Participação em saúde como elemento indissociável para o fortalecimento dos sistemas de atenção à saúde nas Américas

Community participation in health as an essential element for health system strengthening in the Americas

La participación en salud como elemento indispensable para el fortalecimiento de los sistemas de atención de salud en las Américas

Henrique Kujawa Rodrigo Silveira Pinto Fernando Antônio Gomes Leles Frederico Viana Machado Sobre os autores

RESUMO

A presente revisão narrativa discute a relevância e os desafios da participação em saúde para o fortalecimento dos sistemas de atenção à saúde. Partindo de uma definição de participação em saúde como um processo dinâmico que dá às pessoas acesso e controle sobre os recursos de saúde por meio de envolvimento e experiência, o artigo sintetiza informações obtidas em documentos e debate em um evento internacional (Seminario Internacional: Experiencias y Modelos de Participación en Salud en América Latina y el Caribe). A esse material, foram agregados os resultados de buscas nas bases SciELO, PubMed e Google Acadêmico utilizando os termos “community participation”, “community engagement”, “social control” e “community health planning”. Foram selecionados artigos de revisão e de opinião em âmbito nacional ou transnacional, sem limite de data ou idioma. A participação em saúde é um conceito atual, legitimado nas recomendações para políticas de saúde descritas em documentos e publicações recentes. Em todo o mundo, cresce o número de estudos sobre o assunto; porém, nas Américas, três países (Estados Unidos, Canadá e Brasil) concentram a maioria das publicações. Os estudos abordam questões oportunas e demonstram consenso entre os pesquisadores de cada grupo independente. Entretanto, a área carece de intercâmbios e análises comparativas que contrastem diferentes experiências que transcendam as fronteiras nacionais e ampliem o conhecimento sobre a participação em saúde. Aconselha-se a criação de espaços de troca de experiências e oportunidades de pesquisa, bem como o estabelecimento de redes profissionais e de pesquisa no campo da participação em saúde.

Palavras-chave
Saúde pública; participação da comunidade; participação social; planejamento em saúde comunitária

ABSTRACT

The present narrative review discusses the relevance and challenges of community participation in health for health system strengthening. Based on a definition of community participation in health as a dynamic process that gives people access and control over health resources through involvement and experience, the article summarizes information obtained from documents and debate at an international event (Seminario Internacional: Experiencias y Modelos de Participación en Salud en América Latina y el Caribe). In addition, the SciELO, PubMed and Google Scholar databases were searched using the terms “community participation”, “community engagement”, “social control” and “community health planning” to identify national or transnational review and opinion articles. Community participation in health is a current concept, acknowledged in the recommendations for health policies described in recent documents and publications. Around the world, the number of studies on the subject is growing; however, in the Americas, three countries (United States, Canada and Brazil) accounted for most of the scientific publications identified in the databases. The studies address timely questions and show consensus among investigators within each individual research group. However, the area lacks exchanges and comparative analyses that contrast different experiences transcending national borders and expanding knowledge on community participation in health. The creation of more spaces for the sharing of experiences and research is advised, as well as the establishment of professional and research networks in the field of community participation in health.

Keywords
Public health; community participation; social participation; community health planning

RESUMEN

En esta revisión narrativa se analizan la relevancia y los retos de la participación en salud para el fortalecimiento de los sistemas de atención de salud. A partir de una definición de la participación en salud como un proceso dinámico que da a las personas acceso y control sobre los recursos de salud por medio de la intervención y la experiencia, en el artículo se sintetiza la información obtenida de documentos y en un debate realizado en el denominado Seminario Internacional: Experiencias y Modelos de Participación en Salud en América Latina y el Caribe. A este material se agregaron los resultados de búsquedas en las bases de datos SciELO, PubMed y Google Académico con los términos “community participation”, “community engagement”, “social control” y “community health planning”. Se seleccionaron artículos de revisión y opinión de los ámbitos nacional o transnacional, sin límite de fecha ni de idioma. La participación en salud es un concepto actual, legitimado en las recomendaciones sobre políticas de salud descritas en documentos y publicaciones recientes. El número de estudios sobre el tema ha aumentado en todo el mundo, pero en las Américas, la mayoría de las publicaciones se concentran en tres países (Brasil, Canadá y Estados Unidos). En los estudios se abordan asuntos de actualidad y se demuestra el consenso existente entre los investigadores de cada grupo independiente. Sin embargo, en este campo no hay intercambios ni análisis comparativos que permitan contrastar las diferentes experiencias más allá de las fronteras nacionales y ampliar el conocimiento sobre la participación en salud. Se recomienda crear ámbitos de intercambio de experiencias y oportunidades de investigación, y establecer redes profesionales y de investigación en el campo de la participación en salud.

