Expectativa de enfermeiros brasileiros acerca do acolhimento realizado na atenção primária em saúde

Expectation of Brazilian nurses about the reception held at the primary health care

Expectativa de las enfermeras brasileñas sobre la recepción celebrada en la atención primaria de salud

Paula C. Da Costa Ana P. Rigon Francischetti-Garcia Vanessa Pellegrino-Toledo Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Conhecer as expectativas dos enfermeiros brasileiros em relação ao acolhimento realizado por eles na Atenção Primária em Saúde.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo, orientado pela vertente da fenomenologia social de Alfred Schutz.

Resultados

Os enfermeiros relatam que o acolhimento é algo distante da realidade deles, dependente da política, da gestão, da população e da estrutura física do ambiente de trabalho.

Conclusão

Os achados deste estudo mostraram que a realidade do acolhimento realizado pelo enfermeiro na atenção primária à saúde é caracterizada por atendimentos destinados a avaliação de queixas agudas, e que a solução para o acolhimento ser ideal, proporcionar mudanças na relação entre ele e o usuário, eles necessitam de capacidades distantes de sua realidade, o que foi chamado neste estudo de saída mágica. Evidenciou-se que para os enfermeiros a reorganização do acolhimento e de seu processo de trabalho depende somente de fatores externos a suas ações, esquecendo-se do seu compromisso em oferecer um cuidado humanizado e baseado na aplicação de sua competência relacional.

Palavras-chave:
Acolhimento; atenção primária à saúde; enfermagem

ABSTRACT

Objective

To know the expectations of Brazilians nurses in relation to the reception held for them at the Primary Health Care. Method: This is a qualitative study based on the social phenomenology by Alfred Schutz.

Results

The nurses report that the host is something far from their reality, dependent on policy, management, population and physical structure of the workplace.

Conclusion

The findings of this study showed that the reality of care performed by nurses in primary health care is characterized by calls for the evaluation of acute complaints, and that the solution to the host be ideal, providing changes in the relationship between him and the user they require far capabilities of its reality, which was called in this study magic output. It was evident that for nurses the reorganization of the host and their work process depends only on external factors to their actions, forgetting its commitment to provide a humanized care and based on the application of its relational competence.

Key Words:
Nurse-patient relations; primary health care; nursing

RESUMEN

Objetivo

Identificar las expectativas de los enfermeros brasileños en relación al acogimiento realizado por ellos en la Atención Primaria de Salud.

Método

Estudio cualitativo, con base en la fenomenología social de Alfred Schutz.

Resultados

Los enfermeros relatan que el acogimiento es algo lejano de la realidad de ellos, depende de la política, de la gestión, de la población y de la estructura física del ambiente de trabajo.

Conclusión

Los resultados de este estudio mostraron que la realidad del acogimiento realizado por el enfermeros en la atención primaria de salud se caracteriza por la atendencia destinados a la evaluación de quejas agudas, y la solución para que el acogimiento sea ideal, es proporcionar cambios en la relación entre él y el usuario, ellos necesitan de capacidades que están muy lejos de su realidad, que fue llamado en este estudio de salida de magia. Es cierto que para los enfermeros la reorganización del acogimiento y de su proceso de trabajo depende solamente de factores externos a sus acciones, olvidándose de su compromiso en ofrecer un cuidado humanizado y basado en la aplicación de su competencia relacional.

Palabras Clave:
Acogimiento; atención primaria de salud; enfermería

O acolhimento é uma ação técnico- assistencial que implica em mudanças na relação profissional/usuário, promovendo a reorganização dos serviços, melhorando a qualidade da assistência e tendo o paciente como eixo principal para a prestação de cuidados. Portanto, o acolhimento passa a ser visto como postura, com técnica e como reformulador do processo de trabalho (11. Oliveira LML, Tunin ASM, Silva FC. Acolhimento: concepções, implicações no processo de trabalho e na atenção em saúde. Rev. APS. 2008; 11(4):362-373..

A postura acolhedora deve se dar em todos os momentos da produção do serviço de saúde, iniciando no primeiro contato com a pessoa, envolvendo a escuta, a atenção, valorização de queixas, identificação das necessidades que podem vir a ser satisfeitas, tratamento de forma humanizada e reconhecimento do usuário como participante ativo do seu processo saúde-doença 22. Baraldi DC, Souto BGA. A demanda do Acolhimento em uma Unidade de Saúde da Família em São Carlos, São Paulo. Arq. bras. ciênc. saúde. 2011; 36(1):10-17.

