Organização dos sistemas de saúde no enfrentamento à covid-19: uma revisão de escopo

Organization of healthcare systems to confront COVID-19: a scoping review

Organización de los sistemas de salud para hacer frente a la COVID-19: revisión del alcance

Jackeline da Rocha Vasques Aida Maris Peres Michele Straub Taynara Lourenço de Souza Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Identificar na literatura as evidências sobre a resposta dos gestores quanto à organização dos sistemas de saúde mundiais para enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Método.

Trata-se de uma revisão de escopo, com buscas realizadas em 11 bases de dados inseridas na Biblioteca Virtual em Saúde. A partir da pergunta norteadora “Como os gestores atuaram na organização dos sistemas de saúde para enfrentar a pandemia relacionada ao coronavírus?”, foram selecionados 11 estudos, publicados de 2019 a 2020. Os resultados foram organizados a partir das categorias do Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da covid-19 da Organização Pan-Americana da Saúde: governança da rede; modelo de atendimento; organização e gestão; financiamento/recursos.

Resultados.

Identificou-se que os gestores em países que investiram e articularam ações nas categorias do Marco de Referência, com coordenação de cuidados pela atenção primária à saúde, apresentaram melhores desfechos no enfrentamento à pandemia.

Conclusões.

Coordenar os sistemas de saúde ao nível dos cuidados primários, preparar os gestores e manter a alocação contínua de recursos financeiros para saúde são fatores importantes para garantir uma resposta satisfatória a crises como a da pandemia de covid-19.

Palavras-chave
Gestor de saúde; sistemas de saúde; atenção primária à saúde; pandemias; coronavírus

ABSTRACT

Objective.

To identify evidence in the literature on the response of managers regarding the organization of global healthcare systems to face the COVID-19 pandemic.

Method.

For this scoping review, searches were performed in 11 databases accessible through the Virtual Health Library. Eleven studies, published in 2019 and 2020, were selected based on the following guiding question: “How did managers act to organize healthcare systems to face the coronavirus pandemic?”. The results were organized in terms of the categories outlined in the Pan-American Health Organization’s Framework for the response of Integrated Health Service Delivery Networks to COVID-19: governance; model of care; organizational and management; financial allocations.

Results.

Managers in countries that invested and articulated actions in the categories of the Reference Framework, with coordination of care at the primary healthcare level, achieved better outcomes in coping with the COVID-19 pandemic.

Conclusions.

Situating the coordination of healthcare systems at the primary care level, preparing managers and ensuring the continued allocation of financial resources to healthcare are important factors to secure a satisfactory response to crises such as the covid-19 pandemic.

Keywords
Health manager; health systems; primary health care; pandemics; coronavirus

RESUMEN

Objetivo.

Hacer una búsqueda bibliográfica de la evidencia de la respuesta de los gestores en lo referente a la organización de los sistemas mundiales de salud para hacer frente a la pandemia por el nuevo coronavirus.

Método.

Se trata de una revisión del alcance, con búsquedas realizadas en 11 bases de datos disponibles en la Biblioteca Virtual de Salud. A partir de la pregunta orientadora sobre "¿cómo actuaron los gestores en la organización de los sistemas de salud para enfrentar la pandemia relacionada con el coronavirus?", se seleccionaron 11 estudios publicados en el período 2019–2020. Los resultados se organizaron a partir de las categorías del Marco de referencia de la red integrada de servicios de salud para la respuesta a la pandemia de COVID-19 de la Organización Panamericana de la Salud, a saber, gobernanza de la red, modelo de atención, organización y gestión, y financiamiento o recursos.

Resultados.

Se observó que los gestores de los países que invirtieron recursos y organizaron acciones en las categorías del marco de referencia, con la coordinación de los cuidados por medio del sistema de atención primaria de salud, obtuvieron mejores resultados en el abordaje de la pandemia.

Conclusiones.

La coordinación de los sistemas de salud en el nivel de atención primaria, la preparación de los gestores y el mantenimiento de la asignación continua de recursos financieros al sector de la salud son factores importantes para garantizar una respuesta satisfactoria a crisis como la causada por la pandemia de COVID-19.

Palabras clave
Gestor de salud; sistemas de salud; atención primaria de salud; pandemias; coronavirus

A emergência sanitária causada pelo vírus SARS-CoV-2 impôs novos desafios à complexa dinâmica dos sistemas de saúde em todo o mundo: alto potencial de contaminação, desconhecimento sobre tratamentos e abordagens farmacológicas eficazes, logística das vacinas e insuficiência da rede de serviços para atendimento aos cidadãos com agravamento dos quadros infecciosos. Esse panorama acentuou as iniquidades e resultou no colapso de muitos serviços de saúde (11. World Health Organization (WHO). Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context. WHO: 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential-health-services-2020 Acessado em 15 de abril de 2021.
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

