Instituições de longa permanência como alternativa no acolhimento das pessoas idosas

Long stay institutions as an alternative for protecting the elderly

Entidades de larga permanencia como alternativa para acoger adultos mayores

Karolina Vitorelli Diniz Lima Fagundes Michelly Ribeiro Esteves João Henrique de Morais Ribeiro Carlos Tadeu Siepierski José Vitor da Silva Maria A. Mendes Sobre os autores

RESUMO

Estudo reflexivo que enfatiza a Instituição de Longa Permanência para Idosos. Considerando a carga contextual em que se dá o processo de institucionalização em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos, o qual é escoltado por transformações na vivência da pessoa idosa. Nessa perspectiva este estudo tem como propósito refletir sobre as Instituições de Longa Permanência como alternativa no acolhimento das pessoas idosas brasileiras. Primeiramente, expõe-se sobre o envelhecimento populacional, seguido por uma breve perspectiva histórica das Instituições de Longa Permanência e o finaliza com o processo de institucionalização da pessoa idosa nas mesmas. Embora existam definições a respeito das funções e obrigações da Instituição de Longa Permanência, a influência dos aspectos negativos na vivência das pessoas idosas institucionalizadas encontra-se implícita na maioria delas, solicitando uma reestruturação desse ambiente que tem se tornado o mundo-vida de uma demanda crescente de pessoas idosas. O processo de institucionalização e a vivência do idoso na instituição são elementos de estudo fundamentais para o alcance de um entendimento aprofundado da realidade intrínseca dessa pessoa que está escrevendo o epílogo da sua história de vida.

Palavras-chave:
Instituição de longa permanência para idosos; idosos; envelhecimento da população; institucionalização; (fonte: DeCS, BIREME).

ABSTRACT

This is a reflective study on long stay institutions for elderly population. Considering the context in which the process of institutionalization in a long-stay institution for the elderly occurs, which is escorted by changes in every-day life of the elderly population, this study aims to reflect on the long-stay institutions as an alternative of sheltering for the Brazilian elderly.

First, demographic aging is analyzed, followed by a brief historical account regarding long-stay institutions, and an approach to the institutionalization process of the elderly population in these places. Although the functions and duties of long-stay institutions have been previously defined, the negative aspects that influence the experience of institutionalized elderly are evident; therefore, restructuring the environment of these type of places is necessary considering the growing demand. The institutionalization process and the experience of the elderly population admitted to these institutions are key study elements to comprehend the intrinsic reality of this population.

Key Words:
Nursing home; aged; demographic aging; institutionalization; (source: MeSH, NLM).

RESUMEN

El presente es un estudio reflexivo sobre las instituciones de larga permanencia para adultos mayores. Con base en la carga contextual que se genera alrededor del proceso de institucionalización de estas personas, el cual implica una serie de cambios en su vida cotidiana, este estudio tiene como objetivo hacer una reflexión sobre la pertinencia de estos lugares como alternativa para acoger adultos mayores brasileños.

En primer lugar, se hace un análisis sobre el proceso de envejecimiento de la población, seguido de un breve recuento histórico de las instituciones de larga permanencia, para finalizar con una descripción sobre el proceso de institucionalización. Si bien hay definiciones acerca de las funciones y obligaciones de este tipo de instituciones, los aspectos negativos que influyen en las experiencias de las personas mayores ya institucionalizadas son evidentes. En este sentido, es necesario reestructurar ese ambiente que se convierte en el diario vivir de estas personas, de el cual tiene una demanda cada vez mayor. El proceso de institucionalización y las experiencias de las personas mayores dentro la institución son elementos de estudio fundamentales para comprender a profundidad la realidad intrínseca de esta población.

Palabras Clave:
Hogares para ancianos; anciano; envejecimiento de la población; institucionalización; (fuente: DeCS, BIREME).

Este estudo reflexivo tem como ênfase a instituição de longa permanência no acolhimento da pessoa idosa. A motivação para desenvolver tal reflexão surgiu da interação com pessoas idosas institucionalizadas e com a dinâmica de trabalho dos funcionários de tal instituição.