3. Brehmer LCF, Verdi M. Acolhimento na Atenção Básica: reflexões éticas sobre a Atenção à Saúde dos usuários. Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(Supl.3):3569-78.
-44. Medeiros FA, de Araújo-Souza GC, Albuquerque-Barbosa AA, Clara-Costa IC. Basic health unit embracement: focusing on user satisfaction. Rev. salud pública 2010; 12(3):402-413. .

Sob a ótica do acolhimento como técnica, este possibilita ações organizadas, exigindo que os profissionais resgatem o conhecimento técnico sobre o processo saúde-doença 22. Baraldi DC, Souto BGA. A demanda do Acolhimento em uma Unidade de Saúde da Família em São Carlos, São Paulo. Arq. bras. ciênc. saúde. 2011; 36(1):10-17.,44. Medeiros FA, de Araújo-Souza GC, Albuquerque-Barbosa AA, Clara-Costa IC. Basic health unit embracement: focusing on user satisfaction. Rev. salud pública 2010; 12(3):402-413. ,66. Damasceno RF, Souza LPS, Ruas MFL, Brito PA, Silva EA, Silva JLS. Reception in the context of Family Health Strategy. J. Health Sci. Inst. 2012; 30(1):37-40..

Entretanto, na prática o acolhimento é reconhecido por atendimentos pontuais e de urgência à demanda espontânea, tendo como foco os problemas. É fragmentado e restrito aos cuidados básicos de enfermagem, caracterizando o acolhimento como um procedimento tecnicista direcionado à queixas-condutas e encaminhamentos a outros profissionais 77. Santos IMV dos, Santos AM dos. Acolhimento no Programa Saúde da Família: revisão das abordagens em periódicos brasileiros. Rev. salud pública. 2011; 13(4):703-716.

8. Santos EV, Soares NV. O acolhimento no cotidiano da saúde: um desafio para a enfermagem. Nursing (São Paulo) 2010; 12(144):236-240.
-99. Costa MAR, Cambiriba MS. Acolhimento em enfermagem: a visão do profissional e a expectativa do usuário. Cienc. Cuid. Saúde. 2010; 9(3):494-502..

Diante do exposto acima, reorganizar o processo de trabalho atual se faz necessário, para que o acolher signifique receber o outro de forma humanizada, entender o usuário como sujeito participante do seu processo de cuidar, com o objetivo de ampliar o acesso à população e melhorar a qualidade do trabalho oferecido.

Por tanto, o objetivo deste estudo é conhecer as expectativas dos enfermeiros em relação ao acolhimento realizado por eles na Atenção Primária em Saúde (APS) do município de Campinas-SP, Brasil, pois assim, o conhecimento obtido a partir dessa pesquisa, poderá nortear os enfermeiros na reorganização de seu processo de trabalho, de forma a contribuir para um acolhimento pautado na humanização do atendimento 1010. Caçador BS, Lopes FN, Pacheco LC, Alves MS, Salimena AMO. O enfermeiro na estratégia de saúde da família: percepção dos usuários. HU rev. 2012; 37(3):331-338..

METODOLOGIA

Estudo qualitativo, orientado pela vertente da fenomenologia social de Alfred Schutz. Tal abordagem possibilita desvelar o fenômeno vivido pelo sujeito no seu cotidiano, buscando a compreensão da realidade para descrever o fenômeno, neste caso, a experiência vivida e como as pessoas se percebem nela 1111. Praça SN, Merigui MAB. Pesquisa Qualitativa em Enfermagem. In: Praça SN, Merigui MAB. Abordagens Teórico-Metodológicas Qualitativas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003.

12. Cassuli Matheus MC, Fustinoni SM. Pesquisa Qualitativa em Enfermagem. 1º edição. Rio de janeiro: LMP; 2006.
-1313. Cavalheri SC, Merigui MAB, Jesus MCP de. A constituição dos modos de perceber a loucura por alunos e egressos do Curso de Graduação em Enfermagem: um estudo com o enfoque da Fenomenologia Social. Rev. bras. enferm. 2007; 60(1):9-14..

Para viver no mundo cotidiano o homem se orienta a partir da interpretação de suas possibilidades para enfrentar seus desafios. Para isto, situa-se no mundo de acordo com a história construída ao longo de sua vida. Esta história compreende os conhecimentos que lhe foram transmitidos e suas experiências subjetivas. A maneira pela qual cada homem situa-se neste mundo é denominada por Schutz de situação biográfica 1414. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD et al. A fenomenologia social de Alfred Schütz e sua contribuição para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP 2013; 47(3):736-41..

