of existence of the national health surveillance agency, Anvisa). In addition, 13 interviews were carried out with actors selected for their historical, technical, or academic role in the field. Content analysis was used to define themes emerging from the materials analyzed with a focus on the “content” category, which refers to strategic and operational guidelines of policy programs, projects, initiatives, and normative framework.

Results

Content analysis revealed five themes that reflect the challenges to sanitary regulation in Brazil: 1) objects under regulation treated as isolated cases; 2) a Brazilian-specific model of sanitary regulation that is different from other international models; 3) ignorance regarding the role of sanitary surveillance in health care; 4) absence of an information system; and 5) absence of performance indicators and assessment tools.

Conclusions

Sanitary surveillance must have a mission that is disentangled from inspection tasks to become an effective instrument of health protection. For that, an information system that brings the National Sanitary Surveillance System together toward major objectives is essential. The adoption of tools for assessment of action is also required, with the establishment of adequate indicators.

Key words
Government regulation; health care coordination and monitoring; Brazilian Health Surveillance Agency; health surveillance; health policy; Brazil

O conceito de regulação traduz-se no modo de ação do Estado para evitar que práticas em determinado setor econômico ou social variem além de certos limites preestabelecidos. O objetivo da regulação é garantir o adequado funcionamento do mercado para alcançar a máxima eficiência na busca pelo bem-estar social (11 Silva GHT. Regulação sanitária no Brasil: singularidades, avanços e desafios. Em: Proença JD, Costa PV, Montagner P, editores. Desafios da regulação no Brasil. Brasília: ENAP; 2009. Pp. 215–62.). Em saúde pública, há três importantes justificativas para a regulação: 1) o fato de que a ausência de intervenção do Estado pode implicar em riscos para outras pessoas além daquela que utiliza os bens e serviços; 2) a necessidade de proteção para os mais vulneráveis; e 3) o controle dos riscos ao próprio consumidor, em especial quando esse risco já está socialmente incorporado e causa danos significativos, como é o caso do tabagismo (22 Gostin LO. General justifications for public health regulation. Public Health. 2007;121(11):829–34.).

No Brasil, o debate sobre regulação ganhou maior vulto a partir da década de 1990, com a criação de agências reguladoras. Na saúde, esse foi o gatilho para o fortalecimento da vigilância sanitária, setor da saúde pública mencionado na Constituição Federal como parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) surgiu com a finalidade de promover a proteção à saúde da população pelo controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços. Atribuiu-se à Anvisa a coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), e ao Ministério da Saúde (MS) a competência relativa “à formulação, ao acompanhamento e à avaliação da política nacional de vigilância sanitária” (33 Brasil. Lei 9 782/ 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9782.htm Acessado janeiro de 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Embora a estrutura de vigilância não se limite ao formato de agência reguladora (existem três agências reguladoras de vigilância sanitária entre as 27 unidades da federação), cresceu o entendimento de vigilância sanitária como “regulação sanitária”. Também ocorre que, apesar de a Anvisa abarcar o grande volume das ações de regulação sanitária no Brasil, certas atividades desenvolvidas em instituições não reguladoras (tais como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) mesmo assim se encaixam no conceito de regulação sanitária. Por essas razões, o limite entre vigilância e regulação sanitária torna-se cada vez mais sutil.

Concomitantemente, a década de 1990 foi marcada pela implantação do SUS. Como sistema de saúde, o SUS está alicerçado por uma política de saúde como direito de todos e dever do Estado e é organizado em uma complexa rede de serviços oferecidos pelas três esferas de governo: federal, estadual e municipal (44 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. Lancet. 2011;377(9779):1778–97.). As diretrizes norteadoras do sistema são descentralização, atendimento integral e participação da comunidade.

Enquanto o Estado brasileiro passava por essas mudanças, o aumento da complexidade na atenção à saúde tornava ainda mais evidente que o cuidado também pode gerar danos. Como exemplo, podemos citar o caso dos eventos adversos associados a medicamentos, os quais resultam em números expressivos de óbitos e de hospitalizações em todo o mundo, e os efeitos da resistência microbiana, que diminui a eficácia dos medicamentos, aumenta o tempo de internação e eleva o custo do tratamento. Esse novo contexto de maior complexidade reforça a importância da vigilância sanitária para o SUS, principalmente por seu grande potencial na prevenção de agravos.