No Brasil, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, instituída em 2006, preconiza que as intervenções de saúde voltadas à pessoa idosa se constituem de abordagem multidisciplinar e multidimensional 11. BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso/Ministério da Saúde. 2aed. Rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.,22. Silva BT, Santos SSC. Cuidados aos idosos institucionalizados - opiniões do sujeito coletivo enfermeiro para 2026. Acta Paul. Enferm. 2010; 27 (6): 775-81., devendo ser considerada a intensa relação entre fatores físicos, psicológicos, espirituais, sociais e ambientais capazes de influenciar na saúde dessa pessoa. Tal requerimento se justifica no sentido de prover não só o necessário à subsistência e segurança da pessoa idosa institucionalizada, mas igualmente promover sua autonomia, independência e relações com o mundo externo em sua cotidianidade.

Todavia, considerando a carga contextual em que se dá o processo de institucionalização em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), o qual é escoltado por transformações na vivência da pessoa idosa, emergiram algumas questões norteadoras para este estudo, sendo elas: Como foi para a pessoa idosa o início do seu processo de institucionalização na ILPI? Quais mecanismos de enfrentamento a pessoa idosa lança mão na vivência desse processo de institucionalização? Como acontece o processo de desconstrução do seu mundo-vida e sua reconstrução a partir da vivência em uma ILPI? Nesse sentido, tivemos como propósito refletir sobre a ILPI como alternativa no acolhimento das pessoas idosas brasileiras.

De tal modo, primeiramente discorremos sobre o envelhecimento populacional, seguido por uma breve perspectiva histórica da ILPI; finalizando com o processo de institucionalização da pessoa idosa nas mesmas.

O processo de envelhecimento

Nas últimas décadas têm-se presenciado maior preocupação em estudar e compreender, de forma mais intensa, o processo de envelhecimento e suas implicações, sejam individuais e/ ou sociopolíticas. Tal fato justifica-se, pois, no Brasil, bem como em todo o mundo, o envelhecimento populacional ocorre de maneira abrupta e rápida 33. Duca GFD, Cozzensa Silva M, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev. Saúde Pública. 2009; 43(5): 796-805.. O processo de envelhecimento iniciou-se em países desenvolvidos e tem constituído, contemporaneamente, um dos maiores desafios para saúde pública, principalmente em países subdesenvolvidos que ainda apresentam situações de pobreza e desigualdades sociais 44. Lima-Costa MF. Epidemiologia do Envelhecimento no Brasil. In: Rouquayrol MZ, Almeida-Filho N. Epidemiologia e Saúde. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p.499-513..

No Brasil, a pirâmide etária vem sofrendo um alargamento de seu ápice, devido à crescente população idosa, tendendo a uma retangularização 55. Veras RP, Lourenço R, Martins CSF, Sanches MA, Chaves PH. Novos paradigmas do modelo assistencial do setor saúde: consequência da explosão populacional dos idosos no Brasil. In: Veras RP. Terceira idade: Gestão contemporânea em saúde. Rio de Janeiro, Relume-Dumará: UNATI/UERJ; 2002. p.11-79. e, posteriormente, caminhará para a sua inversão. Projeções indicam que em 2020, o País Brasileiro possuirá um contingente superior a 30 milhões de pessoas idosas, alcançando a colocação de sexto país em número da população de idosos 66. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev. Saúde Pública. 2009; 43(3): 548-554.. Tal transição demográfica brasileira pode ser atribuída ao avanço tecnológico das distintas áreas humanas, mas principalmente a redução da taxa de fecundidade; o que promove uma diminuição no grupo etário jovem e, com isso, insurge o que se denomina de envelhecimento pela base 77. Berquó E. Algumas considerações demográficas sobre o envelhecimento da população do Brasil. In: Anais do I Seminário Internacional Envelhecimento Populacional: uma agenda para o final do século. Ministério da Previdência e Assistência Social. Brasília: MPAS; 1996. p.16-34..

