RESUMO
Objetivo
Estimar a taxa de coinfecção do HIV/sífilis nas gestantes de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, e sua associação com a transmissão vertical do HIV e variáveis socioeconômicas.
Método
Neste estudo transversal retrospectivo analítico, foram utilizados dados do sistema de vigilância epidemiológica de gestantes portadoras do HIV e crianças expostas e dados da sífilis na gestação e da sífilis congênita no período de 2010 a 2013.
Resultados
A população do estudo incluiu 1 500 gestantes positivas para HIV com partos no período de 2010 a 2013. Dessas, 155 (10,3%) também eram infectadas por sífilis, correspondendo a uma taxa de coinfecção HIV/sífilis de 10,2% (± 1,5%). Foi encontrada menor escolaridade no grupo de gestantes coinfectadas, bem como maior prevalência de mulheres negras e maior exposição ao HIV relacionada ao uso de drogas pelo parceiro e pela gestante. Gestantes com coinfecção HIV/sífilis tiveram diagnóstico do HIV em momentos mais tardios, como no parto, além de maior prevalência de não realização de pré-natal (44%). Na análise bruta foi identificada associação da transmissão vertical do HIV com a presença de coinfecção HIV/sífilis (razão de prevalência = 2,1; IC95%: 1,21 a 3,74; P = 0,01), a qual se manteve na análise ajustada.
Conclusão
Um perfil de maior vulnerabilidade foi evidenciado no grupo de gestantes coinfectadas por HIV/sífilis, enfatizando a importância de melhorar o acesso a atendimento qualificado à saúde para impacto positivo do tratamento na redução da sífilis congênita e na eliminação da transmissão vertical do HIV.
Palavras-chave
Transmissão vertical de doença infecciosa; coinfecção; HIV; sífilis; Brasil
ABSTRACT
Objective
To estimate the rate of HIV and syphilis coinfection among pregnant women living in Porto Alegre, Brazil, as well as the association of coinfection with vertical HIV transmission and socioeconomic variables.
Method
This analytical retrospective cross-sectional study employed data from the regular epidemiological surveillance system for the period from 2010 to 2013. Data were obtained regarding pregnant women with HIV and exposed children, syphilis in pregnancy, and congenital syphilis.
Results
The study population included 1 500 HIV-positive women with deliveries from 2010 to 2013. Of these, 155 (10.3%) were also infected with syphilis, corresponding to an HIV and syphilis coinfection rate of 10.2% (± 1.5%). The coinfected group had lower education levels, higher prevalence of black women, and greater HIV exposure related to drug use by the woman or a partner. Coinfected women had more delayed HIV diagnosis (for example, during childbirth) and greater prevalence of lacking prenatal care (44%). Crude analysis showed an association between vertical HIV transmission and HIV and syphilis co-infection (PR = 2.1; 95%CI: 1.21-3.74; P = 0.01) that persisted in the adjusted analysis.
Conclusion
A profile of increased vulnerability was identified among pregnant women with HIV and syphilis coinfection. A positive impact of the treatment to reduce congenital syphilis and eliminate vertical transmission of HIV depends on enhanced access to qualified health care.
Key words
Infectious disease transmission; vertical; coinfection; HIV and syphilis; Brazil
A literatura mostra que a sífilis é a coinfecção mais prevalente em gestantes portadoras do HIV, podendo, além de eventos vinculados à sua própria morbidade, facilitar a transmissão vertical do HIV (11 Nielsen-Saines K, Watts D, Veloso V, Bryson Y, Joao E, Pilotto JH, et al. Three postpartum antiretroviral regimens to prevent intrapartum HIV infection. N Eng J Med. 2012;366(25):2368-79., 22 Yeganeh N, Watts H, Camarca M, Soares G, Joao E, Pilotto JH, et al. Syphilis in HIV-infected mothers and infants: results form the NICHD/HPTN 040 study. Pediatr Infect Dis J. 2015;34(3):e52-7.). O compartilhamento das formas de transmissão do HIV e do Treponema pallidum, assim como o fato de que práticas sexuais inseguras em relação a transmissão e aquisição do HIV também expõem à sífilis, pode explicar a presença importante da coinfecção em gestantes, a exemplo do que foi estudado por modelo matemático para a coinfecção HIV/clamídia (33 Eng TR, Butler WT, eds. The hidden epidemic: confronting sexually transmitted diseases. Washington DC: National Academy Press; 1997. Disponível em: https://www.nap.edu/catalog/5284/the-hidden-epidemic-confronting-sexually-transmitted-diseases Acessado em novembro de 2016.
https://www.nap.edu/catalog/5284/the-hid... ).