A situação biográfica é o ambiente físico e sociocultural definido pelo sujeito, dentro do qual ele tem sua posição social, moral e ideológica 1515. Wagner HR (org.) Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar; 1979.-1616. Capalbo C. Metodologia das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Antares; 1979..

O conhecimento disponível e acessível, por meio dos progenitores e educadores aliado às experiências subjetivas do homem, constitui o acervo de conhecimento, o que serve de base para a ação humana 1414. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD et al. A fenomenologia social de Alfred Schütz e sua contribuição para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP 2013; 47(3):736-41..

Ao experenciar o acolhimento, o enfermeiro traz consigo sua situação biográfica e o acervo de conhecimentos sobre a enfermagem e o cuidado, o que o faz expressar suas necessidades e lançar expectativas sobre seu atendimento.

A ação é a conduta humana projetada pelo homem de maneira intencional, dotada de propósito, manifesta ou latente 1414. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD et al. A fenomenologia social de Alfred Schütz e sua contribuição para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP 2013; 47(3):736-41.-1515. Wagner HR (org.) Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar; 1979.. Toda ação não está dissociada do mundo e é uma atividade orientada ao futuro, ao que será realizado 1717. Schutz A. Fenomenologia Del Mundo Social. Buenos Aires: Paidos; 1972. p.279. A experiência do enfermeiro que realiza acolhimento contém sua conduta projetada envolta da realidade social em que vive, no que diz respeito à forma como ele o realiza agora e como ele desejaria fazê-lo.

Na perspectiva do sociólogo Alfred Schutz, a compreensão do significado da ação humana ocorre a partir de motivos existenciais. Aos que se relacionam aos projetos, objetivos que se quer atingir são denominados "motivos para"1414. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD et al. A fenomenologia social de Alfred Schütz e sua contribuição para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP 2013; 47(3):736-41.. Este estudo busca compreender os motivos para, ou seja, as expectativas dos enfermeiros em relação ao acolhimento.

O estudo foi realizado no município de Campinas-SP, Brasil, com nove enfermeiros dos centros de saúde do distrito de saúde que estavam em exercício no momento da coleta de dados. O número de participantes não foi estabelecido previamente devido a natureza do estudo qualitativo 1818. Haber J. Amostragem. In: LoBiondo-Wood G, Haber J (org) Pesquisa em Enfermagem: Métodos, Avaliação Crítica e Utilização. 4ºedição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan ; 1998. e encerrou-se a coleta de dados quando o objetivo do estudo foi atingido e as inquietações da pesquisadora foram respondidas. Foram realizadas entrevistas entre setembro e novembro de 2013, com a questão norteadora: Como você gostaria que fosse a realização do acolhimento?. Para abordagem dos participantes utilizou-se a "bola de neve", no qual um participante indica o outro 1818. Haber J. Amostragem. In: LoBiondo-Wood G, Haber J (org) Pesquisa em Enfermagem: Métodos, Avaliação Crítica e Utilização. 4ºedição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan ; 1998..

Os dados foram analisados conforme os passos de pesquisadores da fenomenologia social 1414. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD et al. A fenomenologia social de Alfred Schütz e sua contribuição para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP 2013; 47(3):736-41.,1919. Martins L, Bicudo MAV. A modalidade Fenomenológica de Conduzir Pesquisa em Psicologia. In: Martins L, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5ºedição. São Paulo: Centauro; 2005.: leitura e releitura dos depoimentos com a finalidade de identificar os aspectos significativos referentes à experiência dos enfermeiros; identificação e posterior agrupamento desses aspectos significativos, com objetivo de compor as categorias-significados emergidos das experiências vividas 1414. Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BMRD et al. A fenomenologia social de Alfred Schütz e sua contribuição para a enfermagem. Rev. Esc. Enferm. USP 2013; 47(3):736-41.,1919. Martins L, Bicudo MAV. A modalidade Fenomenológica de Conduzir Pesquisa em Psicologia. In: Martins L, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5ºedição. São Paulo: Centauro; 2005.. A discussão e análise dos dados teve como eixo norteador literaturas relacionadas à temática do estudo e o referencial teórico da fenomenologia social de Alfred Schutz.

O estudo foi realizado em conformidade com a resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, que discorre sobre a pesquisa com seres humanos 2020. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. Brasília; 2013., sendo aprovado pelo parecer Nº 206.078.

RESULTADOS

A solução para o acolhimento ser realizado pelo enfermeiro como na teoria é trazida como algo distante da realidade deles.