Palabras clave
Salud pública; participación de la comunidad; participación social; planificación en salud comunitaria

A participação da comunidade ocupa um lugar importante na gestão dos sistemas de atenção à saúde (SAS). É um tema recorrente em pesquisas e empreendimentos governamentais (11. Rajan D, Rohrer K, Koch K, Soucat A. Voice, agency, empowerment: handbook on social participation for universal health coverage. Genebra: World Health Organization (WHO); 2021. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027794
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), gerando um grande número de publicações sobre o assunto em todo o mundo (22. Yuan M, Lin H, Wu H, Yu M, Tu J, Lü Y. Community engagement in public health: a bibliometric mapping of global research. Arch Public Health. 2021;12(79):6. doi: 10.1186/s13690-021-00525-3
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) e compreendendo diversas abordagens e experiências de participação social em resposta a contextos políticos, econômicos, sociais, culturais e administrativos específicos. Considerando a diversidade de expressões que refletem os modos pelos quais as pessoas influenciam os serviços de saúde, este artigo enfoca a “participação em saúde” — definida como um processo dinâmico que permite que as pessoas da comunidade, por meio de envolvimento e experiência, ganhem acesso e controle sobre os recursos dos serviços de saúde (33. Rifkin SB. Paradigms lost: toward a new understanding of community participation in health programmes. Acta Trop. 1996;61(2):79-92. doi: 10.1016/0001-706x(95)00105-n
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).

Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é discutir a relevância e a atualidade da participação em saúde no fortalecimento dos SAS. Além disso, o artigo discute a importância de colocar em diálogo as diferentes experiências de participação no cenário da pressão sofrida pelos SAS durante a pandemia de covid-19 e resultante das transformações nas dinâmicas sociais decorrentes da ampliação do uso das tecnologias de comunicação e das relações virtuais, bem como dos tensionamentos políticos atuais nas Américas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Realizou-se uma revisão narrativa que visa descrever os desafios atuais da participação em saúde nas Américas. Partindo do pool de artigos e da análise realizada anteriormente por Machado et al. (44. Machado FV, Rech CM, Pinto RS, Romão WM, Matias MMM, Freitas GC, et al. Participação em saúde nas Américas: mapeamento bibliométrico da produção, impacto, visibilidade e colaboração. Cienc Saude Coletiva. 2023;28(2):487–500. doi: 10.1590/1413-81232023282.11412022
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), em conjunto com debates realizados no Seminario Internacional: Experiencias y Modelos de Participación en Salud en América Latina y el Caribe, ocorrido em novembro de 2022, organizado pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) em parceria com o Centro de Educação e Assessoramento Popular e o Conselho Nacional de Saúde brasileiro, o texto propõe um posicionamento sobre a importância da inclusão das pessoas na tomada de decisão nas políticas de saúde e na elaboração de caminhos para o aprimoramento das práticas participativas. Além dos materiais de partida, foram identificados artigos nas bases de dados SciELO, PubMed e Google Acadêmico utilizando os termos “community participation”, “community engagement”, “social control” e “community health planning”. Foram selecionados artigos de revisão e artigos de opinião em âmbito nacional ou transnacional que tratassem da importância da participação em saúde nos SAS, sem restrição de idioma e de data.

RESULTADOS

A participação nas decisões e ações em saúde é uma noção antiga (55. Hooker W. Physician and patient; or a practical view of the mutual duties, relations, and interests of the medical profession and the community. Br Foreign Med Chir Rev. 1850;6(12):503-10.), mas que ganhou força no século passado, sobretudo no período posterior à Segunda Guerra Mundial, quando tornou-se imperativo investir em sistemas de bemestar social e na democratização dos estados e das nações. Agências transnacionais adquiriram um papel importante, articulando atores e produzindo referenciais para o fomento de práticas, tendo como principal modelo as conferências internacionais. A OMS (11. Rajan D, Rohrer K, Koch K, Soucat A. Voice, agency, empowerment: handbook on social participation for universal health coverage. Genebra: World Health Organization (WHO); 2021. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027794
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) é o principal exemplo, mas a OPAS (66. Organização Pan-Americana da Saúde, Organização Mundial da Saúde. Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas: documento de posicionamento da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS). Washington, DC: OPAS; 2007. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/31085/9275726981-por.PDF?sequence=1&isAllowed=y
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) e o Banco Mundial (77. Homedes N, Ugalde A. Las reformas de salud neoliberales en América Latina: una visión crítica a través de dos estudios de caso. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(3)210-20.), entre outros, também tiveram um papel importante no desenvolvimento da participação em saúde.