O estudo NICHD/HPTN 040 (P1043), que avaliou formas de prevenção da transmissão intraparto do HIV, identificou associação entre transmissão do HIV e presença da sífilis (22 Yeganeh N, Watts H, Camarca M, Soares G, Joao E, Pilotto JH, et al. Syphilis in HIV-infected mothers and infants: results form the NICHD/HPTN 040 study. Pediatr Infect Dis J. 2015;34(3):e52-7.). Na sequência, outro estudo identificou uma taxa de coinfecção de sífilis de 10% entre gestantes portadoras do HIV e uma razão de chances duas vezes maior (odds ratio, OR = 2,1; IC95%: 1,3 a 3,4) de ocorrência da transmissão vertical do HIV na presença de sífilis (11 Nielsen-Saines K, Watts D, Veloso V, Bryson Y, Joao E, Pilotto JH, et al. Three postpartum antiretroviral regimens to prevent intrapartum HIV infection. N Eng J Med. 2012;366(25):2368-79.). Essa prevalência de coinfecção HIV/sífilis especificamente em gestantes está próxima daquela identificada em revisão sistemática no grupo geral de pessoas vivendo com HIV/Aids (9,5%) em diversos países, sendo a sífilis a infecção sexualmente transmissível mais comum nos portadores de HIV/Aids (44 Kalichman SC, Pellowski J, Turner C. Prevalence of sexually transmitted co-infections in people living with HIV/AIDS: systematic review with implications for using HIV treatments for prevention. Sex Trans Infect. 2011;87(3):183-90.).
No Brasil, a taxa de detecção do HIV em gestantes foi de 2,6 casos por 1 000 nascidos vivos no ano de 2014; no Rio Grande do Sul, essa taxa foi de 8,8 casos por 1 000 nascidos vivos, cerca de 3 vezes a taxa nacional (55 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico – Aids e DST. Ano IV, no 1. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.aids.gov.br/publicacao/2015/boletim-epidemiologico-aids-e-dst-2015 Acessadoem novembro de 2016.
http://www.aids.gov.br/publicacao/2015/b... ). Porto Alegre, com 19,6 casos por 1 000 nascidos vivos, foi a capital de estado com maior taxa de incidência no ano de 2014. Ressalta-se que, na população de gestantes portadoras de HIV, estão inseridas as doentes de Aids, um estágio mais avançado da infecção (66 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico – Aids e DST. Ano IV, no 1. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2015/58534/boletim_aids_11_2015_web_pdf_19105.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil... ).
Na cidade de Porto Alegre, a prevalência da infecção pelo HIV em gestantes tem-se mantido em 2%, tendo sido identificadas, em média, 400 gestantes ao ano no período de 2002 a 2015 (77 Acosta LMW, Kieling CO, Wrinkler GB. A transmissão vertical do HIV em Porto Alegre: cenário atual e perspectivas de mudança. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2013;XV(51):1-5. Disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim51_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ). Nesse município, a taxa da transmissão vertical do HIV foi de 6% em 2010 e de 3% em 2013, segundo informações da Equipe de Vigilância das Doenças Transmissíveis (EVDT) (77 Acosta LMW, Kieling CO, Wrinkler GB. A transmissão vertical do HIV em Porto Alegre: cenário atual e perspectivas de mudança. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2013;XV(51):1-5. Disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim51_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ). Por sua vez, a incidência de sífilis congênita no município segue tendência de crescimento, chegando a 20 casos por 1 000 nascidos vivos no ano de 2014 (88 Acosta LMW, Rodrigues ACF, Fão TA, Serra TT. O atual cenário epidemiológico da Sífilis Congênita em Porto Alegre e suas interfaces. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2015;58(agosto):6. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_58_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ), quando a meta de eliminação prevista pelo Ministério da Saúde é de 0,5 casos por 1 000 nascidos vivos (99 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico - Sífilis. Ano IV, no 1. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2015/57978/_p_boletim_sifilis_2015_fechado_pdf_p__18327.pdf Acessado em 5 de novembro de 2015.
