Sensibilidade e especificidade dos critérios epidemiológicos para definição de caso de sífilis congênita em coorte retrospectiva no Brasil

Sensitivity and specificity of epidemiological criteria for the case definition of congenital syphilis in a retrospective cohort in Brazil

Sensibilidad y especificidad de los criterios epidemiológicos para la definición de los casos de sífilis congénita en una cohorte retrospectiva en Brasil

Fabiana Ferreira dos Santos Lisiane Morelia Weide Acosta Clécio Homrich da Silva Sobre os autores

RESUMO

Objetivo.

Avaliar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para definição de sífilis congênita modificados em 2017, que excluíram o tratamento do parceiro sexual como condição para tratamento materno adequado.

Método.

No presente estudo de coorte retrospectivo, realizou-se o monitoramento epidemiológico de 503 crianças nascidas no ano de 2018, residentes em Porto Alegre, Brasil. Foram monitoradas 412 crianças notificadas como casos de sífilis congênita, incluindo os abortos e natimortos; e 91 crianças expostas à sífilis na gestação que deixaram de ser consideradas casos após a exclusão do parceiro para adequação do tratamento materno. O estudo envolveu observação do tratamento ao nascer, acompanhamento laboratorial não treponêmico até os 18 meses ou treponêmico após 18 meses e avaliação sintomatológica da doença para encerramento da coorte.

Resultados.

Identificaram-se 286 casos e 126 não casos pelo critério de caso de notificação. Entre os expostos, que não preenchiam os critérios para fins de notificação, foram identificados três casos e 88 não casos (P < 0,001). Considerando a definição atual de caso de sífilis congênita para fins de notificação, a sensibilidade foi de 98,9% (IC95%: 97,0 a 99,7), e a especificidade, 41,0% (IC95%: 34,4 a 48,0). Por sua vez, o encerramento dos casos por monitoramento teve sensibilidade de 69,4% (IC95%: 64,7 a 73,8) e especificidade de 96,7% (IC95%: 90,7 a 99,3).

Conclusão.

A definição vigente de caso de sífilis congênita para fins de notificação mostrou-se sensível, porém menos específica. Sugere-se sua revisão tendo em vista a possibilidade de perda de diagnósticos verdadeiros positivos.

Palavras-chave
Sífilis congênita; transmissão vertical de doença infecciosa; sensibilidade e especificidade; monitoramento epidemiológico

ABSTRACT

Objective.

To assess the sensitivity and specificity of the modified criteria for case definition of congenital syphilis implemented in 2017, which excluded treatment of the sexual partner as a necessary condition for adequate maternal treatment.

Methods.

This retrospective cohort study involved epidemiological monitoring of 503 children born in 2018 and living in Porto Alegre, Brazil: 412, including miscarriages and stillbirths, had been reported as congenital syphilis cases; 91, who had been exposed to syphilis during pregnancy, were no longer considered cases after partner treatment was excluded as a criterion for adequate maternal treatment. The study involved observation of treatment at birth, laboratory follow-up with non-treponemal tests up to age 18 months or treponemal tests after age 18 months, and symptom-based screening for cohort closure.

Results.

A total of 286 cases and 126 non-cases were identified using the criteria for reportable cases. Among those exposed but who did not meet the criteria for reportable cases, three cases and 88 non-cases were identified (p < 0.001). Considering the current case definition of congenital syphilis for reporting purposes, the sensitivity was 98.9% (95%CI: 97.0 to 99.7), and the specificity, 41.0% (95%CI: 34.4 to 48.0). The monitoring strategy for case closure had a sensitivity of 69.4% (95%CI: 64.7 to 73.8) and a specificity of 96.7% (95%CI: 90.7 to 99.3).

Conclusion.

The current case definition of congenital syphilis case for reporting purposes proved sensitive, but less specific. We suggest that it be reviewed in light of the possibility of missing true-positive diagnoses.

Keywords
Syphilis, congenital; infectious disease transmission, vertical; sensitivity and specificity; epidemiological monitoring

RESUMEN

Objetivo.