[...] não sei, não sei se existe formula mágica pra gente lidar com o acolhimento [...] eu penso nisso assim diariamente, o que a gente poderia fazer, mas também não descobri ainda uma fórmula [...] (E5)

[...] acho que é um sonho, acho que é muito grande, né e é muito grande porque são... quando se fala em saúde né, como diz né a própria definição, não é só a biologia, o físico, é o social, é o econômico, é o espiritual. Então você agir em todos esse pólos eu acho que é muito, muito grande, é muito complexo [...] (E9).

Uma das saídas encontradas para que os problemas do acolhimento sejam solucionados depende da política, da gestão e da população.

[...] é muito complexo, eu não sei, acho que precisaria estruturar muito mais o país mesmo, em todos os sentidos, a educação, a segurança, a economia (E9).

[...] mas eu acho que deveria lógico ter mais pronto atendimento pra atender a população porque eu não acho que são eles que têm de pagar pela falta de estrutura, né [...] (E1).

Outra saída encontrada é que se o acolhimento é somente um local para receber queixas, então que se tenha um local específico para atendimento dessa população.

[...] É eu acho que devia ter um só e que a gente tivesse uma equipe de acolhimento, que aí o paciente não esperaria tanto, não tomaria tanto o tempo das equipes e ele seria mais direcionado [...] (E1).

[...] nesse fluxo de ser uma equipe pra acolhimento, de ter uma senha separada para acolhimento, e de nem tudo que vem ser atendido [...] (E1).

Para os enfermeiros, o acolhimento ideal, que condiz com sua função no centro de saúde, é voltado prioritariamente à perspectiva da educação e promoção da saúde.

"Eu acho que esse outro lado do acolhimento, mais da enfermagem, mais educativo, eu gostaria que fosse assim [...] mas eu gostaria que fosse assim, que a gente tivesse tempo de se dedicar àquele paciente que precisa de uma orientação" (E2).

A criação de um protocolo de atendimento seria a saída para auxiliar os enfermeiros no atendimento ao usuário.

[...] então eu acho que isso falta, eu queria que existisse uma coisa, uma sistematização, um protocolo, alguma coisa que falasse e desse mais autonomia pra nós enfermeiros [...] (E7)

[...] Então, que queria ter alguns protocolos que me auxiliassem no atendimento do usuário. (E4).

[...] mas eu acho que pra agora, pro nosso momento, pro nosso mundo, eu acho que se tivesse protocolos bem definidos pra diversas situações..... eu acho que isso seria muito bom [...] (E9).

DISCUSSÃO

Assim como em outros estudos 77. Santos IMV dos, Santos AM dos. Acolhimento no Programa Saúde da Família: revisão das abordagens em periódicos brasileiros. Rev. salud pública. 2011; 13(4):703-716.

8. Santos EV, Soares NV. O acolhimento no cotidiano da saúde: um desafio para a enfermagem. Nursing (São Paulo) 2010; 12(144):236-240.
-99. Costa MAR, Cambiriba MS. Acolhimento em enfermagem: a visão do profissional e a expectativa do usuário. Cienc. Cuid. Saúde. 2010; 9(3):494-502., os achados deste estudo mostraram que a realidade do acolhimento realizado pelo enfermeiro na atenção primária à saúde é caracterizada por atendimentos destinados a avaliação de queixas agudas, e a saída encontrada por eles para que este atendimento seja de qualidade se dá distante de suas ações, dependendo da estruturação de outros órgãos, do país, da gestão e da população.

Dessa forma, as expectativas que os enfermeiros apresentaram sobre o acolhimento que eles realizam no centro de saúde, são nomeadas neste estudo de saída mágica, uma vez que consideram que a responsabilidade de resolver as dificuldades relacionadas à realidade de seu trabalho está distante de sua ação, eles esperam que alguém dê a solução.

Para bem cuidar, o enfermeiro requer a capacidade de responsabilizar-se pelo cuidado ao usuário, compreensão de seu contexto social, suas necessidades e expectativas 2121. Zoboli ELCP. Schveitzer MC. Valores da enfermagem como prática social: uma metassíntese qualitativa. Rev. latinoam. enferm. 2013; 21(3):[08 telas].. Os enfermeiros constroem a necessidade de um acolhimento ideal que contempla mais tempo para realizar os atendimentos, demanda, estrutura física e recursos humanos adequados ao tamanho da população que é atendida por eles. Nesse sentido, nota-se que o enfermeiro atribui a responsabilidade da qualidade de seu trabalho a fatores externos a si, quando na verdade, esses deveriam ser componentes que os auxiliassem na produção do cuidado.