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil... ). Sendo assim, o atual cenário epidemiológico de Porto Alegre é muito preocupante, considerando as altas taxas de detecção do HIV/Aids na população em geral (1010 Stella IM, Vieira PC, Gonçalves MR, Schaly CF, Paz AR. Aids em Porto Alegre. Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde. 2015;58(agosto):4-5. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_58_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ), de transmissão vertical do HIV, de sífilis congênita e de sífilis em gestantes (77 Acosta LMW, Kieling CO, Wrinkler GB. A transmissão vertical do HIV em Porto Alegre: cenário atual e perspectivas de mudança. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2013;XV(51):1-5. Disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim51_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... , 88 Acosta LMW, Rodrigues ACF, Fão TA, Serra TT. O atual cenário epidemiológico da Sífilis Congênita em Porto Alegre e suas interfaces. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2015;58(agosto):6. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_58_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ).
Visando a fazer frente a essa realidade, políticas públicas com ações de detecção precoce do HIV e da sífilis, de monitoramento e de avaliação dos processos de cuidado estão sendo implantadas. Entre os esforços nesse sentido, destaca-se a criação, no município, do Comitê para Enfrentamento da Transmissão Vertical do HIV e da Sífilis Congênita (CTVHIVS), no ano de 2013 (1111 Porto Alegre. Saúde lança Comitê para reduzir a transmissão vertical do HIV e sífilis. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2013;XV(52):8. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_52_agosto_2013.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ). Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi estimar a taxa de coinfecção de HIV/sífilis nas gestantes de Porto Alegre, investigar sua associação com a transmissão vertical do HIV e conhecer o perfil sociodemográfico dessas mulheres. Entende-se que tais dados são imprescindíveis para avaliar as políticas implantadas e estabelecer novas e mais efetivas estratégias de enfrentamento.
MATERIAIS E MÉTODOS
Desenvolveu-se um estudo transversal retrospectivo com análise de dados secundários disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). O banco de dados foi construído a partir das notificações de gestantes portadoras do HIV e crianças expostas de Porto Alegre entre os anos de 2010 e 2013. O SINAN possui dados de vigilância epidemiológica de gestantes com HIV e crianças expostas a partir do ano de 2001, quando essa vigilância foi municipalizada em Porto Alegre, e contempla os dados da gestante, do pré-natal, do parto e da evolução da criança até o desfecho de infecção ou não pelo HIV (1212 Wacholz NR, Stella IM, Cunha J. Transmissão materno-infantil do HIV em Porto Alegre - avaliação do período 2001-2005 e reflexão sobre o papel dos atores envolvidos no controle deste agravo. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2006;IX(30):4-6. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/boletim30.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ).
Para o presente estudo, as informações foram qualificadas individualmente, através do pareamento manual com informações de outros sistemas de vigilância, a saber: Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (SISCEL), Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM), Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Além disso, foram obtidos dados do projeto Nascer, responsável pelos relatórios de dispensação da fórmula láctea a recém-nascidos expostos ao HIV e medicações antirretrovirais, e dados de visitas aos serviços de saúde de referência das gestantes e visitas domiciliares para realização do diagnóstico final das crianças expostas. Essas informações foram ainda cruzadas com dados investigados e qualificados da notificação de sífilis na gestação e sífilis congênita (SINAN) para identificação da coinfecção. O banco de dados gerado foi analisado no software SPSS, v. 18, e no Epi Info 7 para Windows.
Para as análises, as variáveis contínuas foram categorizadas. A idade da gestante foi categorizada em até 24 anos, de 25 a 34 anos e superior a 35 anos. Resultados referentes a gestantes adolescentes foram reportados, embora não estejam tabulados devido ao pequeno número. Na variável raça/cor/etnia, foram notificados dois casos de gestantes da raça amarela e duas gestantes indígenas. Esses casos foram incluídos na categoria parda para fins da análise.
O presente estudo é um recorte de um projeto maior intitulado Avaliação do impacto do teste rápido na atenção primária em saúde de Porto Alegre na transmissão vertical do HIV: Projeto TESTAPOA-TV, aprovado pelos Comitês de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (CAAE: 18774013.2.3001.5338).
A estatística descritiva está apresentada em tabelas com dados absolutos e relativos, juntamente com a taxa de coinfecção no período total do estudo e por ano. O teste do qui-quadrado (χ2) foi utilizado para estimar a significância dos dados apresentados nas duas populações (mulheres com HIV e sífilis e mulheres com HIV sem sífilis). As razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas, considerando a coinfecção HIV/sífilis como desfecho, foram calculadas a partir da regressão de Poisson na versão robusta, com intervalo de confiança de 95% (IC95%).