Evaluar la sensibilidad y la especificidad de los criterios de definición de la sífilis congénita modificados en el 2017, en los que se dejó de exigir el tratamiento de la pareja sexual como condición para considerar que la madre ha recibido un tratamiento adecuado.

Método.

En este estudio de cohorte retrospectivo se realizó un seguimiento epidemiológico de 503 niños nacidos en el 2018, residentes en Porto Alegre, Brasil. Hubo 412 niños notificados como casos de sífilis congénita, incluidos los abortos espontáneos y los mortinatos, y 91 expuestos a sífilis durante el embarazo que dejaron de considerarse casos tras dejar de considerar necesario el tratamiento de la pareja para establecer que la madre había recibido un tratamiento adecuado. El estudio incluyó la observación del tratamiento al nacer, el seguimiento de laboratorio con pruebas no treponémicas hasta los 18 meses o con pruebas treponémicas después de los 18 meses y la evaluación de los síntomas de la enfermedad al cierre de la cohorte.

Resultados.

Se identificaron 286 casos y 126 que no lo eran según el criterio de notificación establecido. Entre los expuestos que no cumplían los criterios de notificación, se identificaron 3 casos y 88 que no lo eran (p < 0,001). Teniendo en cuenta la definición actual de caso de sífilis congénita a efectos de notificación, la sensibilidad fue del 98,9% (IC 95%: de 97,0 a 99,7) y la especificidad del 41,0% (IC 95%: de 34,4 a 48,0). Por su parte, el cierre de los casos mediante seguimiento tuvo una sensibilidad de 69,4% (IC 95%: de 64,7 a 73,8) y una especificidad de 96,7% (IC 95%: de 90,7 a 99,3).

Conclusión.

La definición actual de caso de sífilis congénita a efectos de notificación resultó sensible pero menos específica. Se sugiere su modificación ante la posibilidad de perder diagnósticos positivos verdaderos.

Keywords
Syphilis, congenital; infectious disease transmission, vertical; sensitivity and specificity; epidemiological monitoring

A transmissão vertical ou sífilis congênita ocorre quando uma gestante não tratada, ou tratada inadequadamente, transmite o Treponema pallidum por via transplacentária. A probabilidade de transmissão é influenciada pelo estágio da infecção na mãe (sendo maior nos estágios primário e secundário da doença) e pelo tempo de exposição do feto. Entre os desfechos identificados estão o aborto espontâneo e o feto natimorto em mães não tratadas. Mais da metade dos casos resulta em eventos adversos graves, incluindo mortalidade infantil (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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https://doi.org/10.1590/S1679-4974202100...
).

No Brasil, as taxas de detecção de sífilis gestacional e de incidência de sífilis congênita têm apresentado uma tendência histórica crescente (55. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2023/sifilis/boletim_sifilis2023.pdf/@@download/file
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, 66. Gonçalves BB, Santos BS, Balbuino PK. Assistência do enfermeiro no manejo da sífilis congênita: Uma revisão integrativa. Belo Horizonte: FAMINAS; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://bibliotecadigital.faminas.edu.br/jspui/bitstream/10.31.16.45/441/1/TCC%20BEATRIZ%20DE%20SOUZA%20SANTOS.pdf
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). Essa mesma tendência é observada no estado do Rio Grande do Sul — entretanto, a capital desse estado, Porto Alegre, se destaca por apresentar taxas superiores às de outras capitais: 61 casos/1 000 nascidos vivos para detecção da sífilis e 39,4 casos/1 000 nascidos vivos para incidência de sífilis congênita, praticamente quatro vezes a taxa nacional (55. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2023/sifilis/boletim_sifilis2023.pdf/@@download/file
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). Essas taxas impactam os sistemas de saúde públicos e privados, destacando a necessidade de melhorar a vigilância da doença (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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, 77. Singh AE, Levett PN, Fonseca K, Jayaraman GC, Lee BE. Canadian Public Health Laboratory Network laboratory guidelines for congenital syphilis and syphilis screening in pregnant women in Canada. Can J Infect Dis Med Microbiol. 2015;26 Suppl A(Suppl A):23A-8A. doi: 10.1155/2015/589085
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8. Simms I, Tookey PA, Goh BT, Lyall H, Evans B, Townsend CL, et al. The incidence of congenital syphilis in the United Kingdom: February 2010 to January 2015. BJOG. 2017;124(1):72-77. doi: 10.1111/1471-0528.13950
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-99. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Guia para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis. 1ª ed. atualizada. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/2023/guia-certificacao-da-eliminacao-da-tv-_-eletronico-_-1a-ed-atualizada.pdf/@@download/file
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).

