Método estrutural para aferir o curso pandêmico do SARS-CoV-2 em ambientes escolares

A structural method to assess the course of the SARS-CoV-2 pandemic in school environments

Método estructural para examinar el curso de la pandemia por el SARS-CoV-2 en ambientes escolares

Silvio Salej Higgins Adrian Hinojosa Luna Andreia Maria Pinto Rabelo Reinaldo Onofre dos Santos Vanessa Cardoso Ferreira Sobre os autores

RESUMO

A pandemia da COVID-19 tem levantado uma série de dilemas para os gestores públicos, sendo a reabertura das escolas uma das decisões mais complexas. O presente artigo apresenta uma microssimulação do curso da pandemia considerando vários cenários dentro dos limites de uma sala de aula na cidade de Belo Horizonte, Brasil. Utilizou-se um modelo de suscetíveis-infectados-recuperados (SIR) integrado a um modelo de grafos aleatórios, associando características epidemiológicas a fatores sociométricos e sociodemográficos. Foram utilizadas as taxas de contatos sociais projetadas para o Brasil pelo projeto europeu POLYMOD e adaptadas para a cidade de Belo Horizonte para simular o número de contatos entre os indivíduos seguindo uma distribuição de Poisson. A simulação tomou como referência 20 alunos e suas famílias. Os cenários projetados discriminaram três faixas etárias com as suas respectivas taxas diárias de contatos sociais: 0 a 5 anos (0,01), 6 a 14 anos (1,80) e 15 a 19 anos (0,20). As simulações demonstraram diferenças claras para os grupos etários considerados, dependendo do número de infectados iniciais e do uso ou não de máscara no espaço escolar. Os resultados confirmam que a ausência de medidas adequadas de mitigação eleva de forma considerável o risco de contágio na comunidade escolar.

Palavras-chave
COVID-19; epidemiologia social; transmissão de doenças infecciosas; simulação por computador; processos estocásticos

ABSTRACT

The COVID-19 pandemic has imposed several dilemmas for managers in the public sector, with school reopening being among the most complex decisions. The present article presents a microsimulation model of the pandemic course considering various scenarios within the confines of a classroom in the city of Belo Horizonte, Brazil. For that, a susceptible-infectious-recovered (SIR) model was integrated with a random graph model, associating epidemiological characteristics with sociometric and sociodemographic factors. Social contact rates projected for Brazil in the European POLYMOD project were adapted for the city of Belo Horizonte to simulate the number of contacts among individuals considering a Poisson distribution. The simulation used as reference a group of 20 students and their families. The projected scenarios discriminated three age groups with their respective rate of daily social contacts: 0 to 5 years (0.01), 6 a 14 years (1.80), and 15 to 19 years (0.20). The simulations showed clear differences between these age groups, depending on the initial number of infected individuals and on the use or not of face masks in the school. The results confirm that the absence of adequate mitigation measures entails a considerable increase in transmission in the school setting.

Keywords
COVID-19; epidemiology; disease transmission, infectious; computer simulation; stochastic processes

RESUMEN

La pandemia de COVID-19 ha creado una serie de dilemas para los administradores públicos, que ha hecho de la reapertura de las escuelas una de las decisiones más complejas. En el presente artículo se presenta una microsimulación del curso de la pandemia, en la cual se analizan varias situaciones hipotéticas dentro de los límites de un salón de clases en la ciudad de Belo Horizonte (Brasil). Se utilizó un modelo de personassusceptibles, infectadas y recuperadas (SIR) integrado a un modelo de gráficos aleatorios, dentro del cual se asociaron lascaracterísticas epidemiológicas a factores sociométricos y sociodemográficos. Se utilizaron las tasas de contactos sociales previstas para Brasil por el proyecto europeo POLYMOD y adaptadas a la ciudad de Belo Horizonte con el fin de simular el número de contactos entre las personas con una distribución de Poisson. Para la simulación se tomó como referencia un grupo de 20 alumnos y sus familias. En las situaciones hipotéticas proyectadas se distinguieron tres grupos etarios con sus respectivas tasas diarias de contactos sociales: de 0 a 5 años (0,01), de 6 a 14 años (1,80) y de 15 a 19 años (0,20). Las simulaciones demostraron que hay claras diferencias en los grupos etarios analizados, según el número inicial de personas infectadas y el uso o la falta de uso de mascarilla en el ambiente escolar. Los resultados confirman que la falta de medidas adecuadas de mitigación eleva de forma considerable el riesgo de contagio en la comunidad escolar.