As peculiaridades do sistema de saúde brasileiro – descentralizado e com a proposta de ser universal, apesar do crescimento da atenção privada à saúde – reforçam a importância de adequar a regulação sanitária ao cenário nacional. Parte-se da premissa de que a política de vigilância sanitária (apesar de não estar formalmente constituída) é parte da política de saúde brasileira, da mesma forma que se entende que o SNVS seja um subsistema do SUS. Assim, a vigilância sanitária deve ser conduzida por estratégias que articulem a regulação do mercado à macropolítica da saúde. Cabe mencionar que, no caso específico de medicamentos, a regulação de qualidade é determinante para a longevidade e bem-estar dos brasileiros, já que o país está entre os principais mercados consumidores do mundo - a estimativa é de que em 2017 o Brasil chegue ao quarto lugar, ficando atrás somente de Estados Unidos, China e Japão (55 Públio RN. O consumo de medicamentos no Brasil - a tênue linha entre o remédio e o veneno. Disponível em: http://fenafar.org.br/fenafar/index.php/item/7966-o-consumo-de-medicamentos-no-brasil-a-t%C3%AAnue-linha-entre-o-rem%C3%A9dio-e-o-veneno-por-rilke-novato* Acessado em janeiro de 2016.
http://fenafar.org.br/fenafar/index.php/...
).

Considerando esse cenário, pretende-se, neste trabalho, apresentar e discutir os principais desafios à regulação sanitária manifestos na política de saúde brasileira estabelecida no âmbito federal.

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo qualitativo foi fundamentado na análise de políticas públicas. Para tanto, foram coletadas informações em documentos e entrevistas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (protocolo de 03/05/10). Para a participação no estudo, os sujeitos entrevistados assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

O trabalho documental procurou subsidiar uma abordagem histórica da inserção da regulação sanitária na política de saúde em nível federal entre os anos de 1999 e 2009. Esse período refere-​se à primeira década de existência da Anvisa. Foram selecionados para análise documentos relevantes no processo decisório do SUS, conforme descrito na Lei Orgânica da Saúde (66 Brasil. Lei 8 080/1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm Acessado janeiro de 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
) e na história da vigilância sanitária no Brasil: relatórios das Conferências Nacionais de Saúde, planos nacionais de saúde (PNS), deliberações, moções, recomendações, resoluções e atas do Conselho Nacional de Saúde (CNS), relatório da I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária de 2001, contratos de gestão e desempenho firmados entre a Anvisa e o Ministério da Saúde, relatórios de gestão anuais e semestrais da Anvisa, relatórios de atividades da Anvisa, plano diretor de vigilância sanitária (PDVisa) e leis, projetos de lei, decretos e portarias relacionados ao tema. Cabe destacar que o principal documento orientador das prioridades para a vigilância sanitária brasileira nessa década é o PDVisa, plano estratégico com eixos e diretrizes para o sistema, cuja construção se alinhou aos ideais democráticos do SUS (77 Anvisa. PDVISA – Plano Diretor de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa; 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/pdvisa_livro.pdf Acessado em janeiro de 2016.
http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/...
).

Foram também conduzidas 13 entrevistas. Os requisitos para participação foram desempenhar papel importante ao objetivo do trabalho, seja pela inserção política, histórica ou técnica no tema, seja pela produção acadêmica sobre o assunto; e ter disponibilidade e interesse em ser entrevistado em Brasília (DF). Os participantes foram um coordenador de vigilância sanitária municipal, um coordenador de vigilância sanitária estadual, um membro do subgrupo de vigilância sanitária da Comissão Intergestores Tripartite (foro de negociação entre gestores do SUS) (66 Brasil. Lei 8 080/1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm Acessado janeiro de 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
), um membro da Câmara Técnica de Vigilância Sanitária do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), um membro do Núcleo de Promoção e Vigilâncias do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), um membro da Comissão Intersetorial de Vigilância Sanitária e Farmacoepidemiologia (CIVSF) do CNS, um ex-diretor presidente da Anvisa (cargo mais elevado na instituição), um diretor da Anvisa (como se trata de um colegiado, há cinco diretores na Anvisa), um diretor adjunto da Anvisa (assistente direto do diretor), um representante da Área de Descentralização da Anvisa (setor que mais se relaciona com o resto do SNVS), dois pesquisadores da área de vigilância sanitária e um ex-ministro da saúde.

Houve diversas tentativas de entrevistar atores do Ministério da Saúde; entretanto, isso não foi possível, principalmente porque a fase de coleta de dados coincidiu com um período de mudança dos gestores do órgão.