Considerando o aumento da proporção de idosos por adultos, a longevidade da população, as dificuldades culturais e socioeconômicas relacionadas à pessoa idosa e seus cuidadores, ou mesmo a carência de um cuidador domiciliar, o comprometimento da saúde desse idoso e da família, os contraceptivos, a redução do tamanho das famílias, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a falta de tempo na vida atual, e por consequência de conflitos familiares fazem com que a demanda por Instituição de Longa Permanência para Idosos seja crescente 88. Araújo NPD, Britto Filho DCC, Santos FDLD, Costa RVD, Zoccoli TLV, Novaes MTCG. Aspectos sociodemográficos, de saúde e nível de satisfação de idosos institucionalizados no Distrito Federal. Rev. Ciênc. Méd. 2008; 17(3-6): 123-132.,99. Medeiros SAR. O lugar do velho no contexto familiar. In: Py L, Pacheco JL, Sá JLM, Goldman SN. Tempo de Envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: NAU; 2004. p.185-192.. Nesse contexto, a ILPI tornou-se alternativa importante de acolhimento de pessoas idosas, principalmente nos países em desenvolvimento, nos quais questões referentes ao tema ainda são tratadas de forma pouco resolutiva.

As Instituições de Longa Permanência

O surgimento das instituições para idosos teve seu início no Cristianismo, entre os anos de 520 e 590, pelo Papa Pelágio II, que transformou sua residência em um hospital para pessoas idosas 1010. Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas: Alínea; 2004.. Na Idade Média, pessoas que prestavam serviços assistenciais aos pobres locados em hospitais eram consideradas caritativas - religiosos ou leigos - que além de buscarem a salvação de suas almas, tinham o propósito de separar os indivíduos que poderiam representar ameaças à saúde da população. Assim, as primeiras instituições já foram elaboradas pautando-se na assistência, na formação espiritual e também na exclusão social 1111. Foucault M. Microfísica do poder. 18 ed. São Paulo: Graal; 2003., uma vez que a criação das instituições respondia ainda a uma necessidade da época, na tentativa de solucionar a problemática da mendicância, da pobreza e das doenças. Com o passar do tempo, pessoas portadoras de situações semelhantes começaram a ser tratadas de modo isolado, originando espaços próprios, como leprosários, manicômios, sanatórios, orfanatos e asilos. A princípio, os asilos tinham a função de abrigar aqueles que não se enquadravam em outras instituições, como andarilhos e pessoas idosas. Somente no final do século XX, a denominação “asilo” passou a ser substituída por “Instituição para Velhos” 1212. Ximenes MA, Côrte B. A instituição asilar e seus fazeres cotidianos: um estudo de caso. Estud. Interdiscip. Envelhec. 2007; 11: 29-52.. Contudo, o termo “asilo” continua sendo empregado nos dias atuais e com vestígios do significado primeiro de exclusão social, pois são reconhecidas como instituições voltadas ao abrigo de pessoas idosas que necessitem de um local para morar, alimentar-se e receber cuidados básicos 1313. Rezende JM. Linguagem médica: “institucionalização” do idoso [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.usuarios.cultura.com.br/jmrezende . Acesso em setembro de 2013.
http://www.usuarios.cultura.com.br/jmrez...
.

Já no Brasil Colônia, o Conde de Resende instituiu no Rio de Janeiro, em 1794, a Casa dos Inválidos, destinada a proporcionar aos soldados idosos uma velhice digna e tranquila 1010. Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas: Alínea; 2004.. Sequencialmente, o Asilo São Luiz Para A Velhice Desamparada, fundado em 1890, foi a primeira Instituição para pessoas idosas, também no Rio de Janeiro, colaborando à visibilidade da velhice 1414. Groisman D. A infância do asilo: a institucionalização da velhice no Rio de Janeiro da virada do século. (Dissertação). Rio de Janeiro: Mestrado em Saúde Coletiva, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social; 1999..

Define-se asilo, do grego ásylos e pelo latim asylu, como uma casa de assistência social onde são recolhidas pessoas pobres e desamparadas, como mendigos, crianças abandonadas, órfãos e pessoas idosas 1515. Araújo CLO, Souza LA, Faro ACM. Trajetória das instituições de longa permanência para idosos no Brasil. Enf. Rev. Eletr. 2010; 1(2): 250-262.. Devido à denominação ampla e na tentativa de minimizar aspectos negativos, como rejeição e pobreza, da designação “asilo”, no início do Milênio a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) desencadeou um movimento para o uso da expressão “Instituição de Longa Permanência para Idosos”, a qual passou a vigorar definitivamente a partir da Resolução 283 da SBGG, em 2005 1616. Pollo SHL. Instituições de longa permanência para idosos-ILPIS: desafios e alternativas no município de Rio de Janeiro. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2008; 11(1): 29-44..