Nessa perspectiva, um processo de notificação qualificado a partir do estabelecimento da definição de caso é uma estratégia fundamental para a identificação dos indivíduos afetados. Também é essencial a padronização dos critérios para o monitoramento e a descrição da ocorrência do evento, buscando métodos que possibilitem um equilíbrio no que se refere a sensibilidade, especificidade e viabilidade de aplicação (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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, 88. Simms I, Tookey PA, Goh BT, Lyall H, Evans B, Townsend CL, et al. The incidence of congenital syphilis in the United Kingdom: February 2010 to January 2015. BJOG. 2017;124(1):72-77. doi: 10.1111/1471-0528.13950
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, 1010. Buehler JW. Surveillance. Em: Rothman KJ, Greenland S. Modern epidemiology. 2ª ed. Filadélfia: Lippincot-Raven: 1998.).

Desde 1992, o Brasil adota critérios epidemiológicos para a definição de caso de sífilis congênita baseados nas informações do órgão estadunidense Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Esses critérios foram atualizados em 2004 (1111. Paz LC, Pereira GF, Pinto VM, Medeiros MGPF, Matida LH, Saraceni V, et al. Nova definição de casos de Sífilis Congênita para fins de vigilância epidemiológica no Brasil, 2004. Rev Bras Enf. 2005;58(4):486–7. doi: 10.1590/S0034-71672005000400021
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, 1212. Tayra A, Matida LH, Saraceni V, Paz LC, Ramos Jr. AN. Two decades of epidemiological surveillance of congenital syphilis in Brazil: concerning the case definitions. DST. 2007;19(3-4):111-9.) e, mais recentemente, em 2017. Na última atualização, a definição de caso para notificação de sífilis congênita conservou a avaliação da história clínico-epidemiológica da mãe e/ou os critérios clínicos e laboratoriais da criança exposta; no entanto, o tratamento do parceiro sexual deixou de ser considerado como parte do tratamento adequado da mãe. Portanto, o tratamento da mãe pode ser considerado adequado quando administrada penicilina benzatina, respeitando o estadiamento da doença e o intervalo entre as doses, com início até 30 dias antes do parto, mesmo na ausência de tratamento do parceiro sexual, o que pode reduzir a sensibilidade e aumentar a especificidade para a identificação dos casos de sífilis congênita (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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). Na prática, isso significa que casos anteriormente notificados pela falta de tratamento do parceiro sexual deixam de ser notificados.

Juntamente com o não tratamento de gestantes e parceiros, outros fatores impactam os indicadores da sífilis congênita, com destaque para a não adesão ao pré-natal e as deficiências nos registros (55. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2023/sifilis/boletim_sifilis2023.pdf/@@download/file
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, 1313. Nunes PS, Zara ALDSA, Rocha DFNDC, Marinho TA, Mandacarú PMP, Turchi MD. Sífilis gestacional e congênita e sua relação com a cobertura da Estratégia Saúde da Família, Goiás, 2007-2014: um estudo ecológico. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(4):e2018127-e. doi: 10.5123/s1679-49742018000400008
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). Ademais, considerando os critérios clínicos e laboratoriais das crianças, é esperado que seus testes não treponêmicos declinem aos 3 meses de idade, devendo ser não reagentes aos 6 meses nos casos em que a criança não tiver sido infectada ou que tenha sido adequadamente tratada com benzilpenicilina potássica (cristalina) ou procaína, preferencialmente ao nascer. Para isso, e de modo a excluir o diagnóstico, é fundamental o seguimento clínico de crianças expostas e das com sífilis congênita. Nessa perspectiva, até os 18 meses, recomenda-se a realização de exames não treponêmicos; e, a partir dos 18 meses, é indicada também a realização do exame treponêmico, pois já não será mais possível detectar anticorpos maternos na criança (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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).