Palabras clave
COVID-19; epidemiología; transmisión de enfermedad infecciosa; simulación por computador; procesos estocásticos

A pandemia de COVID-19 desencadeou uma crise disruptiva dos sistemas de ensino. Os tomadores de decisões públicas tiveram que encarar o dilema de quando e como reabrir, ou não, as escolas. O presente informe visa aferir o curso pandêmico, via processo de simulação computacional, de uma turma escolar na cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil, sob parâmetros epidemiológicos observados e taxas de contato social projetadas a partir do projeto Improving Public Health Policy in Europe through the Modelling and Economic Evaluation of Interventions for the Control of Infectious Diseases (POLYMOD) (11. Mossong J, Hens N, Jit M, Beutels P, Auranen K, Mikolajczyk R, et al. Social contacts and mixing patterns relevant to the spread of infectious diseases. PLoS Med. 2008;5(3):e74. doi: 10.1371/journal.pmed.0050074.
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.005...
, 22. Prem K, Cook AR, Jit M. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol. 2017;13(9):e1005697. doi: 10.1371/journal.pcbi.1005697.
https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.100...
). Para tanto, foi utilizado o modelo Epimodel, que acopla um modelo temporal de grafos exponenciais aleatórios ao modelo clássico de suscetíveis-infectados-recuperados (SIR) (33. Jenness SM, Goodreau SM, Morris M. EpiModel: An R package for mathematical modeling of infectious disease over networks. J Stat Softw. 2018;84:8. doi:10.18637/jss.v084.i08.
https://doi.org/10.18637/jss.v084.i08...
).

O MAINSTREAM DOS MODELOS EPIDEMIOLÓGICOS

O modelo epidemiológico determinístico mais simples pode ser caracterizado por um sistema de equações diferenciais que governa a evolução do número de indivíduos pertencentes a cada compartimento ou estado — suscetíveis, infecciosos ou recuperados — em uma população (44. Keeling M, Rohani P. Modeling infectious diseases in humans and animals. Princeton and Oxford: Princeton University Press; 2011.). Assim, no instante t > 0, o número de suscetíveis (S(t)) que se tornam infectados (I(t)) é dado pelo produto entre o parâmetro β (sendo o parâmetro β o resultado do produto entre a taxa de contatos e a probabilidade de ser infectado), a probabilidade de se encontrar um suscetível na população (S(t)/N) e o total de infectados na população a cada tempo t. O número de recuperados a cada tempo t (R(t)) é identificado pelo decaimento do processo infecioso determinado pelo parâmetro γ (sendo o parâmetro γ estimado pelo inverso do tempo médio de duração de um indivíduo no grupo infeccioso). Se N é o tamanho constante da população, então S(t)+I(t)+R(t) = N. Como indicador epidemiológico resultante, o número básico de reprodução R0, definido pelo número médio de casos secundários que um caso primário pode gerar ao longo de seu período infeccioso, indica o ritmo de aceleração de uma epidemia. Valores acima de 1,00 indicam a expansão do contágio em termos populacionais, ao passo que valores inferiores a 1,00 indicam desaceleração e redução da contaminação. Valores iguais a 1,00 indicam que a epidemia (no caso, a pandemia de COVID-19) permanece estável ou em equilíbrio epidemiológico. No caso do SIR, esse indicador corresponde à razão entre os dois parâmetros básicos, R0 = (β/γ) (44. Keeling M, Rohani P. Modeling infectious diseases in humans and animals. Princeton and Oxford: Princeton University Press; 2011.).

A dinâmica epidemiológica do SIR pode ser modelada de forma estocástica utilizando uma cadeia de Markov, a qual corresponde a um processo aleatório que reproduz o curso pandêmico. Para tanto, como no caso do presente artigo, utilizam-se ferramentas de microssimulação. Em cada instante, os indivíduos que estão em algum dos estados (suscetível, infectado ou recuperado) interagem entre si, modificando a condição em que se encontram, levando em conta os estados dos demais indivíduos. Uma excelente descrição do processo foi apresentada por Andersson e Britton (55. Andersson H, Britton T. Stochastic epidemic models and their statistical analysis. Nova Iorque: Springer Science & Business Media; 2000. doi: 10.1007/978-1-4612-1158-7.
https://doi.org/10.1007/978-1-4612-1158-...
). A partir do instante inicial I(0) = 1 e S(0) = N, a evolução subsequente é governada pela cadeia de Markov, isto é, por um processo estocástico que tem mudanças somente em certos tempos aleatórios, condicionadas por um sistema de probabilidades de transição.