A reorganização dos serviços é essencial para se prestar cuidados de enfermagem e manter os processos de trabalho em ordem, evitando o desgaste dos profissionais 2121. Zoboli ELCP. Schveitzer MC. Valores da enfermagem como prática social: uma metassíntese qualitativa. Rev. latinoam. enferm. 2013; 21(3):[08 telas].. No entanto, para cuidar é preciso, além disso, é necessário competência técnica, corresponsabilização e a utilização de tecnologias leves, que possibilitem a abertura a sentimentos que envolvam o próximo, a sensibilidade por meio do interesse, do respeito, da atenção e da consideração pelo outro 2121. Zoboli ELCP. Schveitzer MC. Valores da enfermagem como prática social: uma metassíntese qualitativa. Rev. latinoam. enferm. 2013; 21(3):[08 telas].,2222. Corbani NMS, Brêtas ACP, Cassuli Matheus MC. Humanização do cuidado de enfermagem: o que é isso?. Rev. bras. enferm. 2009; 62(3):349-54..

As experiências e vivências do homem durante sua vida constituem seu estoque de conhecimento à mão e a sedimentação dessas experiências a sua situação biográfica 2323. Schutz, A. Bases da fenomenologia. In: Wagner, H. (Org). (1979) Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz . Rio de Janeiro: Zahar , 1979., dessa forma a prática do enfermeiro dessa pesquisa revela um conhecimento centrado na lógica biomédica e no cuidado fragmentado.

A interpretação da experiência vivida faz com que o enfermeiro proponha o acolhimento como um local específico para receber queixas agudas e com uma equipe específica. Isso é o revés de sua idealização, pois acolhimento não é um espaço ou local, e não presume o profissional e hora para o atendimento. É uma ação de todos profissionais que deve acontecer a todo o momento e em todos os locais da unidade 2424. Pereira AD, Freitas HMB, Ferreira CLL, Marchiori MRCT, Souza MHT, Backes DS. Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde por meio do diálogo e acolhimento. Rev. gaúcha enferm. 2010; 31(1):55-61..

Existe a necessidade de que os enfermeiros compreendam que o acolhimento não é uma etapa do processo de trabalho, mas uma ação que faz parte do processo de produção de saúde, que qualifica as relações em diferentes dimensões: relacionais, técnicas, clínicas e que deve ser trabalhado em todo encontro entre profissionais e usuários 2424. Pereira AD, Freitas HMB, Ferreira CLL, Marchiori MRCT, Souza MHT, Backes DS. Atentando para as singularidades humanas na atenção à saúde por meio do diálogo e acolhimento. Rev. gaúcha enferm. 2010; 31(1):55-61..

Ao idealizar um acolhimento somente na perspectiva da orientação, os enfermeiros demonstram que sua prática está voltada para o modelo tradicional de prevenção às doenças, no qual o enfoque é evitar a enfermidade, sendo o usuário responsável pela sua saúde 2525. Gurgel MGI, Alves MDS, Moura ERF, Pinheiro PNC, Rêgo RMV, Passos MLL. Promoção da saúde no contexto da estratégia saúde da família: concepções e práticas da enfermeira. Esc Anna Nery Rev. Enferm. 2011; 15(3):610-15.. Entretanto, a atenção básica é a porta de entrada do sistema de saúde para todas as necessidades e problemas da população, e prevenção de doenças é somente uma de suas quatro dimensões que fundamentam as ações na atenção primária em saúde, estão presentes ainda a promoção da saúde, o tratamento e a reabilitação 2626. Lopes MSV, Machado MFAS, Barroso LMM, Macêdo EMT, Costa RP, Furtado LCS. Promoção da saúde na percepção de profissionais da estratégia saúde da família. Rev. RENE. 2013; 14(1):60-70..

Há a necessidade dos enfermeiros associarem que a APS vai além do modelo preventivo, trabalha com intervenção participativa, mobilização comunitária e busca romper com o individualismo, na tentativa de mudar a situação dos indivíduos e do meio ambiente, promovendo o bem estar e a saúde 2525. Gurgel MGI, Alves MDS, Moura ERF, Pinheiro PNC, Rêgo RMV, Passos MLL. Promoção da saúde no contexto da estratégia saúde da família: concepções e práticas da enfermeira. Esc Anna Nery Rev. Enferm. 2011; 15(3):610-15.,2727. Bernardes EH, Pereira MJB, Souza NR. Atenção Primária à Saúde Diferente de Prevenção e Promoção. Ciênc. et Praxis. 2008; 1(1):47-52.. Neste contexto de cuidado, a relação do usuário com o trabalhador de saúde deve ser de proximidade, na qual está presente a atenção e a integralidade 2727. Bernardes EH, Pereira MJB, Souza NR. Atenção Primária à Saúde Diferente de Prevenção e Promoção. Ciênc. et Praxis. 2008; 1(1):47-52..