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a sensibilidade e a especificidade dos critérios utilizados para identificar novos casos de sífilis congênita em 2018, ano imediatamente seguinte às alterações introduzidas pelo CDC, considerando dois desfechos distintos — o desfecho de sífilis congênita conforme notificação e o desfecho de encerramento da coorte, com seguimento de doentes e expostos até depois dos 18 meses. Para tanto, foram usados dados da cidade de Porto Alegre, que apresenta uma das maiores taxas de detecção de sífilis gestacional e de incidência de sífilis congênita no Brasil. A partir dessa análise, busca-se fomentar o reforço dos sistemas de monitoramento e vigilância epidemiológica para o controle de indicadores e eliminação da sífilis congênita.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte que analisou os bancos de dados disponibilizados pela Unidade de Vigilância Epidemiológica (UVE) na Diretoria de Vigilância em Saúde (DVS) da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Os bancos de dados contêm informações sobre todas as crianças nascidas no ano de 2018, residentes no município de Porto Alegre, e notificadas como tendo sífilis congênita. Observou-se a alteração dos critérios para definição de sífilis congênita para fins de notificação. A partir dessa alteração, as crianças que não preencheram os critérios de notificação, inicialmente 100 crianças, foram inseridas em outro banco de dados no software Epi-Info para acompanhamento como crianças expostas à sífilis na gestação. O encerramento da coorte era previsto para o ano de 2020.

ção e amostra

A pesquisa enfocou dois grupos: o grupo de sífilis congênita (GSC), que incluiu pacientes inseridos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) com diagnóstico de sífilis congênita e considerados doentes, conforme a definição vigente para o agravo e sua notificação; e o grupo de expostos à sífilis na gestação (GESG), que incluiu pacientes que não confirmaram o diagnóstico de sífilis congênita no SINAN em função da mudança nos critérios para notificação do agravo, mas que, preliminarmente, foram inseridos num banco de dados para fins de seguimento por terem sido expostos à sífilis na gestação, mesmo não sendo considerados doentes.

O GSC iniciou com 521 indivíduos. No entanto, durante as investigações, foram identificados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) dois óbitos tendo a sífilis congênita como causa básica de morte. Esses casos, mesmo não notificados ao SINAN, foram acrescidos na pesquisa, resultando em 523 indivíduos. Ainda, 61 abortos e natimortos (que seriam considerados como casos de sífilis congênita tanto antes como depois da alteração dos critérios para notificação) foram mantidos no GSC mesmo sem possibilidade do seu acompanhamento, pois já estavam inseridos no SINAN. Por sua vez, o GESG iniciou com 100 indivíduos, porém houve uma exclusão por duplicidade, resultando em 99 participantes. Finalmente, em ambos os grupos, a mudança de residência para outros municípios foi critério de exclusão e resultou na perda de 111 crianças no GSC e oito no GESG (23,6%), configurando um poder amostral de aproximadamente 80%. A coorte estudada totalizou, portanto, 503 indivíduos, sendo 412 do GSC e 91 do GESG (figura 1).

FIGURA 1.
Representação gráfica da coorte com critérios de exclusão e perda de casos, estudo sobre identificação de sífilis congênita, Porto Alegre, Brasil, 2018

Logística

A organização da coleta está descrita na tabela 1. Nas análises dos dados secundários, identificou-se ausência de informações, demonstrando grande fragilidade na prática e nos registros do seguimento das crianças do GESG, apesar de esse procedimento estar indicado no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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). Por esse motivo, foi proposta a busca ativa das crianças do GESG para realização dos testes treponêmicos para encerramento dos casos, já que as crianças tinham idade superior a 18 meses na ocasião da coleta de dados. A busca ativa foi realizada pelas equipes das unidades de referência da Rede de Atenção Primária em Saúde conforme endereço de residência. Essas unidades de referência foram previamente convidadas a participar do estudo e capacitadas quanto à metodologia aplicada. Foi disponibilizado aos serviços o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para a autorização pelos responsáveis. Todos os casos expostos à sífilis na gestação que realizaram teste rápidos para sífilis tiveram o aceite por parte dos responsáveis para participação deste estudo.