Na década de 1960, já estavam em andamento experiências de participação em saúde em diversos países; por exemplo, a participação era uma exigência legal de todos os programas federais nos Estados Unidos da América (88. Ramos GS. Participación social en el campo de la salud. Rev Cubana Salud Publica. 2004;30(3).). A reforma do sistema de saúde do Canadá, no início da década de 1970, e do Brasil, no final dos anos 1980, também incluiu a participação como um elemento estrutural previsto em lei (99. Côrtes SV. Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009., 1010. O’Neill M. Community participation in Quebec’s health system: a strategy to curtail community empowerment? Int J Health Serv. 1992;22(2):287-301. doi: 10.2190/AKBE-UN31-6QEF-VG15
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). Após a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde de 1978, na qual a Declaração de Alma-Ata foi apresentada, cada país signatário implantou modelos de atenção primária à saúde (APS) com níveis diferentes de participação da comunidade, mas seguindo uma crescente importância e interesse na gestão dos serviços de saúde (1111. Rifkin SB. Examining the links between community participation and health outcomes: a review of the literature. Health Policy Plan. 2014;29(Suppl 2):ii98-106. doi: 10.1093/heapol/czu076
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). Na Declaração de Astana, que reafirma e atualiza os princípios de Alma-Ata, a participação em saúde é um dos compromissos firmados, e seus princípios estão descritos em um documento específico (11. Rajan D, Rohrer K, Koch K, Soucat A. Voice, agency, empowerment: handbook on social participation for universal health coverage. Genebra: World Health Organization (WHO); 2021. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027794
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).

Sucedendo aos Objetivos do Milênio, em 2015, foram propostos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados formalmente pelos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Os ODS são uma referência importante para orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional até o ano de 2030. A preocupação com o funcionamento e o desempenho dos SAS no mundo vai ao encontro dos acordos transnacionais que visam promover a qualidade de vida no planeta e aos ODS (1212. Nações Unidas Brasil. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 - Saúde e bem-estar: garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/3
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).

Mecanismos de governabilidade e liderança

Um aspecto essencial para os SAS são os mecanismos de governabilidade e liderança, que são estratégias de envolvimento de atores na (re)construção do sistema. Pelo menos três conjuntos de atores participam da organização do SAS: o Estado, os cidadãos e os provedores de insumos e ações em saúde (1313. Schmets G, Rajan D, Kadandale S. Strategizing national health in the 21st century: a handbook. Genebra: World Health Organization; 2016. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250221/9789241549745-eng.pdf?sequence=41&isAllowed=y
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). A eficiência de um SAS está intimamente ligada à qualidade da interação entre esses grupos. A coordenação entre múltiplos setores de tomada de decisão e tipos de atores é essencial para o alcance das metas dos ODS, principalmente nos grandes centros urbanos (1414. Cisneros P, Cabrera-Barona P, López V. Civil society and the 2030 Agenda. An assessment of the implementation of SDG-actions in the Metropolitan District of Quito. Iberoam J Dev Stud. 2020;1(1):110-9. doi: 10.26754/ojs_ried/ijds.431
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).

Os cidadãos influenciam diretamente a organização dos serviços de saúde. Possuem demandas que devem ser respondidas pelo Estado por meio de ações e insumos em saúde executados pelos provedores. Essas demandas não são uniformes, pois as características de cada local e de cada comunidade, bem como os interesses políticos do próprio Estado, determinam a manifestação de situações deletérias ao bem-estar e à qualidade de vida. Além disso, a maneira como cada comunidade se organiza para a cobrança e resolução dessas demandas também tem impacto direto nessa determinação.

Ahumada e Fernández (1515. Ahumada L, Fernandez LA. Participación e intervención comunitarias. Em: Zurro AM, Pérez JFC, Badia JG, editores. Atención primaria. Principios, organización y métodos en medicina de familia. Barcelona: Elsevier; 2014. Pp. 109-20.) trazem um panorama sobre como a comunidade influencia os espaços de saúde, apresentando um conceito amplo de participação, que chamam de ação social em saúde. A ação social em saúde consiste em todas as ações realizadas pela sociedade que contribuem para melhorar a sua saúde, tais como ações de autocuidado e de cuidados informais em saúde, como o cuidado de familiares, vizinhos e amigos através de saberes próprios, especialmente em locais não alcançados pelos serviços prestados pelo Estado. Ainda, envolvem outros tipos de ações, como trabalho voluntário e participação em associações além dos arranjos que são produzidos e regulados pelo próprio SAS, como os Conselhos de Saúde no Brasil (1616. Bispo JP, Serapioni M. Community participation: lessons and challenges of the 30 years of health councils in Brazil. J Glob Health. 2021;11:03061. doi: 10.7189/jogh.11.03061
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) e os Comités Locales de Administración de la Salud no Peru (1717. Iwami M, Petchey R. A CLAS act? Community-based organizations, health service decentralization and primary care development in Peru. Local Committees for Health Administration. J Public Health Med. 2002;24(4):246-51. doi: 10.1093/pubmed/24.4.246
https://doi.org/10.1093/pubmed/24.4.246...
).