As entrevistas foram norteadas por um roteiro semiestruturado e gravadas em áudio para posteriormente serem transcritas. Para tratamento dos dados, utilizou-​se análise de conteúdo temática (88 Bardin L. Análise de conteúdo. 3a ed. Lisboa: Edições 70; 2004.). Os documentos e entrevistas foram recortados em ideias constituintes, enunciados e proposições com significações isoláveis. Esse procedimento permitiu a identificação de temas que foram reunidos em quatro categorias, conforme aplicação prática dos elementos propostos por Walt e Gilson (99 Walt G, Gilson L. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy Plan. 1994;9(4):353–70.) para análise de políticas de saúde. Considerando um triângulo que representa, em cada um dos seus vértices, o contexto, o processo e o conteúdo de uma política, e tendo no centro atores que interligam esses vértices, as políticas de saúde foram estudadas a partir desses tópicos e de suas inter-relações. Dessa forma, adotaram-se quatro categorias pré-definidas: contexto, processo, conteúdo e atores. Este artigo contempla especificamente a categoria “conteúdo”, que trata das diretrizes estratégicas e operacionais dos programas, projetos, ações e marco normativo da política. Refere-se, portanto, aos seus fundamentos de caráter programático (99 Walt G, Gilson L. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy Plan. 1994;9(4):353–70.). Uma publicação anterior divulgou as análises referentes à categoria “contexto”, com foco no setor saúde (1010 Maia C, Guilhem D. A política de saúde brasileira: principais debates e desafios e interface desses com a Vigilância Sanitária. Vigil Sanit Debate. 2015;3(4):30–8.).

RESULTADOS

A análise de conteúdo dos documentos e entrevistas revelou cinco temas, descritos a seguir, que resumem os principais desafios à regulação sanitária no Brasil.

Objetos sob regulação tratados de forma isolada

A análise dos documentos, em especial dos PNS, das Conferências Nacionais de Saúde e das reuniões do CNS, demonstraram escassez de discussão sobre regulação sanitária. Percebem-se abordagens de problemas relativos a objetos específicos submetidos à regulação, como alimentos, saneantes e produtos para a saúde, sem direcionamento ao trabalho de vigilância sanitária em sua unicidade, que norteie a ação de vigilância de forma coesa e coerente, independentemente do produto que cause risco.

Nos documentos, os tópicos que mais ocuparam a agenda da política de saúde para a regulação sanitária foram os seguintes: problemas relativos à dispensação de medicamentos (ata 116 de 2002 do CNS) (1111 Conselho Nacional de Saúde. Atas. Disponível em: http://www.conselho.saude.​gov.br/atas/atas_inicial.htm Acessado em janeiro de 2016.
http://www.conselho.saude.​gov.br/atas/a...
); artifícios utilizados pela indústria farmacêutica para conquistar prescritores (1212 Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. 12ª Conferência Nacional de Saúde: Conferência Sergio Arouca: Brasília, 7 a 11 de dezembro de 2003: relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_12.pdf Acessado em janeiro de 2016.
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); padronização de embalagens de medicamentos; transformação dos estabelecimentos farmacêuticos privados em estabelecimentos de promoção da saúde (1313 Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Relatório Final da 13ª Conferência Nacional de Saúde: Saúde e Qualidade de vida: políticas de estado e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/13cns_M.pdf Acessado em janeiro de 2016.
http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/...
); publicação da Lei dos Medicamentos Genéricos (ata 92 de 1999 do CNS) (1111 Conselho Nacional de Saúde. Atas. Disponível em: http://www.conselho.saude.​gov.br/atas/atas_inicial.htm Acessado em janeiro de 2016.
http://www.conselho.saude.​gov.br/atas/a...
) e da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (resolução 338 de 2004 do CNS) (1414 Conselho Nacional de Saúde. Resoluções. Disponível em: http://www.conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_inicial.htm Acessado em janeiro de 2016.
http://www.conselho.saude.gov.br/resoluc...
); e controle de substâncias anorexígenas (ata 189 de 2008 do CNS)(1111 Conselho Nacional de Saúde. Atas. Disponível em: http://www.conselho.saude.​gov.br/atas/atas_inicial.htm Acessado em janeiro de 2016.
http://www.conselho.saude.​gov.br/atas/a...
).

Outro assunto recorrente refere-se à segurança alimentar, também inserida no escopo de atuação da vigilância sanitária. Há inúmeras menções ao controle de agrotóxicos; ações para a redução do consumo de sódio, gordura e açúcar; e rotulagem e controle da propaganda de alimentos.