Não obstante a sua ampla utilização, o modelo SIR, tal e como foi descrito até aqui, resulta problemático, pois pressupõe que um infectado poderia contagiar qualquer suscetível, o que não é realista — dado que as interações sociais entre os agentes não existem. As dinâmicas de contágio, no caso de sistemas sociais, dependem da especificidade de fatores estruturais que organizam as interações. Não se pode contestar o fato de que as probabilidades de morrer ou sobreviver, numa pandemia entre humanos, não estão igualmente distribuídas. A estratificação social aloca de forma desigual a vulnerabilidade biológica frente a um agente infecioso.

O modelo pode ser melhorado pela introdução de parâmetros que permitam aferir os efeitos das interações sociais, ou seja, pela incorporação de taxas de contatos diárias, reconhecendo que elas são uma função tanto de atributos individuais quanto do contexto social em que os contatos são realizados.

MODELO EPIDEMIOLÓGICO DE REDES DE INTERAÇÃO SOCIAL

Um avanço no campo da modelagem epidemiológica consiste em incorporar estruturas de redes de contato entre indivíduos por meio de modelos de grafos — representações gráficas dos indivíduos e de suas relações sociais —, resultando na identificação do comportamento epidemiológico (66. Bollobás B. Modern graph theory. Nova Iorque: Springer Science & Business Media; 1998. doi: 10.1007/978-1-4612-0619-4.
https://doi.org/10.1007/978-1-4612-0619-...
). O modelo paramétrico, que descreve a evolução temporal dos grafos, é conhecido como grafo aleatório exponencial temporal e separável (do inglês separable temporal exponential random graph model, STERGM) (77. Krivitsky PN, Handcock MS. A separable model for dynamic networks. J R Stat Soc Series B Stat Methodol. 2014;76(1):29-46. doi: 10.1111/rssb.12014
https://doi.org/10.1111/rssb.12014...
). A versão combinada dos modelos SIR e STERGM está implementada no pacote Epimodel (33. Jenness SM, Goodreau SM, Morris M. EpiModel: An R package for mathematical modeling of infectious disease over networks. J Stat Softw. 2018;84:8. doi:10.18637/jss.v084.i08.
https://doi.org/10.18637/jss.v084.i08...
). Este modelo combinado traz a vantagem de considerar a heterogeneidade sociodemográfica quando se estuda a efetividade do contágio em uma situação pandêmica como a COVID-19. Além disso, tanto a taxa de transmissão β como a probabilidade de contágio P incorporam a estrutura de contatos que é dada pelos processos estocásticos desenvolvidos pelo modelo STERGM. Assim, nesse enfoque, uma variável crucial é a taxa de contatos, que corresponde ao número de contatos efetivos que um indivíduo realiza, em média, por dia.

A grande referência para a estimação dessas taxas é o POLYMOD (11. Mossong J, Hens N, Jit M, Beutels P, Auranen K, Mikolajczyk R, et al. Social contacts and mixing patterns relevant to the spread of infectious diseases. PLoS Med. 2008;5(3):e74. doi: 10.1371/journal.pmed.0050074.
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.005...
), desenvolvido em alguns países europeus, com o objetivo de estimar os contatos efetivos entre indivíduos que possibilitam a transmissão de doenças respiratórias. Os dados coletados pelo projeto POLYMOD consideraram os contatos em ambientes distintos, a saber, comunidade escolar, domicílio e trabalho, entre outros, assim como características demográficas dos indivíduos.

Entretanto, pesquisas desse porte são dispendiosas e difíceis de serem coordenadas em países populosos. Assim, Prem et al. (22. Prem K, Cook AR, Jit M. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol. 2017;13(9):e1005697. doi: 10.1371/journal.pcbi.1005697.
https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.100...
) desenvolveram uma adaptação da metodologia do POLYMOD para estimação das taxas de contato para 162 países do mundo. A proposta dos autores foi utilizar as taxas de contato, por idade e círculo social de contato, em função de covariáveis sociodemográficas relevantes: estrutura etária dos domicílios, composição etária da população, participação na força de trabalho, taxa de escolarização e razão de aluno por professor, entre outras. Essa metodologia foi adaptada e se mostrou adequada para o objetivo deste estudo, conforme será demonstrado a seguir.