Os sistemas de saúde são estruturados por serviços integrados, com o propósito primário de promover, restaurar e manter a saúde das populações, garantindo a proteção social a partir da organização em uma rede de atenção à saúde (22. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cienc Saude Colet. 2010. 15(5):2297-305. Available from: https://doi.org/10.1590/s1413-81232010000500005
https://doi.org/10.1590/s1413-8123201000...
). Para planejar e coordenar esses serviços e ações, a gestão de cada ente federativo e dos serviços da rede promove ações estratégicas que buscam atingir os objetivos da instituição e do governo, assim como possibilitar o acesso e a integralidade da assistência (33. Hortelan MS, Almeida ML, Fumincelli L, Zilly A, Nihei OK, Peres AM, et al. Papel do gestor de saúde pública em região de fronteira: scoping review. Acta Paul Enferm. 2019;32(2). Available from: https://doi.org/10.1590/1982-0194201900031
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...
). O contexto sanitário da covid-19 propiciou oportunidades de aprendizado nos diversos níveis de gestão dos sistemas de saúde, com reconhecimento da importância de sistemas integrados e ordenados pela atenção primária à saúde (APS), do desenvolvimento de uma cultura de gestão de risco, do estabelecimento de ações de educação permanente, da incorporação de tecnologias e da necessidade de compromisso político para garantir recursos de financiamento e gestão adequados para a manutenção e o fortalecimento do sistema em longo prazo (11. World Health Organization (WHO). Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context. WHO: 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential-health-services-2020 Acessado em 15 de abril de 2021.
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

Dos gestores de saúde, demandam-se a articulação e a adoção de respostas rápidas e coordenadas para o enfrentamento de emergências públicas (44. Santos AO, Lopes LT, organizadores. Planejamento e gestão. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS): 2021. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/volume-2-planejamento-e-gestao/ Acessado em 28 de janeiro de 2021.
https://www.conass.org.br/biblioteca/vol...
), considerando-se o conjunto de ações a serem desenvolvidas para o manejo dessas emergências, controlando riscos e reduzindo ao máximo suas consequências sobre a saúde, envolvendo a execução de ações necessárias para resultado oportuno. Quando as ameaças são conhecidas, são recomendáveis a preparação e o desenvolvimento da capacidade de resposta, visando ampliar a eficiência e a eficácia da intervenção de saúde em cenários desfavoráveis (55. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_resposta_emergencias_saude_publica.pdf Acessado em 15 de abril de 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Diante da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) solicitaram que fosse elevado o nível de preparação dos serviços de saúde e definiram como alinhamento geral uma resposta à emergência da covid-19 por meio das redes de serviços de saúde e do foco estratégico na APS (66. Pan-American Health Organization (PAHO). Framework for the Response of Integrated Health Service Delivery Networks to COVID-19. PAHO: 2020. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52269 Acessado em 15 de abril de 2021.
https://iris.paho.org/handle/10665.2/522...
). Essas recomendações buscaram subsidiar e apoiar a organização dos sistemas e serviços de saúde por parte dos gestores durante a emergência da covid-19; recomendou-se, ainda, a utilização do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) da OMS, que foi elaborado em 1951 e revisado em 2005, e que está em vigor desde 2007, além do Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da covid-19, publicado em 2020 pela OPAS (77. Brasil, Agência Nacional de Saúde (ANVISA). Regulamento Sanitário Internacional - RSI 2005. Brasil: ANVISA; 2009. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7181json-file-1 Acessado em 10 de fevereiro de 2021.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos...
, 88. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da COVID-19. OPAS: 2020. Disponível em: https: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52255/OPASBRAIMSHSSHSCOVID-19200021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em 15 de abril de 2021.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
).

O RSI, documento orientador e instrumento jurídico internacional, objetiva prevenir, proteger, controlar e dar resposta de saúde pública mundial contra a propagação internacional de doenças; entende-se por resposta o conjunto de ações a serem desenvolvidas para o manejo da emergência, controlando os riscos e reduzindo, ao máximo, suas consequências sobre a saúde (55. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_resposta_emergencias_saude_publica.pdf Acessado em 15 de abril de 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Nesse sentido, o RSI orienta uma preparação de todos os países para o enfrentamento desses eventos, desenvolvendo, fortalecendo e mantendo capacidades essenciais de saúde pública (77. Brasil, Agência Nacional de Saúde (ANVISA). Regulamento Sanitário Internacional - RSI 2005. Brasil: ANVISA; 2009. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7181json-file-1 Acessado em 10 de fevereiro de 2021.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos...
). O Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da covid-19 é resultado de uma adaptação do referencial de Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS), um guia de referência para orientar recomendações de planejamento, organização e gestão das redes de serviços de saúde. Esse guia busca apoiar a preparação, a contenção, a resposta e a mitigação da emergência da covid-19, envolvendo pessoas, famílias, comunidades e outros atores setoriais e intersetoriais (88. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da COVID-19. OPAS: 2020. Disponível em: https: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52255/OPASBRAIMSHSSHSCOVID-19200021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em 15 de abril de 2021.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
).

Diante dessa breve contextualização, e considerando as recomendações da OPAS e da OMS, destaca-se a necessidade de organização dos serviços de atenção à saúde de forma integrada, com definição de papéis e fluxos, tanto para o atendimento da covid-19 como para o enfrentamento das mais diversas necessidades de saúde que se manifestam (99. Lins MZS. Estudos sobre a planificação da atenção à saúde no Brasil. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2020. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/cd-36-estudos-sobre-a-planificacao-da-atencao-a-saude-no-brasil-2008-a-2019-uma-revisao-de-escopo/ Acessado em 15 de abril de 2021.
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). Assim, o objetivo deste estudo foi identificar na literatura as evidências sobre as respostas dos gestores na organização dos sistemas de saúde mundiais no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão de escopo, desenvolvida conforme o método proposto pelo Instituto Joanna Briggs (JBI) e as recomendações para relato do guia internacional PRISMA para revisões de escopo (1010. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): Checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-473. doi: 10.7326/M18-0850
https://doi.org/10.7326/M18-0850...
). A revisão de escopo permite o mapeamento abrangente de determinado tema, com identificação de evidências científicas, de oportunidades para pesquisas futuras e de lacunas no conhecimento (1111. Peters MDJ, Marnie C, Tricco AC, Pollock D, Munn Z, Alexander L, et al. Updated methodological guidance for the conduct of scoping reviews. JBI Evid Implement. 2021;19(1):3-10. Available from: https://doi.org/10.1097/XEB.0000000000000277
https://doi.org/10.1097/XEB.000000000000...
).