Mira et al. (1818. Mira JJ, Carrillo I, Navarro I, Guilabert M, Vitaller J, Pérez-Jover V, et al. La participación ciudadana en salud. Revisión de revisiones. An Sist Sanit Navar. 2018;41(1):91-106. doi: 10.23938/assn.0172
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) analisaram 42 estudos de revisão publicados até 2016 sobre participação em saúde. Concepções teóricas distintas, aliadas à maneira como a governança é conduzida em determinado país, trazem percepções diferentes sobre o que é e como medir o impacto da participação. Nesse contexto, os autores concluem que as evidências sobre a eficácia da participação para legitimar o processo decisório e para melhorar os resultados das políticas públicas são moderadas. Entretanto, deve-se ter um olhar crítico ao analisar as evidências disponíveis sobre a participação em saúde, pois um resultado “negativo” pode significar uma variedade de fatores que contribuíram para o insucesso ou, até mesmo, a dificuldade de mensurar os efeitos. George et al. (1919. George AS, Mehra V, Scott K, Sriram V. Community participation in health systems research: a systematic review assessing the state of research, the nature of interventions involved and the features of engagement with communities. PLoS One. 2015;10(10):e0141091. doi: 10.1371/journal.pone.0141091
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), em revisão que avaliou o impacto da participação em saúde em países de média e baixa renda, argumentam que a descrição sobre quem é a comunidade e como participou das intervenções analisadas é superficial nas publicações, com baixa qualidade metodológica e sem grupo de comparação.

Arranjos participativos no campo da saúde

Fleury (2020. Fleury S. Uma rica avaliação da construção da gestão democrática da saúde no nível local. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014.) argumenta que a construção de um governo democrático impõe a necessidade de incluir os cidadãos no processo decisório. Modelos mais inovadores e responsivos de gestão são aqueles em que as relações com as pessoas são mais intrínsecas. Uma forma de ampliar a responsividade na saúde é a descentralização das ações e das decisões, sendo necessário definir as formas de participação nesses espaços. No Brasil, há um amplo debate acerca da efetividade dos arranjos participativos no campo da saúde, com estudos que discutem seu papel na democratização e no aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS) (99. Côrtes SV. Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009.). Diversos autores (99. Côrtes SV. Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009., 1515. Ahumada L, Fernandez LA. Participación e intervención comunitarias. Em: Zurro AM, Pérez JFC, Badia JG, editores. Atención primaria. Principios, organización y métodos en medicina de familia. Barcelona: Elsevier; 2014. Pp. 109-20., 2121. Cortes SMV. Céticos e esperançosos: perspectivas da literatura sobre participação e governança. Em: Pinheiro R, Mattos RA, editores. Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde. Rio de Janeiro: CEPESC; 2006. Pp. 311-42.

22. Fernandes ASR. Conselhos municipais: participação, efetividade e institucionalização - a influência do contexto político na dinâmica dos conselhos − os casos de Porto Alegre e Salvador. Cad EBAPE.BR. 2010;8(3):438-52. doi: 10.1590/S1679-39512010000300005
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23. Silva BT, Lima IMSO. Conselhos e conferências de saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Cienc Saude Coletiva. 2021;26(01):319-28. doi: 10.1590/1413-81232020261.08872019
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-2424. Fleury S, Lobato LVC. Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: CEBES; 2009.) aportam revisões da literatura em que esses arranjos são questionados em relação à capacidade de representatividade dos conselheiros; à qualidade da participação e dos processos de deliberação; ao envolvimento e à mobilização da comunidade nos espaços de participação; à capacidade desses arranjos fomentarem a troca de informações necessárias ao aprimoramento da gestão pública; e à efetividade do controle social e da fiscalização das contas públicas. Ainda, apontam problemas com autonomia, organização e desempenho no acesso, bem como falta de articulação entre os conselhos. Entretanto, nenhum desses estudos questiona a relevância da participação em saúde e dos conselhos e das conferências para o aprimoramento das políticas de saúde, afirmando sua importância e legitimidade. Ao contrário, a literatura mais recente aponta a institucionalização de mecanismos participativos como uma das principais prioridades para o avanço das práticas de participação em saúde (11. Rajan D, Rohrer K, Koch K, Soucat A. Voice, agency, empowerment: handbook on social participation for universal health coverage. Genebra: World Health Organization (WHO); 2021. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027794
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).

Participação em situações de crise

A pandemia de covid-19 é um bom exemplo para demonstrar a atualidade e a importância da participação em saúde e sua centralidade para a resiliência dos SAS. Ao revisar as respostas à covid-19 em 28 países, Haldane et al. (2525. Haldane V, De Foo C, Abdalla SM, Jung AS, Tan M, Wu S, et al. Health systems resilience in managing the COVID-19 pandemic: lessons from 28 countries. Nat Med. 2021;27(6):964-80. doi: 10.1038/s41591-021-01381-y
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) destacam a importância de avaliar a resiliência dos SAS para que os formuladores de políticas elaborem planos de recuperação sustentáveis e promovam o fortalecimento dos sistemas, tanto para atendimento da crise atual quanto de crises futuras — uma vez que a pandemia tem desafiado globalmente os SAS e as comunidades que eles atendem, demandando dos governos a criação de soluções capazes de prevenir e responder coletivamente a crises. A participação dos atores é um dos principais determinantes da resiliência de um sistema de saúde, pois se refere à capacidade de adaptação às mudanças (2525. Haldane V, De Foo C, Abdalla SM, Jung AS, Tan M, Wu S, et al. Health systems resilience in managing the COVID-19 pandemic: lessons from 28 countries. Nat Med. 2021;27(6):964-80. doi: 10.1038/s41591-021-01381-y
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, 2626. Barker KM, Ling EJ, Fallah M, VanDeBogert B, Kodl Y, Macauley RJ, et al. Community engagement for health system resilience: evidence from Liberia's Ebola epidemic. Health Policy Plan. 2020;35(4):416-23. doi: 10.1093/heapol/czz174
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).