ILPI é definida como estabelecimento para atendimento integral institucional, cujo público-alvo é pessoas de 60 anos ou mais, dependentes ou independentes nas atividades de vida diária, que não dispõem de condições para permanecer com a família ou em seu domicílio 1717. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Manual de funcionamento para Instituição de Longa Permanência para Idosos. São Paulo; 2003.. Ou ainda, como instituição governamental ou não governamental, que apresenta caráter residencial e visa o domicílio coletivo de indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, promovendo condições de liberdade, dignidade e cidadania 1818. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada-RDC, nº 283; 26 de setembro de 2005..

Já Goffman 1919. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. 7a ed, São Paulo: Editora Perspectiva; 2001. a classifica como uma Instituição Total, caracterizada como “... um local de residência e trabalho onde indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. Para Veras 2020. Veras R. A reestruturação do Abrigo Cristo Redentor: o macro asilo transformado em uma minicidade. PHYSIS. 1997; 7(2): 85-104., esse modelo asilar caracteriza-se por retirar os indivíduos do convívio da sociedade, estigmatizando-os como doentes. Embora existam definições a respeito das funções e obrigações da ILPI, a influência dos aspectos negativos na vivência das pessoas idosas institucionalizadas encontra-se implícita na maioria delas, solicitando uma reestruturação desse ambiente que tem se tornado o mundo-vida de uma demanda crescente de pessoas idosas.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em um levantamento realizado entre 2006 e 2009, o território brasileiro contava com 3 548 ILPI, a maior parte delas filantrópicas, com um total de 96.781 residentes, sendo a população feminina representante de 57,3 % desse total. Conquanto seja preconizada a institucionalização de pessoas acima de 60 anos na ILPI, cerca de 12% do total apresentavam idade inferior a essa. Cada ILPI abrigava 28 habitantes em média, sendo assim essa considerada uma ILPI pequena. Assim, o Brasil dispunha de um total de 109.447 leitos, dos quais aproximadamente 90 % encontravam-se ocupados, indicando que as instituições estavam operando com quase toda sua capacidade 2121. Kanso S, Camarano AA, Mello JL, Carvalho DF. As Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil. Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu-MG, Brasil, de 20 a 24 de setembro; 2010.. Os Estados com maior proporção de pessoas idosas residentes em ILPI são Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás 2222. Camarano AA, Kanso S, Pasinato MT, Mello JLE. Idosos brasileiros: indicadores de condições de vida e de acompanhamento de políticas. Brasília: Presidência da República, Subsecretaria de Direitos Humanos; 2005..

Além da classificação da ILPI conforme seus recursos financeiros, essa também pode ser diferenciada segundo o grau de especialização do atendimento, conforme indicado no Quadro 1 2323. Brasil. Portaria no 810. Normas para funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento ao idoso; 1989., o que interfere na elaboração da assistência à saúde. Isso pode ser observado na oferta das atividades lúdicas, que promovem a integração das pessoas idosas e oportunidades de exercerem seu papel social, pois se relacionam diretamente ao grau de independência dos idosos, sendo menor a oferta de atividades quanto maior o grau de dependência das pessoas. Dessa forma, enfatizam-se as intervenções por agrupamentos das pessoas idosas segundo o grau de dependência, a fim de estimular uma vivência mais próxima àquela anterior à institucionalização daqueles considerados independentes.

Quadro 1
Diferenciação das ILPI´s, segundo o grau de especialização do atendimento