Especificidades do modelo de regulação sanitária no Brasil

A consolidação do SUS na década analisada certamente impôs desafios importantes para a regulação sanitária no Brasil. Um ponto crucial do novo sistema foi a ênfase no acesso aos serviços, colocando em segundo plano a segurança sanitária, como mostram as entrevistas:

A vigilância vai alguns passos atrás do SUS como um todo. (Entrevistado 7)

Não significou uma mudança automática e nem mesmo pacífica a história da implantação do SUS pós-constituição. Fazia praticamente 10 anos quando se começou a mexer na vigilância sanitária federal. (Entrevistado 4)

Para o entrevistado 4, somente após a redemocratização do país e a definição de que os serviços de saúde deveriam atender a todos foi possível perceber que os produtos e serviços – que passavam a fazer parte do cotidiano da população – também causavam danos.

O divisor de águas na história da regulação sanitária foi a publicação da Lei 9 782/99, que criou a Anvisa (33 Brasil. Lei 9 782/ 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9782.htm Acessado janeiro de 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). A lei não deixou dúvidas quanto ao pertencimento da vigilância sanitária ao campo da saúde, ao alinhar os propósitos da nova agência aos objetivos do SUS. Tornou-se evidente, também, a peculiaridade do modelo brasileiro em sua forma de atuar sobre os riscos sanitários:

A vigilância sanitária que o SUS desenhou é muito diferente da vigilância sanitária que existe nos Estados Unidos, que existe na Europa. (Entrevistado 6)

Quando comparado à ação das autoridades sanitárias de outros países, o trabalho do SNVS para proteção à saúde relacionada ao uso de medicamentos, cosméticos, agrotóxicos, serviços de interesse à saúde e saneantes, entre outros, causa espanto pela amplitude.

O caminhar do SNVS, contudo, careceu de reforços quanto à sua participação na política de saúde. Para tanto, a I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária (1515 Anvisa. Conferência Nacional de Vigilância Sanitária – caderno de textos. Brasília: Editora Anvisa; 2001. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/divulga/conavisa/relatorio_final.pdf Acessado em janeiro de 2016.
http://www.anvisa.gov.br/divulga/conavis...
) e o PDVisa (77 Anvisa. PDVISA – Plano Diretor de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa; 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/pdvisa_livro.pdf Acessado em janeiro de 2016.
http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/...
) foram enfáticos na batalha contra o distanciamento entre a regulação sanitária e a saúde pública brasileira, em especial frente à sua gradual identificação com a economia e a indústria.

Desconhecimento do papel da vigilância sanitária na saúde

Uma importante barreira para a regulação sanitária é o reduzido entendimento sobre o papel da vigilância sanitária:

A vigilância sanitária ainda é vista como algo estranho ao sistema de saúde, ao atual Sistema Único de Saúde, como uma cultura diferente, […], mais intuitiva, mais básica. (Entrevistado 4)

A população tem, parece ter, uma compreensão melhor da vigilância sanitária do que o próprio sistema de saúde […]. A única dimensão da vigilância sanitária que eles demonstravam conhecer era o poder de polícia. (Entrevistado 9)

O poder de polícia, parte mais visível dos trabalhos da vigilância sanitária, foi e é confundido muitas vezes com sua finalidade. Por conseguinte, torna-se fundamental rever processos de trabalho:

Me angustio com a rotina da vigilância sanitária que trabalha muito mais a questão cartorial e muito mais a questão punitiva. (Entrevistado 6)

Ao se considerarem na margem do enfrentamento dos problemas de saúde, muitos profissionais de vigilância sanitária restringem sua missão ao cumprimento de tarefas que, por si só, não necessariamente reduzem riscos:

Se eu tenho que atacar um determinado problema, então a primeira coisa que se pensa e em geral se faz é publicar uma resolução obrigando alguém a fazer alguma coisa. (Entrevistado 12)

A análise dos documentos também reforça esse método de trabalho. Percebe-se que a principal resposta a doenças e agravos que emergem nos debates públicos é a publicação de normas por parte da Anvisa, como no caso do controle de propaganda de medicamentos e da rotulagem de alimentos.