No caso da covid-19, antes da vacina, todas as medidas de enfrentamento dependiam quase exclusivamente da adesão dos cidadãos às ações de cuidado, higiene e isolamento e, após a vacina, dependiam da adesão à vacinação. Além disso, como a covid-19 atingiu desigualmente determinados grupos sociais, a participação em saúde foi fundamental para responder às necessidades sociais, tanto por meio da organização social e do voluntariado como denunciando e pressionando as autoridades sanitárias (2727. Mao G, Fernandes-Jesus M, Ntontis E, Drury J. What have we learned about COVID-19 volunteering in the UK? A rapid review of the literature. BMC Public Health. 2021;21(1):1470. doi: 10.1186/s12889-021-11390-8
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). O coronavírus tornou mundial e evidente algo que autores já haviam identificado em diversos outros contextos, como a epidemia de Ebola (2626. Barker KM, Ling EJ, Fallah M, VanDeBogert B, Kodl Y, Macauley RJ, et al. Community engagement for health system resilience: evidence from Liberia's Ebola epidemic. Health Policy Plan. 2020;35(4):416-23. doi: 10.1093/heapol/czz174
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), guerras, conflitos políticos (2828. Ekzayez A, Al-Khalil M, Jasiem M, Al Saleh R, Alzoubi Z, Meagher K, et al. COVID-19 response in northwest Syria: innovation and community engagement in a complex conflict. J Public Health (Oxf). 2020;42(3):504-9. doi: 10.1093/pubmed/fdaa068
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), emergências e desastres (2929. Schoch-Spana M, Franco C, Nuzzo JB, Usenza C, Working Group on Community Engagement in Health Emergency Planning. Community engagement: leadership tool for catastrophic health events. Biosecur Bioterror. 2007;5(1):8-25. doi: 10.1089/bsp.2006.0036
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).

Um panorama das publicações sobre participação em saúde

Os documentos atuais orientadores de políticas públicas (11. Rajan D, Rohrer K, Koch K, Soucat A. Voice, agency, empowerment: handbook on social participation for universal health coverage. Genebra: World Health Organization (WHO); 2021. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027794
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, 1212. Nações Unidas Brasil. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 - Saúde e bem-estar: garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/3
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/3...
), assim como as referências teórico-metodológicas sobre os SAS de diferentes períodos (22. Yuan M, Lin H, Wu H, Yu M, Tu J, Lü Y. Community engagement in public health: a bibliometric mapping of global research. Arch Public Health. 2021;12(79):6. doi: 10.1186/s13690-021-00525-3
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, 44. Machado FV, Rech CM, Pinto RS, Romão WM, Matias MMM, Freitas GC, et al. Participação em saúde nas Américas: mapeamento bibliométrico da produção, impacto, visibilidade e colaboração. Cienc Saude Coletiva. 2023;28(2):487–500. doi: 10.1590/1413-81232023282.11412022
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, 77. Homedes N, Ugalde A. Las reformas de salud neoliberales en América Latina: una visión crítica a través de dos estudios de caso. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(3)210-20.), trazem argumentos que defendem a atualidade e a relevância da participação em saúde para a garantia do direito humano à saúde, sobretudo ao se considerarem os novos desafios do século XXI para o alcance das metas dos ODS. Cabe, então, considerar, frente à diversidade de perspectivas sobre a implementação da participação nos SAS de diferentes países: como a participação em saúde tem se refletido na produção acadêmica?

