AS NAÇÕES RICAS DEVEM AUMENTAR O APOIO À ÁFRICA E AOS PAÍSES VULNERÁVEIS PARA ENFRENTAR OS IMPACTOS PASSADOS, PRESENTES E FUTUROS DA MUDANÇA DO CLIMA.
O relatório de 2022 do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) pinta um quadro sombrio para o futuro da vida na Terra, caracterizado pelo colapso dos ecossistemas, extinção de espécies e riscos climáticos, tais como ondas de calor e inundações (11. IPCC. Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Working Group II Contribution to the IPCC Sixth Assessment Report; 2022.). Todos eles estão ligados a problemas de saúde física e mental, com consequências diretas e indiretas no aumento da morbidade e da mortalidade. Para evitar esses efeitos catastróficos na saúde em todas as regiões do mundo, há um amplo consenso – como argumentaram juntos 231 periódicos de saúde em 2021 – de que o aumento da temperatura global deve ser limitado a menos de 1,5 oC em comparação com os níveis pré-industriais.
Embora o Acordo de Paris de 2015 delineie uma estrutura de ação global que incorpora o financiamento climático aos países em desenvolvimento, esse apoio ainda não se concretizou (22. UN. The Paris Agreement: United Nations; 2022 [Available from: https://www.un.org/en/climatechange/paris-agreement (accessed 12/9/2022)].
https://www.un.org/en/climatechange/pari... ). A COP27 é a quinta Conferência das Partes (COP) a ser organizada na África desde seu início, em 1995. Antes dessa reunião, nós, editores de periódicos de saúde de todo o continente, pedimos uma ação urgente para garantir que esta seja a COP que finalmente proporcione justiça climática para a África e os países vulneráveis. É algo essencial não apenas para a saúde desses países, mas para a saúde de todo o mundo.
A ÁFRICA TEM SOFRIDO DESPROPORCIONALMENTE, EMBORA POUCO TENHA CONTRIBUÍDO PARA CAUSAR A CRISE
A crise climática teve um impacto nos determinantes ambientais e sociais da saúde em toda a África, levando a efeitos devastadores na saúde (33. Climate change and Health in Sub-saharan Africa: The Case of Uganda. Climate Investment Funds; 2020.). Esses impactos podem ser resultado direto de choques ambientais e indireto de efeitos mediados socialmente (44. WHO. Strengthening Health Resilience to Climate Change 2016.). Os riscos relacionados à mudança do clima na África incluem inundações, secas, ondas de calor, redução da produção de alimentos e redução da produtividade laboral (55. Trisos CH, I.O. Adelekan, E. Totin, A. Ayanlade, J. Efitre, A. Gemeda, et al. Africa. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. 2022 [Available from: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/ (accessed 26/9/2022)].
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/... ).
As secas na África subsaariana triplicaram entre 1970-1979 e 2010-2019 (66. Climate Change Adaptation and Economic Transformation in Sub-Saharan Africa. World Bank; 2021.). Em 2018, ciclones devastadores atingiram três milhões de pessoas no Malawi, em Moçambique e em Zimbábue (66. Climate Change Adaptation and Economic Transformation in Sub-Saharan Africa. World Bank; 2021.). Na África ocidental e central, inundações severas resultaram em mortalidade e migração forçada por perda de abrigo, terras cultivadas e gado (77. Opoku SK, Leal Filho W, Hubert F, Adejumo O. Climate Change and Health Preparedness in Africa: Analysing Trends in Six African Countries. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(9):4672.). As mudanças na ecologia de vetores provocadas pelas enchentes e danos à higiene ambiental levaram ao aumento de doenças na África subsaariana, com aumento de malária, dengue, febre de Lassa, febre do Vale do Rift, doença de Lyme, vírus Ebola, vírus do Nilo Ocidental e outras infecções (88. Evans M, Munslow B. Climate change, health, and conflict in Africa’s arc of instability. Perspectives in Public Health. 2021;141(6):338-41., 99. S. P. Stawicki, T. J. Papadimos, S. C. Galwankar, A. C. Miller, Firstenberg MS. Reflections on Climate Change and Public Health in Africa in an Era of Global Pandemic. Contemporary Developments and Perspectives in International Health Security. 2: Intechopen; 2021.). A elevação do nível do mar reduz a qualidade da água, levando a doenças transmitidas pela água, incluindo doenças diarreicas – uma das principais causas de mortalidade na África (88. Evans M, Munslow B. Climate change, health, and conflict in Africa’s arc of instability. Perspectives in Public Health. 2021;141(6):338-41.). O clima extremo prejudica o abastecimento de água e alimentos, aumentando a insegurança alimentar e a desnutrição, o que causa 1,7 milhão de mortes anuais na África (1010. Climate change and Health in Africa: Issues and Options: African Climate Policy Centre 2013 [Available from: https://archive.uneca.org/sites/default/files/PublicationFiles/policy_brief_12_climate_change_and_health_in_africa_issues_and_options.pdf (accessed 12/9/2022)].