Para avaliar a associação entre a coinfecção HIV/sífilis em gestantes e o desfecho da sorologia final da criança, foram utilizados os casos com desfechos conhecidos, excluindo-se os casos de perda de seguimento. Ao número de casos de crianças não infectadas somaram-se os óbitos que não tiveram relação ao HIV/Aids. Entre as crianças infectadas conhecidas, somaram-se os óbitos relacionados ao HIV/Aids.
No ajuste foram incluídas inicialmente todas as variáveis com P < 0,2 na análise bruta. Foram mantidas nas tabelas com dados ajustados as variáveis com representatividade na fisiopatologia da transmissão vertical do HIV, que ocorre em 35% dos casos durante a gestação e 65% durante o parto, com um risco acrescido de 7 a 22% na amamentação (1313 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. Disponível em: http://www.aids.gov.br/publicacao/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-prevencao-da-transmissao-vertical-d Acessado em novembro de 2016.
http://www.aids.gov.br/publicacao/2015/p... ). Contudo, foi priorizado o uso de antirretrovirais no parto como variável incluída no ajuste em detrimento das outras que mostravam grande colinearidade, como o momento do diagnóstico, uso de antirretrovirais na gestação, realização de pré-natal e número de consultas de pré-natal, todas elas proxy da qualidade do pré-natal.
RESULTADOS
Foram analisados dados de 1 500 gestantes HIV-positivas com partos no período de 2010 a 2013. Dessas, 1 345 (89,7%) eram infectadas somente pelo HIV e 155 (10,3%) eram coinfectadas (HIV/sífilis). A média anual de gestantes notificadas em Porto Alegre foi de 336 (± 31,1) para as portadoras do HIV e de 39 (± 8,5) para as portadoras de HIV/sífilis (tabela 1). A taxa de coinfecção geral de HIV/sífilis foi de 10,2 (± 1,5%) no mesmo período. A diferença anual da coinfecção não foi significativa.
Distribuição dos casos e taxas de infecção por HIV e de coinfecção HIV/sífilis entre gestantes por ano de parto, Porto Alegre (RS), Brasil, 2010 a 2013
A perda de seguimento das crianças expostas foi superior, embora não de forma estatisticamente significativa, no grupo das gestantes coinfectadas. Foram 46 (29,6%) perdas no grupo da coinfecção e 352 (26,0%) no grupo com monoinfecção por HIV.
Em relação às faixas etárias, as coinfecções ocorreram em gestantes com idade intermediária e foram menos frequentes naquelas com idade igual ou superior a 30 anos. Essas diferenças foram significativas apenas na análise bruta. Embora a categoria de menor idade tenha tido 24 anos como limite, dados não tabulados mostraram que os partos mais precoces na população ocorreram aos 12 anos (duas gestações). O caso mais precoce de coinfecção foi identificado em uma gestante com parto aos 14 anos. Foram notificadas, no período estudado, 153 gestantes com idade até 19 anos, 21 delas (13,7%) no grupo de coinfecção.
Na variável raça/cor/etnia houve predominância de coinfecção entre gestantes de cor preta (46,7%), chegando a 57,4% quando somadas a cor parda e outra cor (amarela ou indígena). O mesmo não ocorreu entre as gestantes monoinfectadas, em que se observaram, proporcionalmente, menos casos (tabela 2). Nenhum caso de coinfecção foi encontrado entre gestantes asiáticas (dois casos) ou indígenas (dois casos). O maior número de coinfecções encontrado entre gestantes de raça negra foi significativo em relação a gestantes de raça branca (P não ajustado < 0,001) e se manteve no modelo ajustado.
Características sociodemográficas das gestantes HIV-positivas sem e com sífilis e partos entre 2010 e 2013, Porto Alegre (RS), Brasil
Quanto à escolaridade, embora tanto a monoinfecção quanto a coinfecção tenham ocorrido predominantemente em gestantes com menor escolaridade, a associação com menor escolaridade foi mais marcante para o grupo de coinfecção. Nesse grupo, apenas 19% dos casos ocorreram em mulheres com 8 ou mais anos de estudo (tabela 2). A associação entre escolaridade e coinfecção HIV/sífilis observada na análise bruta se manteve mesmo após o ajuste para raça e idade.