O tema da participação em saúde vem sendo objeto direto e indireto de um grande número de publicações em diversos países. Dezenas de trabalhos buscaram revisar essa produção com diferentes recortes e objetivos, aportando sínteses relevantes para sua compreensão (1818. Mira JJ, Carrillo I, Navarro I, Guilabert M, Vitaller J, Pérez-Jover V, et al. La participación ciudadana en salud. Revisión de revisiones. An Sist Sanit Navar. 2018;41(1):91-106. doi: 10.23938/assn.0172
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). A diversidade de abordagens e experiências responde aos contextos de cada país (44. Machado FV, Rech CM, Pinto RS, Romão WM, Matias MMM, Freitas GC, et al. Participação em saúde nas Américas: mapeamento bibliométrico da produção, impacto, visibilidade e colaboração. Cienc Saude Coletiva. 2023;28(2):487–500. doi: 10.1590/1413-81232023282.11412022
https://doi.org/10.1590/1413-81232023282...
). Yuan et al. (22. Yuan M, Lin H, Wu H, Yu M, Tu J, Lü Y. Community engagement in public health: a bibliometric mapping of global research. Arch Public Health. 2021;12(79):6. doi: 10.1186/s13690-021-00525-3
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) realizaram uma revisão bibliométrica da literatura científica sobre engajamento comunitário e saúde pública, recuperando 1 102 publicações de 1980 a 2020. Os autores mostram que o interesse pelo tema cresceu sistematicamente em todo o mundo, com estudos de 117 países; mesmo assim, vale notar que a metade das publicações são estadunidenses.

Para mapear o desenvolvimento das pesquisas sobre o tema nas Américas, Machado et al. realizaram um levantamento bibliométrico de artigos publicados sobre participação em saúde nesta região (44. Machado FV, Rech CM, Pinto RS, Romão WM, Matias MMM, Freitas GC, et al. Participação em saúde nas Américas: mapeamento bibliométrico da produção, impacto, visibilidade e colaboração. Cienc Saude Coletiva. 2023;28(2):487–500. doi: 10.1590/1413-81232023282.11412022
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, 3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.). Foram identificados 641 artigos em inglês, português e espanhol, sendo o mais antigo de 1956. Foi constatada uma tendência consistente de aumento no número de publicações, semelhante à verificada mundialmente (22. Yuan M, Lin H, Wu H, Yu M, Tu J, Lü Y. Community engagement in public health: a bibliometric mapping of global research. Arch Public Health. 2021;12(79):6. doi: 10.1186/s13690-021-00525-3
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). A produção sobre esse tema nas Américas se origina em um núcleo de instituições sediadas em três países (Estados Unidos, Brasil e Canadá), que concentram 83% das publicações. Observou-se também a contribuição de instituições de outros países das Américas (com destaque para Colômbia, México, Chile e Cuba), correspondendo a 13%, e de países de outros continentes que se interessam pela problemática (Inglaterra, Espanha e Portugal), correspondendo a 7% dos trabalhos. Nas publicações encontradas, observa-se que os pesquisadores de outros países estudaram fenômenos relacionados à participação em saúde nas Américas, o que também aponta para a relevância dos intercâmbios internacionais para a compreensão do tema (44. Machado FV, Rech CM, Pinto RS, Romão WM, Matias MMM, Freitas GC, et al. Participação em saúde nas Américas: mapeamento bibliométrico da produção, impacto, visibilidade e colaboração. Cienc Saude Coletiva. 2023;28(2):487–500. doi: 10.1590/1413-81232023282.11412022
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, 3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.).

Por meio da análise de termos em títulos e resumos dos artigos, os autores identificaram dois grandes enfoques sobre participação em saúde (3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.), semelhantes à categorização apontada por Morgan (3131. Morgan LM. Community participation in health: perpetual allure, persistent challenge. Health Policy Plan. 2001;16(3):221-30. doi: 10.1093/heapol/16.3.221
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) em sua revisão da literatura. De um lado, temos um olhar para a participação e o controle social mais voltado para o Estado, a cidadania, as instituições e os processos decisórios na gestão e formulação das políticas públicas. De outro lado, o olhar se volta para a comunidade e suas singularidades, personagens e demandas em saúde, articulando esses aspectos ao engajamento comunitário e aos métodos, programas e abordagens para melhor intervir nessa realidade. A pesquisa sobre participação em saúde apresenta uma miríade de conceitos e abordagens teóricas guiados por esses dois paradigmas.

Mais do que uma evolução das questões abstratas para as questões específicas, como sinalizaram Yuan et al. (22. Yuan M, Lin H, Wu H, Yu M, Tu J, Lü Y. Community engagement in public health: a bibliometric mapping of global research. Arch Public Health. 2021;12(79):6. doi: 10.1186/s13690-021-00525-3
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), a análise da evolução conceitual dessas publicações nas Américas sugere um diálogo entre os estudos sobre a participação em saúde e os problemas de cada momento histórico. O desenvolvimento histórico, o acúmulo de produções e a diversificação do campo coincidem com uma maior especificidade conceitual utilizada em resposta a problemas e fenômenos contextuais, o que aponta para a formação de consensos teórico-metodológicos mínimos e para o amadurecimento teórico das redes de pesquisadores (3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.).

Como fenômeno histórico, os estudos sobre participação em saúde dialogam e respondem a questões oportunas de seu tempo, tais como doenças infecciosas, controle de endemias e doenças crônicas, crescente especificidade dos grupos populacionais, reforma ou modernização dos SAS, transição demográfica, questões geopolíticas ou questões ambientais. Os descritores metodológicos indicam, além da hegemonia das abordagens qualitativas, o interesse crescente dos pesquisadores pelo objeto de investigação científica e pelo método de produção de conhecimento, buscando fazer da participação uma ferramenta capaz de contribuir para a gestão e o aprimoramento das políticas públicas.