TABELA 1.
Organização do processo de coleta de dados nos sistemas de informação e busca ativa de casos de sífilis congênita, Porto Alegre, Brasil, 2018 a 2020

As crianças foram consideradas casos em ambos os grupos quando apresentaram exames não treponêmicos reagentes e com qualquer titulação após os 6 meses de vida ou testes treponêmicos reagentes após os 18 meses e/ou com sinais clínicos característicos da sífilis congênita (esplenomegalia, anemia, alterações ósseas e dentárias). De outra parte, permaneceram como casos, no GSC, os abortos e natimortos, bem como aquelas crianças sem registro da realização dos referidos exames porém consideradas casos pelos novos critérios de caso de notificação.

As crianças que receberam o tratamento de sífilis congênita com benzilpenicilina ou procaína logo após o nascimento foram acompanhadas até a confirmação ou não do diagnóstico da doença. Aquelas que tiveram dois exames não treponêmicos com resultado não reagente, ou um teste treponêmico reagente após os 18 meses, foram consideradas não casos (não confirmaram o diagnóstico da doença) em ambos os grupos, com base na eficácia conferida pelo referido tratamento conforme a literatura (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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, 33. Cavalcante ANM, Araújo MAL, Nobre MA, Almeida RLF. Factors associated with inadequate follow-up of children with congenital syphilis. Rev Saude Publica. 2019;53:95. doi: 10.11606/s1518-8787.2019053001284
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, 66. Gonçalves BB, Santos BS, Balbuino PK. Assistência do enfermeiro no manejo da sífilis congênita: Uma revisão integrativa. Belo Horizonte: FAMINAS; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://bibliotecadigital.faminas.edu.br/jspui/bitstream/10.31.16.45/441/1/TCC%20BEATRIZ%20DE%20SOUZA%20SANTOS.pdf
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) (figura 1).

Os dados extraídos foram organizados em planilha Excel© com base em dicionários de variáveis pré-estabelecidos para o estudo. Após a codificação das variáveis, a planilha foi exportada para o software SPSS versão 26.0. Foi aplicada estatística descritiva analítica para variáveis categóricas, teste do quiquadrado de Pearson, correção de continuidade, razão de verossimilhança e teste exato de Fisher. Foram significativas as comparações com P < 0,05.

Considerando as frequências de casos e não casos da coorte, foram calculadas a sensibilidade e a especificidade dos critérios para definição de caso atual para notificação de sífilis congênita, conforme a última alteração, ocorrida no ano de 2017, considerando dois desfechos: presença de sífilis congênita a partir da notificação; e encerramento da coorte a partir do seguimento e encerramento dos casos em torno dos 18 meses. A sensibilidade foi calculada pela proporção de indivíduos com teste positivo na população em estudo e que de fato possuíam a doença [VP/(VP+FN)], considerados como “verdadeiros positivos” (VP), em relação ao número de doentes, que compreende a soma dos VP mais os falsos negativos (FN). A especificidade foi calculada pela proporção de indivíduos com teste negativo na população em estudo e que não possuíam a doença (verdadeiros negativos, ou VN) em relação ao número de sadios [VN/(VN+FP)], que compreende a soma dos VN mais os falsos positivos (FP).

Considerações éticas

A pesquisa iniciou após a avaliação do projeto pelos técnicos responsáveis de DVS/UVE e aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (CAAE 51643421.2.3001.5338, parecer número 5.202.249) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (CAAE 51643421.2.0000.5327, parecer número 5.090.113), de acordo com as Normas e Diretrizes Regulamentadoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução CNS 466/2012) no Brasil.