Na análise dos tipos de exposição ao HIV informados na notificação e na investigação dos casos, destacou-se o maior percentual do relato de parceiro usuário de drogas, seguido por uso de drogas pela própria gestante no grupo de coinfecção (tabela 3). Casos de gestantes que adquiriram o HIV por transmissão vertical apresentaram os menores percentuais tanto entre os casos de coinfecção como de monoinfecção. O teste de significância mostrou diferença significativa de coinfecção entre as que relatavam múltiplas parcerias e uso de drogas e entre as que referiam parceiros com múltiplas parceiras.
Tipo de exposição ao HIV entre gestantes HIV-positivas com e sem sífilis, Porto Alegre (RS), Brasil, 2010 a 2013a
A tabela 4 mostra, em relação à história gestacional, que não foi observada variação importante da prevalência entre os grupos. Por outro lado, a sífilis foi significativamente mais prevalente entre as mulheres que fizeram o diagnóstico da infecção pelo HIV tardiamente, ou seja, durante o parto (P não ajustado < 0,001). A não realização de pré-natal também foi mais frequente entre as portadoras de coinfecção, chegando a 40%, reforçando o diagnóstico tardio.
Prevalência de casos de gestantes HIV-positivas com e sem sífilis segundo aspectos do diagnóstico, assistência e desfecho da gestação e da exposição da criança ao HIV, Porto Alegre (RS), Brasil, 2010 a 2013
Quanto ao desfecho da gestação, os abortos foram mais presentes entre gestantes monoinfectadas enquanto que os natimortos foram mais frequentes nas mulheres coinfectadas (tabela 4). Contudo, esses abortos não foram caracterizados como induzidos ou espontâneos, o que impossibilita a análise de sua associação com a sífilis na gestação. O percentual de uso de antirretrovirais no momento do parto foi elevado em ambos os grupos, porém não chegou a 18% no grupo das mulheres coinfectadas (tabela 4).
Na tabela 5 se constata uma prevalência significativamente maior de transmissão vertical do HIV no grupo de coinfecção HIV/sífilis (RP = 2,1; IC95%: 1,21 a 3,74; P = 0,01) na análise não ajustada. No modelo ajustado, a RP encontrada foi de 1,8 (IC95%: 1,0 a 3,3; P = 0,03), sendo observada associação independente da variável coinfecção materna com infecção da criança.
Prevalência de casos de gestantes HIV-positivas com e sem sífilis com desfechos da exposição da criança ao HIV, Porto Alegre (RS), Brasil, 2010 a 2013
DISCUSSÃO
A notificação de gestantes HIV-positivas e crianças expostas é compulsória no Brasil (1414 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/publicacoes-svs Acessado em novembro de 2016.
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph... ). Para qualificar os dados, a vigilância epidemiológica do município de Porto Alegre trabalha com o pareamento das diversas bases de dados relacionadas com essa população (SINAN, para vigilância das gestantes, SICLOM, que informa sobre dispensação de medicação antirretroviral, SISCEL, que fornece um relatório de cargas virais, SINASC, que informa sobre nascidos vivos, e projeto Nascer, que oferece relatórios de uso de antirretroviral no parto e leite para recém-nascidos), além da busca ativa de casos. A única forma de a gestante portadora do HIV não estar incluída na amostra seria a realização do parto em outro município e a permanência da gestante fora da capital por mais de 2 anos a partir do parto. Em relação à sífilis, só casos de sífilis em gestantes podem estar subnotificados, uma vez que, embora haja obrigatoriedade de notificações laboratoriais, a notificação de sífilis em gestante iniciou em 2007 e está aumentando anualmente. Para a sífilis congênita é possível identificação nas autorizações de internação hospitalar (AIH, do Sistema de Informação Hospitalar), ou seja, todas as internações com esse diagnóstico são informadas à vigilância. Estima-se que a prevalência de sífilis em gestantes de Porto Alegre seja de 3,5% (88 Acosta LMW, Rodrigues ACF, Fão TA, Serra TT. O atual cenário epidemiológico da Sífilis Congênita em Porto Alegre e suas interfaces. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2015;58(agosto):6. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_58_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ).