A pergunta de pesquisa foi formulada a partir da definição da população (gestores de saúde); do conceito a ser investigado (organização dos sistemas de saúde); e do contexto de interesse (pandemia/coronavírus). Chegou-se, assim, à seguinte pergunta: “Como os gestores atuaram na organização dos sistemas de saúde para enfrentar a pandemia relacionada ao coronavírus?”. Foram incluídos artigos primários, estudos de caso e relatos com abordagem quantitativa e/ou qualitativa, publicados em inglês, português, espanhol e francês, que abordassem especificamente a atuação dos gestores na organização dos sistemas de atenção à saúde mundial no enfrentamento da pandemia relacionada ao novo coronavírus. Estabeleceu-se como limite temporal de publicação o intervalo de 2019 a 2020, justificado pela necessidade de verificar estudos acerca da resposta dos gestores ao enfrentamento da pandemia relacionada à covid-19. Excluíram-se da amostra artigos que não atendiam à pergunta de pesquisa, que se referiam a um nível de atenção específico dos sistemas de saúde, documentos com orientações para apoiar a gestão na organização dos sistemas de saúde em situações de emergência em saúde pública, resumos e anais de congressos, editoriais e estudos de revisão.

Estratégia de busca

O mapeamento dos estudos, a partir da estratégia de busca (figura 1), foi realizado nas seguintes bases de dados: Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Collection of the Library of the Pan American Health Organization, Coleção Nacional das Fontes de Informação do Sistema Único de Saúde (COLECIONASUS), Centro Nacional de Informação de Ciências Médicas de Cuba (CUMED), Bibliografia Brasileira de Odontologia (BBO), Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências de Saúde (IBECS), História da saúde (HISA), MedRix, SciELO Preprints e Secretaria Municipal de São Paulo. Essas 11 bases de dados foram acessadas pelo portal de periódicos da CAPES, no acervo da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS - https://bvsalud.org/).

Seleção dos estudos

Após a busca, todos os estudos triados foram agrupados no gerenciador de referências Mendeley, sendo as duplicatas identificadas e removidas. Para a seleção dos estudos, duas autoras realizaram a análise do título e dos resumos de modo independente e, posteriormente, a leitura dos artigos na íntegra (JRV, TLS). Em caso de dúvida ou discordância, a decisão sobre inclusão ou não do estudo foi por análise da terceira autora (MS) e, se a divergência persistisse, por consenso.

Extração e análise dos dados

As características e os dados dos artigos selecionados foram extraídos em uma planilha Excel® com as seguintes informações: ano, autores, país, base de dados, tipo de estudo, idioma, periódico, área da revista, objetivo, principais ações desenvolvidas e principais conclusões. Na etapa final, para facilitar a estruturação dos resultados, estabeleceram-se como categorias temáticas as quatro categorias do documento Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da covid-19 (88. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da COVID-19. OPAS: 2020. Disponível em: https: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52255/OPASBRAIMSHSSHSCOVID-19200021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em 15 de abril de 2021.
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).

RESULTADOS

A busca nas bases de dados identificou 195 artigos potencialmente elegíveis. Com a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 11 artigos foram selecionados para compor a amostra final desta revisão de escopo, conforme a figura 2.

Oito estudos foram publicados em inglês, dois, em português e um, em francês. Os países dos autores foram: Coreia do Sul, China, Turquia, Brasil, Índia, Portugal, Suíça, Austrália e Canadá. A tabela 1 apresenta os principais achados sobre os estudos incluídos, que tiveram o desenho observacional retrospectivo como predominante. Todos os estudos (n = 11) indicaram respostas dos gestores relacionadas a governança, modelo de atendimento, organização e gestão e financiamento para organização dos sistemas de saúde de cada país no enfrentamento à pandemia da covid-19. A experiência de surtos, epidemias e/ou pandemias anteriores embasou a resposta da China, Coreia do Sul e Turquia.

A partir das respostas dos gestores mapeadas nesta revisão, definiram-se como categorias temáticas preestabelecidas aquelas contempladas nos documentos que orientam a saúde mundial (RSI e Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da covid-19) no controle de surtos e na adequação de ações nacionais conforme as características econômicas, políticas e epidemiológicas de cada país (44. Santos AO, Lopes LT, organizadores. Planejamento e gestão. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS): 2021. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/volume-2-planejamento-e-gestao/ Acessado em 28 de janeiro de 2021.
https://www.conass.org.br/biblioteca/vol...
). Essas categorias foram denominadas: governança da rede; modelo de atendimento; organização e gestão; financiamento/recursos (88. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da COVID-19. OPAS: 2020. Disponível em: https: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52255/OPASBRAIMSHSSHSCOVID-19200021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em 15 de abril de 2021.
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).

Quatro artigos (1212. Lee SM, Lee D. Lessons Learned from Battling COVID-19: The Korean Experience. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(20):7548. doi: 10.3390/ijerph17207548
https://doi.org/10.3390/ijerph17207548...