RESULTADOS

O tratamento ao nascer com penicilina cristalina ou procaína endovenosa foi realizado em 85,2% das crianças do GSC. Os 14,8% que não receberam o tratamento corresponderam aos 61 abortos e natimortos. No GESG, 100% das crianças receberam o tratamento.

O encerramento dos casos (tabela 2) com dois exames não treponêmicos não reagentes foi realizado em proporções semelhantes no GSC e no GESG (30,8% e 36,3%) (P = 0,3). Destaca-se que 94,3% dos indivíduos no GSC e 45,1% indivíduos no GESG não realizaram teste treponêmico após os 18 meses para encerramento de caso; e que ambos os grupos tiveram participantes com testes treponêmicos reagentes após os 18 meses (0,6% GSC e 2,2% GESG) (P < 0,001).

TABELA 2.
Encerramentos laboratoriais de crianças expostas à sífilis na gestação e de casos de sífilis congênita, Porto Alegre, Brasil, 2018

Considerando o encerramento da coorte, foram identificados 286 casos e 126 não casos no GSC. No GESG, grupo que não preencheu os critérios de notificação, foram identificados três casos (dois casos por teste treponêmico reagente e um caso pelos sinais clínicos de sífilis congênita) e 88 não casos de sífilis congênita (P < 0,001).

A tabela 3 mostra a distribuição dos casos e não casos para cálculo de sensibilidade e especificidade dos critérios epidemiológicos para definição de caso considerando como padrão-ouro a sífilis congênita. Por esse método, a sensibilidade dos critérios atuais foi de 98,9% (IC95%:97,0 a 99,7) e a especificidade, de 41,1% (IC95%: 34,4 a 48,0). Por sua vez, quando o encerramento dos casos por monitoramento foi utilizado como padrão-ouro, a sensibilidade foi de 69,4% (IC95%: 64,7 a 73,8) e a especificidade foi de 96,7% (IC95%: 90,7 a 99,3) (tabela 3).

TABELA 3.
Tabelas 2x2 para cálculo de sensibilidade e especificidade dos critérios para definição atual de caso de sífilis congênita para fins de notificação com dois padrões-ouro distintos, Brasil, 2018

DISCUSSÃO

É reconhecida a importância de obter dados que se aproximem o máximo possível da realidade, a partir de um processo de notificação qualificado que tem como base o estabelecimento de uma definição de caso com alta sensibilidade e especificidade — fundamental para a identificação dos indivíduos afetados — e a padronização dos critérios de monitoramento para uma melhor descrição da ocorrência do evento. No entanto, múltiplos fatores podem dificultar esse processo, como por exemplo a fragilidade dos registros dos sistemas de informação em geral e na rede de assistência. As técnicas de relacionamento de bases de dados e a busca ativa adotadas pelo presente estudo foram ferramentas essenciais para o aprimoramento das informações e o monitoramento das crianças (88. Simms I, Tookey PA, Goh BT, Lyall H, Evans B, Townsend CL, et al. The incidence of congenital syphilis in the United Kingdom: February 2010 to January 2015. BJOG. 2017;124(1):72-77. doi: 10.1111/1471-0528.13950
https://doi.org/10.1111/1471-0528.13950...
, 1111. Paz LC, Pereira GF, Pinto VM, Medeiros MGPF, Matida LH, Saraceni V, et al. Nova definição de casos de Sífilis Congênita para fins de vigilância epidemiológica no Brasil, 2004. Rev Bras Enf. 2005;58(4):486–7. doi: 10.1590/S0034-71672005000400021
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, 1717. Festa L, Prado MF, Jesuino ACS, Balda RCX, Tayra Â, Sañudo A, et al. Underreporting of unfavorable outcomes of congenital syphilis on the Notifiable Health Conditions Information System in the state of São Paulo, Brazil, 2007-2018. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(2):e2022664. doi: 10.1590/S2237-96222023000200007
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).