O Processo de Institucionalização em uma ILPI

Alguns fatores são determinantes na institucionalização da pessoa idosa, entre eles, viuvez, morar sozinho ou ausência de companheiro, ausência de cuidador domiciliar, aposentadoria com rendimento baixo, suporte social precário, aumento de gastos com a saúde, estágios terminais de doença, alto grau de dependência física, necessidades de reabilitação 88. Araújo NPD, Britto Filho DCC, Santos FDLD, Costa RVD, Zoccoli TLV, Novaes MTCG. Aspectos sociodemográficos, de saúde e nível de satisfação de idosos institucionalizados no Distrito Federal. Rev. Ciênc. Méd. 2008; 17(3-6): 123-132.,2424. Chaimowicz F, Greco DB. Dinâmica da institucionalização de idoso em Belo Horizonte, Brasil. Rev. Saúde Pública. 1999; 33(5): 454-60.,2525. Herédia VBM, Cortelletti IA, Casara MB. Institucionalização do idoso: identidade e realidade. In: Cortelletti IA, Casara MB, Herédia VBM. Idoso asilado, um estudo gerontológico. Caxias do Sul, RS: Educs/Edipucrs; 2004. p.13-60.. O Art. 229 da Constituição Federal defende que família, sociedade e Estado devem amparar as pessoas idosas 2626. Brasil. Constituição Federal. In: Angher AJ. Vade mecum academic de direito. 2aed. São Paulo: Rideel; 2005. p.1-91.,2727. Bessa MEP, Silva MJ. Motivações para o ingresso dos idosos em instituições de longa permanência e processos adaptativos: um estudo de caso. Texto & Context Enferm. 2008;17(2):258-65., bem como o Art. 3o, do Estatuto do Idoso, prevê o atendimento às pessoas idosas por meio de suas próprias famílias 11. BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso/Ministério da Saúde. 2aed. Rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.. Igualmente, conflitos intergerações e familiares acabam por promover a transferência dessa pessoa idosa do âmbito familiar para uma ILPI.

Tradições familiares sempre trouxeram consigo relações familiares intensas, nas quais as gerações mais novas eram incumbidas dos cuidados com as mais velhas, permitindo que a pessoa envelhecesse no seu ambiente de costume. A partir da entrada da mulher no mercado de trabalho - pois esta sempre foi associada ao cuidado da família - e a redução da fecundidade, os círculos familiares têm sofrido uma redução e, por consequência, faz com que as pessoas idosas tenham que adaptar-se a nova realidade, após a vivência de uma vida inteira no seio familiar. Tal segregação familiar anterior ao processo de institucionalização pode ser o primeiro conflito que a pessoa idosa terá que enfrentar até a decisão final pela institucionalização. Nesse contexto, além do trauma da institucionalização em si, a pessoa idosa traz consigo, também, os traumas e conflitos que culminaram nesse processo.

Pessoas idosas apresentam-se como sujeitos influenciados e modificados por sua cultura, suas vivências e histórias de vida. O próprio envelhecimento ocorre de maneira particular a cada um, que constrói uma maneira singular de compreender e vivenciar sua velhice. Entretanto, a institucionalização tende a refrear seus internos a um estilo de vida de valorização do coletivo perante o individualismo, pautando-se no estabelecimento de regras, na redução da rede social, do trabalho e da independência financeira, que levam a pessoa idosa não só a adaptar-se às mudanças de espaço físico, mas sim desviar o planejamento de sua vida de forma repentina e severa 2828. Freire Júnior RC, Tavares MFL. A promoção da saúde nas instituições de longa permanência: uma reflexão sobre o processo de envelhecimento no Brasil. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2006, 9(1): 83-92.. Assim, tal processo pode promover, na pessoa idosa, grandes transformações do ponto de vista pessoal e do seu papel social. Essa transformação, por vezes radical, é marcada pela perda da liberdade, pelo abandono dos filhos, pela ansiedade quanto à condução do tratamento pela equipe de saúde, além da aproximação da morte, entre outros sentimentos e situações específicas 2929. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 768-77.. Goffman 1919. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. 7a ed, São Paulo: Editora Perspectiva; 2001. indica que tal transformação desencadeia, inicialmente, uma “mortificação do eu”, que suprime tanto a concepção de si mesmo quanto da cultura que traz consigo, originárias de sua vida familiar e civil na sociedade. Deste modo, a pessoa idosa que antes de ser institucionalizada construía seu mundo-vida em meio à sociedade, à família, a um ambiente produtivo e independente, com dinâmicas próprias, necessitará reinventá-lo a partir do momento em que passa a residir em uma ILPI, desconstruindo-o e construindo-o conforme a nova vivência, com o afastamento familiar e social, com a limitação da produtividade, na ausência de perspectivas e segundo a dependência e obediência dos profissionais da instituição.