A taxa de coinfecção HIV/sífilis de 10% entre as gestantes HIV-positivas de Porto Alegre no período de 2010 a 2013 não difere das taxas relatadas em estudos com gestantes, nem das taxas encontradas para a população geral vivendo com HIV/Aids (22 Yeganeh N, Watts H, Camarca M, Soares G, Joao E, Pilotto JH, et al. Syphilis in HIV-infected mothers and infants: results form the NICHD/HPTN 040 study. Pediatr Infect Dis J. 2015;34(3):e52-7., 44 Kalichman SC, Pellowski J, Turner C. Prevalence of sexually transmitted co-infections in people living with HIV/AIDS: systematic review with implications for using HIV treatments for prevention. Sex Trans Infect. 2011;87(3):183-90.). Entretanto, vários resultados deste estudo indicam um perfil de maior vulnerabilidade do grupo de mulheres coinfectadas HIV/sífilis, como discutido a seguir.
A soma da cor preta e parda normalmente é utilizada para se conhecer a prevalência da raça negra no Brasil (1515 Soares ES. Um perfil das condições de saúde da população negra de Porto Alegre. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde - Especial População Negra. 2010;XII(44):1-8. Disponível em http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/09/boletim-epidemiologico.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://cmdss2011.org/site/wp-content/upl... ). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 20% da população de Porto Alegre é negra (pessoas pretas e pardas) (1616 Soares EO. Quesito raça/cor. Olhares sobre equidade em saúde. Porto Alegre: Secretaria Estadual de Saúde; 2012.). Mulheres pretas e pardas HIV-positivas representaram 39,3% de nossa amostra – portanto, praticamente o dobro do encontrado na população geral do município. Por outro lado, a probabilidade de coinfecção de uma mulher negra é mais de duas vezes a probabilidade de coinfecção em uma mulher branca. Tais desigualdades já haviam sido verificadas separadamente para HIV e sífilis (1515 Soares ES. Um perfil das condições de saúde da população negra de Porto Alegre. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde - Especial População Negra. 2010;XII(44):1-8. Disponível em http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/09/boletim-epidemiologico.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://cmdss2011.org/site/wp-content/upl... , 1717 Lanziotti LH, Müller LP, Sant’anna MC, Weide LMA, Stella IM, Fernandes AH. Uma análise histórica da variável raça/cor nos agravos de notificação compulsória de Porto Alegre. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde – Edição Especial. 2013;XV(53):2-6. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_53_especial_racaocor.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ), sendo corroboradas pelos presentes resultados, que aprofundam essa análise ao evidenciar que mulheres pretas e pardas apresentam maiores prevalências de coinfecção HIV/sífilis, pois, além do impacto direto de cada infecção, há o impacto sinérgico entre as duas infecções.
HIV e sífilis são mais prevalente no grupo de gestantes com menor escolaridade. A escolaridade, algumas vezes utilizada como proxy da condição socioeconômica, indica que o percentual das gestantes portadoras de HIV e sífilis é maior no estrato social mais desfavorecido economicamente (1818 DATASUS. Características dos indicadores - fichas de qualificação da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA) 2010. Níveis de escolaridade na população de 15 anos ou mais - B.2.1 – 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. Disponível em: http://fichas.ripsa.org.br/2010/b-2-1/ Acessado em 24 de abril de 2016.
http://fichas.ripsa.org.br/2010/b-2-1/... ). Em nosso estudo, 13,9% das gestantes coinfectadas tinham escolaridade inferior a 4 anos de estudo (analfabetas funcionais segundo a UNESCO) (1919 UNESCO. Alfabetismo funcional en siete países de América Latina. Santiago: UNESCO-Santiago; 2000. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001214/121483so.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://unesdoc.unesco.org/images/0012/00... ). Considerando o grau de vulnerabilidade social das gestantes portadoras de ambas as infecções, não surpreende ser este o grupo que mostra maior prevalência do uso de drogas, indicador importante do status de saúde mental e social e intimamente relacionado a outros determinantes sociais em saúde (2020 Ventura CAA. Social determinants of health and psychoactive drug use. SMAD, Rev Eletronica Saude Mental Alcool Drog. 2014;10(3):110. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/98727/97289 Acessado em 24 de abril de 2016.
http://www.revistas.usp.br/smad/article/... ).