https://archive.uneca.org/sites/default/... ). De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a desnutrição aumentou quase 50% desde 2012, devido ao papel central que a agricultura desempenha nas economias africanas (1111. Climate change is an increasing threat to Africa2020. Available from: https://unfccc.int/news/climate-change-is-an-increasing-threat-to-africa (accessed 12/9/2022).
https://unfccc.int/news/climate-change-i... ). Os choques ambientais e seus efeitos colaterais também causam sérios danos à saúde mental (1212. Atwoli L, Muhia J, Merali Z. Mental health and climate change in Africa. BJPsych International. 2022:1-4 https://www.cambridge.org/core/journals/bjpsych-international/article/mental-health-and-climate-change-in-africa/65A414598BA1D620F4208A9177EED94B (accessed 26/9/22022).
https://www.cambridge.org/core/journals/... ). No total, estima-se que a crise climática destruiu um quinto do produto interno bruto (PIB) dos países mais vulneráveis aos choques climáticos (1313. Climate Vulnerable Economies Loss report. Switzerland: Vulnerable twenty group; 2020.).
Os danos à África devem ser de suprema preocupação para todas as nações, em parte por razões morais. É altamente injusto que as nações mais impactadas tenham contribuído menos para as emissões cumulativas globais que estão provocando a crise climática e seus efeitos cada vez mais severos. A América do Norte e a Europa contribuíram com 62% das emissões de dióxido de carbono desde a Revolução Industrial, enquanto a África contribuiu com apenas 3% (1414. Ritchie H. Who has contributed most to global CO2 emissions? Our World in Data. https://ourworldindata.org/contributed-most-global-co2 (accessed 12/9/2022).
https://ourworldindata.org/contributed-m... ).
A LUTA CONTRA A CRISE CLIMÁTICA PRECISA DO EMPENHO DE TODOS
Não é apenas por razões morais que todas as nações devem se preocupar com a África. Os impactos agudos e crônicos da crise climática criam problemas como pobreza, doenças infecciosas, migração forçada e conflitos que se espalham pelos sistemas globalizados (66. Climate Change Adaptation and Economic Transformation in Sub-Saharan Africa. World Bank; 2021., 1515. Bilotta N, Botti F. Paving the Way for Greener Central Banks. Current Trends and Future Developments around the Globe. Rome: Edizioni Nuova Cultura for Istituto Affari Internazionali (IAI); 2022.). Esses impactos com efeito cascata afetam todas as nações. A COVID-19 serviu como um alerta para essas dinâmicas globais, e não é uma coincidência que os profissionais de saúde tenham sido ativos na identificação e resposta às consequências dos crescentes riscos sistêmicos para a saúde. Mas as lições da pandemia de COVID-19 não devem ser limitadas ao risco pandêmico (1616. WHO. COP26 special report on climate change and health: the health argument for climate action. . Geneva: World Health Organization; 2021., 1717. Al-Mandhari A; Al-Yousfi A; Malkawi M; El-Adawy M. “Our planet, our health”: saving lives, promoting health and attaining well-being by protecting the planet – the Eastern Mediterranean perspectives. East Mediterr Health J. 2022;28(4):247−248. https://doi.org/10.26719/2022.28.4.247 (accessed 26/9/2022)
https://doi.org/10.26719/2022.28.4.247... ). É imperativo que o sofrimento das nações na linha de frente, incluindo as da África, seja a consideração central na COP27: em um mundo interligado, deixar os países à mercê dos choques ambientais cria instabilidade com consequências severas para todas as nações.