13. Choi H, Cho W, Kim M-H, Hur J-Y. Public health emergency and crisis management: case study of SARS-CoV-2 outbreak. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):3984. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph17113984
https://doi.org/10.3390/ijerph17113984...

14. Liu Y, Saltman RB. Policy lessons from early reactions to the COVID-19 virus in China. Am J Public Health. 2020;110(8):1145-1148. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph17113984
https://doi.org/10.3390/ijerph17113984...
-1515. Demirbilek Y, Pehlivantürk G, Özgüler ZÖ, Alp Mese E. COVID-19 outbreak control, example of ministry of health of Turkey. Turk J Med Sci. 2020;50(SI-1):489–94. Available from: https://doi.org/10.3906/sag-2004-187
https://doi.org/10.3906/sag-2004-187...
) enquadraram-se na categoria governança, dois realizados na Coreia do Sul, um na China e um na Turquia. Conforme os estudos (1212. Lee SM, Lee D. Lessons Learned from Battling COVID-19: The Korean Experience. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(20):7548. doi: 10.3390/ijerph17207548
https://doi.org/10.3390/ijerph17207548...
, 1313. Choi H, Cho W, Kim M-H, Hur J-Y. Public health emergency and crisis management: case study of SARS-CoV-2 outbreak. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):3984. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph17113984
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), a Coreia do Sul deu uma resposta insatisfatória frente a epidemias infecciosas anteriores, como no caso da síndrome respiratória aguda grave (SARS), influenza A (H1N1) e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), revelando a sua fragilidade em relação à gestão de crises. Contudo, o país se preparou para futuras emergências epidêmicas estabelecendo infraestrutura voltada à modernização do sistema de saúde, que sustentou as ações da gestão durante a pandemia de covid-19, fortalecendo o sistema de saúde local. Os gestores sul-coreanos enfrentaram a pandemia de covid-19 com ações preventivas por meio da implementação de parcerias público-privadas e da ampliação de ambientes para fortalecer discussões vinculadas à tomada de decisão (tabela 1). O gestor nacional foi o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (KCDC), desenvolvendo e coordenando ações (1212. Lee SM, Lee D. Lessons Learned from Battling COVID-19: The Korean Experience. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(20):7548. doi: 10.3390/ijerph17207548
https://doi.org/10.3390/ijerph17207548...
, 1313. Choi H, Cho W, Kim M-H, Hur J-Y. Public health emergency and crisis management: case study of SARS-CoV-2 outbreak. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):3984. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph17113984
https://doi.org/10.3390/ijerph17113984...
).

Na China (1414. Liu Y, Saltman RB. Policy lessons from early reactions to the COVID-19 virus in China. Am J Public Health. 2020;110(8):1145-1148. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph17113984
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), o enfrentamento de epidemias respiratórias anteriores, como a de SARS, em 2003, incentivou o governo a investir mais recursos na atenção primária e a responder de forma mais rápida à pandemia de covid-19. A resposta do Centro Chinês para o Controle e Prevenção de Doenças (CCDC) foi elaborada em três fases: investigação e avaliação do potencial da pandemia; centralização das estratégias de controle; e medidas de restrições desenvolvidas pelo próprio governo (tabela 1). Como crítica, o estudo afirma que a demora na implementação da segunda fase, de centralização das ações, aconteceu tardiamente e prejudicou a resposta frente à doença (1414. Liu Y, Saltman RB. Policy lessons from early reactions to the COVID-19 virus in China. Am J Public Health. 2020;110(8):1145-1148. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph17113984
https://doi.org/10.3390/ijerph17113984...
).

FIGURA 2.
Fluxograma PRISMA do processo de seleção dos estudos sobre organização dos sistemas de saúde no enfrentamento da covid-19

O primeiro caso de covid-19 na Turquia ocorreu em março de 2020 (1515. Demirbilek Y, Pehlivantürk G, Özgüler ZÖ, Alp Mese E. COVID-19 outbreak control, example of ministry of health of Turkey. Turk J Med Sci. 2020;50(SI-1):489–94. Available from: https://doi.org/10.3906/sag-2004-187
https://doi.org/10.3906/sag-2004-187...
). Naquele país, as medidas de enfrentamento foram realizadas de forma precoce, baseadas em um plano nacional, publicado em 2006 e adaptado para a pandemia da influenza A em 2009. Como medidas diante do surto, o país implementou ações preventivas, comunicação entre atores intersetoriais e educação permanente entre profissionais e comunidade. Entre as ações restritivas, foram incorporados o monitoramento e a avaliação dos casos suspeitos e confirmados (tabela 1). A resposta rápida em relação à covid-19 não eliminou os desafios vivenciados na pandemia, mas facilitou o alcance dos resultados positivos do país (1515. Demirbilek Y, Pehlivantürk G, Özgüler ZÖ, Alp Mese E. COVID-19 outbreak control, example of ministry of health of Turkey. Turk J Med Sci. 2020;50(SI-1):489–94. Available from: https://doi.org/10.3906/sag-2004-187
https://doi.org/10.3906/sag-2004-187...
).

Para a segunda categoria de análise, denominada modelo de atendimentos, foram encontradas referências sobre Brasil, Índia, Portugal e Suíça (1616. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Adamy EK, Toso BRGO, Souza JB. 200 años de Florence y los retos de la gestión de las prácticas de enfermería en la pandemia COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3358. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3358
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3...