O princípio da equidade do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro (2121 Paim JL, Silvia LV. Universalidade, integralidade, equidade e SUS. BIS. BIS, Bol Inst Saude. 2010;12(2): 109-14.) nos leva a considerar as mulheres coinfectadas com HIV/sífilis como um grupo prioritário na atenção à saúde. Porém, indicadores associados à qualidade da atenção apontam que os maiores problemas ocorrem exatamente com essas gestantes. Entre esses indicadores, o presente estudo mostra que, na população de coinfectadas, o diagnóstico tardio do HIV foi mais prevalente, e a não realização de pré-natal chegou a 44%. Considerando como pré-natal adequado a realização de 6 ou mais consultas (2222 Hoeper D, Lonzetti JO, Schmidt SN, Torres MQD. Protocolo de assistência ao pré-natal de baixo risco. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde; 2015. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/protocolo_pre_natal_2015.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ), 80% não atingiram essa meta no grupo das gestantes com HIV/sífilis.
Adicionalmente, os abortos identificados e os natimortos, mais prevalentes no grupo da coinfecção HIV/sífilis, mostram o possível impacto da sífilis na gestação, bem como a possível associação desses eventos a outros fatores de vulnerabilidade social e a barreiras na atenção. A prevalência crescente da sífilis nos últimos anos aponta para a desvalorização específica desse agravo nos processos de cuidado, apesar de sua alta morbimortalidade peri e neonatal (2323 Newman L, Kamb M, Hawkes S, Gomez G, Say L, Seuc A, et al. Global estimates of syphilis in pregnancy and associated adverse outcomes: analysis of multinational antenatal surveillance data. PLoS Med. 2013;10(2):e1001396.).
No que tange ao uso de antirretrovirais no momento do parto, as gestantes portadoras de monoinfecção fizeram, proporcionalmente, mais uso dessas medicações. Contudo, o não uso de antirretroviral no parto foi maior que 10% em ambos os grupos, apontando uma grave falha na atenção (77 Acosta LMW, Kieling CO, Wrinkler GB. A transmissão vertical do HIV em Porto Alegre: cenário atual e perspectivas de mudança. Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde. 2013;XV(51):1-5. Disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim51_final.pdf Acessado em novembro de 2016.
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pref... ). A implantação de uma política específica na rede de assistência do município de Porto Alegre para detecção e acompanhamento de gestantes portadoras do HIV garante, desde 2001, insumos como medicação antirretroviral para profilaxia/tratamento e testes diagnósticos. Dados levantados pelo CTVHIVS apontam a chegada das mulheres em período expulsivo na maternidade como o motivo mais relatado para o não uso de antirretrovirais no parto, o que também nos faz pensar na falta de estímulo ao pré-natal, na baixa capacidade de retenção de nossos serviços e na qualidade do acompanhamento oferecido por nossa rede.
A análise ajustada foi capaz de chamar atenção para vulnerabilidades intrínsecas, como raça/cor e escolaridade. Por outro lado, destaca, sobretudo, a responsabilidade da qualidade da atenção, aqui representada pelo uso de terapia antirretroviral no parto, que se manteve independentemente associada a coinfecção com sífilis nessa população de mulheres portadoras do HIV.
O acompanhamento da criança exposta até a conclusão da sua exposição é uma prioridade da vigilância, da assistência e da gestão. A perda de seguimento de 20% é considerada muito alta. O trabalho do CTVHIVS de Porto Alegre poderá ajudar nesse processo, pois aglutina esforços na busca ativa de informações para acompanhamento e encerramento de cada caso. Essa estratégia está sendo replicada para o enfrentamento da transmissão vertical do HIV e sífilis congênita em todo o estado do Rio Grande do Sul (2424 Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Departamento de Ações em Saúde, Coordenação Estadual de DST/AIDS do Rio Grande do Sul. Boletim epidemiológico HIV/AIDS e sífilis 2015. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul; 2015. Disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/9775/?SES_disponibiliza_Boletim_Epidemiol%C3%B3gico_sobre_HIV%2FAIDS_e_S%C3%ADfilis Acessado em 30 de março de 2016.
http://www.saude.rs.gov.br/conteudo/9775... ).
A qualificação de informações para o encerramento dos casos de crianças expostas ao HIV pela gestação/parto/amamentação no período estudado, bem como o cruzamento de informações de diversos bancos de dados, possibilitou verificar uma associação significativa e independente entre a transmissão do HIV para a criança e a coinfecção materna HIV/sífilis. Dessa forma, a taxa de 10% de transmissão vertical no grupo de gestantes com coinfecção HIV/sífilis, em comparação à taxa de 4% encontrada entre as gestantes portadoras unicamente do HIV, é consoante aos achados do estudo NICHD/HPTN 040. Demonstra-se, mais uma vez, a importância da prioridade do cuidado qualificado às gestantes portadoras do HIV e àquelas coinfectadas (11 Nielsen-Saines K, Watts D, Veloso V, Bryson Y, Joao E, Pilotto JH, et al. Three postpartum antiretroviral regimens to prevent intrapartum HIV infection. N Eng J Med. 2012;366(25):2368-79., 22 Yeganeh N, Watts H, Camarca M, Soares G, Joao E, Pilotto JH, et al. Syphilis in HIV-infected mothers and infants: results form the NICHD/HPTN 040 study. Pediatr Infect Dis J. 2015;34(3):e52-7.).