A partir de então, se faz imperativo a ativação de mecanismos de reorganização pessoal que reestruturem o indivíduo idoso às regras da instituição, às rotinas diárias e às proibições que, uma vez acatadas, favorecem um convívio aparentemente harmonioso. Perante essas mudanças, as pessoas idosas podem lançar mão de táticas de adaptação, que emergem como respostas às novas regras ambientais. Dentre as estratégias pessoais de enfrentamento mais empregadas, destaca-se o afastamento da situação - desatenção aos acontecimentos; a intransigência - não cooperação à instituição; a colonização - vislumbrar a instituição como algo melhor que as experiências negativas do mundo exterior; a conversão - aceitação total do papel de institucionalizado; a viração - combinação de várias táticas visando reduzir o sofrimento e, por fim a estratégia de imunização, na qual o mundo institucional, ou seja, o novo mundo-vida é adotado pela pessoa idosa como habitual e sem novidades 1919. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. 7a ed, São Paulo: Editora Perspectiva; 2001..

No contexto do envelhecimento da população brasileira, sem dúvidas, a ILPI ocupa um espaço necessário e relevante na assistência à pessoa idosa, principalmente àquelas com limitado suporte familiar. Entretanto, existem lacunas em sua estrutura e organização que refletem insatisfação das próprias pessoas idosas e até mesmo da sociedade.

Quando se busca um local para viver, a escolha é favorecida pela possibilidade da instituição não ser somente um abrigo, todavia de aproximar-se, o máximo possível, de um lar. Destarte, compete aos profissionais da ILPI manter seu ambiente, não somente o mais agradável possível à pessoa idosa, mas sobretudo com possibilidades reais de atender suas necessidades biopsicossocioespirituais. Mas como implementar tais intervenções voltadas à população idosa desconhecendo as repercussões da desconstrução e construção do seu mundo-vida na ILPI?

Outro aspecto a ser buscado são as estratégias de enfrentamento, as quais os profissionais devem saber distingui-las e, caso sejam eficazes, apoiá-las e fortalecê-las, a partir dos significados que a pessoa idosa atribui a tais estratégias. Caso essas não sejam eficazes, também é premente que os profissionais as identifiquem para implementar intervenções que objetivem estimulá-las para que alcancem eficácia.

A prática de intervenções mais assertivas pode promover a proximidade entre pessoas idosas e equipe, bem como o resgate da individualidade dessas. A individualidade é resgatada no momento em que conseguimos apreender a realidade dos institucionalizados a partir de suas próprias perspectivas, reconhecendo aquilo que eles realmente esperam da ILPI.

Assim, compreender o significado da vivência da pessoa idosa residente em uma ILPI possibilita ao profissional ampliação de conhecimento, seja referente às avaliações clínicas, aos diagnósticos ou às intervenções, tanto quanto na pesquisa, a fim de proporcionar segurança à pessoa idosa e melhorias na sua qualidade de vida. As falas dessa pessoa idosa encontram-se impregnadas de valores e experiências adquiridas ao longo da vida de cada um e são eles que determinam profundamente sua maneira de perceber e entender os significantes ao seu redor •