O foco principal das cúpulas climáticas continua sendo a redução rápida das emissões para que os aumentos da temperatura global sejam mantidos abaixo de 1,5 °C, o que limitará os danos. Mas, para a África e outras regiões vulneráveis, esse dano já é grave. Atingir a meta prometida de fornecer 100 bilhões de dólares de financiamento climático por ano é agora globalmente crítico se quisermos evitar os riscos sistêmicos de deixar as sociedades em crise. Pode-se alcançar isso ao garantir que esses recursos se concentrem em aumentar a resiliência aos impactos já existentes e futuros que são inevitáveis da crise climática, bem como ao apoiar nações vulneráveis na redução das emissões de gases de efeito estufa: uma paridade de estima entre adaptação e mitigação. Esses recursos devem ser oriundos de subsídios e não de empréstimos, e ser urgentemente aumentados antes do atual período de revisão de 2025. Eles devem colocar a resiliência do sistema de saúde em primeiro plano, uma vez que as crises agravantes causadas pela crise climática muitas vezes se manifestam em problemas de saúde agudos. Financiar a adaptação será mais econômico do que depender de medidas de alívio de desastres.
Alguns progressos foram alcançados na adaptação na África e no mundo todo, incluindo sistemas de alerta precoce e infraestrutura de defesa contra eventos extremos. Mas as nações na linha de frente não são compensadas pelos impactos de uma crise que não causaram. Não só é injusto, mas também impulsiona a espiral de desestabilização global, uma vez que as nações gastam dinheiro para responder a desastres mas não conseguem mais pagar por uma maior resiliência ou para reduzir o problema de base por meio da redução de emissões. Um mecanismo de financiamento para perdas e danos deve ser agora introduzido, fornecendo recursos adicionais além daqueles concedidos para mitigação e adaptação. Deve-se ir além das falhas da COP26, em que a sugestão de tal mecanismo foi rebaixada para "um diálogo" (1818. Simon Evans, Josh Gabbatiss, Robert McSweeney, Aruna Chandrasekhar, Ayesha Tandon, Giuliana Viglione, et al. COP26: Key outcomes agreed at the UN climate talks in Glasgow. Carbon Brief [Internet]. 2021. Available from: https://www.carbonbrief.org/cop26-key-outcomes-agreed-at-the-un-climate-talks-in-glasgow/ (accessed 12/9/2022).
https://www.carbonbrief.org/cop26-key-ou... ).
A crise climática é um produto da inação global e tem um grande custo não só para os países africanos impactados desproporcionalmente, mas para o mundo inteiro.. A África se junta a outras regiões na linha de frente para exortar as nações ricas a finalmente darem um passo adiante. Caso contrário, mais cedo ou mais tarde as crises na África se espalharão e engolirão todas as regiões do mundo, e então pode ser tarde demais para responder efetivamente. Se até hoje não foi possível persuadi-las com argumentos morais, espera-se que agora seus interesses próprios prevaleçam.
REFERÊNCIAS
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- 4.WHO. Strengthening Health Resilience to Climate Change 2016.
- 5.Trisos CH, I.O. Adelekan, E. Totin, A. Ayanlade, J. Efitre, A. Gemeda, et al. Africa. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. 2022 [Available from: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/ (accessed 26/9/2022)].
» https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/ - 6.Climate Change Adaptation and Economic Transformation in Sub-Saharan Africa. World Bank; 2021.
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- 17.Al-Mandhari A; Al-Yousfi A; Malkawi M; El-Adawy M. “Our planet, our health”: saving lives, promoting health and attaining well-being by protecting the planet – the Eastern Mediterranean perspectives. East Mediterr Health J. 2022;28(4):247−248. https://doi.org/10.26719/2022.28.4.247 (accessed 26/9/2022)
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
19 Maio 2023 - Data do Fascículo
2022