A revisão bibliométrica da produção realizada no continente americano identificou um baixo volume de conexão entre autores e documentos, como demonstrado pela baixa ocorrência de coautorias, citações e referências em comum (3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.). Isso indica que a participação em saúde é, por si só, um tema menos agregador do que os problemas de saúde e contextos sociais aos quais ela se relaciona em cada estudo. Ou seja, esse tema, como ferramenta utilizada em várias frentes de estudos e intervenções, conecta menos os autores do que os problemas de saúde que orientam as práticas participativas, por exemplo. Esse aspecto reduz a integração e a aplicação dos conhecimentos sobre as formas de participação aos campos nos quais ela pode ser mais útil e efetiva. O caso dos estudos sobre conselhos e conferências no Brasil parece ser diferente, pois, ao institucionalizar e induzir um modelo de participação relativamente homogêneo em todo o país, se produziu um campo de estudos mais fortemente conectado. Entretanto, a consolidação desse campo parece minimizar a oxigenação dos modelos e teorias utilizados e, consequentemente, dos métodos participativos e dos arranjos institucionais existentes em outros contextos nacionais.

Esses achados indicam a necessidade de ampliar a visibilidade das experiências participativas, a internacionalização do intercâmbio teórico-metodológico e as comparações das práticas desenvolvidas em distintos contextos culturais e institucionais. Esse enfoque comparativo é necessário para avançar o debate no continente, colocando em diálogo diferentes experiências e resultados de pesquisa.

DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE

A universalização do direito humano à saúde, afirmando-se como propósito expresso em diversos documentos históricos e, mais recentemente, nos ODS (1212. Nações Unidas Brasil. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 - Saúde e bem-estar: garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/3
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), ainda é um desafio. Os avanços nesse campo estão associados a políticas que possibilitem, entre outros, a ampliação da APS, o desenvolvimento científico e tecnológico, a cooperação internacional e a destinação de recursos.

Houve avanços nas últimas décadas com as reformas dos SAS em diversos países. Entre os pontos comuns dessas reformas, está a proposição dos seguintes pontos: de uma estratégia de financiamento focada na APS; de mudanças nas práticas dos profissionais de saúde para enfatizar o cuidado centrado na pessoa, na família e na comunidade, o uso das práticas baseadas em evidência e o fortalecimento dos papéis desempenhados pela equipe de saúde; e do uso inovador das tecnologias disponíveis (3232. Ellner AL, Phillips RS. The coming primary care revolution. J Gen Intern Med. 2017;32(4):380-6. doi: 10.1007/s11606-016-3944-3
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).

Em relação à participação em saúde nos sistemas universais e na efetivação do direito à saúde, foram identificadas, na América Latina, diferentes experiências de participação que poderiam ser aprimoradas por intercâmbio (3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.) para comparar e colocar em diálogo essas experiências, transcendendo as fronteiras regionais e nacionais. Cada SAS, com sua organização e histórico, bem como as características culturais singulares de cada contexto, pode contribuir para ampliar nosso conhecimento sobre o tema.

Quanto à produção sobre participação em saúde nas Américas, foram identificadas frentes de pesquisa com aproximações teórico-metodológicas de maneira clara em três países (Estados Unidos, Brasil e Canadá). Nos demais países das Américas, apesar dos esforços para realizar uma busca ampla de descritores (44. Machado FV, Rech CM, Pinto RS, Romão WM, Matias MMM, Freitas GC, et al. Participação em saúde nas Américas: mapeamento bibliométrico da produção, impacto, visibilidade e colaboração. Cienc Saude Coletiva. 2023;28(2):487–500. doi: 10.1590/1413-81232023282.11412022
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, 3030. Centro de Educação e Assessoramento Popular. Revisão bibliométrica sobre a participação social em saúde nas Américas. Passo Fundo: Editora Saluz; 2022.), não foi possível detectar essa mesma tendência. Compreendemos que podem existir experiências únicas de participação em saúde nos demais países, mas que não conseguem ser sistematizadas ou divulgadas em publicações de impacto e grande circulação; ou, até mesmo, que se transformam em objetos de aprendizagem, eventos e palestras, mas não alcançam a literatura científica acessível nos indexadores mais reconhecidos mundialmente.

Destacam-se, então, duas linhas de desafios para o aprimoramento da participação em saúde: primeiro, ampliar o conhecimento, a visibilidade e a troca de experiências desenvolvidas nos diferentes territórios e países; segundo, ampliar o diálogo e a aproximação temática, teórica e metodológica das produções acadêmicas. Iniciativas como os Laboratórios de Inovação da OPAS/OMS Brasil (3333. Organização Pan-Americana da Saúde. Laboratórios de inovação. [Acessado em 14 de setembro de 2022]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/conhecimento-e-inovacao-em-saude/laboratorios-inovacao
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), bem como ações conjuntas promovidas por associações como a Asociación Latinoamericana de Medicina Social y Salud Colectiva, a Associação Nacional da Rede Unida e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, também podem ser estratégias para pensarmos sobre como a participação em saúde tem sido tratada nas políticas de saúde nos diferentes países do continente americano.