Na contramão desse modelo, os pesquisados elencam diversas possibilidades de reestruturar o trabalho:

O conhecimento é que pode melhorar e fazer a gente avançar como vigilância sanitária. A ideia de sabermos que o princípio da precaução só é utilizado porque nós ignoramos exatamente os conceitos, as práticas e a intervenção no risco…. (Entrevistado 6)

No momento em que a gente puder comunicar, souber e conseguir mostrar pra sociedade que o uso correto de medicamentos, o uso racional de medicamentos, uma prescrição racional de medicamentos, o cumprimento de boas práticas de produtos, de todos, de produtos, de serviços que impactam positivamente nos impostos pagos pelo cidadão, aí a gente vai conseguir ter a sociedade ao lado da vigilância sanitária. (Entrevistado 9)

Sistema de informação

O PDVisa caracterizou a implantação de um sistema de informações como fundamental à coordenação da vigilância sanitária. Entendido como prioridade, o papel desse sistema seria o de consolidar informações produzidas no SNVS, produzir alertas e auxiliar na tomada de decisões e definição de prioridades (77 Anvisa. PDVISA – Plano Diretor de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa; 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/pdvisa_livro.pdf Acessado em janeiro de 2016.
http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/...
).

É oportuno mencionar que passos significativos foram dados com a implantação do Sistema Nacional de Informação em Vigilância Sanitária (Sinavisa), iniciada em 2004. Entretanto, embora o Sinavisa permita às vigilâncias sanitárias locais cadastrarem estabelecimentos, programarem inspeções e organizarem seus planos de ação, o sistema não se consolidou como a grande fonte de informações sobre regulação sanitária. A própria Anvisa nunca registrou suas ações no sistema.

Há importantes sistemas de informação no campo da regulação sanitária, como o Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA), que agrega notificações de eventos adversos dos produtos regulados pela vigilância sanitária. Contudo, persiste uma lacuna a ser preenchida por um sistema que coordene o SNVS em objetivos comuns e forneça dados que representem o trabalho dos entes do sistema.

Avaliação das ações

Um debate reiterado, ainda com poucos avanços, refere-se à avaliação das ações de regulação sanitária. Permanece a necessidade de “definir indicadores, de forma integrada, e criar metodologia de auto-avaliação das ações de vigilância sanitária, e também propor a realização de um projeto nacional de avaliação do impacto dessas ações na melhoria da qualidade de vida da população” (15, p. 57).

Apesar de existir um contrato de gestão que rege a relação entre a Anvisa e o Ministério da Saúde por meio de metas, há algumas limitações nesse instrumento: 1) é um mecanismo para avaliação da Anvisa, e não do SNVS; 2) os contratos de gestão não foram capazes de traduzir as inúmeras ações nas diversas áreas em que a Anvisa atua; e 3) há dificuldade em se coletar informações para indicadores dos contratos devido à precariedade dos sistemas de informação (por exemplo, indicadores sobre fiscalização e infecção hospitalar) (1616 Anvisa. Relatório de Gestão 2008. Brasília: Anvisa; 2009. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/30fb7600474595629d4ddd3fbc4c6735/relatorio_2008.pdf?MOD=AJPERES Acessado em janeiro de 2016.
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/conn...
).

Os entrevistados também registraram que é preciso avançar nesse tema:

Essa falta de indicadores que nós temos e até de saber se existem mesmo indicadores pra vigilância sanitária ou se é ela que transforma os indicadores que a epidemiologia classicamente já dispôs, essa falta dessa reflexão faz com que as pessoas nos olhem com alguns equívocos. (Entrevistado 6)

É fundamental entender os desdobramentos de uma ação ou da estagnação da área:

O que significa a mortalidade materna, a mortalidade infantil, neonatal, se a vigilância sanitária não tivesse inspecionado antes a maternidade? Se ela não tivesse interditado? Se ela não tivesse exigido as transformações? (Entrevistado 6)

Entende-se que o estudo e a definição de indicadores sejam fundamentais para evidenciar os impactos do trabalho em vigilância sanitária:

Quando você produz indicadores, você tem uma ferramenta importante pra você dizer: olha a vigilância sanitária… pra você dimensionar o impacto das ações. (Entrevistado 9)

DISCUSSÃO

O escasso tratamento da vigilância sanitária nos instrumentos de gestão do SUS e a diluição das abordagens com base nos objetos sob regulação fragilizam a vigilância sanitária na política de saúde. O volume de trabalho cresce na mesma medida em que as tecnologias ocupam espaço na saúde. Os inúmeros assuntos com os quais a regulação sanitária precisa lidar acabam disputando espaço. Ainda, a limitada formalização do conteúdo político da vigilância sanitária abre margem para práticas que não seguem um planejamento. Os documentos disponíveis trazem, fundamentalmente, informações sobre resoluções da Anvisa e pouco sobre o SNVS como um todo.