Diante do tratamento com penicilina administrado para a quase totalidade dos nascidos vivos após o parto, o monitoramento do seguimento da sífilis congênita é essencial para verificar o curso da doença e/ou a cura (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de...
, 33. Cavalcante ANM, Araújo MAL, Nobre MA, Almeida RLF. Factors associated with inadequate follow-up of children with congenital syphilis. Rev Saude Publica. 2019;53:95. doi: 10.11606/s1518-8787.2019053001284
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, 99. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Guia para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis. 1ª ed. atualizada. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/2023/guia-certificacao-da-eliminacao-da-tv-_-eletronico-_-1a-ed-atualizada.pdf/@@download/file
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). Os repetidos acessos das crianças expostas à sífilis na gestação, e notificadas com sífilis congênita, às unidades de saúde na primeira infância representam oportunidades perdidas de monitoramento da realização dos exames não treponêmicos, o que foi evidenciado na realização deste estudo. Por outro lado, a iniciativa acadêmica oportunizou uma parceria de sucesso entre pesquisadores, Secretaria Municipal e coordenadorias de saúde locais para execução deste estudo com presteza e agilidade nas buscas ativas, retornos e registros nos prontuários eletrônicos e-SUS, configurando-se um ponto alto para o alcance de melhores resultados. Dessa forma, percebe-se a importância da capacitação e supervisão de profissionais assistenciais visando a qualificação do seguimento do caso, um dos critérios para futuras possibilidades de progressos para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical da Sífilis (99. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Guia para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis. 1ª ed. atualizada. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/2023/guia-certificacao-da-eliminacao-da-tv-_-eletronico-_-1a-ed-atualizada.pdf/@@download/file
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).

As alterações do contexto epidemiológico com a intenção de ampliar ou reduzir os parâmetros de entrada de casos no sistema pode aumentar ou diminuir a sensibilidade e a especificidade (77. Singh AE, Levett PN, Fonseca K, Jayaraman GC, Lee BE. Canadian Public Health Laboratory Network laboratory guidelines for congenital syphilis and syphilis screening in pregnant women in Canada. Can J Infect Dis Med Microbiol. 2015;26 Suppl A(Suppl A):23A-8A. doi: 10.1155/2015/589085
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, 1010. Buehler JW. Surveillance. Em: Rothman KJ, Greenland S. Modern epidemiology. 2ª ed. Filadélfia: Lippincot-Raven: 1998., 1111. Paz LC, Pereira GF, Pinto VM, Medeiros MGPF, Matida LH, Saraceni V, et al. Nova definição de casos de Sífilis Congênita para fins de vigilância epidemiológica no Brasil, 2004. Rev Bras Enf. 2005;58(4):486–7. doi: 10.1590/S0034-71672005000400021
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), a exemplo do que foi observado com a exclusão do tratamento do parceiro sexual como critério indicativo de adequação ou não do tratamento da mãe (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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, 1414. Campos ALA, Araújo MAL, Melo SP, Andrade RFV, Gonçalves MLC. Sífilis em parturientes: aspectos relacionados ao parceiro sexual. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(9). doi: 10.1590/S0100-72032012000900002
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15. Horta HHL, Martins MF, Nonato TF, Alves I. Pré-natal do parceiro na prevenção da sífilis congênita. Rev APS. 2017;20(4):623–7.
-1616. Pagnussat M, Assis LP, Loca AP, Gomes C de F, Marinheiro JC, Souza T de. Analysis of adherence to the treatment of pregnant sexual partners with gestational syphilis, in the ABC Paulista region. Braz J Development. 200;6(9):68482–6. doi: 10.34117/bjdv6n9-332
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). Nesse sentido, a não detecção de três casos de sífilis congênita pela definição de caso atual, identificadas no monitoramento, mostrou uma perda de especificidade considerável, embora a sensibilidade tenha se mantido elevada, o que é importante para a definição de um agravo cujo rastreamento é impactado pela alta incidência. Mesmo que o número de três casos seja proporcionalmente baixo, esse achado é um alerta diante do cenário epidemiológico histórico, seja no Brasil ou no mundo (55. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2023/sifilis/boletim_sifilis2023.pdf/@@download/file
https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de...
, 66. Gonçalves BB, Santos BS, Balbuino PK. Assistência do enfermeiro no manejo da sífilis congênita: Uma revisão integrativa. Belo Horizonte: FAMINAS; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://bibliotecadigital.faminas.edu.br/jspui/bitstream/10.31.16.45/441/1/TCC%20BEATRIZ%20DE%20SOUZA%20SANTOS.pdf
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). Além disso, o presente estudo demonstrou alto potencial específico quando executado o monitoramento dos encerramentos da coorte com a realização dos exames preconizados conforme recomendações do Ministério da Saúde (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
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, 33. Cavalcante ANM, Araújo MAL, Nobre MA, Almeida RLF. Factors associated with inadequate follow-up of children with congenital syphilis. Rev Saude Publica. 2019;53:95. doi: 10.11606/s1518-8787.2019053001284
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, 66. Gonçalves BB, Santos BS, Balbuino PK. Assistência do enfermeiro no manejo da sífilis congênita: Uma revisão integrativa. Belo Horizonte: FAMINAS; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://bibliotecadigital.faminas.edu.br/jspui/bitstream/10.31.16.45/441/1/TCC%20BEATRIZ%20DE%20SOUZA%20SANTOS.pdf
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), com identificação expressiva de não casos.