A estratégia do Laboratório de Inovação em Saúde (LIS) foi idealizada pela OPAS/OMS Brasil em 2008 para agregar uma nova ferramenta nas atividades de cooperação técnica a partir da compreensão de que diversas inovações são produzidas no SUS (3333. Organização Pan-Americana da Saúde. Laboratórios de inovação. [Acessado em 14 de setembro de 2022]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/conhecimento-e-inovacao-em-saude/laboratorios-inovacao
https://www.paho.org/pt/topicos/conhecim...
, 3434. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Conselho Nacional de Saúde. Inovações na participação em saúde: uma sociedade que constrói o SUS. Brasília, DF: OPAS, Conselho Nacional de Saúde; 2013. [Acessado em 20 de maio de 2023]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/49109/9789275717844-por.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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). O LIS tem como propósito identificar, sistematizar e divulgar essas iniciativas, aspirando tornar-se referência para a troca de conhecimentos e experiências entre gestores, trabalhadores e atores sociais. Busca, ainda, captar e documentar os conhecimentos considerados bem-sucedidos, inovadores e relevantes gerados em experiências desenvolvidas nos âmbitos de gestão, atenção e formação e que apresentam contribuições para a melhoria do processo de trabalho e dos serviços de saúde em sistemas que objetivam efetivar o direito humano à saúde. O Laboratório de Inovação Latino-Americano de Práticas de Participação Social em Saúde (3535. Organização Pan-Americana da Saúde. Laboratório de inovação latino-americano de práticas de participação social em saúde. [Acessado em 4 de dezembro de 2022]. Disponível em: https://apsredes.org/liscns/
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), lançado em outubro de 2022, poderá se constituir num mecanismo de coleta, visibilidade e socialização de experiências em prol de novos aprendizados.

Do ponto de vista da produção acadêmica, é desejável a constituição de uma rede de pesquisadores interessados no tema, aproximando discussões teórico-metodológicas e amadurecendo um campo de pesquisa em participação em saúde, na medida em que se reconhecem, nessas práticas, especificidades teóricas, metodológicas e técnicas. O desenvolvimento de seminários e eventos que congreguem pesquisadores, a ampliação nos espaços das revistas acadêmicas para esse tema e a construção de linhas de fomento que viabilizem o intercâmbio e a realização de pesquisas conjuntas e comparadas seriam iniciativas de grande valia. Um exemplo é o já citado Seminario Internacional: Experiencias y Modelos de Participación en Salud en América Latina y el Caribe, que envolveu pesquisadores de diversos países e trouxe a proposta de criação da Rede Latino-Americana de Participação em Saúde.

O alcance das metas propostas pelos ODS é responsabilidade de todos. Agentes públicos e privados e a sociedade devem compartilhar e implementar ações em todos os territórios. Fazse necessário rediscutir o papel dos SAS frente aos antigos desafios que persistem e àqueles impostos pela pandemia da covid-19 (3636. Alfaro M, Muñoz-Godoy D, Vargas M, Fuertes G, Duran C, Ternero R, et al. National health systems and COVID-19 death toll doubling time. Front Public Health. 2021;9:669038. doi: 10.3389/fpubh.2021.669038
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), em especial na América Latina e Caribe (3737. Göttems LBD, Camilo LP, Mavrot C, Mollo MLR. As reformas dos sistemas de saúde da América Latina: influências neoliberais e desafios aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Cienc Saude Coletiva. 2021;26(10):4383-96.). A participação em saúde foi um elemento central na resiliência dos SAS na pandemia, pois, sem o envolvimento direto da sociedade nas medidas de distanciamento social, no respeito à etiqueta respiratória e na busca pelos serviços de vacinação, o colapso dos SAS teria sido ainda maior (1717. Iwami M, Petchey R. A CLAS act? Community-based organizations, health service decentralization and primary care development in Peru. Local Committees for Health Administration. J Public Health Med. 2002;24(4):246-51. doi: 10.1093/pubmed/24.4.246
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). A garantia do direito universal à saúde passa necessariamente por uma sociedade consciente de seu papel em níveis local, regional, nacional e global, o que requer mais e melhores formas de participação.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Agradecimentos.

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Saúde e à Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde pelo financiamento e suporte na realização dos projetos que subsidiaram este trabalho.

  • Contribuições dos autores.
    Todos os autores conceberam a ideia original, analisaram os dados, interpretaram os resultados, escreveram e revisaram o artigo. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final.
  • Conflitos de interesse.
    Nada declarado pelos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2022
  • Aceito
    28 Abr 2023
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