METODOLOGIA E CONDIÇÕES SOCIAIS SIMULADAS

Foram usadas, na evolução do modelo de grafo temporal, as estatísticas correspondentes a uma mistura entre grupos, neste caso alunos e suas famílias. Foram utilizadas as taxas de contatos sociais projetadas para o Brasil no trabalho de Prem et al. (22. Prem K, Cook AR, Jit M. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol. 2017;13(9):e1005697. doi: 10.1371/journal.pcbi.1005697.
https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.100...
) com a finalidade de simular o número de contatos entre os indivíduos seguindo uma distribuição de Poisson. Deve-se salientar que as taxas de contatos sociais projetadas para o Brasil no trabalho de Prem et al. (22. Prem K, Cook AR, Jit M. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol. 2017;13(9):e1005697. doi: 10.1371/journal.pcbi.1005697.
https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.100...
) foram reprojetadas para a cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, agrupando as faixas de idade, de tal forma que fossem identificadas as taxas de contato diárias na população em idade escolar.

Dessa forma, o modelo epidemiológico estocástico SIR, acoplado a um modelo de grafo, considera uma dinâmica aleatória que oferece, em cada instante, uma interação entre cada agente racional que pode estar em cada um dos estados (suscetível, infectado ou recuperado). Essas micro interações entre os agentes são governadas pelas probabilidades de transição em um grafo ou rede, ou seja, uma estrutura composta de vértices conectados por arestas ou conexões aleatórias. Seja G = (E,V) o grafo que descreve as relações entre os indivíduos ou vértices (V) e as arestas (E) do grafo, considera-se a evolução do processo em cada agente Xi(t) = 0, 1 ou 2; com i ∈ V, onde 0, 1 e 2 correspondem respectivamente aos estados do vértice i: suscetível, infectado ou recuperado. A dinâmica do processo que descreve a evolução de Xi(t) obedece à seguinte probabilidade de transição:

P[Xi(t+1)=x'|Xi(t)=x]ρ·ni(x), se x=0 e x'=1γ, se x=1 e x'=21-(ρ·ni(x)+γ), se x=2 e x'=2

onde ni(x) é o número de vizinhos do vértice i que estão infectados. Finalmente S(t), I(t) e R(t) correspondem à soma dos vértices Xi(t) com os valores 0, 1 ou 2, respectivamente.

Neste trabalho, foi simulada uma extensão desse processo, usando um modelo de grafo aleatório que será descrito mais adiante, usando a probabilidade de infeção P = 0,05 e taxa de recuperação γ = 1⁄12. O parâmetro P foi escolhido mediante simulações feitas a partir tanto das taxas de transmissibilidade, estimadas e divulgadas pela prefeitura de Belo Horizonte, como da aplicação do modelo de Prem et al. (22. Prem K, Cook AR, Jit M. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol. 2017;13(9):e1005697. doi: 10.1371/journal.pcbi.1005697.
https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.100...
) ao caso de Belo Horizonte. Por sua vez, o parâmetro γ foi selecionado levando em conta tanto as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo as quais o período mínimo de isolamento necessário para conter a transmissibilidade é de 10 dias (88. National Center for Immunization and Respiratory Diseases (U.S.). Division of Viral Diseases. Duration of isolation and precautions for adults with COVID-19. stacks.cdc.gov. 2020. Disponível em: https://stacks.cdc.gov/view/cdc/92047 Acesso em 20 de novembro de 2021.
stacks.cdc.gov...
), bem como as recomendações feitas pelas autoridades nacionais brasileiras, as quais recomendam 14 dias de isolamento na ausência de sintomas (99. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria 356/2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-356-de-11-de-marco-de-2020-247538346 Acesso em 12 de junho de 2022.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria...
). Assim, utilizamos um cenário rigoroso, com uma infecciosidade que duraria 12 dias.