FIGURA 2.
Algoritmo do acompanhamento da coorte de crianças expostas à sífilis e dos casos notificados como sífilis congênita nascidos no ano 2018 em Porto Alegre, Brasil

As perdas de crianças na população analisada devido às mudanças de município de residência representaram pouco mais de 20% e corresponderam a um poder amostral de, aproximadamente, 80%. Nesse sentido, ainda que os casos perdidos fossem encontrados e analisados como casos de sífilis congênita ou como não casos, nos respectivos grupos e variações nas perspectivas de análise, não haveria variações importantes nos parâmetros da sensibilidade e especificidade encontrados, de acordo com simulações realizadas para fins de verificação. De qualquer forma, sugerem-se novas pesquisas para embasar a revisão da definição de sífilis congênita no que tange a critérios epidemiológicos e demais indicadores, como as limitações enfrentadas na vigilância, prevenção da transmissão vertical da sífilis considerando o pré-natal e manejo de gestantes e parceiros. Entretanto, considerando as dificuldades no seguimento clínico das crianças nos primeiros meses após o nascimento, sinaliza-se como estratégia tangível e acessível a adoção do encerramento de casos com exames treponêmicos (testes rápidos para sífilis) em todas as crianças maiores de 18 meses (33. Cavalcante ANM, Araújo MAL, Nobre MA, Almeida RLF. Factors associated with inadequate follow-up of children with congenital syphilis. Rev Saude Publica. 2019;53:95. doi: 10.11606/s1518-8787.2019053001284
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, 66. Gonçalves BB, Santos BS, Balbuino PK. Assistência do enfermeiro no manejo da sífilis congênita: Uma revisão integrativa. Belo Horizonte: FAMINAS; 2023. [Acessado em 15 de outubro de 2024] Disponível em: https://bibliotecadigital.faminas.edu.br/jspui/bitstream/10.31.16.45/441/1/TCC%20BEATRIZ%20DE%20SOUZA%20SANTOS.pdf
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), expostas à sífilis na gestação ou notificadas como sífilis congênita, nas consultas de puericultura e pediatria e na Rede de Atenção Primária em Saúde (11. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022. [Acessado em 15 de outubro de 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/@@download/file
https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de...
). Tal prática se traduziria em avanços no monitoramento, com reflexos no âmbito científico e na gestão e vigilância em saúde, permitindo descartar a chance de sífilis adquirida e encerrar o caso como sendo de sífilis congênita do banco de dados do SINAN.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da

Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2024
  • Aceito
    03 Out 2024
Organización Panamericana de la Salud Washington - Washington - United States
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