17. Sadanandan R. Kerala´s response to COVID-19. Indian J Public Health. 2020;64(Supplement):S99–101. Available from: https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_459_20
https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_459_20...

18. Ventura-Silva JMA, Ribeiro OMPL, Santos MR, Faria ACA, Monteiro MAJ, Vandresen L. Planejamento organizacional no contexto de pandemia por COVID-19: implicações para a gestão em enfermagem. J Health NPEPS. 2020;5(1):1-18.
-1919. Mazouri-karker S, Vendeuvre LP, Sandoval J, Regard S, Braillard O, Guessous I, et al. Télémédecine au cœur des dispositifs de gestion de la crise COVID-19. Rev Med Suisse. 2020;16(706):1699–702. doi: 10.53738/REVMED.2020.16.706.1699
https://doi.org/10.53738/REVMED.2020.16....
). No Brasil (1616. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Adamy EK, Toso BRGO, Souza JB. 200 años de Florence y los retos de la gestión de las prácticas de enfermería en la pandemia COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3358. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3358
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3...
), as medidas implementadas em uma macrorregião de saúde na região Sul foram voltadas à reorganização das unidades básicas de saúde de forma preventiva, com atendimento de casos ou possíveis casos da doença, utilização de equipamentos de proteção individual e capacitação dos profissionais de saúde. Ampliaram-se ações guiadas por modelos assistenciais de enfermagem em um modelo de sistema de saúde descentralizado (1616. Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Adamy EK, Toso BRGO, Souza JB. 200 años de Florence y los retos de la gestión de las prácticas de enfermería en la pandemia COVID-19. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3358. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3358
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4576.3...
).

TABELA 1.
Caracterização da resposta dos gestores à pandemia da covid-19 a partir de revisão da literatura

A resposta do estado de Kerala, localizado no sul da Índia, teve início em meados de janeiro. Diferentemente do restante do país, esse estado possui um forte sistema de saúde, com alta confiança e apoio social ao governo, segundo a literatura (1717. Sadanandan R. Kerala´s response to COVID-19. Indian J Public Health. 2020;64(Supplement):S99–101. Available from: https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_459_20
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). Após inundações e outros surtos no passado, comitês de crise para o monitoramento e avaliação da resposta foram desenvolvidos, além do fortalecimento de ações educacionais e comunicação intersetorial diante da crise. Desse modo, Kerala provou a sua capacidade de gerenciar crises sanitárias e consequentemente demonstrou a resiliência de seu sistema de saúde. A partir do investimento do governo e colaboração da população, o estado obteve bons resultados no controle da covid-19 (1717. Sadanandan R. Kerala´s response to COVID-19. Indian J Public Health. 2020;64(Supplement):S99–101. Available from: https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_459_20
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).

Um estudo (1818. Ventura-Silva JMA, Ribeiro OMPL, Santos MR, Faria ACA, Monteiro MAJ, Vandresen L. Planejamento organizacional no contexto de pandemia por COVID-19: implicações para a gestão em enfermagem. J Health NPEPS. 2020;5(1):1-18.) versou sobre a atuação da Direção Geral de Saúde de Portugal, tendo a enfermagem na coordenação de medidas para a abordagem de pacientes com covid-19. Medidas hospitalares voltadas à ampliação de espaços e quantitativo de atendimentos, organização dos fluxos e ações para redução da transmissibilidade do vírus e capacitação dos profissionais de saúde foram adotadas no enfrentamento à pandemia, incluindo pacientes com condições crônicas no atendimento, o que permitiu uma boa reorganização e controle das infecções nesse sistema de saúde (1818. Ventura-Silva JMA, Ribeiro OMPL, Santos MR, Faria ACA, Monteiro MAJ, Vandresen L. Planejamento organizacional no contexto de pandemia por COVID-19: implicações para a gestão em enfermagem. J Health NPEPS. 2020;5(1):1-18.).

Outro estudo (1919. Mazouri-karker S, Vendeuvre LP, Sandoval J, Regard S, Braillard O, Guessous I, et al. Télémédecine au cœur des dispositifs de gestion de la crise COVID-19. Rev Med Suisse. 2020;16(706):1699–702. doi: 10.53738/REVMED.2020.16.706.1699
https://doi.org/10.53738/REVMED.2020.16....
) abordou a utilização da telemedicina como pilar no enfrentamento à pandemia da covid-19 no Hospital Universitário de Genebra (HUG). Essa ferramenta foi incorporada pelos gestores com o objetivo de apoiar o controle de contatos, isolamento e quarentena, repassar informações sobre ações preventivas e tranquilizar os pacientes. A medida permitiu uma melhor triagem, coordenação e comunicação com pacientes positivos para covid-19 no HUG (1919. Mazouri-karker S, Vendeuvre LP, Sandoval J, Regard S, Braillard O, Guessous I, et al. Télémédecine au cœur des dispositifs de gestion de la crise COVID-19. Rev Med Suisse. 2020;16(706):1699–702. doi: 10.53738/REVMED.2020.16.706.1699
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).