Dentro da família de modelos de grafos aleatórios, optou-se pelo modelo de grafos aleatórios exponenciais (ERGM) (66. Bollobás B. Modern graph theory. Nova Iorque: Springer Science & Business Media; 1998. doi: 10.1007/978-1-4612-0619-4.
https://doi.org/10.1007/978-1-4612-0619-...
) e sua extensão para a evolução temporal, conhecida como STERGM. Esse modelo de evolução temporal opera em dois processos: o primeiro, chamado de formação, consiste em sortear, a cada instante, algumas arestas do grafo aleatório e alterá-las, de sorte que o grafo obtido seja de tipo ERGM; o segundo processo, chamado de dissolução, compreende a seleção aleatória das arestas que serão omitidas. Escolhemos o modelo de formação de arestas que coloca, na estatística do grafo, o parâmetro nodemix, que conta o número de arestas que conectam vértices, combinando as arestas com diferentes atributos, tais como a idade. O parâmetro que usamos para a formação das arestas foi estimado a partir das simulações dos contatos e levando em conta as taxas de contato diário que apresentaremos mais adiante. Este modelo traz a vantagem de considerar a heterogeneidade sociodemográfica quando se estuda a efetividade do contágio em uma situação pandêmica como a COVID-19.

Neste exercício, simulou-se o que aconteceria com o processo de contágio, tomando como referência a metade de uma turma de 40 crianças ou jovens de uma série escolar e suas famílias, estando as crianças e jovens autorizados a frequentar a escola com uso obrigatório de máscara de proteção respiratória comum, com eficácia média de bloqueio de 68,5% (1010. Lima MMS, Cavalcante FML, Macêdo TS, Galindo Neto NM, Caetano JA, et al. Cloth face masks to prevent Covid-19 and other respiratory infections. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3353. doi: 10.1590/1518-8345.4537.3353
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4537.3...
). Os cenários projetados discriminam três faixas etárias com as suas respectivas taxas diárias de contatos sociais: 0 a 5 anos (0,01), 6 a 14 anos (1,80) e 15 a 19 anos (0,20).

RESULTADOS E CONCLUSÕES

Como mostra a tabela 1, se forem mantidas inalteradas todas as condições relevantes, fica claro que, quando se conjugam as taxas de contato por faixas etárias e o uso de máscaras, os picos de infecção ocorrem em pontos do tempo expressivamente diferentes. Salientamos que, nesses cenários, não há implementação de medidas de triagem e isolamento de casos positivos, nem tampouco contenção do processo infecioso com vacinação. No caso do Brasil, corresponde à conjuntura epidemiológica do primeiro trimestre de 2021.

TABELA 1.
Pico de infecções de COVID-19 em dias a partir da simulação de contágio tomando como referência uma turma de 20 crianças e jovensa

A figura 1 mostra um grafo gerado para a segunda faixa etária (6 a 14 anos), com apenas um infectado em sala, a título de demonstração visual do resultado das simulações. Entretanto, é importante ressaltar que foram considerados cenários em todas as faixas etárias, com 1, 5 e 10 infectados.

A inovação proposta por meio desta simulação reside na incorporação, ao modelo SIR, de um modelo de grafos aleatórios para estimar a formação probabilística dos contatos sociais entre os sujeitos, levando em conta tanto indicadores epidemiológicos quanto sociais relativos às faixas etárias e suas respectivas taxas de contatos. A discussão e os resultados dessa inovação apontam vários determinantes e desafios para a decisão de retomada presencial das aulas. Em primeiro lugar, fica evidente que a taxa de presencialidade importa, e muito, e que a implementação eficaz das medidas de mitigação (uso de máscara, entre outras) é um determinante do processo pandêmico. Ainda, a conexão entre o mundo de contatos da escola e da família é real e tece uma ponte para a propagação da pandemia; as faixas etárias envolvem formas de socialização específicas que resultam em diferentes taxas de contato sociais diárias da população escolar. Essas diferenças devem ser levadas em conta, o que torna mais complexo o processo de implementação das medidas de mitigação, em particular, o respeito ao distanciamento social. Os resultados ressaltam ainda o fato de que a instituição escolar não é uma ilha. Dado que é um espaço que propicia contatos epidemiologicamente relevantes, a triagem de casos positivos e a subsequente quarentena são fundamentais na contenção do processo de contágio. Tal controle é um desafio diário, que demanda elevada capacidade de testagem em busca de infectados. Como limitações, deve-se salientar que o presente exercício não incorporou outras cadeias de contatos sociais que são ativadas e/ou expandidas com a reabertura escolar, como é o caso do transporte público ou escolar, que permite o deslocamento entre a casa e a escola.