No ano de 2003, um estudo em Porto Alegre identificou a vulnerabilidade das gestantes portadoras do HIV que, na sua maioria, residiam em áreas caracterizadas pelo comprometimento dos indicadores socioeconômicos e impunham dificuldades de acesso à assistência especializada (2525 Barcelos C, Acosta LMW, Lisboa E, Bastos FI. Surveillance of mother-to-child HIV transmission: socioeconomic and health care coverage indicators. Rev Saúde Publica. 2009;43(6):1006-1014.). O mesmo estudo mostrou que as mesmas regiões possuíam coberturas vacinais adequadas, eram atendidas por serviços de saúde e apresentavam condições adequadas da rede básica, o que evidenciou a desarticulação da rede na atenção aos casos de gestantes HIV.
As limitações da presente análise são o uso de dados secundários e a perda do acompanhamento das crianças expostas, o que poderia ter aumentado a prevalência de transmissão vertical do HIV na população coinfectada, onde a perda de seguimento foi maior, embora não de forma significativa. Essa constatação reforça a vulnerabilidade do grupo coinfectado e a necessidade de maior cuidado e monitoramento dos casos.
Atualmente, as políticas de governo apontam a necessidade de um acompanhamento mais direto dos casos com diagnóstico do HIV e sífilis, o que é facilitado pelo uso dos testes rápidos e pela participação da atenção básica na assistência a pacientes portadores do HIV, com presença marcante dos agentes comunitários de saúde. Espera-se que uma maior integração entre os serviços, a partir da centralização e da ordenação do cuidado na atenção básica, propicie a priorização e o acompanhamento mais próximo e proativo dos grupos identificados como vulneráveis, com foco nas comorbidades. Esse redirecionamento terá papel fundamental na mudança de indicadores de saúde relacionados à gestação e, em especial, da gestação em portadoras do HIV (2626 Araújo CL de, Shimizu HE, Sousa AIA de, Hamann EM. Incidence of congenital syphilis in Brazil and its relationship with the Family Health Strategy. Rev Saude Publica. 2012;46(3):205–11).
Intervenções na saúde da mãe e da criança que repercutam na qualidade de vida e na saúde reprodutiva podem diminuir mortes maternas, neonatais e infantis, em especial quando há apoio político e de gestão (2727 Black RE, Levin C, Walker N, Chou D, Liu L, Temmerman M4, et al. Reproductive, maternal, newborn, and child health: key messages from Disease Control Priorities 3rd Edition. Lancet. 2016;pii: S0140-6736(16)00738-8.). Nesse sentido, a integração dos serviços especializados (SAEs), maternidades, atenção básica, gestão e vigilância epidemiológica que está acontecendo em Porto Alegre no CTVHIVS bem como no Comitê da Mortalidade por HIV/Aids, Mortalidade Materna e Mortalidade Infantil, poderá gerar, a médio prazo, melhorias na informação, fluxos, acolhimento e assistência, para um maior empoderamento da população e transformação da realidade.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela disponibilidade da bolsa taxa CAPES-PROSUP que possibilitou o ingresso da servidora municipal (LMWA) ao doutorado de Saúde Coletiva da UNISINOS em 2015/2, e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pelo financiamento do Projeto TESTAPOA-TV: Avaliação do Teste Rápido na Atenção Primária em Saúde de Porto Alegre na Transmissão Vertical do HIV, que embasou esta análise mais avançada da coinfecção HIV/sífilis.
Conflitos de interesse
Nada declarado pelos autores.
Declaração de responsabilidade
A responsabilidade pelas opiniões expressas neste manuscrito é estritamente dos autores e não reflete necessariamente as opiniões ou políticas da RPSP/PAJPH nem da OPAS.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Dez 2016
Histórico
- Recebido
09 Maio 2016 - Aceito
27 Out 2016