Para a terceira categoria de análise, que trata de organização, gestão e fatores de gerenciamento de recursos, planejamentos estrutural e financeiro e envolve o processo de arranjo institucional de acordo com a realidade social (88. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da COVID-19. OPAS: 2020. Disponível em: https: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52255/OPASBRAIMSHSSHSCOVID-19200021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em 15 de abril de 2021.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
), dois artigos australianos foram elencados (2020. Matthews S. COVID-19 and SARS - learnings from two health systems: Australia and Canada. Healthc Q. 20208;23(2):16–7. Available from: https://doi.org/10.12927/hcq.2020.26281
https://doi.org/10.12927/hcq.2020.26281...
, 2121. Kidd MR. Five principles for pandemic preparedness: lessons from the Australian COVID-19 primary care response. Br J Gen Pract. 2020;70(696):316–7. Available from: https://doi.org/10.3399/bjgp20X710765
https://doi.org/10.3399/bjgp20X710765...
), mostrando uma ampliação do número de gestores durante a pandemia na Austrália. Outra ação organizada foi a implementação do Plano de Resposta de Emergência do Setor de Saúde Australiano para o Novo Coronavírus (covid-19), aplicado a partir de fevereiro de 2020, que gerenciou os serviços de atenção primária com base em cinco princípios formadores da estrutura para gerenciar a crise. Esses princípios mostram a organização do sistema, voltada à saúde nacional: proteção de vulneráveis; fornecimento de tratamento e suporte de serviços para afetados; continuidade de serviços regulares de saúde para toda a população; proteção e suporte dos profissionais de saúde da atenção primária; saúde mental para a comunidade e trabalhadores da APS (tabela 1) (2121. Kidd MR. Five principles for pandemic preparedness: lessons from the Australian COVID-19 primary care response. Br J Gen Pract. 2020;70(696):316–7. Available from: https://doi.org/10.3399/bjgp20X710765
https://doi.org/10.3399/bjgp20X710765...
).

A quarta e última categoria trata de financiamento. Conforme um estudo (2222. Baru RV. Health systems preparedness during COVID-19 pandemic: China and India. Indian J Public Health. 2020;64(Supplement):96–8. Available from: https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_501_20
https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_501_20...
), a China está entre os países mais bem colocados em desenvolvimento humano, enquanto a Índia está entre os últimos nessa lista. Considerando o enfrentamento da pandemia de covid-19, o governo da China realizou investimentos voltados à promoção da atenção primária na tentativa de desfazer o seu legado histórico de atendimento hospitalar aos pacientes. Mesmo com recursos destinados à atenção primária e à integração do sistema de saúde chinês, a fragmentação no atendimento se manteve durante a pandemia. Na Índia, a falta de investimento do governo na saúde refletiu-se em ausência de recursos para o desenvolvimento das ações educacionais e estruturais para o atendimento populacional, além da escassez de insumos básicos no sistema de saúde (tabela 1), resultando em um sistema fraco e com problemas na administração da pandemia (2222. Baru RV. Health systems preparedness during COVID-19 pandemic: China and India. Indian J Public Health. 2020;64(Supplement):96–8. Available from: https://doi.org/10.4103/ijph.IJPH_501_20
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).

DISCUSSÃO

A partir das categorias de análise (88. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Marco de Referência da Rede Integrada de Serviços de Saúde em resposta da COVID-19. OPAS: 2020. Disponível em: https: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52255/OPASBRAIMSHSSHSCOVID-19200021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em 15 de abril de 2021.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1...
) dos estudos incluídos na presente revisão de escopo, observou-se que, em relação à governança, considerada a forma pela qual as instituições são dirigidas, monitoradas e incentivadas a cumprir seu planejamento estratégico (2323. Brasil, Tribunal de Contas da União (TCU). Guia de Governança e Gestão em Saúde: aplicável a secretarias e conselhos de saúde. Brasília, DF: TCU, Secretaria de Controle Externo de Saúde; 2018. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/0A/52/94/E4/5F3F561019190A56E18818A8/GUIA%20GOVERNANCA%20EM%20SAUDE_WEB.PDF Acessado em 26 abril de 2021.
https://portal.tcu.gov.br/data/files/0A/...
), as ações intersetoriais (envolvendo setores da educação, da segurança, do desenvolvimento social e econômico, entre outros) foram desenvolvidas predominantemente em países asiáticos. A análise evidenciou também potentes parcerias para garantir as ações de apoio na emergência da covid-19.