No cenário internacional, parece não haver outro país que distribua a competência da ação de vigilância sanitária nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), segundo as diretrizes de um sistema universal de saúde, e sem nomear os objetos de atuação, deixando abertura para toda e qualquer tecnologia capaz de causar danos à saúde (1717 Silva ACP, Pepe VLE. Vigilância Sanitária: campo da proteção e promoção da saúde. Em: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, editores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Pp. 819–49.). Pode-se enxergar essa característica como mais um reforço à especificidade necessária na discussão sobre a política de vigilância sanitária no Brasil.

Para superar o estigma com que a vigilância sanitária é percebida na saúde, os profissionais de regulação precisam enxergar sua atuação para além da tradicional “inspeção sanitária” (1818 Maia C, Guilhem D, Lucchese G. Integração entre vigilância sanitária e assistência à saúde da mulher: um estudo sobre a integralidade no SUS. Cad Saude Publica. 2010;26(4):682–92.). Enquanto não se aprofundar o conhecimento nas demais tecnologias para a redução de risco, a vigilância sanitária permanecerá engessada pelo padrão fiscalizador.

Ao lidar com complexas doenças e agravos, a saúde pública contemporânea não encontra mais lugar para estratégias simplistas. Qualquer problema de saúde atual exige planos de ação estruturados e fundamentados em evidências, além de intersetorialidade e mobilização social. Para tanto, é imprescindível à vigilância sanitária dispor de um sistema de informação que agregue o SNVS em grandes objetivos, fundamentados na análise da situação de saúde, e que estruture o planejamento de ações do setor. Após 17 anos do surgimento da Anvisa, esse é um desafio importante para a coordenação do sistema.

Além disso, os tradicionais indicadores de saúde – com medidas relativas de morbidade e mortalidade – podem e devem ser repensados para a realidade da vigilância sanitária. A atual discussão mundial sobre indicadores de segurança do paciente pode ser um mote para encontrar o papel da vigilância sanitária nessa causa e demonstrar a efetividade de seu trabalho nos serviços de saúde, por exemplo. É uma tarefa que demanda pesquisa e investimentos importantes, mas que trará força política.

Reconhecendo-se que a Anvisa possui destaque na América do Sul como autoridade reguladora que dispõe de importantes ferramentas de participação da sociedade (1919 Sandri MMS, De Seta MH, Luiza VL. Autoridades reguladoras de medicamentos sul-americanas: uma análise a partir de regras organizacionais. Rev Panam Salud Publica. 2013;34(3):169–75.), ainda assim é possível aprimorar seu processo decisório e envolver ainda mais os usuários no controle dos riscos à saúde. Para isso, é fundamental compreender a dinâmica de atuação dos diversos atores envolvidos com a condução política da regulação sanitária no Brasil, a formação de grupos de interesse e a disputa de forças entre esses. Entre esses atores, podemos mencionar o Estado, o setor regulado, os poderes legislativo e judiciário, os organismos internacionais e os trabalhadores da saúde (2020 Maia CS. Inserção da vigilância sanitária na política de saúde brasileira [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2012. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/11476 Acessado em janeiro de 2016.
http://repositorio.unb.br/handle/10482/1...
).

Nesse sentido, a regulação sanitária no modelo de saúde brasileiro deve se apropriar das Conferências de Saúde como arena para levantar necessidades e traçar diretrizes para a vigilância sanitária. A proposta de conferências específicas e periódicas – como foi a I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária, para a qual não houve continuidade – oferece espaço para a apropriação da vigilância sanitária por parte dos gestores de saúde, a articulação de parcerias, o fortalecimento da organização sistêmica da vigilância sanitária no Brasil e a cobrança de ações e resultados.

Agradecimentos

Dirce Guilhem é bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Conflitos de interesse

Nada declarado pelas autoras.

Declaração de responsabilidade

O conteúdo deste artigo é estritamente de responsabilidade dos autores e não reflete necessariamente as opiniões ou políticas da RPSP/PAJPH nem da OPAS.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Silva GHT. Regulação sanitária no Brasil: singularidades, avanços e desafios. Em: Proença JD, Costa PV, Montagner P, editores. Desafios da regulação no Brasil. Brasília: ENAP; 2009. Pp. 215–62.
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    Brasil. Lei 9 782/ 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9782.htm Acessado janeiro de 2016.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2015
  • Aceito
    29 Dez 2015
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