Em resumo, pode-se afirmar que os resultados corroboram a hipótese de que, sem medidas adequadas, a abertura das escolas traz um aumento considerável do risco de contágio para a população escolar.

FIGURA 1.
Grafo gerado para simulação de infecções por COVID-19 para a faixa etária de 6 a 14 anos em uma turma escolar com um infectado por COVID-19, sem uso de máscara facial, considerando o 5º dia após a retomada das aulasaaAlém do cenário exemplificado na figura, foram projetados os cenários para todas as faixas etárias, sempre considerando 1, 5 e 10 infectados.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

  • Contribuições dos autores.
    SSH e AHL conceberam a ideia e asseguraram recursos financeiros. SSH coordenou a pesquisa. AHL implementou a sintaxe do modelo em R e revisou a explicação matemática dos modelos. ROS projetou as taxas de contato para Belo Horizonte e pesquisou os parâmetros epidemiológicos. APR revisou a literatura. VCF pesquisou fontes secundárias sobre eficácia da máscara e preparou os cenários do modelo. Todos os autores aprovaram a versão final.
  • Conflitos de interesse.
    Nada declarado pelos autores.
  • Financiamento.
    O trabalho contou com o financiamento do Ministério da Saúde do Brasil mediante chamada MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit Nº 07/2020 - Pesquisas para enfrentamento da COVID-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves.

REFERÊNCIAS

  • 1.
    Mossong J, Hens N, Jit M, Beutels P, Auranen K, Mikolajczyk R, et al. Social contacts and mixing patterns relevant to the spread of infectious diseases. PLoS Med. 2008;5(3):e74. doi: 10.1371/journal.pmed.0050074.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pmed.0050074
  • 2.
    Prem K, Cook AR, Jit M. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol. 2017;13(9):e1005697. doi: 10.1371/journal.pcbi.1005697.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.1005697
  • 3.
    Jenness SM, Goodreau SM, Morris M. EpiModel: An R package for mathematical modeling of infectious disease over networks. J Stat Softw. 2018;84:8. doi:10.18637/jss.v084.i08.
    » https://doi.org/10.18637/jss.v084.i08
  • 4.
    Keeling M, Rohani P. Modeling infectious diseases in humans and animals. Princeton and Oxford: Princeton University Press; 2011.
  • 5.
    Andersson H, Britton T. Stochastic epidemic models and their statistical analysis. Nova Iorque: Springer Science & Business Media; 2000. doi: 10.1007/978-1-4612-1158-7.
    » https://doi.org/10.1007/978-1-4612-1158-7
  • 6.
    Bollobás B. Modern graph theory. Nova Iorque: Springer Science & Business Media; 1998. doi: 10.1007/978-1-4612-0619-4.
    » https://doi.org/10.1007/978-1-4612-0619-4
  • 7.
    Krivitsky PN, Handcock MS. A separable model for dynamic networks. J R Stat Soc Series B Stat Methodol. 2014;76(1):29-46. doi: 10.1111/rssb.12014
    » https://doi.org/10.1111/rssb.12014
  • 8.
    National Center for Immunization and Respiratory Diseases (U.S.). Division of Viral Diseases. Duration of isolation and precautions for adults with COVID-19. stacks.cdc.gov 2020. Disponível em: https://stacks.cdc.gov/view/cdc/92047 Acesso em 20 de novembro de 2021.
    » stacks.cdc.gov» https://stacks.cdc.gov/view/cdc/92047
  • 9.
    Brasil, Ministério da Saúde. Portaria 356/2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-356-de-11-de-marco-de-2020-247538346 Acesso em 12 de junho de 2022.
    » https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-356-de-11-de-marco-de-2020-247538346
  • 10.
    Lima MMS, Cavalcante FML, Macêdo TS, Galindo Neto NM, Caetano JA, et al. Cloth face masks to prevent Covid-19 and other respiratory infections. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3353. doi: 10.1590/1518-8345.4537.3353
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.4537.3353

  • a
    Além do cenário exemplificado na figura, foram projetados os cenários para todas as faixas etárias, sempre considerando 1, 5 e 10 infectados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2022
  • Aceito
    28 Maio 2022
Organización Panamericana de la Salud Washington - Washington - United States
E-mail: contacto_rpsp@paho.org