Entretanto, o sistema de saúde coreano possui como característica principal a cobertura universal não gratuita, com alta dependência de prestadores privados (2424. Palaniappan A, Dave U, Gosine B. Comparing south Korea and Italy’s healthcare systems and initiatives to combat COVID-19. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e53. Available from: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.53
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.53...
). O sistema de saúde chinês também possui cobertura universal não gratuita, baseada na Lei do Seguro Social da China, de julho de 2011, que norteia a prestação de serviços à população (2525. Brasil, Ministério da Saúde, Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde. Saúde e Política Externa: os 20 anos da Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde (1998-2018). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_politica_externa_20_anos_aisa.pdf Acessado em 26 de abril de 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Na Turquia, a cobertura universal não gratuita é operacionalizada por descontos proporcionais de parte dos gastos com saúde da renda dos pacientes (2626. Aydogdu ALF. Pandemia ocasionada pelo novo coronavírus: sistema de saúde e medidas de enfrentamento na Turquia. J Nurs Heal. 2020;10(n.esp.):e2010400. Available from: https://doi.org/10.15210/JONAH.V10I4.18709
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). Diante da necessidade de acesso ao atendimento de saúde durante a pandemia, ressalta-se a importância da estruturação de sistemas de saúde universais que garantam a seguridade social. Para a segunda categoria, modelo de atendimento, os artigos explicam de que modo aconteceram as ações e os serviços de saúde de acordo com as necessidades dos indivíduos (2727. Fundação Oswaldo Cruz. Atendimento. PenseSUS. Disponível em: https://pensesus.fiocruz.br/atendimento Acessado em 26 de abril 2021.
https://pensesus.fiocruz.br/atendimento...
). O modelo de atendimento foi relacionado positivamente a países europeus, como Portugal e Suíça, devido à reorganização de fluxos de acolhimento dos paciente e espaços, a medidas de capacitação, à utilização de ferramentas informativas, além de gerenciamento e disponibilização de recursos.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) possui cobertura universal e gratuita para a população, sendo complementado pelo setor privado (2525. Brasil, Ministério da Saúde, Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde. Saúde e Política Externa: os 20 anos da Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde (1998-2018). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_politica_externa_20_anos_aisa.pdf Acessado em 26 de abril de 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). O país apresentou os seus primeiros casos confirmados da covid-19 em fevereiro de 2020 (2828. Cavalcante JR, Cardoso-Dos-Santos AC, Bremm JM, Lobo AP, Macário EM, Oliveira WK, et al. COVID-19 no Brasil: evolução da epidemia até a semana epidemiológica 20 de 2020. 2020;29(4):e2020376. Available from: https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000400010
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). Do ponto de vista técnico e de organização, pela estrutura do SUS, o Brasil deveria estar preparado para a resposta à emergência sanitária. Contudo, sem organização mediada pelo governo federal, estados e municípios agiram de maneira isolada (2929. Henriques CMP, Vasconcelos W. Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desencontros no combate à pandemia da Covid-19 no Brasil. Estudos Avançados. 2020;24(99):25-44. Available from: https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.003
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
). Evidencia-se que o modelo de atenção brasileiro foi fundamental à resposta, contudo com muitos desafios na governança.

Os primeiros casos de covid-19 foram notificados em março de 2020 em Portugal (3030. Vieira A, Peixoto VR, Aguiar P, Abrantes A. Rapid estimation of excess mortality during the COVID-19 pandemic in Portugal -beyond reported deaths. J Epidemiol Glob Health. 2020;10(3):209–13. Available from: https://doi.org/10.2991/jegh.k.200628.001
https://doi.org/10.2991/jegh.k.200628.00...
). Nessa data, a declaração da OMS já havia orientado sobre as medidas de enfrentamento a serem desenvolvidas. O Sistema Nacional de Saúde português oferece cobertura universal, mas não gratuita, e utiliza o setor privado como sistema complementar do atendimento (3131. Guimar JFR. Os seguros de saúde voluntários — o perfil dos utilizadores e determinantes da procura [dissertação]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Economia; 2010. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/144019745.pdf Acessado em 26 de abril de 2021.
https://core.ac.uk/download/pdf/14401974...
). Por sua vez, a Suíça teve os primeiros casos em fevereiro de 2020, posteriormente à declaração da OMS sobre a emergência em saúde (3232. Federal Office of Public Health FOPH. Current outbreaks and epidemics. Suíça: 2021. Disponível em: https://www.bag.admin.ch/bag/en/home/krankheiten/ausbrueche-epidemien-pandemien/aktuelle-ausbrueche-epidemien.html Acessado em 23 de março de 2021.
https://www.bag.admin.ch/bag/en/home/kra...
). Nesse país, o sistema de saúde oferece cobertura universal não gratuita, com obrigatoriedade de contratação do seguro de acordo com a Lei de Seguro de Doença, que estabelece os valores do atendimento de médicos e de outros prestadores de cuidados (3333. Brasil, Consulado Geral em Genebra. Assistência da Saúde nos Cantões da Suíça Romanda. Disponível em: https://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/Genebra/pt-br/file/Cartilha%20da%20Sa%C3%BAde%20at%20jul2017.pdf Acessado em 26 de abril de 2021.
https://sistemas.mre.gov.br/kitweb/dataf...
).

A terceira categoria de análise, organização e gestão, foi identificada em estudos referentes à Oceania, com ênfase na ampliação de ações e serviços, além da proteção e suporte para os profissionais da rede de atenção à saúde. Na Austrália, o Medicare, serviço público de saúde, possui como característica principal uma cobertura populacional restrita, que conta com a participação privada como meio complementar do atendimento à população (3434. Massuda A, Tasca R, Malik AM. Uso de leitos hospitalares privados por sistemas públicos de saúde na resposta à COVID-19. Saude Debate. 2020;44(spe4). Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E416
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).

Ainda sobre a capacidade de resposta dos países, a categoria financiamento trata dos recursos repassados pelo governo para custear as despesas dos serviços de saúde (3535. Fundação Oswaldo Cruz. Financiamento. PenseSUS. Disponível em: https://pensesus.fiocruz.br/financiamento Acessado em 21 de agosto de 2021.
https://pensesus.fiocruz.br/financiament...
) que, diante da pandemia, deveriam assegurar a resposta contra a doença. Essa categoria abrangeu de forma mais explícita um estudo referente à China e à Índia; a comparação entre os dois países asiáticos mostrou a disparidade de investimentos econômicos no sistema de saúde como limitadora dos resultados positivos no enfrentamento à covid-19.