Agradecimento

À Agência de Fomento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS

  • 1
    BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso/Ministério da Saúde. 2aed. Rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
  • 2
    Silva BT, Santos SSC. Cuidados aos idosos institucionalizados - opiniões do sujeito coletivo enfermeiro para 2026. Acta Paul. Enferm. 2010; 27 (6): 775-81.
  • 3
    Duca GFD, Cozzensa Silva M, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev. Saúde Pública. 2009; 43(5): 796-805.
  • 4
    Lima-Costa MF. Epidemiologia do Envelhecimento no Brasil. In: Rouquayrol MZ, Almeida-Filho N. Epidemiologia e Saúde. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p.499-513.
  • 5
    Veras RP, Lourenço R, Martins CSF, Sanches MA, Chaves PH. Novos paradigmas do modelo assistencial do setor saúde: consequência da explosão populacional dos idosos no Brasil. In: Veras RP. Terceira idade: Gestão contemporânea em saúde. Rio de Janeiro, Relume-Dumará: UNATI/UERJ; 2002. p.11-79.
  • 6
    Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev. Saúde Pública. 2009; 43(3): 548-554.
  • 7
    Berquó E. Algumas considerações demográficas sobre o envelhecimento da população do Brasil. In: Anais do I Seminário Internacional Envelhecimento Populacional: uma agenda para o final do século. Ministério da Previdência e Assistência Social. Brasília: MPAS; 1996. p.16-34.
  • 8
    Araújo NPD, Britto Filho DCC, Santos FDLD, Costa RVD, Zoccoli TLV, Novaes MTCG. Aspectos sociodemográficos, de saúde e nível de satisfação de idosos institucionalizados no Distrito Federal. Rev. Ciênc. Méd. 2008; 17(3-6): 123-132.
  • 9
    Medeiros SAR. O lugar do velho no contexto familiar. In: Py L, Pacheco JL, Sá JLM, Goldman SN. Tempo de Envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: NAU; 2004. p.185-192.
  • 10
    Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas: Alínea; 2004.
  • 11
    Foucault M. Microfísica do poder. 18 ed. São Paulo: Graal; 2003.
  • 12
    Ximenes MA, Côrte B. A instituição asilar e seus fazeres cotidianos: um estudo de caso. Estud. Interdiscip. Envelhec. 2007; 11: 29-52.
  • 13
    Rezende JM. Linguagem médica: “institucionalização” do idoso [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.usuarios.cultura.com.br/jmrezende Acesso em setembro de 2013.
    » http://www.usuarios.cultura.com.br/jmrezende
  • 14
    Groisman D. A infância do asilo: a institucionalização da velhice no Rio de Janeiro da virada do século. (Dissertação). Rio de Janeiro: Mestrado em Saúde Coletiva, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social; 1999.
  • 15
    Araújo CLO, Souza LA, Faro ACM. Trajetória das instituições de longa permanência para idosos no Brasil. Enf. Rev. Eletr. 2010; 1(2): 250-262.
  • 16
    Pollo SHL. Instituições de longa permanência para idosos-ILPIS: desafios e alternativas no município de Rio de Janeiro. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2008; 11(1): 29-44.
  • 17
    Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Manual de funcionamento para Instituição de Longa Permanência para Idosos. São Paulo; 2003.
  • 18
    Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada-RDC, nº 283; 26 de setembro de 2005.
  • 19
    Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. 7a ed, São Paulo: Editora Perspectiva; 2001.
  • 20
    Veras R. A reestruturação do Abrigo Cristo Redentor: o macro asilo transformado em uma minicidade. PHYSIS. 1997; 7(2): 85-104.
  • 21
    Kanso S, Camarano AA, Mello JL, Carvalho DF. As Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil. Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu-MG, Brasil, de 20 a 24 de setembro; 2010.
  • 22
    Camarano AA, Kanso S, Pasinato MT, Mello JLE. Idosos brasileiros: indicadores de condições de vida e de acompanhamento de políticas. Brasília: Presidência da República, Subsecretaria de Direitos Humanos; 2005.
  • 23
    Brasil. Portaria no 810. Normas para funcionamento de casas de repouso, clínicas geriátricas e outras instituições destinadas ao atendimento ao idoso; 1989.
  • 24
    Chaimowicz F, Greco DB. Dinâmica da institucionalização de idoso em Belo Horizonte, Brasil. Rev. Saúde Pública. 1999; 33(5): 454-60.
  • 25
    Herédia VBM, Cortelletti IA, Casara MB. Institucionalização do idoso: identidade e realidade. In: Cortelletti IA, Casara MB, Herédia VBM. Idoso asilado, um estudo gerontológico. Caxias do Sul, RS: Educs/Edipucrs; 2004. p.13-60.
  • 26
    Brasil. Constituição Federal. In: Angher AJ. Vade mecum academic de direito. 2aed. São Paulo: Rideel; 2005. p.1-91.
  • 27
    Bessa MEP, Silva MJ. Motivações para o ingresso dos idosos em instituições de longa permanência e processos adaptativos: um estudo de caso. Texto & Context Enferm. 2008;17(2):258-65.
  • 28
    Freire Júnior RC, Tavares MFL. A promoção da saúde nas instituições de longa permanência: uma reflexão sobre o processo de envelhecimento no Brasil. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2006, 9(1): 83-92.
  • 29
    Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 768-77.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2015
  • Revisado
    23 Jun 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
Instituto de Salud Publica, Facultad de Medicina - Universidad Nacional de Colombia Bogotá - DF - Colombia
E-mail: revistasp_fmbog@unal.edu.co