Outra saída apontada pelos enfermeiros para que o acolhimento seja como o idealizado é que se criem protocolos para nortear os atendimentos no acolhimento. No entanto, o Ministério da Saúde do Brasil tem publicação 2828. Brasil. Ministério da Saúde. Acolhimento a demanda espontânea: queixas mais comuns na Atenção Básica. Brasília (DF); 2013. a respeito das abordagens de situações comuns no acolhimento, o que nos permite inferir que, os enfermeiros desconhecem os recursos existentes.

Ressalta-se que há a necessidade de fluxos pré-definidos que orientem as possibilidades de resolução dos problemas, mas que estes priorizem o cuidado de enfermagem no contexto relacional, colocando o usuário no centro das ações do enfermeiro, uma vez que a criação de protocolos pode favorecer um acolhimento desvinculado da humanização dos serviços de saúde, da escuta qualificada e uma relação anônima com o usuário.

O autoconhecimento pode nortear e melhorar a prática dos enfermeiros, já que considera sua singularidade como ser humano e conhecendo a si mesmo. A consciência de si pode ser experimentada pelo homem em seu passado, o que, por sua vez, constitui seu conhecimento que servirá de referência para a interpretação do mundo e para possibilidades de ações futuras 1616. Capalbo C. Metodologia das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Antares; 1979.. Dessa forma, conhecer a si levará o enfermeiro a distinguir suas possibilidades e fragilidades, cooperando para um processo de cuidar com foco para além da assistência técnica, baseado no atendimento das necessidades do ser cuidado, tornando possível a aproximação entre a teoria e a prática 1010. Caçador BS, Lopes FN, Pacheco LC, Alves MS, Salimena AMO. O enfermeiro na estratégia de saúde da família: percepção dos usuários. HU rev. 2012; 37(3):331-338..

Enfatiza-se que a saída mágica está relacionada aos próprios enfermeiros, que, podem acomodar-se ao instituído ou fazer a escolha por mudanças 2929. Azambuja EP. Pires DEP. Cezar Vaz MR, Marziale MH. É possível produzir saúde no trabalho da enfermagem? Texto & contexto enferm. 2010; 19(4):658-66.. Existe uma organização pré-definida que independe do enfermeiro, mas que pode ser modificada por meio de sua interação, e outra, que depende somente do enfermeiro, no momento em que ele planeja o cuidado. É na organização do seu trabalho que o enfermeiro, pode se colocar como sujeito ativo, criativo e com autonomia no seu fazer 2929. Azambuja EP. Pires DEP. Cezar Vaz MR, Marziale MH. É possível produzir saúde no trabalho da enfermagem? Texto & contexto enferm. 2010; 19(4):658-66., sendo possível a realização de um acolhimento que reafirme os princípios do SUS e proporcione a humanização do atendimento.

O objetivo do estudo foi atingido na medida em que os enfermeiros relatam suas expectativas em relação ao acolhimento. Entretanto, evidenciou-se que para os enfermeiros a reorganização do acolhimento e de seu processo de trabalho depende somente de fatores externos a suas ações, esquecendo-se do seu compromisso em oferecer um cuidado humanizado e baseado na aplicação de sua competência relacional.

Tal fato é reafirmado quando os enfermeiros consideram que o acolhimento deveria ser somente um local para receber queixas, com protocolos que norteassem os atendimentos, não incluindo em sua prática a sua responsabilidade em cuidar do usuário, para que o mesmo tenha suas necessidades atendidas de forma integral, com a prevenção, promoção, tratamento e reabilitação da saúde, no contexto da APS.

Ressalta-se que este estudo teve como limitação o fato de ter sido realizado em uma determinada população e um contexto de sistema de saúde, recomendando-se a ampliação para outros contextos

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2014
  • Revisado
    03 Jun 2015
  • Aceito
    05 Fev 2016
Instituto de Salud Publica, Facultad de Medicina - Universidad Nacional de Colombia Bogotá - DF - Colombia
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