Estratégias e ações articuladas em diversos âmbitos das políticas públicas e da sociedade, com comprometimento dos gestores, resiliência e articulação intersetorial, podem contribuir para uma resposta coordenada, efetiva e integrada no enfrentamento à covid-19. Antes dessa pandemia, o olhar para a saúde global não era prioridade para os governos no mundo. No relatório denominado A World at Risk, que trata de questões mundiais que aumentam as condições para circulação de vírus letais, apontam-se questões estruturais que facilitam a disseminação de patógenos, tais como Estados frágeis, mudança climática, movimentos migratórios, conflitos prolongados e falta de saneamento básico (3636. Global Preparedness Monitoring Board (GPMB). Un mundo en peligro. Informe anual sobre preparación mundial para las emergencias sanitarias. 2019. Disponível em: https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_report/GPMB_Annual_Report_Spanish.pdf Acessado em 26 abril 2021.
https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_...
).

Entre as medidas urgentes para combater e enfrentar possíveis emergências sanitárias, propõe-se que os governos assumam o compromisso de investir recursos em saúde e que as grandes economias sejam responsáveis por organizar e monitorar casos e pela construção de sistemas de saúde universais e sólidos, com preparação para o pior cenário possível, dispondo de medicamentos e condições técnicas para identificar e mapear os patógenos. É importante que países e instituições de financiamento, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, elaborem planos econômicos para que, em caso de pandemias, não haja descontrole social e econômico nos Estados (3636. Global Preparedness Monitoring Board (GPMB). Un mundo en peligro. Informe anual sobre preparación mundial para las emergencias sanitarias. 2019. Disponível em: https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_report/GPMB_Annual_Report_Spanish.pdf Acessado em 26 abril 2021.
https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_...
). Um relatório divulgado 1 mês antes do primeiro caso de coronavírus na China pela Global Preparedness Monitoring Board (um órgão independente que visa garantir a preparação para crises globais de saúde, convocado pelo Diretor-Geral da OMS e pelo Presidente do Banco Mundial) alertava o mundo para possíveis emergências sanitárias e pandemias. As orientações sobre sistemas de saúde fortes e estáveis, assim como a recomendação de modelos de proteção social que garantam o acesso à saúde para todos os cidadãos, foram posteriormente confirmadas na realidade da situação sanitária mundial. Em casos de descontrole de doenças, como nas pandemias, importa não somente a capacidade de produzir vacinas, mas também que os Estados possuam políticas de saúde para abordar as diversas áreas que possam contribuir para o controle. Por sua centralidade, a Organização das Nações Unidas (ONU) é o órgão recomendado para assumir liderança na prevenção e coordenação de respostas, na promoção de pesquisas e desenvolvimento de novas vacinas e medicamentos e no compartilhamento de informações (3636. Global Preparedness Monitoring Board (GPMB). Un mundo en peligro. Informe anual sobre preparación mundial para las emergencias sanitarias. 2019. Disponível em: https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_report/GPMB_Annual_Report_Spanish.pdf Acessado em 26 abril 2021.
https://apps.who.int/gpmb/assets/annual_...
).

O presente estudo possui limitações, como a ausência de documentos que demonstrem a articulação dos gestores para o desenvolvimento de vacinas ou planos de imunização a serem implementados para o enfrentamento da pandemia da covid-19 e de outras epidemias e pandemias. Outra limitação diz respeito às dificuldades para comparar as respostas dos gestores devido a diferenças na organização dos modelos/características dos sistemas de saúde. Ainda, não havia nos artigos uma descrição detalhada da organização dos gestores no enfrentamento de epidemias e pandemias que pudesse demonstrar a articulação de todo o sistema de saúde, nos diferentes níveis de atenção.

Em conclusão, esta revisão evidenciou que, em países onde os gestores investiram na governança da rede, no modelo de atendimento, na organização e gestão e no financiamento, houve melhores desfechos no enfrentamento à covid-19, como na Austrália, Coreia do Sul, Suíça, Turquia e Portugal. Os estudos permitem afirmar que países em desenvolvimento ou baixo desenvolvimento se depararam com maiores desafios na resposta à pandemia.

Aspectos como coordenação do sistema de saúde pela APS, telessaúde, desenvolvimento de gestores, disponibilidade de trabalhadores de saúde e qualificação desses trabalhadores podem ser diferenciais relevantes na resposta à crise da covid-19. Destaca-se a relevância do investimento público nos sistemas de saúde, com planejamento contínuo e sistemático, focado na saúde coletiva como fundamental para a sociedade. A governança do setor saúde se desenvolve em um amplo espaço político, complexo, globalizado, com contextos históricos e interesses distintos, e a atuação dos gestores deve ser mais explorada na literatura nacional e internacional.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva das autoras e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Agradecimentos.

À Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (PRPPG-UFPR) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelos recursos de pesquisa, Bolsa de Iniciação Científica e Bolsa Produtividade, disponibilizados para a implementação deste trabalho.

  • Contribuição das autoras.
    JRV, AMP, MS e TLS conceberam a ideia original e planejaram o estudo. TS e JRV coletaram os dados. JRV, MS e TS analisaram os dados, com apoio e revisão de AMP. Todas as autoras revisaram e aprovaram a versão final.
  • Financiamento.
    Esta pesquisa recebeu financiamento da Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (PRPPG-UFPR) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os financiadores não influenciaram em nenhum momento no desenho da pesquisa, na coleta ou análise de dados, na escrita ou na decisão para publicar estes resultados.
  • Conflitos de interesse.
    Nada declarado pelas autoras.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2022
  • Aceito
    31 Ago 2022
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